Capítulo III

 

 

6. Presidente diocesano da Acção Católica

 

 

 

 

 

 

 

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Visita de D. José Gaspar à sede do Legionário, recebido por Plinio Corrêa de Oliveira

Alguns meses depois, faleceu o Arcebispo de São Paulo. O seu sucessor, D. José Gaspar de Affonseca e Silva (54), representava um tipo humano muito diverso. Se o aspecto de D. Duarte era de um homem grave, que incutia respeito e até temor, o modo de D. José Gaspar tratar as pessoas era afável e atraente. Conhecer o seu verdadeiro modo de pensar e interpretar as suas opções, frequentemente inspiradas em forte senso político e diplomático, nem sempre era fácil. As suas primeiras atitudes não deixaram de suscitar surpresa. Em 11 de Março de 1940 confiou a Plínio Corrêa de Oliveira o mais prestigioso dos encargos: o de Presidente da Junta Arquidiocesana da Acção Católica. No mesmo período, o Padre António de Castro Mayer foi nomeado Assistente Geral da Acção Católica de São Paulo, enquanto o Padre Geraldo de Proença Sigaud foi designado assistente arquidiocesano da Juventude Estudantil, masculina e feminina. Plínio Corrêa de Oliveira tomava assim em mãos a direcção de todas as forças do laicato católico de São Paulo, que então compreendia as organizações estudantis, os homens e as mulheres da Acção Católica e as associações auxiliares como as Pias Uniões, as Ordens Terceiras e as Congregações Marianas (55).

Isto não significava necessariamente que existisse uma sintonia de posições entre o novo Arcebispo e a cúpula da Acção Católica que tinha designado. A estratégia de D. José Gaspar consistia em ligar os homens a si através da colaboração, de preferência, a enfrentá-los de viseira erguida, sobretudo estando em presença de personalidades fortes como a de Plínio Corrêa de Oliveira. A morte prematura do Arcebispo de São Paulo não propicia desvendar a verdadeira natureza das relações entre as duas individualidades.

O que é certo é que na pessoa do Prof. Plínio, D. José havia escolhido um profundo e seguro conhecedor dos males que principiavam a infectar a grande organização do apostolado leigo. Graças a esse cargo, Plínio Corrêa de Oliveira que, desde 1938, já havia iniciado a denúncia destes males através do Legionário (56), teve a possibilidade de conhecer melhor e abarcar com um olhar amplo e profundo a variegada realidade católica do país. O jovem presidente dirigiu a associação com mão enérgica, reprimindo os erros doutrinários que afloravam e procurando modificar as novas mentalidades. Depois de três anos de trabalho, os resultados não se fizeram esperar: a Acção Católica paulista conheceu um florescimento sem precedentes. O grandioso Congresso Eucarístico de 1942, em São Paulo, revelou a toda a América Latina as imensas possibilidades do movimento católico brasileiro.

Proferindo, nesta ocasião, na sua qualidade de presidente diocesano da Acção Católica, o discurso oficial perante um milhão de pessoas, Plínio Corrêa de Oliveira assim delineou o papel histórico da sua pátria:

"A missão providencial do Brasil consiste em crescer dentro das suas próprias fronteiras, em desdobrar aqui os esplendores de uma civilização genuinamente católica, apostólica e romana, e em iluminar amorosamente todo o mundo com o facho desta grande luz, que será verdadeiramente o ‘lumen Christi’ que a Igreja irradia. A nossa índole meiga e hospitaleira, a pluraridade das raças que aqui vivem em fraterna harmonia, o concurso providencial dos imigrantes que tão intimamente se inseriram na vida nacional, e mais do que tudo as normas do Santo Evangelho, jamais farão dos nossos anseios de grandeza um pretexto para jacobinismos tacanhos, para racismos estultos, para imperialismos criminosos. Se algum dia o Brasil for grande, sê-lo-á para bem do mundo inteiro. `Sejam entre vós os que governam como os que obedecem', diz o Redentor. O Brasil não será grande pela conquista, mas pela Fé; não será rico pelo dinheiro tanto quanto pela generosidade. Realmente, se soubermos ser fiéis à Roma dos Papas, poderá nossa cidade ser uma nova Jerusalém, de beleza perfeita, honra, glória e gáudio do mundo inteiro" (57).

Entretanto, Plínio Corrêa de Oliveira quis levar a sua obra até às suas últimas consequências. Decidiu assim escrever um livro em defesa da Acção Católica, oferecendo um cuidadoso diagnóstico dos males que a afligiam. 

Estes males não eram ignorados pelo Núncio Apostólico no Brasil, D. Bento Aloisi Masella, que há tempos observava e apreciava Plínio Corrêa de Oliveira, embora não o conhecesse pessoalmente. Enviou-lhe como emissário da sua confiança o jesuíta italiano Cesare Dainese (58), então reitor do Colégio Loyola de Belo Horizonte, o qual preparou o caminho para um encontro com o Núncio. O colóquio teve lugar pouco depois, no Rio de Janeiro. O Núncio era um homem de sessenta anos, de atitude reservada e perfeita compostura diplomática. Ouviu em silêncio a exposição do presidente da Acção Católica paulista, animou-o tacitamente e encarregou o Padre Dainese de manter relações com ele. Pouco depois o Padre António de Castro Mayer foi promovido a Vigário-Geral da Arquidiocese de São Paulo. A intervenção da nunciatura era evidente e constituía um apoio ao projecto do Prof. Plínio, o qual mergulhou no estudo dos documentos para concluir, quanto antes, a redacção da sua obra. 

Mons. Castro Mayer recordou mais tarde ter acompanhado toda a redacção do livro e os esforços do autor a fim de que a sua obra fosse perfeitamente objectiva (59). Era necessária, entretanto, a autorização do Arcebispo de São Paulo. Este, tendo em mãos o esboço do volume, ficou perplexo diante da firmeza de posições do líder paulista. Perante as hesitações de D. José Gaspar, Plínio Corrêa de Oliveira, utilizando o canal representado pelo P. Dainese, recorreu ao Núncio, explicando as dificuldades que o seu livro encontrava no seu caminho e pedindo-lhe um prefácio, a fim de superar o impasse. D. Bento Aloisi Masella, depois de ter lido atentamente a obra e compreendido o seu alcance, consentiu de bom grado, recomendando ao Arcebispo de São Paulo não retardar a sua publicação. E assim, D. José Gaspar enviou o texto ao P. Castro Mayer, para que concedesse finalmente, em seu nome, o esperado imprimatur.

(59) Mons. António de Castro Mayer recorda, por exemplo, que a obra de Plínio Corrêa de Oliveira foi lida desde logo pelo Prior do Mosteiro de São Bento, D. Paulo Pedrosa, e pelo citado Padre Cesare Dainese, director da Confederação Nacional das Congregações Marianas (D. Antonio de CASTRO MAYER, Bispo de Campos, "Vinte anos depois...", in Catolicismo, n° 150 (Julho de 1963). 

Notas:

(54) Dom José Gaspar de Affonseca e Silva, segundo Arcebispo de São Paulo, nasceu em Araxá, no Estado de Minas, em 6 de Janeiro de 1901. Foi ordenado Sacerdote em 12 de Agosto de 1923 por D. Duarte Leopoldo e Silva. Depois de ter estudado em Roma na Universidade Gregoriana, foi sagrado Bispo e em 28 de Abril de 1935 recebeu o cargo de auxiliar do Arcebispo de São Paulo. Com a morte de Dom Duarte em Agosto de 1939, D. José Gaspar sucedeu-lhe como Arcebispo de São Paulo. Morreu num acidente de aviação em 27 de Agosto de 1943. Cfr. "In memoriam de José Gaspar de Afonseca e Silva", Editora Ave Maria, São Paulo, 1944; Plínio CORRÊA DE OLIVEIRA, "Pobreza edificante", in O Legionário, n° 578 (5 de setembro de 1943).

(55) "O nosso programa resume-se num lema que aceitamos com entusiasmo, porque é-nos ditado pela própria natureza das coisas, estabelecida pela Providência. É o dístico que se encontra no brasão de armas do Exmo. e Revmo. Sr. Arcebispo Metropolitano: `para que todos sejam um'. (...) A união entre católicos é a justaposicão tranquila de elementos heterogéneos. Ela é a coordenação pacífica de pessoas unidas pela comunhão de ideias, pela comunhão de vida, pela identidade da acção. Que ideias? Que vida? Que acção? Ideias, só as da Igreja. Vida, a vida sobrenatural da graça. Acção, a Acção Católica" (Plínio CORRÊA DE OLIVEIRA, "Ut omnes unum sint", in O Legionário, n° 392 (17 de Março de 1940).

(56) Plínio CORRÊA DE OLIVEIRA, "Burocracia", in O Legionário, n° 310 (21 de Agosto de 1938); id., "Sociologite", in O Legionário, n° 311 (28 de Agosto de 1938). Simplesmente os títulos destes artigos já dizem muito!

(57) Plínio CORRÊA DE OLIVEIRA, "Saudação às autoridades civis e militares", in O Legionário, n° 525 (7 de Setembro de 1942).

(58) Cesare Dainese, nascido em Luvigliano (Pádua) em 1894, entrou para a Companhia de Jesus no Brasil, em 1912, iniciando o seu noviciado na Vila Mariana (São Paulo). Depois de ter estudado filosofia em Roma e teologia no Heythrop College, na Inglaterra, foi ordenado Sacerdote em 1927 e em 1930 voltou ao Brasil, onde ocupou os cargos de Reitor no Colégio Anchieta em Nova Friburgo (em 1934-1935 e novamente em 1940-1945), no Colégio António Vieira em Salvador (Bahia) onde foi provincial (1953-1957) e no Colégio Santo Inácio do Rio de Janeiro (1963-1964). Morreu em 1986.

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