Capítulo VI

 

 

13. Antigo e novo "Ordo Missae"

 

 

 

 

 

 

 

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Na Carta Apostólica Ecclesia Dei de 2 de Julho de 1988, João Paulo II estabelece que "em toda a parte deverão ser respeitadas as disposições de todos aqueles que se sentem ligados à tradição litúrgica latina, mediante uma ampla e generosa aplicação das directrizes há já tempo emanadas da Sé Apostólica, para o uso do Missal Romano segundo a edição típica de 1962" (126). Por outro lado, pede aos Bispos e a todos aqueles que exercem na Igreja o ministério pastoral para "garantir o respeito das justas aspirações" de todos aqueles fiéis católicos "que se sentem vinculados a algumas das formas litúrgicas e disciplinares precedentes, da tradição latina".

Este importante documento leva em conta o que aconteceu na Igreja depois do Concílio Vaticano II: o "caso Lefèbvre", que culminou com as ilegítimas consagrações episcopais de 30 de Junho de 1988 não é senão um sintoma preocupante do mal-estar difuso que se seguiu à reforma litúrgica, a qual culminou com o Novus Ordo Missae de 1969 (127). "A atracção teológica pela Missa tridentina –afirmou o Cardeal Alfons Stickler– está em correlação com as deficiências teológicas da Missa procedente do Vaticano II" (128). O resultado da reforma litúrgica, segundo o próprio Cardeal Ratzinger, "em sua realização concreta (...) não foi uma reanimação mas uma devastação" (129).

Quando, em 1969, o novo Ordo Missae entrou em vigor, alguns membros eminentes da Hierarquia, bem como muitos teólogos e leigos, desenvolveram uma apertada crítica à nova liturgia da Missa (130). Desde Outubro daquele ano, os Cardeais Ottaviani e Bacci apresentaram a Paulo VI um Breve exame crítico do Novus Ordo Missae redigido por um grupo escolhido de teólogos de várias nacionalidades. Na carta por eles endereçada ao Pontífice, afirmava-se que "o Novus Ordo Missae (...) representa, tanto no seu conjunto como nos detalhes, um impressionante afastamento da teologia católica da Santa Missa, tal como foi formulada na sessão XXII do Concilio Tridentino, o qual, fixando definitivamente os "cânones' do rito, levantou uma barreira intransponível contra qualquer heresia que ferisse a integridade do mistério" (131).

A partir daquela data, começaram a multiplicar-se os apelos de fiéis de todas as nacionalidades, que pediam o restabelecimento da Missa tradicional, ou pelo menos a "par condicio" a seu favor (132). Recorda-se entre outras coisas um "memorandum" em que, no ano de 1971, mais de cem eminentes personalidades de todo o mundo pediam à Santa Sé para "considerar a responsabilidade tremenda que esta teria perante a história do espírito humano se não deixasse que a Missa tradicional subsista no futuro" (133), Plínio Corrêa de Oliveira acompanhou com atenção as fases da polémica que se desenvolveu nos órgãos da imprensa e em revistas especializadas e informou a respeito delas o público do seu país (134). O problema dizia respeito a cada católico e, assim sendo, não podia deixar indiferente o pensador brasileiro, tão atento e sensível a qualquer tema que dissesse respeito de algum modo à Igreja. Estudou e fez estudar o tema, e solidarizou-se com a obra de Arnaldo Xavier da Silveira (135), mas, a pedido de altíssima autoridade eclesiástica, absteve-se de sair a público com a matéria do livro, cujas conclusões eram objecto de um consenso firme e profundo dos membros das várias TFPs, sem, porém, chegar a ser uma posição oficial das entidades (136). Tratava-se, com efeito, de um campo estritamente teológico, externo à competência específica da TFP, a qual se limita à esfera temporal.

Talvez se possa estabelecer uma analogia entre a posição que ele assumiu perante a Ostpolitik e a que tomou no que diz respeito ao Novus Ordo de Paulo VI: em ambos os casos, manifestou uma "resistência" ao que sentia como prejudicial à fé e imposição à sua consciência (137). Mas, enquanto a posição tomada perante a Ostpolitik foi pública, porque dizia respeito àquela ordem social que compete aos leigos instaurar segundo a doutrina da Igreja, a atitude relativa à Nova Missa permaneceu extra-oficial e privada [Nota do site Plinio Corrêa de Oliveira: Para se conhecer mais pormenorizadamente a posição do líder católico a respeito do presente assunto e temas conexos, sugerimos aos interessados que consultem a entrevista concedida em 12 de outubro de 1976 ao jornalista Hugh O’Shrwshgni, do "Financial Times" e também colaborador do "The Tablet", ambos de Londres]. Encorajado pelas opiniões de numerosos e ilustres pastores e teólogos, Plínio Corrêa de Oliveira quis permanecer fiel à tradição litúrgica na qual tinha sido educado, na convicção de que o problema, de qualquer forma, estava enquadrado na crise mais ampla da Igreja pós-conciliar, e que somente neste quadro poderia ser resolvido. 

Notas:

(126) Cfr. o texto da Carta Apostólica de João Paulo II in AAS, vol. 80 (1988), pp. 1495-1497. Muitos institutos religiosos reconhecidos pela Santa Sé obtiveram permissão para celebrar a Santa Missa segundo o Missal Romano tradicional. Entre estes, a Sociedade de São Pedro, a Fraternidade de São Vicente Ferrer, o Opus Sacerdotale, os monges beneditinos do Mosteiro de Santa Madalena do Barroux, o Instituto Cristo Rei Sumo Sacerdote de Gricigliano.

(127) Em 3 de Abril de 1969 veio a lume a Constituição Apostólica Missale Romanum que constava de dois documentos: a Institutio generalis missalis Romani e o Novus Ordo Missae propriamente dito, ou seja, o novo texto da Missa e as rúbricas que o acompanharam. Um dos seus principais artífices, Mons. Annibale BUGNINI, secretário do Consilium ad exsequendam Constitutionem de Sacra Liturgia, no seu livro "La riforma liturgica" (1948-1975), (Edizioni Liturgiche, Roma, 1983), acentua o papel desempenhado por Paulo VI no qual vê "o verdadeiro realizador da reforma litúrgica": "O Papa viu tudo, acompanhou tudo, examinou tudo, aprovou tudo" (p. 13).

(128) Card. Alfons M. STICKLER, "L'attrattiva teologica della Messa Tridentina", Conferência feita em Nova York para a associação Christi fideles em Maio de 1995.

(129) Card. J. RATZINGER, "Klaus Gamber; L'intrépidité d'un vrai témoin", prefácio a Mons. Klaus GAMBER, "La réforme liturgique en question", Editions Sainte-Madeleine, Le Barroux, 1992, p. 6.

(130) Entre os numerosos trabalhos críticos sobre a "Nova Missa" e a Reforma litúrgica, na maior parte compostos por estudiosos leigos, assinalamos: A. V. XAVIER DA SILVEIRA, "La nouvelle Messe de Paul VI qu'en penser?", cit.; Jean VAQUIÉ, "La Révolution liturgique ", Diffusion de la Pensée Française, Chiré-en-Montreuil, 1971; Louis SALLERON, "La Nouvelle Messe", Nouvelles Editions Latines, Paris, 1976 (1971); Wolfgang WALDSTEIN, "Hirtensorge und Liturgiereform", Lumen Gentium, Schaan (FI) 1977; Mons. K. GAMBER, "Die Reform der Riimischen Liturgie", F. Pustet, Regensburg,1979 (esta obra na versão francesa, cit., contém prefácios dos Cardeais Silvio Oddi, Joseph Ratzinger e Alfons M. Stickler); Michael DAVIES, "Pope Paul's New Mass", The Angelus Press, Dickinson, (Texas) 1980.

(131) O estudo, promovido por Una Voce-Italia, foi reeditado pela mesma associação juntamente com um novo exame crítico do Novus Orda Missae, obra de um liturgista e teólogo francês ("Il Novus Ordo Missae: due esami critici", Una Voce, supl. ao n° 48-49 do noticiário Janeiro-Julho de 1979).

(132) Três peregrinações internacionais de católicos dirigiram-se a Roma para reiterar a fidelidade à Missa tradicional e ao catecismo de São Pio X (cfr. Guglielmo ROSPIGLIOSI, "La manifestazzione dei cattolici tradizionalisti riconfermano la fedeltà al messale e al catechismo", in Il Tempo, 19 de Junho de 1970). Uma colectânea dos apelos até 1980 in Et pulsanti aperietur (Lc 11, 10)", FI-Una Voce, Clarens, 1980.

(133) Entre os signatários figuravam: Romano Ameno, Augusto Del Noce, Marius Schneider, Marcel Brion, Julien Green, Henri de Montherlant, Jorge Luis Borges, os escritores ingleses Agatha Christie, Robert Graves, Graham Green, Malcolm Mudderidge, Bernard Wall, o violinista Yehudi Menuhin. Cfr. o texto e o elenco dos signatários in Una Voce, n° 7 (Julho de 1971).

(134) Cfr. por exemplo "O direito de saber", in Folha de S. Paulo, 25 de Janeiro de 1970 e Catolicismo, n° 230 (Fevereiro de 1970) em que informava o público brasileiro sobre as primeiras manifestações de resistência ao Novus Ordo. Mons. Castro Mayer publicava por seu lado uma "Carta Pastoral sobre o Santo Sacríficio da Missa", no n° 227 (Novembro de 1969) de Catolicismo. Em 1971, apareceu amplo e documentado artigo de Gregorio VIVANCO LOPES, "Sobre a nova Missa: repercussões que o público brasileiro ainda não conhece", in Catolicismo, n°. 242 (Fevereiro de 1971).

(135) O citado estudo de Arnaldo Xavier da Silveira analisa cuidadosamente o Novus Ordo, sob a óptica de um conjunto de questões teológicas, canónicas e morais centradas no problema da autoridade. O livro veio a lume em S. Paulo em 1970 e teve uma difusão restrita. Mais tarde foi editado em francês (op. cit.), juntamente com três diferentes estudos já antes publicados em português: “Considerações sobre o Ordo Missae de Paulo VI”, São Paulo, Junho, 1970; "Modificações introduzidas no Ordo de 1969", S. Paulo, Agosto, 1970; "A infalibilidade das leis eclesiásticas", São Paulo, Janeiro, 1971). Sobre esta obra afirmou o Prof. Corrêa de Oliveira: "No seu livro, Arnaldo Xavier da Silveira afirma expressamente a sua fidelidade inquebrantável à doutrina e disciplina da Igreja. E se levanta certos problemas delicados de Teologia ou Direito Canónico, fá-lo declarando de antemão que acata em toda a medida preceituada pelo Direito Canónico o que a própria Igreja decidir. É precisamente esta a posição da TFP. Temos pois a consciência inteiramente tranquila no que diz respeito à nossa perfeita união com a Santa Igreja Católica Apostólica Romana" (P. CORRÊA DE OLIVEIRA, "Sobre o decreto anti-TFP de D. Isnard", in Folha de S. Paulo, 27 de Maio de 1973); Cfr. "A política de distensão do Vaticano com os regimes comunistas. Para a TFP: omitir-se? Ou resistir?", in Folha de S. Paulo, 8 de Abril de 1974.

(136) "Uma vez definida a posição das TFPs enquanto associações, é preciso observar, quanto a seus membros e simpatizantes, que, como católicos (...), sofrem pessoalmente a repercussão dos problemas especificamente religiosos que têm convulsionado a Igreja depois do Concílio Vaticano II. É inevitável que, como simples católicos, eles troquem entre si opiniões sobre essas questões. Concretamente, essa troca de opiniões jamais deu lugar a dissensões. Pelo contrário, dela tem saído um consenso firme e amadurecido a propósito dos principais temas referentes ao misterioso processo de autodemolição, pelo qual atravessa a Igreja e sobre o fumo de Satanás que penetrou nela. (...) O consenso, inteiramente pessoal, dos membros e simpatizantes da TFP em certas matérias estranhas à esfera cívica, não constitui o pensamento oficial da TFP. Mas ele dá lugar a um consenso extra-oficial na TFP". Cfr. "Imbroglio, détraction, délire – Remarques sur un rapport concernant les TFP", pp. 176 e 177.

(137) O Padre dominicano Roger-Thomas CALMEL, em artigo publicado no número de Novembro de 1971 de Itinéraires, tratando do problema da assistência à Nova Missa, afirmava que "as condições de obrigação legal foram anuladas", permanecendo, pelo contrário, a obrigação grave de confessar abertamente a fé na Missa católica ("L'assistance à la Messe suivie de l'apologie pour le Canon Romain", in Itinéraires, n° 157 (Novembro de 1971), p. 6). Cfr. também "A Missa Nova: um caso de consciência", compilado sob a responsabilidade dos Padres tradicionalistas da Diocese de Campos, Artpress, São Paulo, 1982.

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