23
de novembro de 1933
Discurso transmitido por rádio,
"Jornal da Constituinte"
São Paulo pode, e São Paulo deve encarar com
tranqüilidade confiante a ação de sua bancada, na hora augusta que se aproxima
em que a Assembléia Constituinte, definitivamente resolvidas as questões
regimentais, passará a elaborar a Constituição da II República.
Um sem-número de circunstâncias especiais contribui
para dar aos trabalhos da atual Constituinte uma importância sem precedentes no
Brasil.
Em primeiro lugar, há a situação mundial, tristemente
grandiosa, pela extensão dos cataclismos que presenciamos, e pelo vulto dos
problemas que se rasgam como abismos, diante dos olhos do estadista moderno.
Tudo vacila, no terreno dos fatos como no das idéias.
Os próprios dogmas políticos e sociais, que até há
pouco formavam todas as mentalidades, são hoje submetidos a exame impiedoso,
que, em inexoráveis sentenças, lhes aponta as falhas e defeitos.
Não há uma única doutrina que se possa inculcar como
senhora universal dos espíritos. Tudo se afirma, tudo se nega, e tudo se
discute.
Esta situação intelectual caótica vem dar à atual
Constituinte uma característica nova, que suas antecessoras não tiveram.
Em 1824 como em 1891, as correntes de pensamento eram
duas: havia os reformadores e os retrógrados. E presumia-se com uma convicção
absoluta de que os últimos também participavam, que a marcha dos acontecimentos
haveria de esmagar os reacionários sob as rodas impiedosas do carro de triunfo
em que a humanidade caminhava para a conquista da civilização integral.
Como orientadora suprema da elaboração constitucional
existia, pois, a crença em uma civilização a ser conquistada em breve prazo, de
que a Constituição deveria ser precursora, e que se realizaria com a aplicação
dos princípios de Rousseau ou seus sucedâneos.
Em 1932, é outro, muito outro, o panorama.
Desapareceram, em política como em sociologia, os
dogmas rousseauneanos, que, de convicção quase geral, passaram a ser mera opinião
de grupos ou de correntes.
Nenhuma convicção comum coordena a atividade das
inteligências senão esta, de que a situação mundial, tendo criado problemas
novos, exige rumos novos, e que às Assembléias Constituintes cabe, antes de
tudo, a tremenda tarefa de preparar o futuro.
As Constituintes anteriores têm sido, principalmente,
consolidadoras de orientações e situações vitoriosas. A nossa, pelo contrário,
deverá abrir rumos e traçar diretrizes para o futuro.
A nossa não consolidará apenas, mas inovará.
E vem a propósito a segunda característica.
Neste momento de divisão dos espíritos, São Paulo, que
é um grande centro onde todas as correntes de pensamento têm uma expressão, São
Paulo dá o espetáculo impressionante de uma bancada numerosa e homogênea, como
a que se subordina ao lema "Por São Paulo Unido".
Penso que São Paulo nunca compareceu a uma
Constituinte tão completamente e tão minuciosamente representado como agora. Em
1891, por exemplo, o São Paulo monarquista, que constituía importante corrente,
não se fez representar.
Em 1933, porém, no momento em que o povo paulista
tinha reivindicações do mais alto alcance espiritual e nacional a fazer valer,
todas as correntes ponderáveis e realmente paulistas se ligaram, para, por meio
de um programa comum, levar à Constituinte uma série de teses que
representassem o pensamento de São Paulo.
A bancada paulista não é, pois, o porta-voz de um
grupo que venceu as eleições graças a uma maioria ocasional, ou a paixões de
momento. Ela figura São Paulo na plenitude de seus valores espirituais,
intelectuais e econômicos.
A bancada paulista outra coisa não é, pois, senão a
encarnação de todos os anseios de São Paulo, um pouco da alma e do coração
bandeirante, a pleitear na Constituinte em favor do patrimônio espiritual
inestimável de suas tradições católicas, da integridade de sua autonomia e da
unidade e prosperidade do nosso caro, do nosso grande Brasil.