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Plinio Corrêa de Oliveira
"Santo do Dia", 08 de Março de 1985
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A D V E R T Ê N C I A O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor. Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
Nós vamos ver hoje a mais bonita coleção de slides que eu conheço. Esses slides fazem parte de um álbum que "X" me trouxe quando esteve visitando Genazzano, e são fotografias da igreja, do lugar, etc., ilustrativas no mais alto grau. Em primeiro lugar - eu sei que isto vai figurar no fim, como ápice da série dos slides -, o famoso quadro de Nossa Senhora de Genazzano; há fotografias do Bem-aventurado Stefano Belezzini, da Beata, ou Venerável Petruccia, dos albaneses deixando a Albânia, segundo uma composição artística imaginária, etc. Mas há também fotografias muito interessantes do populino de Genazzano, das casas de Genazzano, da vida micro-popular de Genazzano, com aquela exuberância de inteligência, de comunicatividade e de sensibilidade que caracteriza a "península pulchritude" na Europa e no mundo, que é a Itália. Nessas condições, eu não vejo razão para demorar mais a projeção, e sugiro que entremos diretamente na matéria.
O pitoresco das construções orgânicas marcadas pelo tempo
- Uma rua em Genazzano. Pelo jeito, é das alamedas mais importantes, e também das mais movimentadas, como os senhores estão vendo. Eu chamo a atenção dos senhores para a bela arborização que faz disso um túnel de verdura. Como contrasta com a arborização miserável da cidade de São Paulo!
- Uma capela que existe a meio caminho entre Roma e Genazzano. Muito pitoresca: os senhores vêem uma certa arquitetura na capela; olhem o campanariozinho, não tem torre, olhem o arco onde está o sino, e como ele forma uma linha reta com a janela e a porta em baixo. E tem um não sei o quê de entretenido, que uma pobre construção dessas não tem em outros lugares.
- Panorama da região. - Aí aparece a cidade. O extremo pitoresco do alto campanário com a torre em ponta, depois ao lado um campanário chato, mais caracteristicamente da Itália do centro e do sul, e depois as casinhas todas, encarapitadas no alto desse rochedo. Como os Srs. verão depois, era um rochedo fortificado, por causa das guerras na Idade Média. - À medida que a cidade foi crescendo, também foram rareando as guerras, e as casas foram descendo pela encosta da montanha. Mas eu desde já chamo a atenção dos senhores para o lado pitoresco: é o lado favela de Genazzano. Falam tanto das favelas do Brasil: no que é que isto não é favela? Isto só não é favela porque as construções são de pedra, e os telhados são um pouco mais resistentes, porque o clima exige lá.
- Aqui ‚ um encanto: as velhas fortificações de Genazzano. A porta, os Srs. vêem em cima as ameias; depois, notem, são duas portas: uma aqui e depois uma menor ali; e ao lado uma espécie de "chorão", uma árvore muito bonita, e a rua muito bem calçada. De maneira que, com todo o encanto do antigo, existe o conforto – discutível – do contemporâneo...
- Aqui é a porta vista mais de perto, dando a vista para o lado de dentro da cidade. E uma genazanense que vem saindo altiva, para o meio da porta. E sentindo-se fotografada, com certeza, contente... Eu queria chamar a atenção dos Srs. para um lado dessas coisas que é o pitoresco do escalavrado. Esta parede está literalmente escalavrada, não é? As pedras corroídas etc., mas é pitoresco. Se alguém caiasse, fizessem uma coisa lisinha, novinha, perdia aquela marca do insulto do tempo, que foi modelando a cidade.
- Aqui é uma ... "Allimentare", são produtos alimentares, naturalmente. Bem, e ali os Srs. estão vendo uma casa estreita, que dá ponto de partida a duas ruas. Bem, mais interessante é em cima. Vejam o terracinho, meio pendurado no teto -mas carregado de vegetação, e meio torto na casa, não fica bem no centro, mas meio torto. Essas coisas assim têm seu pitoresco! Essas ruas não foram projetadas, elas foram abertas pelo caminhar cotidiano das gerações, depois foram calçadas. Essa casa se encarapitou ali porque era o pedaço de terreno disponível; ou então a rua tomou esse jeito porque construíram ali essa casa... Tudo feito meio organicamente, espontaneamente. Tudo foi feito meio organicamente, espontaneamente. Como isto é mais interessante do que as grandes avenidas, tipo Avenida Pacaembu, com asfalto e com árvores miseráveis, colocadas dentro da fuligem, olhando para o paulista apressado e aflito! - Aqui é uma casa ligeiramente apalaciada. Deve ter sido outrora de uma família mais distinta, de mais compostura, cuja categoria social se exprimia através dessa janela principal, com aquele triângulo, depois aqueles outros adornos e o terraço maior, também não pendurado em cima, mas mais sólido. Mas, vê-se o pouco dinheiro. Quem fez esses adornos na frente não teve dinheiro para fazer do lado. E as janelas do lado já são janelas de tapera... Tudo isso, os Srs. percebem que a vida dentro é meio afavelada. Olhem para a veneziana que está aqui nessa janela: os Srs. notam que todo o madeirame da veneziana é meio irregular, meio furado. Quem está dentro do quarto com essa veneziana assim, vê pedaços de luz desiguais, que entram... Venezianas, se quiserem, meio banguelas. Mas, tudo isso é adaptação da vida sobre as coisas que duram muito, e que fica interessante, fica curioso. "O imprevisto, o saboroso, o inteligente, o bem humorado dentro da pobreza" - Aqui... eu fico até um pouco hesitante: se isso é no interior de uma casa, ou já é uma rua. ( "X": São duas ruas: uma que desce, e outra... ) Ah! ah! ah! Os Srs. vêem aqui a rua que desce por onde se enfurna; a rua que sobe também. Mas, eu não sei fazer sentir o extremo pitoresco que isso tem: o imprevisto, o saboroso, o inteligente, o bem-humorado dentro da pobreza. Este é o bom humor da pobreza. A conformidade com a pobreza é isto; o talento na pobreza é isto. As populações que fizeram coisas assim, e vão turistas do mundo inteiro ver, essas populações não eram alfabetizadas. Onde é que estão aqueles que afirmam que o B-A-BA de todo valor intelectual é ter aprendido a ler e escrever? Eu acho pelo menos contestável. Olhem para isto e os Srs. vêem. Chama-me a atenção o colorido dessas pedras. Não sei se é efeito fotográfico, ou as pedras são um pouco esverdeadas mesmo? ( "X": São assim mesmo. ) Que bonito isto, acho. Vejam como se casa bem com a cor das pedras aplicadas nas paredes, formam uma combinação agradável, espontânea. Não foi consultada nenhuma faculdade das belas artes. Uma pedra está aqui, outra lá, põe, fica junto, está acabado! Eu chamo a atenção dos Srs. para esse arcozinho. Esse arco dá acesso a uma porta que vai para a casa em frente. Tem três degrauzinhos, e se entra lá. É ou não é verdade que essa casa fica assim como uma espécie de mundinho privado, próprio e distinto do resto da rua? Ocasião para afirmação de individualidades. - Aqui está, hein? Isto é uma avenida, "X"? ( Risos, porque é um beco de cerca de 2 metros de largura. ) ( "X": É uma alameda! ) "A arte de ser pobre" Uma alameda, olha lá hein! A arte de ser pobre, coisa que os agitadores de hoje ignoram completamente, a arte de ser pobre se exprime aí magnificamente. Os Srs. estão vendo que há uma espécie de seteira ali, grande, por onde entra o ar. E ali um sol magnífico banha aquela parede velha do lado de lá. São os dons que Deus dá a todo mundo, e são dons esplêndidos: o ar e o sol. Tornam agradável e dão beleza à vida do pobre. Do pobre que tem alma, e sabe degustar essas coisas. - Aqui é outra coisa. Os Srs. vêem uma certa afirmação despretensiosa de categoria social, nas cortininhas que estão nessas janelas. Então, o "soigné", o bem cuidado, se afirma nesses três andares de cima - nos dois, pela cortininha - em todos eles por uma vegetação que está em cima e que dá um pouco de regalo... E terraços onde a família de cima se senta aqui, por exemplo, passa alguém embaixo, grita: "Peppe! Vem cá!" O homem é tintureiro, o Peppe não pagou a conta, ele cobra. O cliente berra que o serviço foi mal feito, a mulher roga uma praga, os vizinhos murmuram, mas não leva muito tempo, porque em qualquer canto desses mil bicoques aí, alguém canta, e o canto agrada, e todos começam a cantar... É a vida alegre do pobre! - Vejam... casas tão apertadinhas, não é? Dir-se-ia que a condição essencial do urbanismo é a rua larga. Quem poderá dizer o pitoresco destas ruas estreitas, construídas em outro espírito e de outro jeito? Por exemplo, aquela casa de canto que é construída de viés. Hoje, ela daria duramente na parte de trás. Aqui não, é construída de viés... Abre-se um arco ali, e mal tem tempo de se abrir... mas dá para uma praça, um lugar qualquer, onde o sol inunda tudo. Aqui tem sombra, ali tem sol: há variedade. - Para mim é das fotografias mais bonitas desse conjunto. Olhem a beleza do colorido das pedras da rua. Nós temos comentado às vezes, o que é que custaria nas nossas cidades modernas fazer asfaltos com cores bonitas? Aumentaria muito o preço? Não! Esse cinza medonho, uniforme do qual ninguém escapa. Aqui, dir-se-ia quase calçada de uma joalheria. Olhem quando o sol bate aí, ter-se-ia a tentação de perguntar se o calçamento é de turmalina. Mas, mais uma vez o pitoresco: o arco no fundo da rua, e uma espécie de pontilhão que dá acesso à rua em cima. Mas, é preciso imaginar isto transitado durante o dia. É uma mulher que vai levando uma galinha que ela vai depenar em casa, e que está com o pescoço morto e caído...; é um homem que desce com um pau com muitos sapatos pendurados, que ele consertou e vai distribuir na casa de alguns clientes; é um menino que não faz nada, e que passa assobiando ou cantando com as mãos no bolso... É assim! É um grupo de crianças que está nessa praça brincando, e que fazem uma ciranda em torno de um ponto qualquer... É a vida, é a vida! A vida sem dinheiro, mas a vida com alma! Como arte de ser pobre, eu acho esse documentário excelente! - Há uma coisa que naturalmente - eu suponho que nenhum dos Srs. descenda de família nascida em Genazzano, de maneira que eu posso falar com um tal ou qual desembaraço - há uma coisa que naturalmente ninguém garante: é que o cheiro ao longo dessas ruas seja sempre bom, não é? Eu não garantiria isso. Não creio que algum dos Srs. garanta isso. Eu sou quase tentado a dizer: "Se alguém garantir, levante o braço...". Vejam o sinuoso da rua, que encanto. Olhem aqui, para essa escadinha - não é escadinha - são dois degraus aqui à esquerda, que dão acesso a uma porta. Os Srs. vêem de perto a pedra batida pelo longo uso. Como é pitoresca, como o uso do homem confere não sei que pátina interessante à pedra, que ela fica respeitável! Se minha visão não me engana, aquela janela de cima levou uma pedrada, e está quebrada lá. Uma parte escura, me parece, não tenho muita certeza, porque ela tem contornos mais ou menos regulares, mas eu seria tentado a achar que foi uma pedrada. Passam-se gerações sem que ninguém conserte. De repente alguém cola um papel ali, está acabado. Também não faz diferença! É a arte de ser pobre, é o pitoresco. - Olhem esta rua como continua, e continua encantadora. Muito interessante uma lanternazinha, os Srs. vêem por detrás daquele arco. E continuamente os arcos se fazem notar nessas ruas. Qual é a razão? Por que essas ruas são tão estreitas? Os habitantes da cidade tinham interesse em morar numa cidade estreita, para caber o maior número de pessoas possível dentro dos muros, não ficar desabrigada, em caso de invasão. Porque o traçado é tão irregular? Porque não havia a monotonia da linha reta, acabou-se! Não tem outra razão. O pitoresco dos povos de climas nórdicos e frios e o pitoresco dos povos de climas quentes Agora, os Srs. poderiam fazer uma pergunta: "Dr. Plinio, esta aldeiazinha é muito pitoresca. Mas eu encontro o Sr. numa certa contradição. Há dias foram projetados slides das peregrinações à cidade de Fulda, e o Sr. ficou extasiado diante do limpinho, do bem ordenado, etc., das cidadezinhas alemãs. Agora o Sr. vê uma cidade italiana que é o contrário - o Sr. há de reconhecer - das cidades alemãs que o Sr. tanto louvou. Eu não compreendo como é que o Sr., tendo louvado tanto uma coisa, pode agora louvar tanto a outra". Eu digo: "Há um certo pitoresco que é próprio aos povos e aos climas nórdicos e frios, e há um certo outro pitoresco que é próprio aos povos e aos climas que são mais quentes. A fantasia, o improvisado, o movimento, é próprio do calor. O ordenado, o sistemático, o limpinho é próprio do frio". Os Srs. sabem que a Catedral de Notre Dame, e muitos outros monumentos de Paris, estavam pretos de tanta fuligem do século, e ninguém limpava porque não havia meio de limpar. Eu os conheci ainda pretos, como se alguém tivesse passado piche em cima. Há alguns anos atrás, inventaram um sistema de jatos de areia; fortíssimos - não garanto muito, mas é o que me está na cabeça - que eram jogados com pressão elétrica, naturalmente, sobre a catedral, longamente, longamente, e aquele sebo todo caía. E assim a catedral e outros monumentos de Paris foram restituídos à sua cor primitiva. Discutiu-se muito se havia vantagem nisso. Pessoas de muito talento eram favoráveis ao negrume antigo. Eu não era, achei que lucrou muito. Imaginem que fossem fazer isso com estas pedras, e limpassem isto... Perdia! Quer dizer, há certas coisas em que até a pátina, e a pátina que às vezes é impossível não chamar de sujeita, acrescenta o pitoresco. A gente precisa ver as coisas como são. - Aqui é uma avenida larga! ( trata-se de um beco com pouco mais de 2 metros de largura ), favorecida com um bueiro para o recolhimento das águas pluviais, aí bem no meio da rua. Os Srs. não notam uma espécie de fobia pela linha reta. Nem por acaso sai a linha reta. A freqüência dos arcos: sempre arco, sempre arco. Seria longo dizer porque os mentores da civilização moderna detestam os arcos. Em todas as cidades que eles constroem não há arcos. - Vejam os Srs. o encanto disso! Os Srs. notam em cima uma superfície com uma espécie de baldaquim de alvenaria, naturalmente, e me parece que há figuras, tenho impressão que representa uma cena religiosa. Ou então é engano, é o capricho da pedra é que dá-me a idéia de um anjo que vem aparecendo ali, e alguém que está ajoelhado do lado de cá. Mas que lugar encantador para pôr, por exemplo, ali, em mosaico ou em pintura, uma bonita imagem, com lamparinas durante a noite. Agora os Srs. vão ver uma coisa que há em certas cidades pequenas do interior da Itália, e que são uma verdadeira delícia: as escadarias. Aqui, no primeiro plano, os Srs. notam que tem escadas, não é? Então, escadas dentro... a rua é uma escada. Os trechos da rua não são em rampa, são em escada. Eu não sei dizer no que é que isto é pitoresco, mas eu seria capaz de ficar 10, 15 minutos olhando isto, e na hora de virar a pagina, dizer: "Pena a gente levar a vida apressada que leva!" Inútil dizer aos Srs. o gosto que eu teria de ir a Genazzano! "A alegria de ser pobre" - ( Risos ) A alegria de ser pobre! Notem o seguinte: é evidentemente uma senhora pobre. Pelo jeito do cabelo dela, ou é ultramoderna, ou é paupérrima. Ela está vendendo alguma coisa. Olhem o mobiliário dela ( risos ). É o mais pobre que pode haver. Eu pergunto: é uma miserável? Vejam como ela é forte. É ou não é verdade que ela comeu bem a vida inteira? Vejam, por outro lado, como ela não se sente humilhada. Ela olha para a vida, mais ou menos como um almirante romano num navio olharia... E olhem uma coisa curiosa: como as cores de que ela está trajada, o vermelho com pinguinhos brancos, e esse avental de uma cor vagamente azul, verde, coisa assim, como são cores alegres! Acabando de vender isso, ela leva esses móveis, inclusive essa pequena cômoda que ela tem aqui, literalmente feita de caixote, ela leva tudo lá para dentro e continua a vida contente. Faz nhoques, faz não sei o que... Briga com o marido, o marido não se atreve muito com ela... Embaixo desta fotografia se poderia escrever: "Esplendor do matriarcado popular!" Eu pergunto: isto é uma miserável? Ela está vivendo em condições desumanas, tará tá tá? Ela está perfeitamente bem nutrida e com certeza teve uma prole longa e robusta. Olhem mais de perto a beleza da pedra. Aqui ela tomou uma atitude um pouco mais feminina. O ar de almirante passou, e é uma boa dona de casa que está apreensiva com alguma coisa, e está pensando. E o lado da fraqueza feminina aparece mais. É preciso dizer também, mais simpaticamente! - Bem, estas aqui são da geração seguinte à dela. Estão vendendo flores, estão vendendo outras coisas assim. Mas, vejam o vidão: ar livre, sentadas, gordas, bem vestidas e entretenidas. Olhe essa aqui, por exemplo, não tem nenhuma preocupação da vida. Ela não tem que tomar um ônibus correndo, não tem hora marcada para não sei o quê, não tem o CMTC para pegar e teré-té-té, não tem banco, não tem nada. Ela faz seu próprio crédito. Os Srs. vêem que ela vende aí flores e víveres. Em cima parecem ser hortênsias. A cliente se aproxima dela. Não se sabe bem se é uma cliente, se é uma amiga, se é uma parenta. Fala com ela, ela não está dando muita entrada não. Ela está levando a vida dela, está acabado. Qual é a loja dela? É a rua. Literalmente, o olho-de-rua, está acabado! - ( Exclamações ). Eu creio que não é preciso comentar nada ( ah ahhhh! ). A nota tônica da mesa, os Srs. podem discutir por qual dos dois é dada: por este homem com essa espécie de boné branco, ou por este outro, gordalhão, com uma espécie de jaqueta, uma coisa assim, vagamente esverdeada-musgo. Qual é o homem de mais significação aí? Quando os Srs. se põem a analisar, percebem: todos têm muita significação pessoal; todos têm personalidade; cada um tem uma individualidade própria que não confunde com a outra, é diferente, mas constitui uma espécie de harmonia. Então, os Srs. pegam esse bigodudo que está aí no primeiro plano. Não pensem que ele está fazendo pose, porque se sente fotografado. Na hora de dormir, ele se senta na cama para dormir, ele dorme assim! Vejam como ele visa uma imponência que não é a imponência do dinheiro - que ele não tem - não é a imponência de nada do gênero, é a imponência de ser homem. E a gente vê que não é fácil discutir com ele, que ele tem pronto um argumento contrário e, conforme for, um desaforo. Como muitas vezes acontece com esses tipos populares italianos do sul, ele é meio Cesário, não é? Dir-se-ia que é a caricatura popular de um daqueles imperadores romanos meio cafajestes, eleitos pelos soldados. Daria isto. Enquanto ele é isto, o outro, vizinho dele, é a personificação do bonacheironismo. Dá risada, etc., etc... Este do lado esquerdo aqui. É mais um homem que procura resolver os assuntos no murro e na imponência, desde que não corra risco... Porque, se os Srs. me perguntarem se eu vejo traços de heroísmo militar aqui, eu diria que não vejo. Seria obrigado a dizer que não. Mas aquele grandalhão é muito mais político; ele sebe rir, ele sabe ladear, sabe pelo bonacheironismo cercar as coisas, dar um jeito. E são, nessa mesa, não só os dois homens mais gordos, mas também são os homens que sabem melhor viver. Aquele outro, com uma calvície que pára assim no meio da cabeça, e uma cortina abundante de cabelos em torno da calvície, óculos ensebados, e bigode que, quando ele ficar velho, vai ser assim meio como o deste, é o contrário. Enquanto os dois mais gordos são "pais da vida", aquele outro é um tipo magro, calvinista, facilmente tendente ao esquelético, e gostando de argumentar raciocínios, raciocínios, etc., meio ploc-ploc. Na mini-livraria da cidade, ele lê e sabe coisas. E ele está, evidentemente, querendo dar uma cutucada nesse gordalhão. Ele está fazendo, ou fez, uma pergunta e quer ver o outro como reage. E o outro está tapeando, fingindo que não está dando toda atenção à pergunta que recebeu, e que está prestando atenção no fotógrafo, enquanto ele arranja uma saída bonacheirona para responder de cima a este magro. Porque ele nunca leu nada, ele é nobremente analfabeto... É engraçado que esse grupo, evidentemente "per accidens", é formado por dois gordões e dois magrelos. Dois gordões bem espalhados e bem contentes da vida, e dois magrelos calvinistas e objetantes. Esse outro com esse gorro na cabeça, evidentemente é do tipo do penúltimo, e está assim olhando para o ar, e procurando dizer uma coisa que seja meio uma brincadeira - ou disse uma coisa que é meio uma brincadeira - mas é meio uma caçoada, e é uma objeção. Mas, ele é mais inteligente do que o ploc-ploc do meio. Ele diz algumas coisas que são bem apanhadas. Mas nenhum deles conta prosa com os dois grandões que estão aqui, mas dominam a situação. Esse de cá eu não posso comentar, porque ele virou a cara, e eu só posso notar que a cabeça dele está mal lavada... - Aqui se poderia dizer: continuidade familiar. Tem-se a impressão, naturalmente não se pode garantir, mas tem-se a impressão de que as duas senhoras mais idosas são meio parentas, ou são conhecidas desde todo o sempre: brigaram, fizeram as pazes, se disseram desaforo, se reconciliaram... É claro que quando a primeira delas morrer, a segunda vai fazer um drama: "Ohhh!", etc. E a outra é bem mais moça, e dá folgadamente, a meu ver, para ser filha de uma das duas. Ela é em ponto moço o que são as outras. Ela vai viver a vida inteira em Genazzano no meio dessas pedras velhas, junto desse vento um pouco fresco e com cheiro de umidade que sai de dentro desse arco que tem aí, contente da vida e tranqüila como estão as duas mais velhas. Nenhuma tem a ambição de fazer uma viagem. Eu acho que essas duas talvez nunca tenham saído de Genazzano. Talvez uma vez para ir a Roma ver o Papa. Bem, os Srs. estão vendo, o ponteiro do tempo vai passando. Elas vão envelhecendo. Mas, olhem para a mais velha: cheia de vitalidade e de animação. Nenhuma esconde a idade, nenhuma esconde as feiúras, nenhuma faz muita questão de se mostrar. Elas estão tranqüilas tomando sol, esperando que apareça um freguês. Estão vendendo algumas coisas, que devem ser alguns legumes, coisas do gênero, produzidas nos campos circunjacentes de Genazzano, e que certamente não passaram por tudo aquilo que passa um pobre vegetal paulistano antes de chegar ao balcão massacrante do supermercado. - Vejam que interessante. Esta aqui está fazendo um agasalho, uma coisa assim, para quando chegar o inverno... Esta já está bem velha. Vê-se inclusive que está com uma certa dificuldade de ver. Mas olhem a quantidade de víveres que ela tem a venda aí. Tudo coisa fresca. Ao longo do dia, mais ou menos tudo isso vai embora, e ela fica com o seu montinho de dinheiro feito. Na manhã seguinte, ela retoma. Quando há qualquer problema, chamam de dentro da casa, ela atende depressa, dá uns tabefes no neto que está pintando o caneco, um pontapé no gato que pulou a janela e está amolando, e volta resmungando teatralmente: "Maledetto", meio à la ópera; senta-se e continua a vida. No fundo, tranqüila, tranqüila. "A Igreja é o palácio dos pobres" - Esta pobreza toda não significa baixa de nível. Ali está a fé católica para indicar a essa gente os grandes horizontes. Eu não sou nem um pouco bem entendido nessas matérias, mas tenho impressão de que essa lâmpada não é lâmpada elétrica. Pode ser que seja, mas eu tenho impressão que não, e que talvez alguém acenda à noite com algum desses paus compridos, não sei. Mas vejam como, ao lado, a Igreja coexiste com toda essa vitalidade popular. Ela convive no meio disso, mas não perde a sua dignidade. Uma vez eu ouvi um Bispo dizer uma palavra que eu não me esquecerei: "A Igreja é o palácio dos pobres". Nunca me esquecerei disso. É o palacinho de Genazzano aparecendo lá. - É ou não é profundamente respeitável? - Olhem a torre, a elegância da torre, a esbelteza da torre. As pedras velhas, mais uma vez. Para falar em pedras, no slide anterior aparecia uma esfera de pedra, da construção, que foi fotografada bem diretamente. ( Volta-se ao slide anterior ) Ali é a beleza da pedra velha. Esfera perfeitamente esculpida, e que não tapa a fotografia. Acrescenta algo. - Ali está a torre encimada por uma coroa, em cima da qual está a Cruz. - Aqui começa o "palácio dos pobres", casa de Deus e palácio dos pobres. A Beata Petruccia e o Bem Aventurado Stefano Belezinni - Aqui é a Petruccia. Esse D.O.M. é "Deus Optimus Maximus". E vem a história da Petruccia aí narrada em latim! E esse povo que não sabe latim, se dá por informado lendo a lápide... Quando sabe ler... ( "X": Está sepultada embaixo do altar da Imagem.) Ah, é onde ela devia estar. É uma honra para ela!
- Esses são os albaneses andando sobre as águas do Adriático, e indo ao encalço da Imagem. Os Srs. estão vendo que eles estão dando as costas para a Albânia e estão pondo os pés firmes sobre as águas que se solidificam. Mas nem estão prestando atenção nas águas; estão entusiasmados com a imagem que vai, andando, andando, andando... Vai andando rumo a que? Os Srs. dirão: "Itália, Dr. Plinio!" Não; rumo à Petruccia! É óbvio que é de algum modo a Itália, pois a Petruccia está na Itália, mas, de objeto imediato é isto: a promessa feita à Petruccia que vai sendo cumprida pela Virgem de modo maravilhoso!
- Corpo incorrupto do Beato Stefano Bellesini. Vejam os Srs. o que é. Isso é o próprio rosto dele. Tem uma leve camada da cera, mas é o corpo incorrupto, com os cabelos, tudo. É impossível que os Srs. não notem a expressão de pureza que se evola da fisionomia dele. Pureza, firmeza. Olhem a linha aquilina do nariz. De outro lado, ascese: não é nenhum daqueles gordões que estão na praça. É um homem que vive para o sacrifício, para a mortificação. Uma certa suavidade, uma certa doçura indefinível. Ele foi o grande devoto de Nossa Senhora de Genazzano. No momento em que eu falo aos Srs., eu tenho comigo uma relíquia dele. E no final da reunião, quando rezarmos para os santos, vamos rezar para ele.
- Os Srs. estão vendo que é uma basílica em estilo neo-romano, perfeita. E rica, até bem rica. Com toda harmonia, toda distinção, de uma grande catedral. Os Srs. vêem ali, num ângulo, o púlpito; os Srs. vêem para cá o altar; os Srs. notam a abóbada no fundo da capela-mor; e os Srs. observem o conjunto onde se nota a imagem que está ali.
- Vejam os Srs. outros pormenores arquitetônicos da Igreja, que bonita! E nobre, e distinta! A capela deve estar aqui do lado do Evangelho. É a primeira ou a segunda? ( "X": É aquela toda escura ali...) - Vejam que trabalho magnífico! Quando aquelas almas de pobre têm vontade do suntuoso, elas têm antes de tudo o suntuoso espiritual com os grandes horizontes que a Fé abre. Mas depois têm o suntuoso da arte, do luxo etc. Muito bonito! Olhe que beleza o teto, tudo admirável! A Imagem de Nossa Senhora de Genazzano: "Um milagre permanente!" - Ali então é a capela da famosa imagem de Nossa Senhora de Genazzano. - "X", que esteve lá e pôde olhar a imagem de perto etc., poderá dizer bem aos Srs. que relação há entre a imagem e a parede. ( "X": A parede começou a ser construída pela Beata Petruccia, e estava apenas pela metade quando o dinheiro dela já tinha acabado e ela estava com 80 anos de idade. E todo o povo tinha começado a debochar dela, porque tinha gastado o dinheiro numa capela que não podia acabar de construir. E ela garantia que ainda antes dela morrer a capela seria terminada. E foi aí que a Imagem de Nossa Senhora de Genazzano se colocou, sem nenhum prego, e continua suspensa no ar até os dias de hoje.) Suspensa no ar, notem, hein! É pena que o modo de construir o altar não foi dominado pela preocupação de deixar ver a maravilha da imagem estar suspensa no ar! Mas é assim que é a coisa! ( "X": O fato milagroso é comprovado por uma comissão de bispos e padres do local, que estiveram visitando a imagem em 1920. Eles tocaram na imagem e fizeram uma descrição detalhada, testemunhando que o milagre existe e é permanente. ) Milagre permanente, portanto! - Mesmo nessa apresentação pequena e à distância, sente-se o carinho d’Ela para com o Menino Jesus e reciprocamente. De um modo curioso que é o seguinte: Ela está toda voltada para Ele, com a atenção toda posta n’Ele, e Ele está com a atenção posta toda sobre quem está ajoelhado rezando. Os dois estão de rosto encostado. Estão no agradável convívio que chega a esta intimidade de mãe e filho, um com o rosto encostado no outro... Mas dir-se-ia que Ela não está falando, mas está fazendo sentir ao filho de algum modo que tenha pena de quem está diante d’Ele. E Ele está olhando, como quem diz: "Estou atendendo. Peça que Eu dou. A Medianeira está pedindo, Eu dou!" - Aí os Srs. podem apreciar ainda mais exatamente a fotografia tirada diretamente da própria imagem. Acho que essas gravuras que estão aí, e que não têm um valor artístico especial, têm entretanto uma certa beleza. E que a capela lucra vista assim através das grades. Uma observação pessoal: os Srs. sabem que eu gosto muito de pedras; a Itália é repleta de bonitos mármores, é uma coisa incrível; notem então na base do altar que bonitos mármores: a cor, o desenho, etc. Depois, notem também, aqui na parede lateral, mármores inteiramente diferentes. Mas, que maravilha! Prestem atenção nos outros mármores, todos lindos! Mas isto na Itália é torrencial. O inefável do convívio entre Nossa Senhora e o Menino Jesus: "um convite a que nossa piedade seja bem filial também" - Não há o que dizer! Não há o que dizer! O que tem de inefável nessa imagem, para mim, é o deleite de cada um na ação de presença do outro. Não estão se falando, mas estão juntos e se abraçando: são um só. Esta é a alegria d’Ele; esta é a alegria d’Ela. - Acho que aqui isso ainda se torna mais patente. É interessante que o tipo racial da imagem - a imagem é albanesa - é ligeiramente mongólico. Não sei se os Srs. notam que os olhos são assim meio amendoados, e tendendo para fechar no fim. E as sobrancelhas muito afastadas das pálpebras. Sobretudo na imagem de Nossa Senhora, é muito acentuado. Com um nariz curvo, cútis indiscutivelmente bem branca; em Nossa Senhora - o Menino ainda não tem cabelo - em Nossa Senhora, testa alta, mas não desguarnecida, e abundantes cabelos depois. Traje muito simples, mas ar de Rainha. Aproveitem um pouco para olhar os mármores. Tudo é mármore. Esse primeiro balaústre sobre o qual estão as jarras com flores - aliás, bonitas flores - depois as colunas aqui, tudo é mármore. Vejam também a quantidade de ouro. E a riqueza desse ouro, e a abundância do trabalho artístico aí. - Aqui está bem mais de perto e podemos olhar e apreciar bem mais a imagem. E aí talvez esse gosto da convivência se faça ainda mais sentir aos Srs. - Eu acho encantadora a intimidade do Menino Jesus. Olhem as mãos d’Ele: uma dá a volta por detrás da nuca e outra fica posta no peito. Uma tal naturalidade, uma tal intimidade, sem nenhuma falta de respeito! É um convite a que a nossa piedade seja bem filial também. - Aqui não há comentário a fazer. Esta é a imagem que muda constantemente de fisionomia. E disso dá testemunho o próprio Sr. "X" que esteve lá. O Sr. pode dizer alguma coisa a esse respeito, porque viu. ( "X": Um artista do século XVIII tentou pintar a imagem e não conseguiu porque ele tirava os olhos da imagem para colocar os caracteres na tela e, quando voltava a fitá-la, ela tinha ficado diferente... E ele pintou um quadro, mas deixou um testemunho dizendo que nem de longe é a realidade. ) - Veja o delicado das sobrancelhas, o materno de tudo. Eu tenho impressão de que não se poderia exprimir de modo mais tocante a relação mãe-filho. - Olhem aí, olhem a maravilha! Imaginem a impressão d’Ela, sabendo que esse Menino que Ela carregava era Deus Nosso Senhor que A criou! Deveria ser uma emoção inexprimível. E imaginem qual era a oração que Ela fazia, nessa situação, para Ele. E o comprazimento d’Ele, recebendo essa oração. É uma coleção de fotografias estupenda. Mas, como eu digo, excede a descrição. - É estupendo! Estupendíssimo! - Talvez esta seja, a meu ver, a mais bonita. - Houve uma mudança de expressão, da primeira para a segunda. - É uma coleção de fotografias de Nossa Senhora de Genazzano, única! - Os Srs., notam algumas mudanças, não é? * * * * Hélas! Hélas! Os Srs. puderam assim ter uma idéia de Genazzano, e do mais importante de Genazzano, que é também o inefável, o inexprimível: é a imagem de Genazzano. E os Srs. puderam ter também idéia de um panorama mais ou menos sociológico, ou sócio-psicológico da cidadezinha de Genazzano. Mas, depois, puderam ter também uma certa idéia de como conduzir a pobreza. E quanta demagogia fazem a respeito da pobreza os agitadores sociais que ocultam esses aspectos, para dar idéia de que a pobreza não e senão uma situação quase infernal, de infortúnio sem remédio. A pobreza, como todas as situações da vida do homem - a riqueza, o poder, a beleza, o talento, tudo - ou é bem vivida ou dá num desastre, dá numa desgraça para o homem. Mais ainda. Bem vivida é uma expressão vaga. Ou é vivida sob o influxo da religião e da Civilização Cristã, ou dá num desastre. E aí os Srs. têm Genazzano vista pelo nosso "X". E entusiasmando a todos nós. |