Conferência na III Semana de Estudos de "Catolicismo"
1955
( Sem revisão do autor )
AS TRÊS REVOLUÇÕES
O PAPEL DAS TENDÊNCIAS
O mundo todo sofre uma crise que é de fundo religioso e de fundo moral. E todas as crises que nascem dessa crise religiosa e moral se estendem para o terreno político, se estendem para o terreno social e econômico e constituem essa grande crise omnímoda e geral, que é a crise do século XX.
De maneira que, em última análise, certos problemas que nos preocupam muito, como por exemplo, a crise do Estado, a debilidade do Estado moderno diante dos elementos de desordem, de anarquia, de agitação, que têm aparecido, de um lado. De outro lado a hipertrofia do Estado que se torna totalitário e que se torna invasor.
A crise da questão social:
Participantes da III Semana de Estudos de "Catolicismo" - 1955
os ricos que se tornam por demais ricos, os pobres que caem na miséria, o antagonismo das classes sociais. A crise da cultura e a crise de uma coisa especial que nós poderíamos chamar a poesia e a beleza da vida.
A vida moderna não tem mais beleza nem poesia, ela perde cada vez mais o seu encanto, ela perde cada vez mais a sua nobreza. Há uma crise verdadeira nesse sentido. As almas de mais vôo se sentem asfixiadas dentro do mundo moderno. Há um problema do domínio da beleza sobre a vida, que foi completamente destruído dentro do mundo moderno.
Essa crise também e todas as outras crises nascem de uma crise de caráter religioso. Essa crise de caráter religioso é que eu vou tratar de desenvolver.
A tese que eu vou sustentar agora, não é uma tese minha. Ela foi sustentada pelo Papa Leão XIII, numa encíclica muito pouco conhecida e que, no entanto, é uma encíclica do maior mérito e da maior importância. É a encíclica chamada Parvenu à la 25ème année.
Como os senhores sabem, as encíclicas são conhecidas pelo seu primeiro nome em latim. Mas esta encíclica não teve edição latina. Ela teve uma edição oficial francesa e uma outra edição alemã. E por causa disso ela é conhecida, nos povos de língua latina, pelo nome francês.
Qual é o significado dessa encíclica?
Os senhores sabem que Leão XIII governou a Igreja num período de muita confusão de idéias. Os frutos da Revolução Francesa estavam campeando no mundo ocidental e problemas de toda ordem, idéias novas, de toda ordem tinham penetrado no Ocidente e abalavam a estrutura social do Ocidente.
Era a questão do liberalismo, do socialismo, do comunismo, a questão da filosofia tomista sim ou não, a questão do operário, a questão da liberdade, do livre arbítrio, do determinismo e cem outras questões.
E Leão XIII, então, fez uma série de encíclicas que constituem um verdadeiro sistema, para se opor a esses erros.
As encíclicas de Leão XIII, no seu conjunto, constituem como que uma grande muralha com várias torres para constituir um dique contra a invasão dos erros modernos.
Ora, quando Leão XIII chegou ao 25º ano do seu longo pontificado - ele governou 27 ou 28 anos - o seu pontificado estava para terminar, ele escreveu essa encíclica Parvenu à la 25ème année, que é exatamente comemorativa do seu jubileu. E nessa encíclica ele declarou que essa Parvenu à la 25ème année era a cúpula de todas as encíclicas que ele havia escrito e que era o testamento espiritual que ele deixava para o mundo moderno.
Por uma dessas coisas que não se compreende, a gente diria que o poder das trevas não é alheio a isto, esta encíclica de tal importância, de um Papa cujas encíclicas são tão importantes, tão conhecidas e tão estudadas, precisamente essa encíclica caiu num olvido completo. E por causa disso essa encíclica não é conhecida, por exemplo, pelos professores de História.
Eu vou desenvolver as teses dessa encíclica e os senhores vão ver que luz prodigiosa ela projeta sobre todos os problemas de História Contemporânea.
Qual é a doutrina desenvolvida por Leão XIII? A encíclica o que é que sustenta? o que é que ela diz?
Nós vamos tomar como ponto de partida para explicar o que a encíclica diz um dos dois dogmas fundamentais da sociologia católica, das quais primeiro é o pecado original e o segundo é a Redenção do gênero humano por Nosso Senhor Jesus Cristo. E vamos analisar antes o dogma do pecado original.
Afirmações da Igreja a propósito do dogma do pecado original. A luta da razão contra a sensibilidade
O que é que a Igreja nos afirma dentro do dogma do pecado original?
A Igreja nos diz que o homem foi criado por Deus num estado de justiça e que ele era uma criatura sem nenhuma espécie de fraqueza ou de debilidade. Em conseqüência desse fato, a inteligência humana não era propensa ao erro; a vontade humana não era propensa ao mal e o homem não tinha apetites que o conduzissem ao mal.
Mas depois do pecado original que os senhores conhecem e que, diga-se de passagem, não foi como muitos pensam o pecado sexual - não há quem pense entre os teólogos sérios que tenha sido um pecado sexual o pecado original -, depois do pecado original o homem ficou um ser profundamente enfermiço, profundamente débil e doente e que por causa do pecado original a inteligência humana se tornou sujeita a erro, a vontade se tornou fraca e, ponto que sobretudo eu vou destacar aqui, houve uma ruptura entre a sensibilidade humana e a razão.
Às vezes a inteligência humana vê uma coisa, mas a sensibilidade humana apetece outra coisa diferente, e se cria diante de nós um verdadeiro conflito.
Eu dou um exemplo que eu me lembro que conversando ontem (...) eu tive ocasião de evocar. O diabético por exemplo. O diabético é proibido pelo médico de comer açúcar. Por uma infeliz coincidência, precisamente a diabete desperta a vontade de comer açúcar. E nós temos, então, um conflito instalado dentro da criatura humana.
Quer dizer, a inteligência demonstra que não se deve comer açúcar, mas os sentidos pedem com muita premência açúcar. Um operado, logo depois de uma grande operação, porque perdeu muito sangue ele sente sede, mas os médicos dizem que a pessoa que acabou de ser operada não deve beber água. E então dá-se um conflito entre a inteligência que crê no médico e sabe que não deve beber água, mas o apetite do organismo que pede ardentemente a água.
Esse fenômeno do recém operado, fenômeno do diabético, é apenas um ou outro fenômeno exemplificativo, mas no fundo todos nós homens somos, debaixo de certo ponto de vista, um diabético ou um recém operado. Porque todos nós, em conseqüência do pecado original, temos uns impulsos de temperamento, temos uns apetites de sensibilidade, por onde nós desejamos ardentemente coisas que nós não devemos desejar, que nossa razão indica que nós não devemos querer.
E daí o que nos falou São Paulo a respeito das duas leis: a lei da carne e lei do espírito. A lei do espírito que nos mostra uma coisa, mas a lei da carne que nos arrasta para outra coisa.
É por isso também que Nosso Senhor disse: "Vigiai e orai porque o espírito é pronto, mas a carne é fraca".
A verdadeira coragem é a do homem que sente os ímpetos de sua natureza desregrada e luta para não ceder
Por isso nós vemos tantas vezes um soldado que está defendendo a sua pátria, ele está num posto de sentinela na vanguarda, ele sabe que ele deve morrer como um herói, mas de repente começa a troar a artilharia adversária e ele sente uma coisa medonha dentro de si. E se ele não for um homem muito corajoso, ele acaba fugindo.
É conhecido o caso do Rei de França, Henrique IV, que era um homem muito medroso e muito corajoso ao mesmo tempo. Ele como tinha um espírito de conservação muito vivaz, ele ia para a guerra tremendo de medo. Mas como ele queria ganhar as batalhas, ele combatia na frente de seus soldados tremendo de medo. E para mostrar aos seus soldados que a sua razão não pactuava com essa fraqueza da carne, ele combatia tremendo e dizendo para o seu corpo mesmo: "Tremble vieille carcasse".
Enquanto a carcaça tremia, o rei combatia porque queria ganhar a guerra.
É a verdadeira coragem. A coragem não é nem a do doido, nem do estourado que não entende o perigo que pode correr, mas a coragem do homem que sente o ímpeto do medo, mas ao mesmo tempo procura dominar-se, procura lutar, procura não ceder às solicitações do medo.
Dois outros exemplos de irracionalidades, frutos do pecado original: a vaidade no homem e a sensualidade
Nós temos dois outros exemplos, que são muito mais frisantes do que esse. Um exemplo que eu evoco aqui, porque é um exemplo que todos nós conhecemos por nossa dolorosa experiência: é a vaidade.
Nós homens dizemos que as mulheres são vaidosas. Coitadas! Elas têm a vaidade para o lado de fora da pele. De maneira que, qualquer coisa, a vaidade delas aparece. Então nós damos risada e dizemos que elas são vaidosas. Mas se nós formos aprofundar as coisas, nós veremos que nós não somos menos vaidosos do que elas. Apenas nossa vaidade é subcutânea. Nós sabemos disfarçá-la melhor. Nossa vaidade consiste em alguns outros pontos, mas que todo homem é vaidoso, isto não tem dúvida nenhuma.
E o mais curioso é o seguinte: quando um homem tem verdadeiramente uma qualidade, em relação a essa qualidade ele não é muito vaidoso, mas ele é vaidoso em relação às qualidades que ele não tem. Quando ele tem pouco uma qualidade, quando aquela qualidade é pequena, então daquilo ele se envaidece. E quando se faz um elogio àquele respeito, ele fica contente.
Mas quando ele tem uma dessas grandes qualidades, sólidas, que todo mundo vê, que ninguém pode discutir, ele não é vaidoso, ele é relativamente simples.
Eu conheço um senhor que é muito inteligente, especializado em determinada matéria, onde ele passa por ser um dos maiores especialistas do mundo; a matéria dele não é geografia.
Ele nesses assuntos é de uma simplicidade, de uma candura de chamar atenção. Mas ele tem um fraco. Ele tem mania de conhecer geografia do Brasil que está abaixo da especialidade dele.
De maneira que quando a gente pergunta diante dele onde fica a Serra da Confusão e ele responde que é em Minas. A gente então finge uma surpresa: "Mas você então conhece todos os lugares?"
Pronto, a noite está ganha para ele.
Se você disser: "Mas eu admiro sua competência, você é o autor de tal livro, sabe tal coisa".
Para ele é indiferente. O fraco dele é ser especialista em Geografia que ele conhece relativamente.
O homem portanto é vaidoso, e ele é vaidoso em extremo. Há o gosto do homem pelo elogio, o gosto do homem pela consideração e pelo respeito, pela preeminência. Como um homem gosta de aparecer em qualquer ordem de coisas que seja!
E chega a um ponto tão formidável que uma pessoa uma vez me fez uma confidência. É um rapaz que me contou o seguinte: por prescrição médica, coisa muito comum, ele usava óculos. Ele tinha uma certa vaidade de dizer que o médico achava a vista dele muito ruim, que recomendava que usasse óculos desde a manhã até a noite.
Que vaidade pode haver nisso eu não sei. Ele contava isso com certa lisonja.
Eu no fundo percebi o que estava na consciência dele. É que o médico deu uma ordem para ele. Ele foi objeto de atenção pelo menos do médico. Já é alguma coisa. Alguma coisa que chama atenção por algo.
Os senhores compreendem, então, como a vaidade humana pode ser a respeito de tudo. Das coisas mais surpreendentes o homem pode ter vaidade.
Eu conheço um outro caso que eu não me furto de contar porque é curioso.
Alguém, uma ocasião, escreveu um trabalho. E não podendo publicar o trabalho com seu próprio nome, publicou com o nome de um amigo. O amigo manda depois de algum tempo pagar esse trabalho, encadernar com uma encadernação muito bonita, colocar seu próprio nome e guardar na biblioteca. Ele sabe que ele não fez o livro. Mas é tão agradável a gente escrever o livro, pôr o nome da gente...
Há uma coisa muito mais triste do que a vaidade, e essa coisa se chama sensualidade.
Não existe um homem que não sinta o aguilhão da carne. Não existe um homem que entregue a si mesmo, não seja polígamo. Não existe um homem que entregue a si mesmo não tenha tendência de praticar o ato sexual fora das regras que a razão manda.
Uma vez que esse ato visa a reprodução da espécie, ele só pode ser praticado no casamento. Praticado fora do casamento, quer dizer, no estado de solteiro, ele é um pecado mortal; praticado no casamento, mas fora dos vínculos conjugais, ele constitui um pecado mortal ainda mais grave que é o pecado do adultério.
Não existe um homem que não sinta o aguilhão da carne que o leva a praticar o pecado mortal de todos os modos. Por quê? Porque essa é a natureza humana corrompida pelo pecado original.
Por efeito do pecado original o homem é tendente ao mal. Sem a graça é impossível a prática durável de todos os mandamentos
E os senhores vejam bem que a doutrina católica coloca a questão nos seguintes termos: às vezes se ouve dizer: "Fulano no fundo é bom. Ele fez tais tolices, ele deu tais cabeçadas, mas ele no fundo é um homem bom".
Isso é especificamente contra a doutrina católica porque precisamente no fundo, o homem não é bom. Precisamente no fundo, o homem, por seus impulsos, tende para o mal. E é preciso um trabalho árduo, penoso, difícil, de controle para que o homem evite o mal e pratique o bem.
A prática do bem é árdua, a prática do mal é, em geral, sedutora e agradável.
E o homem luta, mas uma luta enérgica e penosa para se conservar dentro do caminho do bem e evitar o mal. Tão enérgica e tão penosa que a Igreja Católica tem até uma doutrina que alguns autores consideram dogma, alguns autores consideram sentença comum de todos os teólogos, portanto verdade de Fé, que é a seguinte: é tão difícil a gente praticar todos os mandamentos, que sem a graça de Deus o homem não consegue praticar duravelmente a totalidade dos Mandamentos.
Um homem que pratica os Dez Mandamentos é tão superior à natureza humana, como uma campainha dessas, de repente, começasse a fazer a minha conferência. Os senhores imaginem a admiração que os srs. teriam se eu me calasse e essa campainha continuasse a fazer minha conferência.
Pois bem. Um homem está tão fora da força humana praticar duravelmente todos os mandamentos, quanto está fora dessa campainha fazer uma conferência.
Para a perseverança são necessárias três virtudes principais: humildade, castidade e fortaleza
Por aí os senhores estão compreendendo como é árduo seguir os mandamentos. Nós deduzimos daí três conclusões que eu quero acentuar muito, porque elas me servem para desenvolver este quadro que eu tenho aqui.
Primeira dificuldade que o homem tem: orgulho. O homem não gosta de estar sujeito a ninguém. Ele gosta de ser superior, ele gosta de mandar.
Segunda dificuldade que o homem tem: lascívia e concupiscência. Ele quer dar vazas a seus instintos. Ele quer viver como um animal no pasto e por isso ele sofre com a obrigação da pureza.
Terceira coisa: como ele é obrigado a lutar por essas duas virtudes, ele tem que desenvolver um esforço, e nós somos preguiçosos desse esforço. Nós não queremos desenvolver o esforço necessário para sermos castos. Nós não queremos desenvolver o esforço necessário para nos conservarmos humildes. Isto representa um esforço muito forte e esse esforço nós não queremos desenvolver.
Então, nós temos como tripeça de toda a vida espiritual dentro da Igreja Católica essas três virtudes principais: a virtude da humildade, a virtude da castidade e a virtude da fortaleza, em virtude da qual o homem desenvolve os esforços necessários para se conservar na linha da perseverança. Não falo das virtudes morais, não falo das virtudes teologais.
Idade Média: época em que a sabedoria do Evangelho penetrou profundamente em todos os homens
Agora, nós vamos notar - essa introdução que fiz é uma espécie de (resumo) da doutrina de Leão XIII, mas agora o que vou dizer é Leão XIII quem diz -, nós vamos notar a descrição do mundo medieval, no tempo em que a doutrina católica dominava todos os espíritos.
Leão XIII, numa página famosa, ele fala a respeito da Idade Média e faz o elogio da Idade Média, ele diz então que a Idade Média, tão malsinada às vezes pelos próprios católicos, a Idade Média foi a época em que a sabedoria do Evangelho penetrou profundamente em todos os homens. Todas as instituições e todos os costumes amoldando à doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Ora, qual era a organização do mundo católico no tempo da Idade Média?
Eu sou obrigado a desenvolver um pouco essa conferência, para dar uma idéia da organização européia na Idade Média.
As três classes na Idade Média. A mais alta das missões que um homem possa ter na Terra é ser ministro da Santa Igreja
Na Idade Média, as classes sociais eram três: havia o clero, a nobreza e o povo.
A primeira classe social era o clero, a segunda classe era a nobreza e a terceira classe social era o povo.
Agora, essas classes sociais eram de importâncias diversas, por causa da diversidade de funções que elas exerciam dentro da sociedade.
A Igreja Católica parte da noção que a todo homem reto, que queira verdadeiramente conhecer a realidade, se torna claro que a Igreja é a Igreja verdadeira. Isso porque foi prometido pelos Anjos de Belém. Não só foi proclamado glória a Deus no mais alto dos céus, mas foi prometido a paz na terra aos homens de boa vontade. E prometendo a paz, os Anjos, prometeram a fé, porque a fé é o ponto de partida e o fundamento da verdadeira paz.
A todos os homens da Terra, que ouvem a pregação da Igreja e que têm boa vontade, a todos os homens é assegurado pela graça a possibilidade de se certificarem que a Igreja é a Igreja verdadeira.
De maneira que partindo desse pressuposto e como toda a Europa tinha recebido a boa nova do Evangelho, partia-se desse (pressuposto) de que a Igreja Católica era a verdadeira, de uma verdade tão certa, tão patente e tão evidente quanto é para nós a Terra redonda.
E é uma verdade acessível a cada um. Mas é uma verdade certa, de certeza absoluta, indiscutível que a Igreja Católica é verdadeira.
Como a Igreja Católica é verdadeira, a mais alta das missões que um homem possa ter na Terra é ser ministro dessa Igreja, uma vez que é o representante de Deus na Terra. Então, a primeira classe social tinha que ser necessariamente o clero. Classe social de um recrutamento democrático. Isto é muito importante notar. A Igreja nunca entendeu que o clero fosse privilégio de uma aristocracia.
No Egito, por exemplo, o clero era privilégio de uma aristocracia; em várias religiões pagãs o clero era privilégio de uma aristocracia. Mas para a Igreja Católica, a condição de sacerdote nunca foi privilégio de uma aristocracia.
O homem de qualquer condição social, desde que tenha o chamado divino, pode ser filho do homem mais humilde, poder ser até um enjeitado, desde que ele tenha o chamado divino, ele pode ascender ao sacerdócio. E depois ele pode subir e chegar até o Sumo Pontificado.
E por isso, na Idade Média nós tivemos no ápice do clero, mas os srs. estão vendo também no ápice de toda hierarquia social, homens pertencentes à plebe.
As funções do clero na Idade Média
Essa classe tinha três funções: a primeira função do clero era ensinar a palavra de Deus e distribuir os Sacramentos, que são a base de toda a vida sobrenatural e são, portanto, a base de toda a santificação.
Além dessa função, o clero exercia duas outras funções: todo o ensino estava em mãos do clero.
Nem sempre, mas de um modo geral, era o clero que possuía as universidades. O clero era que tinha o tipo de escola meio secundária, meio primária que se usava na Idade Média. E ia tão longe o controle sadio que o clero exercia sobre o ensino que, por exemplo, na arquidiocese de Paris ninguém podia exercer o magistério, nem o magistério particular, sem uma licença do Bispo, atestando que se tratava de um homem de boa doutrina e bons costumes.
A alguns espíritos poderá parecer muito tirânico essa disposição. Mas os srs. hão de concordar comigo num ponto: era que se o mundo tivesse continuado nessa linha, a face da Terra era outra. E quem suspendeu essas medidas é responsável por tudo que sucedeu depois que essas medidas foram suspensas. Porque quando a gente tem búfalos de um lado e depois umas porteiras e a gente levanta a porteira, quem levantou a porteira fica responsável por tudo quanto os búfalos fizerem. Assim, quem suspendeu essa medida fica responsável pelo que aconteceu depois. O ensino distribuído pelo clero era, em via de regra, o ensino gratuito e o clero pagava isso com seus bens, que eram bens enormes e com os dízimos que ele recolhia da população.
De maneira que todos os encargos que naturalmente o Ministério da Educação desempenha com um gasto enorme para o Estado, todos os gastos do Ministério da Educação ficavam a cargo do clero.
Além dos gastos do Ministério da Educação ficarem a cargo do clero, o clero tinha também o encargo da saúde pública. Todas as obras de caridade estavam a cargo do clero.
Na antiguidade, antes de Jesus Cristo, não havia obras de caridade. Os primeiros hospitais foram fundados por cristãos e ao longo da Idade Média o clero multiplicou - quando falo em clero, eu incluo as ordens femininas, que não constituem clero, mas que por extensão eu incluo nessa expressão - o clero multiplicou o número de hospitais por toda a Europa. E pela primeira vez, em toda a história do mundo, um continente se cobriu de hospitais para tratar dos desvalidos, dos pobres, dos mendigos, dos viajantes que não tinham naquele tempo nem vagões-restaurantes, nem aeroportos, nem trens, nem ônibus e que eram expostos a muitos riscos, tudo isso foi o clero que fez.
E daí então, como isto era às expensas do clero, nós podemos também dizer que as despesas da saúde pública eram todas elas a cargo do clero.
O padre é ao mesmo tempo o sacrificador e a vítima
Então, qual é a noção que nós temos do clero?
É a primeira [classe] social, porque é a classe social que tem uma mais alta missão.
Basta isto?
Não. Há um outro correlativo. É a classe social que exige de seus membros os sacrifícios mais pesados. Clero não pode casar-se; o clero não deve aspirar às riquezas nem às pompas da terra; o clero é obrigado, pela natureza das coisas, a viver exclusivamente para o sacrifício; o padre é, por excelência, ao mesmo tempo que o sacrificador, a vítima.
Quando eu falo do clero não posso deixar de me lembrar de uma (gravura) muito bonita, representando um padre novo que celebra Missa. E então Nosso Senhor aparece a ele, de um modo mais ou menos como apareceria em uma visão, o padre está sacrificando e Nosso Senhor ao mesmo tempo está colocando uma coroa de espinhos em cima do padre. E os dizeres embaixo são de uma admirável ambiguidade: pontifex et victima.
Nosso Senhor na Missa é pontífice e vítima. Ele é vítima, mas Ele é que oferece. O padre por sua vez, é pontífice porque ele representa Nosso Senhor e ele é vítima no sentido de que o padre deva se imolar, deve se sacrificar. É o homem da cruz e do sacrifício.
Então, duas razões para o clero ser a mais alta classe social: em primeiro lugar porque é a classe que tem as maiores tarefas e as mais nobres e, em segundo lugar, porque é a classe que arca com o sacrifício maior.
Abaixo dessa classe nós temos a nobreza.
A tarefa da nobreza era, por excelência, derramar seu sangue no campo de batalha
A nobreza, o que vinha a ser?
Os nobres eram, de um modo geral, agricultores. E quando nós queremos nos referir ao agricultor, nós nos referimos na Idade Média ao senhor feudal.
Os srs. Imaginem, para terem a idéia do que é o senhor feudal, imaginem o seguinte: um fazendeiro paulista, ou para os senhores que são do norte, um senhor de engenho de Pernambuco ou da Bahia, um fazendeiro de Minas, um senhor de terras lá nos pampas, etc, os senhores imaginem um homem desses que nas suas terras é ao mesmo tempo proprietário, juiz, delegado e prefeito, de maneira tal que dentro de suas terras ele tenha o direito de dono, mas ele administra tudo como um prefeito faria; mantém uma tropazinha para ter a ordem pública e defender o feudo contra os agressores e ao mesmo tempo é o juiz quando acontece alguma coisa.
Ele é, portanto, o Estado dentro da sua propriedade. Para isso ele não ganhava do rei um ceitil [moeda de pouco valor]. Ele tinha todas as obrigações e não ganhava do rei nada. Ele mantinha a administração com algum imposto que ele recolhia dos próprios homens que moravam em suas terras.
Este senhor feudal nessas condições, os senhores imaginam como representam isso certas figuras: o barão feudal, um homem gordo, opulento, com um ar saudável de quem acaba de comer um boi, com um riso na garganta larga e generosa, cabelão solto, uma coroazinha equilibrada aqui no ar, espadagão, bem plantado sobre seus pés e olhando com desprezo para o vilão que se aproxima; magro, esquálido, devorado pelo senhor feudal, tremendo de medo e oferecendo ao senhor feudal alguns frutos e algumas uvas, para as quais o senhor olha, pensando: "É só isso que esse homem faminto oferece para matar meu apetite já saciado?". Essas são caricaturas ridículas que a Revolução Francesa inundou o mundo e que continuam ainda a circular.
A verdade histórica reconhecida por todo mundo é muito outra.
Os senhores feudais eram homens, em via de regra, porque havia exceções - há exceções até no clero. Há pouco tempo em São Paulo, um padre foi quase linchado pela população. E se a população não tinha razão, porque não se pode linchar ninguém, muito menos um padre, pode-se dizer entretanto, que a acusação que ela fazia ao padre era verdadeira - se essas exceções existiam, o fato é que a nobreza era uma classe de grande abnegação para as suas respectivas terras, para os seus respectivos súditos.
O nobre, em caso de guerra, era o único obrigado a combater. Quando havia guerra, se o feudo era atacado, todos os homens do feudo eram obrigados a pegar em armas. Mas era só num perímetro de um ou dois dias de marcha em torno do feudo. Fora disso, se havia guerra, o plebeu não era obrigado a combater. Quem era obrigado a combater era o nobre.
Quando havia invasão do território pátrio, o rei convocava todos os nobres e todos os nobres eram obrigados a ir combater. Pagando seu armamento e pagando o armamento dos homens que quisessem ir com eles e ainda alimentando os cavalos à custa deles, nobres também.
O rei não gastava nada. O nobre era obrigado a combater e o plebeu só combatia na sua defesa. O nobre combatia na defesa do reino inteiro. O serviço militar obrigatório praticamente só existia para o nobre. E quando havia guerra os plebeus ficavam comendo, bebendo e dormindo e os nobres ficavam batalhando.
A tarefa da nobreza por excelência era derramar seu sangue no campo de batalha. Agora os senhores imaginem isso para um fazendeiro de hoje, ou para um senhor de engenho pernambucano. Eu chego para ele e digo:
- Meu caro coronel, o senhor não é barão. É um simples coronel. Não é barão, quanto menos conde. Quanto menos duque, nem se fala. O senhor imagine que eu lhe possa dar um título de duque. O senhor quer?"
Ele primeiro dirá que não, porque todos os homens são iguais, ele não faz conta dessas bobagens etc. Depois se eu insistir um pouco com ele, ele me diz:
- Bem, pode me dar. Eu não faço caso. Mas minha mulher gosta - e ele aceitará o título de duque.
Algum tempo depois, se alguém não o chamar de "senhor duque", ele fica sentido e manda passar o relho. Agora, eu pergunto: se eu chegar a esse homem e lhe disser:
- Meu caro coronel, eu vou lhe oferecer um título de duque. O senhor vai ter direito a uma coroa ornamentada com folhas de groselha, incrustadas com pérolas. O senhor vai ter precedência sobre todos os homens que não sejam da Casa imperial que existam no Brasil. Quando o senhor passar pelas portas, os alabardeiros vão abrir as portas inteiras, e quando o senhor entrar na sala eles vão exclamar, batendo três vezes com a alabarda no chão: "Eis aqui o senhor duque que chegou", e todo mundo se levantará e fará diante do senhor uma reverente inclinação. Mas o senhor tem para isso uma condição. Também lhe arranjo dinheiro; ficam ricos. Mas tem algumas condições:
- Primeiro, os senhores não podem morar na capital. Capital de vez em quando, Europa uma vez na vida. Morar em suas casas como o senhor feudal morava. Os senhores têm que exercer pessoalmente e gratuitamente os ofícios de delegado, de juiz e de prefeito de suas próprias terras.
- Segundo, quando houver guerra, eu tenho uma fórmula: seus plebeus ficam combatendo e o senhor vai pegar a bomba atômica à unha, porque o senhor é a classe batalhadora. E ninguém combate. Só o senhor e seus filhos e os filhos dos duques e dos nobres.
Os senhores acham que haveria muitos fazendeiros que quisessem ser duques, nessas condições? Eu tenho a impressão que muitos nobres desistiriam correndo de seus títulos de nobreza, muitos dos que ainda hoje conservam. Eu tenho impressão que nenhuma pessoa aceitaria títulos de nobreza nessas condições.
Os senhores estão vendo, portanto, por este teste psicológico, que a nobreza ela era também, uma situação de sacrifício. Sacrifício de governar grátis. É muito bonito a gente ser governante de São Paulo, governador de Minas, Bahia, Santa Catarina. Mas a gente ser prefeitinho de uma cidadela, juizinho de paz de um caboclo que vem contar que seu frango entrou correndo e comeu as cenouras do vizinho e o juiz tem que fazer justiça naquele caso... Ou então, a vaca do vizinho que muge e não deixa a mulher do vizinho dormir. Como é que a gente vai fazer com essa vaca e essa mulher, uma muge demais, outra dorme demais. Como é que se resolve o caso?
Bem, tudo isso é muito mais prosaico e essa é a realidade da vida do senhor feudal.
Nas horas de intervalo, tem guerra. Então, despede-se da mulher chorona, despede-se dos agricultores e plebeus que vão ficar em casa, a gente monta num cavalo e vai com dois ou três que a peso de ouro resolveram acompanhar a gente. A gente vai morrer.
Eu acho que há coisas mais divertidas em que levar essa vida. Eu creio que esses nossos fazendeiros de asfalto de São Paulo não aceitariam essa solução.
Os senhores estão vendo que era uma classe bem mais sacrificada que a dos fazendeiros de nossos dias.
À plebe cabiam as funções ligadas ao comércio e à indústria
A plebe é a terceira das classes sociais.
Qual é a função da plebe? Ela também tem uma função determinada. A produção do dinheiro pertence à plebe. A plebe é a classe econômica e monetária por excelência. Ela tem que entrar com o ouro. Por isso a plebe tem uma vantagem, um verdadeiro privilégio. O comércio só a plebe pode exercer; a indústria só a plebe pode exercer e quando um nobre exerce uma dessas profissões, o plebeu manda denunciá-lo, para ou lhe ver cassado o título de nobreza ou ele abandonar a profissão. Produzir dinheiro é com eles.
Mas os senhores compreendem que quem é o dono da fonte é o primeiro que bebe da água, e quem produz o dinheiro é o primeiro a se enriquecer com ele.
De maneira que a classe rica por excelência, sobretudo no século XV, não era a nobreza, era a burguesia. Era exatamente aquela parte da plebe que tratava dos negócios e se enriquecia.
Nós temos dois [tipos] de plebe: a plebe manual, que cuidava do trabalho material e temos a plebe burguesa.
Qual era a condição da plebe na Idade Média?
Eu vou lhes dizer simplesmente uma coisa: Karl Marx, no seu manifesto comunista, diz o seguinte: "A idade de ouro do operariado europeu foi a Idade Média".
Por outro lado, a idade do ferro foi para Karl Marx o século XIX.
Os senhores querem ter idéia da situação do plebeu na Idade Média?
O que é o plebeu da Idade Média?
Existem revivescências dele até hoje. É o português com seu gorro comprido, como era o pai da Jacinta e do Francisco, os videntes de Fátima. Nédio, sadio, bem nutrido, contente. É o tirolês; é o espanhol do interior da Espanha; é o holandês, o bávaro com seus trajes característicos regionais, suas bonitas casas, seu ambiente agradável. Este era o plebeu da Idade Média. O mundo inteiro ainda hoje vai aos lugares onde existem reminiscências desses plebeus, para ver porque acha bonito.
Quando um dia São Paulo for uma cidade velha e podre como Nínive e Babilônia, e que houver alguns revivescentes de São Paulo morando aí nas (casas) de cimento armado que ainda restar - porque eu creio que esse cimento fica até o fim do mundo - os senhores acham que os turistas virão aqui ver os homens que vão se vestir daqui a cem anos como os nossos operários? Macacão, casas feias, tudo pobre, ninguém vai querer ver isso. Quando muito vai ver os camponeses holandeses vestidos à maneira da Idade Média e morando nas casas da Idade Média. E essa era a Idade Média do ponto de vista econômico e social.
Feita essa (observação) vamos analisar aqui esse desenho: os senhores estão vendo que essa classe era a terceira porque ela cuidava daquilo que na vida é o menos importante: o dinheiro. Conceito que eu não ousaria dizer que é o moderno, porque eu acho que é bem o contrário na vida moderna, mas do qual eu afirmo que é profundamente católico.
Então, na hierarquia de valores qual é? Antes de tudo, a virtude e o saber. Depois, a coragem e a capacidade de governo e depois a produção do dinheiro. Nós temos três classes sociais com funções diferentes. A deveres maiores correspondiam direitos maiores e a justiça se põe nisto. Quanto mais alta a função, mais pesado o encargo, maiores as honras, porque a encargos pesados, funções pesadas, a justiça manda que se dê [maiores honras].
Essas classes que constituíam uma hierarquia abaixo do comando do rei, que é o mais alto dos hierarcas, essas classes eram por sua vez hierarquizadas. Aqui os senhores vêm o clero secular e o clero regular.
A Igreja foi fundada por Nosso Senhor num regime feudal e hierárquico
O clero secular e regular tem a organização que tem ainda hoje. Hierarquicamente falando isto não é muito exato, porque a hierarquia [enquanto] jurisdição, se compõe do Papa, bispos e padres. Mas a verdade é que a hierarquia de honras se compõe de Papa, de Cardeais, de arcebispos, de bispos, de padres. E entre os padres, os senhores tem os monsenhores, os cônegos, os simples padres. O senhores tem ainda cinco categorias de monsenhores: desde o (?) até um simples monsenhorzinho de aldeia, vamos nos exprimir assim. Os senhores encontram, entre os cônegos, os cônegos catedráticos, o cônego honorário. Entre os padres, os senhores encontram o vigário, o decano, o coadjutor etc.
Quer dizer, tudo isto é eminentemente hierárquico. A Igreja é organizada hierarquicamente. E o que tem de mais curioso é que não só a Igreja é organizada hierarquicamente, mas a Igreja organizada no regime feudal. Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu a Igreja feudalmente. O Papa está para os Bispos precisamente como o rei está para o senhor feudal.
O que é o Bispo?
É o príncipe feudal para assuntos espirituais. Ele é o senhor feudal da Igreja. A Igreja foi fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo no regime feudal.
Aqui os senhores tem o clero regular. O clero regular se compõe de: os gerais, os provinciais e depois os simples sacerdotes. O que é mais importante aqui é que a Igreja se divide em duas classes. A Igreja foi fundada por Jesus Cristo, diz São Pio X, como uma sociedade de desiguais. A Igreja não é uma sociedade de organização monárquica ou aristocrática. A Igreja se compõe de duas classes, diz São Pio X: a classe do clero e a classe dos fiéis: à hierarquia -- à qual o clero pertence, do ponto de vista de hierarquia de ordem - à hierarquia compete governar, ensinar e santificar. A nós, leigos, compete sermos governados, sermos ensinados e sermos santificados.
Aqui estão estes três moços. Eles daqui a alguns anos vão ser padres. Eu estou com 46 anos, eles estão com 20 e poucos anos. Quando eles ficarem padres, eles vão ser meus superiores, cabendo a eles em matéria de religião, me ensinar, me governar, me santificar e cabendo a mim deixar-me ensinar por eles, deixar-me governar por eles, deixar-me santificar por eles. Esta é a desigualdade que Jesus Cristo instituiu na Igreja.
Coisa dura, porque quer dizer o seguinte: eu estudo e não tenho direito de ensinar em nome da Igreja. Eles estudaram menos do que eu e têm o direito de ensinar em nome da Igreja. Porque são padres. Não é porque eles sabem mais, mas eles tem o poder e eu não tenho.
Mais ainda: se eles forem Bispos ou sobretudo forem Papas, eles tem o privilégio da Infalibilidade e eles ensinando uma coisa, eu tenho que dizer que o que eles dizem é branco, ainda que eu veja preto. Porque a razão está com eles e não está comigo. E não se discute, porque do contrário eu sou herege e estou perdido.
Os senhores estão vendo que essa organização é eminentemente hierárquica.
Os vários graus da hierarquia nobiliárquica
A nobreza é eminentemente hierárquica também. Os graus de nobreza são: barão, conde, marquês, duque, príncipe, rei.
O que é o rei? É a plenitude da nobreza.
O que é o príncipe? O príncipe tem uma participação do poder do rei. É a raiz quadrada do rei.
O que é o duque? É a raiz quadrada do príncipe. E de raiz quadrada em raiz quadrada, os senhor chegam até essa miniatura de rei que é o barão.
Coisa muito característica é o protocolo. O rei, num salão onde toda a nobreza esteja reunida - vamos simbolizar o protocolo mais ou menos assim, porque variou muito de corte para corte -, o rei senta-se numa cadeira sobre um estrado de vários degraus, com espaldar alto, com braços e um dossel em cima dele.
Nos degraus do trono, em cadeiras com espaldar e braço, mas que não tem dossel, sentam-se os príncipes. Mais adiante, em cadeiras de espaldar baixo e braço, depois vem cadeiras de espaldar sem braço e depois vem banquinhos sem espaldar nem braço. São as várias sucessões da nobreza, nos seus vários degraus, nas suas várias diminuições.
Então, nós poderíamos dizer que o barão é uma homeopatia de rei. O nobre portanto, se nós queremos definir as coisas bem, o nobre não é um homem que não obedece a ninguém, que não tem ninguém acima de si. O nobre tem sempre alguém acima de si: é um nobre de categoria acima de si. O nobre está sempre nesse (relacionamento) de respeito e obediência.
Nós temos o povo, dividido nessas duas categorias que ainda hoje conhecemos: a burguesia, que tem o trabalho da cabeça, ainda que seja a direção dos negócios e depois o trabalhador manual. Mais uma vez hierarquia.
Ao lado dessa organização eminentemente hierárquica, os senhores coloquem uma outra coisa: a instituição do casamento. Casamento que a Igreja determina que seja monogâmico e indissolúvel, quer dizer, a coisa mais severa que pode haver contra a impureza. Não se pode combater mais a impureza do que instituindo o casamento monogâmico e indissolúvel.
Então, os senhores têm uma postura do mundo cristão. O mundo cristão com toda a sua hierarquia, suas desigualdades, exigindo a virtude da humildade; com toda a sua pureza, exigindo a virtude da castidade, e com a fortaleza, necessária para conservar essas duas virtudes.
O Protestantismo foi a grande revolta contra a autoridade eclesiástica e contra a pureza. Todos são iguais perante a religião
O que nos diz Leão XIII?
Ele diz que como dói ao orgulho humano obedecer e como em cada um de nós, homens, existe em cada momento um revolucionário que está querendo se revoltar e que é preciso subjugar, por causa disso o homem tem o defeito de ter sempre a tendência de se revoltar contra a autoridade.
E houve um momento na História da Cristandade em que essa revolta rebentou no terreno religioso. E essa revolta foi o protestantismo, o livre-exame.
O que é o livre-exame? "Ninguém tem o direito de interpretar a Escritura para mim. Eu me interpreto a Escritura como quero e bem entendo. Padres, Papas, Bispos interpretando, zero. Não sou discípulo de ninguém. O que eu leio na Escritura eu entendo. O resto está acabado".
De onde a anulação do magistério da Igreja. A anulação do direito que a Igreja tem de ensinar.
Ao lado disto vem Lutero e vem os Evangelhos que negam a existência do Papa. Não deve haver Papas. Depois, como a castidade lhes dói, eles eliminam o celibato eclesiástico. O protestantismo é uma grande revolta contra a autoridade e contra a pureza.
Os senhores sabem que Lutero, frade agostiniano apóstata, casou-se com uma freira apóstata, Catarina Bora. Não se pode imaginar pior. Lutero eliminou o celibato eclesiástico, e eliminou as Ordens religiosas, que sem celibato não se compreendem.
Então, os senhores têm aqui mais outra hierarquia que cai. Ele também eliminou os Cardeais que são ligados ao papado. Mas Lutero conservou Bispos, Padres e fiéis.
Veio entretanto Calvino e disse o seguinte: este Lutero é um fraco, um bobo, porque ele não teve coragem de ir até às suas últimas conseqüências. Porque que não pode haver Papas, não pode ensinar a Igreja, e deve haver Bispos? Não há nenhuma razão para haver Bispos. Vamos acabar com os Bispos. E os Bispos, que são uma aristocracia dentro da Igreja, foram eliminados pelos presbiterianos.
Vieram depois as seitas dos niveladores, dos Quakers, dos Batistas etc. e disseram: "Padre por quê? Pois se ninguém ensina ninguém. E se todos os homens são iguais em matéria religiosa, nada de padres".
Nivelamento religioso completo, eliminação também das obrigações de castidade. Mais adiante: Lutero instituiu o divórcio. Acabou com a monogamia. Porque o divórcio é a poligamia a prestações. Não se tem um harém de uma vez, mas se tem um harém a prestações. Nós temos portanto aqui, o fim de toda essa organização.
Vamos passar agora para a segunda parte do esquema, que é a nobreza. Veio a Revolução Francesa.
A Revolução Francesa visou destruir a nobreza em nome da igualdade de todos perante o Estado
O que a Revolução Francesa fez?
Leão XIII nos ensina que a Revolução Francesa é ponto por ponto continuação do protestantismo. Ela fez no terreno político precisamente o que o protestantismo encontrou no terreno religioso! Qual é monarca do campo religioso? É o Papa. A Revolução Francesa que princípio tinha? Revolução Protestante: todos são iguais perante a religião. Revolução Francesa: todos são iguais perante a lei.
Em nome da igualdade de todos na religião, Lutero destruiu os Papas. Em nome da igualdade de todos perante o Estado, a Revolução Francesa destruiu os reis.
República: "Todos são iguais. Para que agora essa história de rei com uma coroa na cabeça, com um manto. Tão bom como tão bom, porque eu, Plinio Corrêa de Oliveira, vou me dobrar perante esse rei? Eu posso ser eleito Presidente da República e mandar tanto quanto esse rei. Eu sou igual a ele, está acabado. Para que nobres?"
Em nome da liberdade, o protestantismo destruiu o episcopado e o clero. Em nome da igualdade, a Revolução Francesa destruiu aquilo que é o Estado, aquilo que o episcopado e o clero são na ordem religiosa. Destruiu a nobreza. Todos iguais perante a lei.
A Revolução comunista quer a abolição da desigualdade na ordem social
Fica então uma terceira categoria, ficam apenas os burgueses ricos e os plebeus pobres. É a sociedade contemporânea. Então, temos o grande equívoco da sociedade contemporânea.
Perante a lei somos todos iguais. Iguais em que sentido? Iguais no sentido de que um tem [um carro] cadillac, instala-se dentro dele, o chauffeur [motorista] na hora de ele entrar tira o boné, abre a porta, toca o cadillac. Todo mundo olha: - Ele tem um cadillac, e é desses com rabo e duas lanternas. É um grande homem. Todo mundo se inclina.
De outro lado, um outro como eu, não tem nem cadillac, nem automóvel e tenho que parar na rua e chamar um táxi, o que em São Paulo não é uma batalha pequena. Eu me sento e digo: homem, positivamente não é tão verdade que sejamos todos iguais. Porque ter um cadillac é muito diferente do que andar de táxi.
Mas tem numa esquina um homem que está esperando um ônibus e que me vê parar o táxi, me olha e diz: - Sim senhor. Aquele burguês, olha só o vidão. Todos os automóveis da rua são dele. Senta e diz: "chauffeur vá para tal lugar". Abre a janela e entrega-se a um mundo de sonhos. Eu, fila, garoa, apertão, ali de pé, enquanto o seu Plinio Corrêa de Oliveira toma um táxi e vai para casa. Positivamente nós não somos todos iguais.
Mas enquanto este homem toma seu ônibus e faz estas reflexões, passa um outro a pé. - Mas que delícia! Eu vou a pé para casa e estes ficam aqui nesta fila (e) não fazem nada. Vai o tempo correndo... Afinal chega a vez dele; senta-se e o ônibus o carrega. Chegam antes de mim, mais comodamente do que eu e acham que fizeram sacrifícios de fazer sentado o caminho que eu fiz andando. Qual! os homens não são todos iguais.
É natural!
Chega o dia das eleições. Somos todos iguais, eu e meu criado. Chega dia de eleição e eu digo ao meu criado: "Fulano, amanhã eu vou votar às tantas horas. Portanto você prepare meu banho às tantas horas, limpe a casa bem direito, eu quero tudo em ordem. Depois eu vou, comungo, volto, tomo café, voto e depois eu digo a você que horas que você pode ir votar à tarde".
Ele fica o dia inteiro em casa no dia das eleições, esperando que eu resolva a hora dele ir votar. Depois eu digo: "Pode ir votar, mas volte daqui a uma hora. Você tem a mesma letra, a mesma seção que eu, sua seção está vazia. Você demore pouco e volte aqui porque é possível que eu tenha um serviço para você".
Chega lá não há nada, porque eu saí.
Esse homem achará que nós somos verdadeiramente iguais? Ele dirá: "Homem, é uma igualdade muito sofismada".
E quando alguém chega para ele e diz naquela voz sedutora do demônio: "A igualdade deve ser também em matéria de dinheiro e é esta a única igualdade verdadeira. Para você seria melhor não ser eleitor mas ter o mesmo dinheiro que ele".
Eu não posso evitar que esse homem diga que é verdade, porque se são todos iguais, a desigualdade da fortuna é uma injustiça, como todas as desigualdades.
E então nasce a terceira Revolução, que é a Revolução comunista. E o corrupio do pensamento igualitário, depois de ter tudo demolido na religião, passou a demolir tudo na esfera do Estado e acaba demolindo tudo na ordem social.
O único meio de vencer o tufão revolucionário é implantar novamente as raízes da Igreja Católica
Nós passamos de Lutero a Marx, através de Rousseau, com a facilidade com que do avô se passa ao filho, com que se passa ao neto. A Revolução comunista é a filha da Revolução Francesa e neta da Revolução protestante. Por isso mesmo ela se fixa na seguinte maneira: no terreno da sexualidade. Se ela quer a revolução do orgulho, teria de ser também a revolução da impureza. Porque o orgulho e a impureza vão sempre juntos.
Como é que ela se estabelece?
Da seguinte maneira: os revolucionários franceses que admitem o divórcio, porque a Revolução Francesa instituiu o divórcio nos países católicos - "Ó idiota. O divórcio não é nada. É preciso fazer o amor livre. Cada um ser dono de todos e todos terem quem quer".
Então, nós passamos do casamento monogâmico e indissolúvel para o divórcio da Revolução Francesa e do protestantismo, até o amor livre que é o comunismo.
Então, a revolução do orgulho e a revolução da sensualidade levaram o Ocidente Cristão contra a Igreja Católica e nós chegamos à seguinte conclusão: para o Ocidente cristão não existe meio de vencer este tufão e de remediar este crime a não ser plantando as raízes que são novamente as raízes da Igreja Católica. Porque se nós caímos no mais fundo do abismo...