Revista "Catolicismo",
n° 621, setembro de 2002 (www.catolicismo.com.br)
Há
60 anos, um discurso de indelével memória
IV Congresso Eucarístico Nacional —
de 4 a 7 de setembro de 1942 — foi um marco na história do Catolicismo no
Brasil
No grandioso congresso Eucarístico
Nacional de 1942, observou-se um entusiasmo religioso ímpar, fruto da
vitalidade do Movimento Católico em cuja liderança estava Plinio Corrêa de
Oliveira. E desse evento guardam saudosa recordação todos os que a ele
assistiram presenciando manifestações como a da foto acima. Sobretudo de seu
encerramento, realizado no centro da capital paulista, no Vale do Anhangabaú tomado por uma multidão — mais de 500.000
pessoas, vindas de todo o Estado e de diversas partes do Brasil. Este número,
impressionante mesmo para nossos dias, o era incomparavelmente mais para a
pequena cidade de São Paulo do início da década de 40, cuja população não
passava de 1.500.000 almas.
Nesse brilhante encerramento,
coube a Plinio Corrêa de Oliveira fazer o discurso de saudação oficial às
autoridades civis e militares. O público entusiasmado ovacionou o orador, na
ocasião Presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica.
Ocupava a presidência de honra
desse evento o Núncio Apostólico e Legado Pontifício, D. Bento Aloisi Masella, tendo à sua
direita o Interventor Federal Dr. Fernando Costa, representando o Presidente da
República. Presentes aproximadamente 60 Arcebispos e Bispos, numeroso clero,
autoridades, representações de outros Estados e de alguns países da América do
Sul.
Acima,
vista parcial da multidão de fiéis presentes ao encerramento do IV Congresso
Eucarístico Nacional. Ao fundo se vê o Viaduto do Chá e, pouco mais atrás, o
grande altar que então fora montado.
* * *
Íntegra
"O Legionário", órgão
oficioso da Arquidiocese de São Paulo, 7 de setembro de 1942
SAUDAÇÃO
ÀS AUTORIDADES CIVIS E MILITARES
Plinio
Corrêa de Oliveira
Contemplando
por vários dias os esplendores desta cena que hoje se desenrola pela última vez
diante de vossos olhos como diante dos olhos deslumbrados de nossa piedade, e
pensando por certo nas emoções que sentiria o coração paternal do Sumo
Pontífice se aqui estivesse, é possível que por uma natural associação de
idéias vossa imaginação, vagueando, conduzida pelas saudades através dos salões
do Vaticano tivesse estabelecido uma analogia entre a imortal obra prima de
Rafael, na Stanza della Signatura, em que o grande pintor figurou a "Disputa
do Santíssimo Sacramento", e o quadro esplêndido, que, não em pintura, nem
em imaginação, mas em realidade e vida, agora se contempla neste local.
O
certo é que a analogia é frisante e as diferenças de personagens passam quase
desapercebidas ante a identidade do ato místico e sobrenatural que naquela
pintura e nesta hora de glória e de vida se celebra.
Figurou
Rafael uma larga esplanada de mármore tendo ao fundo um panorama risonho da
Itália, e ao centro sobre alguns degraus, um altar com a Sagrada Eucaristia. De
um e de outro lado, em afetuosa e animada porfia os maiores potentados da
Cristandade: papas, imperadores, reis, cardeais e doutores, contendem entre si,
louvando cada qual o Diviníssimo Sacramento segundo
toda a medida de seu fervor. Pairando sobre nuvens, as figuras mais excelsas da
Igreja Gloriosa, no Antigo e Novo Testamento, coros inumeráveis de anjos, o
próprio Padre Eterno, e o Espírito Paráclito figuram
de forma a atribuir o lugar central ao Divino Redentor. É a glorificação do
Sacramento do amor por todos os filhos de Deus, isto é, por todos aqueles que
souberam ouvir o apelo austero e divinamente suave das bem-aventuranças.
Que
importa que as figuras terrenas que aqui temos não sejam as mesmas que as da Stanza della Signatura?
É sempre a mesma Igreja de Deus, é o mesmo o Sacramento que adoramos, e do mais
alto dos Céus, são o Padre, o Filho e o Espírito Santo, a Rainha do Céu, as
incontáveis multidões angélicas, os mártires, as virgens, os confessores e os
doutores que nos contemplam. E como os atos de piedade praticados pelos fiéis
sob o bafejo do Espírito Santo valem infinitamente mais do que a melhor das
obras de arte produzidas pelo engenho humano, força é reconhecer, que há algo
de mais e infinitamente mais precioso do que o inestimável quadro de Rafael que
aqui temos.
Estes grandes dias que estão
prestes a se escoar foram luminosos instantes de Tabor na história brasileira.
E se no Tabor o tempo correu tão rápido que os apóstolos entenderam de poder
apreciar plenamente suas delícias ali fixando morada, mandaria a lógica que
também aqui aproveitássemos avidamente os minutos, na tarefa santamente
silenciosa, da adoração. Entretanto, ordena a sagrada autoridade do Exmo.
Revmo. Sr. Arcebispo Metropolitano que as nossas atenções se desviem por alguns
minutos da Custódia Sagrada e, cessados por instantes os louvores eucarísticos,
se faça uma saudação ao Chefe da Nação, e demais representantes do poder
temporal aqui presentes. E fez bem. Não são apenas aqueles que dizem
"Senhor, Senhor" que tem o reino de Deus, mas ainda os que ouvem a
vontade de Deus e a cumprem. E é tão velho quanto o Catolicismo o preceito da
obediência sobrenaturalmente respeitosa e filial, não apenas àqueles que tem o
poder e o encargo de reger os interesses temporais da Cristandade.
Permita
pois, Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Legado Pontifício que as
homenagens e as saudações de toda esta multidão subam agora, até àqueles que,
encarnando a autoridade natural do Estado, aqui representam a venerável
soberania do poder temporal, e, com ela o próprio Brasil.
Exmo.
Sr. Dr. Fernando Costa, DD. Interventor Federal; Exmo. Sr. General Maurício
Cardoso, DD. Comandante da II Região Militar; Exmos.
Srs. Presidente do Departamento Administrativo e Secretários do Governo; Exmo.
Sr. Prefeito Municipal.
Não
seria preciso que ouvísseis estas palavras, para que notásseis que, no curso já
quatro vezes secular, da história do Brasil, jamais se reuniu assembléia mais
solene e ilustre que esta. No momento em que a vida nacional caminha para rumos
definitivos, quis a Divina Providência reunir em pleno coração de São Paulo, os
elementos representativos de tudo quanto fomos e somos, de todas as glórias de
nosso passado e de nossas melhores esperanças para o futuro como uma afirmação
brilhante dos altos e amorosos desígnios que tem sobre nós.
Aqui está a Santa Igreja Católica.
Em outros termos aqui está a própria alma do Brasil. Aqui estão sob a augusta
presidência do Legado Pontifício aquele Episcopado e aquele clero que desde os
nossos primeiros dias, ministrando os Sacramentos, e ensinando a palavra de
Deus, conservaram o Brasil verdadeiramente brasileiro, conservando-o
fundamentalmente católico. Há quanto tempo, a conjuração de todos os meios de
descristianização desde os mais poderosos aos mais sutis, se estabeleceu nesta
Terra de Santa Cruz, afim de arrancá-la ao regaço da Igreja. Mas enquanto quase
tudo que no sentido humano da palavra pode chamar-se glória, poder, riquezas,
se mobilizou no sentido de assim cometer esse estranho e tenebroso crime de
matar a fogo lento a alma de um país inteiro – enquanto isto a Igreja estava
vigilante, e, depois de perto de 40 anos de um agnosticismo desdenhoso e de uma
luta insana, de norte a sul do país soprava uma verdadeira primavera, e o renascimento
religioso provoca a estruturação de um apostolado tão vigoroso e tão coeso, tão
sedento de ortodoxia de doutrina e pureza de vida que, hoje já o podemos
afirmar, o movimento de leigos católicos, coesos e disciplinados, militantes e
valorosos, já constitui por si uma vitória de imensas conseqüências e um penhor
de que a Providência nos está armando para triunfos ainda maiores.
Digamos tudo em uma só palavra: a
Ação Católica, na solidez de suas organizações fundamentais e na sábia e justa
policromia de suas associações auxiliares, é hoje uma potência ideológica de
primeiro valor, que conta, na realização de suas finalidades, não só com o
concurso apaixonado de quanto nela se inscreveram, mas ainda da própria massa
do povo brasileiro.
Vós o sentistes, Senhores
representantes do Poder Temporal, e vossa gratíssima presença entre nós
constitui a afirmação tangível de que cessou para o Brasil a era do laicismo
desdenhoso e artificial. Para explicardes vosso comparecimento em caráter
oficial nestas solenidades, não vos seria necessário
alegar convicções particulares nem pendores pessoais. Todo o mundo sentiria que
direis uma grande verdade, afirmando que é hoje tal a pujança do movimento
católico no Brasil, que governo algum o poderia ignorar, apegando-se às fórmulas
decrépitas de um laicismo formalista.
Pois
este magnífico reerguimento da alma nacional, no que
ela tem de mais genuíno, isto é na Fé, é obra desse Episcopado e desse Clero
que, pobre embora de todos os dons que devem fazer grandes as obras dos homens,
soube vencer o deslumbramento de todos os artifícios com que se costuma
fascinar as multidões.
Como
não bastasse, para completar esse quadro tão evocativo das lutas passadas ou
recentes de nossa História aqui se encontra também, cercado de nosso respeitoso
carinho, o representante de uma família cujo nome não se pode pronunciar sem
fazer vibrar todas as páginas de nossa História: é Dom Pedro de Orleans e
Bragança, cuja presença lembra o heroísmo do brado do Ipiranga,
a sabedoria do governo de Dom Pedro II, os louros da guerra do Paraguai e a
figura radiante de piedade da Princesa que soube quebrar as algemas da raça
negra.
Se alongarmos mais nossos olhares, veremos os
vultos claros e alguns tanto indecisos, dos arranha-céus que a Paulicéia construiu. Moldura esplêndida deste quadro, ela
nos fala das possibilidades de nossa grandeza temporal e nos traz a garantia de
que por mais que o Brasil cresça no sentido espiritual, terá riquezas
suficientes para crescer proporcionalmente no sentido material.
E,
neste momento, os olhares de todos estes Prelados, as vistas de todas estas
multidões, a atenção dos milhares de espectadores que para além do vale, do
alto dos arranha-céus ou até onde as ondas do rádio puderem chegar em terras
brasileiras acompanham esta solenidade, se volta para vós. Para vós cuja
presença, como acabamos de ver, tanto significa e tanto realce dá a estas
glorificações de Cristo-Eucarístico. Para vós, cujo
comparecimento constitui a homenagem oficial do Brasil ao seu Divino Rei, que é
Cristo, para vós que recebeis a demonstração inequívoca da satisfação que vossa
presença nos causa.
Os
aplausos que neste momento chegam até vós, são o de todo apoio que em todos os
tempos a Igreja sempre tributou aos detentores da autoridade temporal.
A
magnífica cena que tendes diante dos olhos, está longe de ser inédita nos
fastos da Cristandade. Ela não tira seu valor do fato de ser uma novidade
sensacional, mas, pelo contrário, da extraordinária continuidade com que se tem
repetido.
Às
margens do Jordão como do Nilo, à sombra das colunas clássicas de Atenas como
nos esplendores da grande metrópole de Cartago, no fastígio do poder da Idade
Média como nas lutas tormentosas contra o proto-totalitarismo
josefista ou pombalino, sempre que assembléias como
esta se tem reunido, a Igreja repete ao Poder Temporal com uma constância e uma
uniformidade impressionante, a mesma mensagem de paz e aliança, em que para si
reserva tão somente o reino do espiritual, ciosa de respeitar a plena soberania
do Poder Temporal em todos os outros terrenos, dele pedindo tão somente que
ajuste suas atividades aos preceitos evangélicos, ou seja aos princípios que
constituem o fundamento da civilização cristã católica.
Essa
mensagem é eco fiel do divino preceito: "Daí a César o que é de César e a
Deus o que é de Deus". Pelos aplausos dessa multidão, a vossos ouvidos
chega agora esse eco, poderosa afirmação de princípios que as vicissitudes dos
tempos, em todas as épocas não puderam aluir.
Poucas
vezes, no curso de História Brasileira, se tem erguido em torno de uma figura,
concerto tão generalizado, de louvores e admiração, do que em torno de S.
Excia., o Sr. Presidente da República, Dr. Getúlio Vargas. Será supérfluo,
neste momento, acrescentarmos a tantos louros, mais um. A situação de
beligerância em que nos encontramos fez erguer-se em torno de S. Excia., todos
os brasileiros, de todos os quadrantes geográficos e ideológicos do país. Esse
apoio unânime ao governo de S. Excia., é hoje um imperativo patriótico, em cujo
cumprimento os católicos reclamam para si a primeira linha, no terreno do devotamento e da disciplina.
Mas
há uma afirmação sobremaneira importante a fazer aqui. Mil e mil vezes tem sido
ditos a S. Excia. os motivos pessoais que em torno de sua figura tem congregado
tanta solidariedade. É preciso que o intérprete da opinião católica afirme que
a disciplina dos católicos ao Poder Temporal firma suas raízes mais no fundo, e
que, abstração feita das considerações de ordem pessoal, sua obediência aos
poderes públicos se baseia na convicção de que obedecem assim à vontade do
próprio Deus, conhecida pela luz da razão natural e pelos esplendores da
revelação cristã.
Católicos,
não somos nem podemos ser partidários da doutrina da soberania popular, e por
isto mesmo recusamo-nos a ver a augusta autoridade do Poder Temporal firmada
sobre a areia movediça entre todas, da popularidade. Ela se crava na rocha
firme das nossas consciências cristãs, e faz, de nossa submissão e de nossos
propósitos de ardente colaboração convosco, nas sendas da civilização cristã e
na realização da grandeza da Terra de Santa Cruz, um fundamento inabalável que
as tempestades da adversidade contra as quais ninguém está garantido – jamais
poderão destruir.
Isto
não impede, entretanto, que depois de termos prestado homenagem ao Chefe da
Nação, símbolo em tempo de guerra mais do que nunca, da unidade e grandeza
pátrias, de público agradeçamos também a V.Excia. Sr.
Interventor Fernando Costa, toda a cooperação que V.Excia.
prestou para o êxito desse grande congresso. Essa vossa conduta simpaticíssima,
de que as homenagens ao Cristo Eucarístico receberam tanto esplendor, foi
seguida também por vosso ilustre secretariado, que aqui associamos o preito de
reconhecimento que nesse momento prestamos a V.Excia.
Na mesma homenagem de reconhecimento envolvemos a figura respeitável do Sr.
Comandante da 2a. Região Militar, General Maurício Cardoso, no qual comprazemos
em aplaudir neste momento todas as glórias do Exército Nacional; o Exmo. Sr.
Dr. Godofredo da Silva Telles,
Presidente do Departamento Administrativo do Estado, figura característica e
brilhante do patriciado paulista; o Exmo. Sr. Dr.
Prestes Maia, Prefeito Municipal, e todos quanto,
mostrando compreender admiravelmente com isto o significado que para o povo
católico do Brasil tem este Congresso, tanto concorreram para seu esplendor e
grandeza.
Senhores,
é hoje o dia 7 de setembro, a data é expressiva, e estou absolutamente certo de
que um imenso clamor se levantará neste glorioso dia, transpondo os limites do
Estado e do País para notificar ao mundo inteiro que como um só homem, o Brasil
se ergue ao lado do Exmo. Sr. Presidente da República, Dr. Getúlio Vargas,
contra o imperialismo nazista pagão que trama sua ruína e parece ter chamado a
si, exatamente como seu sósia vermelho de Moscou, a diabólica empreitada de
destruir a Igreja em todo o mundo.
Contra os inimigos da Pátria que
estremecemos, e de Cristo que adoramos, os católicos brasileiros saberão
mostrar sempre uma invencível resistência. Loucos e temerários! Mais fácil vos
seria arrancar de nosso céu o Cruzeiro do Sul, do que arrancar a soberania e a
Fé a um povo fiel a Cristo, e que colocará sempre seu mais alto título de
ufania em uma adesão filialmente obediente e
entusiasticamente vigorosa à Cátedra de São Pedro.
* * *
Mas
esta saudação por demais longa não seria completa se não lhe acrescentássemos
uma última palavra. É próprio do feitio que Deus deu ao brasileiro, que a
suavidade de um ambiente de família impregne todos os atos de nossa vida e perfume
sem os deslustrar até mesmo os mais solenes. A despeito dos esplendores desta
noite, estamos pois em família, e o ambiente é propício para que se desatem em
confidências as esperanças que abrigamos em nós.
Produto
da cultura latina valorizada e como que transubstanciada
pela influência sobrenatural da Igreja, a alma brasileira resulta da
transplantação, para novos climas e novos quadros, destes valores eternos e
definitivos que, precisamente porque definitivos e eternos, podem ajustar-se a
todas as circunstâncias contingentes, sem perderem a identidade substancial
consigo mesmo. A perfeita formação da alma brasileira comporta, pois, duas
tarefas essenciais, uma que mantenha sempre intactos os fundamentos de nossa
civilização cristã e ocidental e outra que ajuste esses fundamentos às
condições peculiares a este hemisfério.
Nossos
maiores executaram com evidente êxito e indomável valentia a primeira parte
dessa ingente tarefa. Depois de quatrocentos anos de luta, de trabalho, aqui
floresce este Brasil que é para a civilização ocidental um motivo de esperança,
e para a Santa Igreja de Deus uma causa de júbilo. Mas esse esforço de
conservação, que ainda é e continuará a ser sempre necessário, foi até aqui tão
observante que relegou para o segundo plano o problema da adaptação.
Esmagava-nos
a desproporção entre nossos recursos materiais que do seio da terra desafiavam
nossa capacidade de produção, e a insuficiência de nossos braços, de nosso
dinheiro e de nossas energias para os explorar. A terra brasileira
apresentava-se cheia de possibilidades fabulosamente vastas, de riquezas inesgotávelmente fecundas, que se adivinhavam e se sentiam
mesmo antes de qualquer demonstração técnica e científica. E o mesmo se poderia
dizer de nossa história, toda tecida até aqui de acontecimentos políticos de
alcance meramente ocidental e transcorrida quase toda ela em um tempo em que
não estava na América o centro da gravidade do mundo. Bem estudada e despida
das versões oficiais de um liberalismo anacrônico, aí podemos ver claramente,
na fidelidade de Amador Bueno como no espírito de
Cruzadas dos heróis da reconquista pernambucana, na fibra de ferro desde grande
martelo da pior das heresias, que foi Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira,
como no coração maternal e suave da princesa Isabel, as expressões rútilas de
um grande povo que, ainda nos primeiros passos de sua História, já dava mostras
de ser um povo que Deus criou para grandes feitos.
Esta
predestinação se afirma na própria configuração de nossos panoramas.
Talvez não fosse ousado afirmar
que Deus colocou os povos de sua eleição em panoramas adequados à realização
dos grandes destinos a que os chama. E não há quem, viajando por nosso Brasil,
não experimente a confusa impressão de que Deus destinou para teatro de grandes
feitos esse País cujas montanhas trágicas e misteriosas penedias parecem
convidar o homem às supremas afoitezas do heroísmo
cristão, cujas verdejantes planícies parecem querer inspirar o surto de novas
escolas artísticas e literárias, de novas formas e tipos de belezas, e na orla
de cujo litoral os mares parecem cantar a glória futura de um dos maiores povos
da Terra.
Quando nosso poeta cantava que "nossa
terra tem palmeiras onde canta o sabiá, e que as aves que aqui gorjeiam não
gorjeiam como lá", percebeu, talvez confusamente,
que a Providência depositou na natureza brasileira a promessa de um porvir
igual ao dos maiores povos da Terra.
E
hoje, que o Brasil emerge de sua adolescência para a maturidade, e titubeia nas
mãos da velha Europa o cetro da cultura cristã, que o totalitarismo quereria
destruir, aos olhos de todos se patenteia que os países católicos da América
são na realidade o grande celeiro da Igreja e da Civilização, o terreno fecundo
onde poderão reflorir com brilho maior do que nunca as plantas que a barbárie
devasta no velho mundo. A América inteira é uma constelação de povos irmãos.
Nessa constelação, inútil é dizer que as dimensões materiais do Brasil não são
uma figura de magnitude de seu papel providencial.
Tempo
ouve em que a História do mundo se pode intitular "Gesta Dei per
Francos". Dia virá em que se escreverá "Gesta Dei per brasilienses" (As ações de Deus pelos
brasileiros).
A
missão providencial do Brasil consiste em crescer dentro de suas próprias
fronteiras, em desdobrar aqui os esplendores de uma civilização genuinamente
Católica, Apostólica Romana, e em iluminar amorosamente todo o mundo com o
facho desta grande luz, que será verdadeiramente o "lumen
Christi" que a Igreja irradia. Nossa índole
meiga e hospitaleira, a pluralidade das raças que aqui vivem em fraternal
harmonia, o concurso providencial dos imigrantes que tão intimamente se
inseriram na vida nacional, e mais do que tudo as normas do Santo Evangelho,
jamais farão de nossos anseios de grandeza um pretexto para jacobinismos
tacanhos, para racismos estultos, para imperialismos criminosos. Se algum dia o Brasil for grande,
selo-á para bem do mundo inteiro.
"Sejam entre Vós os que
governam como os que obedecem", diz o
Redentor. O Brasil não será grande pela conquista, mas pela Fé; não será rico
pelo dinheiro tanto quanto pela generosidade. Realmente, se soubermos ser fiéis
à Roma dos Papas, poderá nossa cidade ser uma nova Jerusalém, de beleza
perfeita, honra, glória e gáudio do mundo inteiro.
Aqui
mesmo encontrais disto, Senhores, um formoso símbolo. Pela primeira vez arderá
em uma cerimônia pública o incenso nacional. Pela primeira vez órgão
inteiramente nacional tem deliciado nossos ouvidos. Mas esse incenso queimará
nos altares de uma Religião que é Universal, e esse órgão fará ecoar as
melodias da Igreja na língua-mater de toda a cultura
do mundo. Nada poderia dizer melhor do verdadeiro sentido de nosso
nacionalismo, ou, posta de lado essa palavra tantas vezes mal empregada, de
nosso patriotismo.
"Dái a César o que é de César e a Deus o que é de
Deus". Explorai, Senhores do Poder Temporal, as riquezas de nossa terra;
estruturai segundo as máximas da Igreja, que são a essência da civilização
cristã, todas as nossas instituições civis. Auxiliai quanto em Vós estiver, a
Santa Igreja de Deus e que plasme a alma nacional na vida da graça, para a
glória do céu. Fazei do Brasil uma pátria próspera, organizada e pujante,
enquanto a Igreja fará do povo brasileiro um dos maiores povos da História. Na
harmonia desta mesma obra está a predestinação de uma íntima cooperação entre
dois poderes. Deus jamais é tão bem servido, quanto se César se porta como
seu filho. E, Senhores, em nome dos católicos do Brasil, eu vo-lo afianço,
César jamais é tão grande, como quanto é filho de Deus.
Nessa
colaboração está o segredo de nosso progresso e nela vossa parte é
verdadeiramente magnífica.
Trabalhai,
senhores, trabalhai neste sentido. Tereis a cooperação entusiástica de todos os
nossos recursos, de todos os nossos corações, de todo o nosso fervor. E quando
algum dia Deus Vos chamar à vida eterna, tereis a suprema ventura de contemplar
um Brasil imensamente grande e profundamente cristão, sobre o qual o Cristo do
Corcovado, com seus braços abertos, poderá dizer aquilo que é o supremo título
de glória de um povo cristão. Executai o programa de Governo que consiste em
procurar antes o reino de Deus e sua justiça, que todas as coisas lhes serão
dadas por acréscimo.
Em um Brasil imensamente rico,
vereis florescer um povo imensamente rico, vereis florescer um povo imensamente
grande, porque dele se poderá dizer:
Bem-aventurado
este povo sóbrio e desapegado, no esplendor embora de sua riqueza, porque dele
é o reino dos céus.
Bem-aventurado
este povo generoso e acolhedor, que ama a paz mais do que as riquezas, porque
ele possui a terra.
Bem-aventurado
este povo de coração sensível ao amor e às dores do Homem-Deus,
às dores e ao amor de seu próximo, porque nisto mesmo encontrará sua consolação.
Bem-aventurado
este povo varonil e forte, intrépido e corajoso, faminto e sedento das virtudes
heróicas e totais, porque será saciado em seu apetite de santidade e grandeza
sobrenatural.
Bem-aventurado
este povo misericordioso, porque ele alcançará misericórdia.
Bem-aventurado
este povo casto e limpo de coração, bem aventurada a inviolável pureza de suas
famílias cristãs, porque verá a Deus.
Bem-aventurado
este povo pacífico, de idealismo limpo de jacobismos
e racismos, porque será chamado filho de Deus.
Bem-aventurado
este povo que leva seu amor à Igreja a ponto de lutar e sofrer por ele, porque
dele é o reino dos céus".