"Catolicismo", n° 451, julho de 1988 (www.catolicismo.com.br)

Em face da avalanche revolucionária, fé inquebrantável

EXCERTOS selecionados da magnífica conferência com que o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira abriu os trabalhos do Encontro [Regional de Correspondentes e Simpatizantes da TFP, realizado em São Paulo, de 28 a 30 de maio de 1988]. O título e os subtítulos são da redação:

É COM TODO o afeto e com toda a simpatia que vos saúdo na inauguração deste nosso Encontro (...).

A situação penumbrosa do País, situação carregada de trevas, de angústias, de perplexidades, de incertezas, se reflete ainda mais na análise direta dos acontecimentos que se estão passando nesses últimos dias. A Constituinte está vivendo suas últimas sessões. Assim, dentro em breve ocorrerá a votação final do projeto de Constituição que está sendo elaborado, e que de nenhum modo corresponde ao que o Brasil desejava.

De maneira tal que o País inteiro se sente na situação desagradável, penosa, cheia de aflição de quem precisa caber num molde que não é o seu. Isso digo não só eu. Tem sido dito por políticos, jornalistas, intelectuais, homens de responsabilidade a títulos diversos no atual momento nacional, os quais têm afirmado: "Essa não é a Constituição que o Brasil queria". Em meu livro "Projeto de Constituição angustia o País" exponho o assunto pormenorizadamente. (...)

Depois de períodos de aflição, de desordem, chegamos, nessa parte final da votação constitucional, a um absurdo desse tipo: a Constituinte possui um centro e uma esquerda; não tem uma direita (...). Fisicamente isso é um absurdo. O centro se define: o que está entre a esquerda e a direita. Nossa Constituinte, entretanto, funcionou da seguinte forma: não tem uma direita, porque imagina-se que não é popular estar à direita. Então todos aqueles que formariam a direita se declaram de centro e se misturam com o que corresponderia ao centro. (...)

A família golpeada de morte

O golpe de morte na família brasileira, já tão combalida, já tão abalada pela introdução do divórcio há alguns anos, foi desferido pelo Centrão. Em outras palavras, a legislação da família estabelecida pela Constituinte chega quase - e quase é um modo prudencial de me exprimir, por um pouco menos prudente que eu fosse, eu diria que chega inteiramente - até o amor livre. E os Srs. sabem que o amor livre é a forma de organização, ou de desorganização própria ao comunismo no que diz respeito às relações entre homem e mulher do ponto de vista da multiplicação da espécie humana. (...)

Antes de falar a respeito da abolição da propriedade privada, tenho que abordar o tema da abolição da família. A propriedade existe para a família, e a família é mais importante que a propriedade. (...)

Os modernistas, os progressistas, os favoráveis à limitação da natalidade criaram a expressão que os Srs. encontram no texto constitucional: "paternidade responsável". Esta dá a entender que não usar métodos contraceptivos para limitar a natalidade é uma irresponsabilidade, pelo fato de que a família não possui o necessário para mantê-las. E portanto é irresponsável quem vai gerando crianças nessas condições.

Ademais, também constitui uma irresponsabilidade, segundo os defensores da limitação da natalidade, permitir o nascimento de uma criança quando, sejam radiografias, sejam outros meios, atestam que a criança vai nascer, por exemplo, aleijada. Não se deveria deixar nascer, assim, uma criança fadada à infelicidade. E, em vista disso, já se mata a criança de uma vez. Na realidade, nisso consiste a paternidade dita responsável.

Essa é uma paternidade pagã, é uma paternidade anticristã, que não confia na Providência Divina. Desde que o mundo é mundo, até a invenção desses métodos contraceptivos, a humanidade multiplicou-se abundantemente. E vem gradualmente cobrindo a Terra, de acordo com o que Nosso Senhor mandou. E as coisas se passam normalmente. Não se compreende que seja irresponsável quem confia em Deus. De fato, é irresponsável quem não confia em Deus. Quem, no momento em que deveria multiplicar a espécie humana, injuria a Deus, peca contra o Criador e corta o curso natural das coisas. Tal conceito pagão de paternidade responsável os Srs. o encontram proclamado, jeitosamente, no art. 263, parágrafo 6, do projeto de Constituição. (...)

Fundamento religioso da posição anti-agro-reformista

Alguém poderia dizer: Por que razão a TFP se interessa tão a fundo para impedir a Reforma Agrária? (...) E por que a entidade batalha tanto para a manutenção do instituto da propriedade privada?

A primeira resposta é que a TFP deve batalhar para que se cumpram na sociedade civil os Mandamentos da Lei de Deus. Ora, a propriedade privada está garantida por dois Mandamentos da Lei de Deus: "Não furtarás" e "Não cobiçarás as coisas alheias". Quer dizer, não é lícito invejar o próximo. Não é só ilícito roubar, mas é ilícito ter pesar pelo fato de outros possuírem mais que nós. Mas podemos licitamente ter o projeto de, mediante nosso trabalho honesto, ganharmos mais que os outros. Isso não é inveja.

Ora, por que Deus proibiu que se roubasse? Por que Deus proibiu que se chegasse a invejar os bens, as riquezas dos outros? Proibiu porque Ele instituiu a propriedade privada. E a instituiu para ordenar bem a sociedade civil, constituída por Ele. (...)

Quando a sociedade civil é organizada de acordo com os Mandamentos divinos, ela apresenta uma ordem magnífica. E concorre para que as próprias almas estejam postas num estado virtuoso e portanto parecido com o próprio Deus. A sociedade civil, imbuída do espírito católico, reluz com o lumen de Deus, um pouco à maneira da Igreja. A Igreja é o sol no qual brilha a luz de Deus. A sociedade civil, modelada pelo espírito da Igreja, pela ação da Igreja, está para a Igreja como a lua está para o sol. (...)

Portanto, quando a sociedade civil se estrutura de acordo com os Mandamentos da Lei de Deus, é muito mais fácil os homens amarem a Deus. E a salvação deles torna-se muito mais fácil também, porque o próprio amor de Deus se torna mais fácil. (...)

Se assim é, não compreendo que alguém possa me perguntar qual o conteúdo religioso do problema da Reforma Agrária, uma vez que esta destrói a propriedade privada, corroendo portanto a própria sociedade. Assim, a TFP não estaria cumprindo seus deveres em relação à civilização cristã, se, de fato, não defendesse acirradamente a propriedade privada. (...)

Razão de nossa luta

Nosso Senhor prometeu que as portas do inferno não prevaleceriam contra a verdadeira Igreja. Se lutarmos para que Esta exista com a maior amplitude e o maior brilho possíveis, ainda que nas trevas de uma tremenda perseguição, teremos combatido para que se cumpra essa admirável promessa de Nosso Senhor. E daremos glória a Ele, à Nossa Senhora, nos dias exatamente mais críticos (...). Tal glória reivindicamos para nós: ainda que Eles estejam abandonados, ainda que Eles sejam recusados por todos, que nossa humildade, nossa fidelidade reverente, adorativa em relação a nosso Redentor, e sumamente amorosa em relação à Sua Mãe Santíssima, não faltem (palmas).

Teremos trabalhado e concorrido para que (não vamos dizer que a TFP realiza isso sozinha) o crepúsculo venha o mais tarde possível. E para que a noite envolva o mundo também nessas condições. E, sobretudo, para que, quando ela descer, não envolva o mundo inteiro. E esteja presente em vários lugares, em várias almas, uma chama de Fé, que ninguém extinguirá. Esse é nosso propósito. E tal seria ele, ainda que fôssemos os fiéis dos últimos dias da História do mundo.