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CARTA DO ALÉM

 

Dr. theol. Bernhardin Krempel, C. P.

 

Imprimatur

             Do original alemão: Brief aus dem Jenseits:

                          Treves, 9/11/1953. N. 4/53.

 Aprov. Ecles. (do opúsculo original ora copiado)

                          Taubaté – Est. de S. Paulo – 2/11/1955.

 

À Guisa de Prefácio

 

Com os homens, Deus se comunica por muitos modos. Além de ser a própria Sagrada Escritura a Carta Magna de Deus aos homens, escrita e transmitida por homens autorizados, narra ela muitas comunicações divinas feitas por visões, inclusive sonhos. Deus continua a prevenir, ainda, por sonhos. É que sonhos não são sempre meramente sonhos sem base.

A carta do Aém transcrita abaixo conta a história da condenação eterna de uma jove. À primeira vista parece uma história bastante romanceada. Bem consideradas, porém, as circunstâncias, chega-se à conclusão de que ela não deixa de ter o seu fundo histórico como base de seu sentido moral e do seu alcance transcendental.

A carta em apreço foi encontrada, tal qual, entre os papéis de uma freira falecida, amiga da jovem condenada. Relata, a freira, os acontecimentos da existência da companheira como fatos históricos sabidos e verificados, e sua morte eterna comunicada em sonho. A Cúria diocesana de Treves (Alemanha) autorizou sua publicação como sumamente ilustrativa.

A Carta do Além apareceu primeiro em livro de revelações e profecias, juntamente com outras narrações . Foi o Pe. Bernhardin Krempel, C. P., doutor em teologia, quem a publicou em separado e quem lhe emprestou mais autoridade, provando-lhe, nas Anotações, a absoluta concordância com a doutrina da Igreja Católica sobre o assunto.

No Apêndice seguem alguns esclarecimentos complementares sobre o Inferno. O primeiro ponto assinala dois trabalhos literários que por caminhos diferentes chegam à mesma conclusão que o Inferno deve existir e que de fato existe. Nos seguintes pontos, expõem-se sumariamente quais são os que trilham o caminho do Inferno e quais os meios que temos à mão para nos salvar do maior perigo da vida, de cair no Inferno. Assim termina o oúsculo menos alarmante e mais conciliatório. – (O tradutor e editor.)

 

Informações preliminares

 

Entre os papéis deixados por uma jovem que morreu num convento, como freira, foi encontrado o seguinte depoimento:

 

Tinha eu uma amiga. Quer dizer, éramos mutuamente achegadas como companheiras e vizinhas de trabalho no mesmo escritório M.

Quando mais tarde Ani se casou, nunca mais a vi. Desde que nos conhecêramos, reinava entre nós., no fundo, mais amabilidade do que amizade.

Por isso eu sentia dela pouca falta quando, após seu casamento, ela foi morar no bairro elegante das vilas, bem longe do meu casebre.

Quando no outono de 1937 passei minhas férias no lago Garda, minha mãe escreveu-me, em meados de setembro: “Imagine, Ani  N. morreu. Num desastre de automóvel, perdeu a vida. Ontem foi enterrada no Cemitério do Mato”.

Essa noticia espantou-me. Sabia eu que Ani nunca fora propriamente  religiosa. Estava ela preparada, quando Deus a chamou de repente?

Na outra manhã assisti, na capela da casa do pensionato das irmãs onde eu morava, à santa missa em sua intenção. Rezava fervorosamente por seu descanso eterno, e nessa mesma intenção ofereci também a santa Comunhão.

Mas o dia todo eu sentia certo mal estar, que foi aumentando mais ainda pela tarde.

Dormia inquieta. Acordei, de repente, ouvindo como que sacudida a porta do quarto. Liguei a luz. O relógio no criado mudo marcava meia noite e dez minutos. Nada, porém, eu podia ver. Nenhum barulho havia na casa. Apenas as ondas do lago Garda batiam, quebrando-se monotonamente no muro do jardim do pensionato. De vento, nada eu ouvia.

Tinha eu, todavia, a impressão de que, ao acordar, eu tivesse percebido, além das batidas na porta, um ruído como que de vento, parecido ao do meu chefe de escritório quando, mal humorado, me atirava uma carta amolante sobre a escrivaninha.

Refleti um momento se devia levantar-me.

Ah! Tudo não passa de cisma: disse-me resoluta. Não é senão produto da minha fantasia sobressaltada pela noticia da morte.

Virei-me, rezei alguns Pai-nossos pelas almas, e adormeci de novo.

*   *   *

 Sonhei então que me levantava de manhã, às 6 horas, indo à capela de casa. Quando abri a porta do quarto, dei com o pé num maço de folhas de carta.

Levanta-las, reconhecer a escrita de Ani, e dar um grito, foi coisa de um segundo.

Tremendo, segurei as folhas nas mãos. Confesso que fiquei tão apavorada que nem podia proferir o Pai-nosso.

Fiquei presa de uma quase sufocação. Nada melhor que fugir dali e ir-me para ao ar livre. Arranjei malmente os cabelos, pus a carta na bolsa e saí à pressa de casa.

Fora, subi o caminho que seguia tortuoso para cima, por entre oliveiras, loureiros e quintas de vilas, e para além da mundialmente célebre “Estrada Gardesana”.

A manhã despontava radiante. Nos outros dias, eu parava a cada cem passos, encantada pela magnífica vista que me ofereciam o lago e a magnificamente bela ilha Garda. O suavíssimo azul da água refrescava-me; e, como uma criança olha admirada para o avô, assim eu olhava, sempre admirada, de novo, o cinzento monte Baldo que se ergue na margem oposta do lago, crescendo de 64 m acima do nível do mar até 2200  m de altura.

Hoje, eu não tinha olhos para tudo isso. Depois de caminhado um quarto de hora, deixei-me cair maquinalmente sobre um banco encostado em dois ciprestes onde, no dia anterior, eu tinha lido prazerosa “A donzela Teresa”. Pela primeira vez eu via, nos ciprestes, símbolos da morte; coisa que neles nunca reparava no Sul, onde tão freqüentemente se encontram.

Peguei a carta. Faltava-lhe a assinatura. Sem a mínima duvida, era a escrita de Ani. Nem mesmo faltavam nela a grande “S”- voluta, nem o “T” francês, a que se havia acostumado no escritório para irritar o Sr. G.

O estilo não era o dela; pelo menos, não falava como de costume. Sabia ela, tão amavelmente, conversar e rir com seus olhos azuis e seu gracioso nariz.

Somente quando discutíamos assuntos religiosos é que ela se tornava mordaz e caía no rude tom da carta. (Eu própria entrei, agora, na excitada cadência da mesma).

 

Eis aí

A Carta do Além de Ani V., palavra por palavra, tal qual a li no sonho:

 

“Clara! Não rezes por mim. Sou condenada. Se te comunico isso e se, a respeito de algumas circunstancias da minha condenação te dou pormenorizadas informações, não creias que eu o faça por amizade. Aqui não amamos a ninguém mais. Faço-o como «parcela daquele Poder que sempre quer o Mal e sempre produz o Bem»”.

Em verdade, eu queria também ver-te aqui, onde eu para sempre vim parar.

Não estranhes esta minha intenção. Aqui pensamos todos da mesma forma. A nossa vontade está petrificada no mal - no que vós chamais “mal”.– Mesmo quando fazemos algo de “bem”, como eu agora, descerrando-te os olhos sobre o inferno, não o fazemos com boa intenção [1].

Lembra-te ainda:

Faz 4 anos que nos conhecemos em M. Tinhas 23 anos e já trabalhavas no escritório havia meio ano, quando lá entrei.

Tiravas-me, bastantes vezes, de embaraços; davas-me, a mim, principalmente, freqüentes bons avisos. Mas, que é que se chama “bom”?

Eu louvava então, tua “caridade”. Ridículo... Tuas ajudas provinham de pura ostentação como, aliás, eu já suspeitava.

Nós aqui não reconhecemos bem algum em ninguém!

Conheceste minha mocidade. Cumpre preencher, aqui, certas lacunas. 

* * *

 Conforme o plano de meus pais, eu não devia nunca haver existido. Aconteceu-lhes um descuido, a desgraça da minha concepção.

Minhas duas irmãs já tinham 15 e 14 anos, quando eu vim à luz.

Oxalá nunca eu tivesse nascido! Oxalá pudesse eu agora me aniquilar, fugir a esses tormentos! Não há volúpia comparável à de acabar minha existência, como se reduz a cinzas um vestido sem mesmo deixar vestígios.

 Mas é preciso que eu exista; é preciso que eu seja tal como eu me tenho feito: com a falha total da finalidade da minha existência.

Quando meus pais, ainda solteiros, mudaram-se da roça para a cidade, perderam o contato com a Igreja.

Assim era melhor.

Mantinham relações com pessoas desligadas da religião.

Conheceram-se num baile, e viram-se “obrigados” a casar meio ano depois.

No ato do casamento pegaram neles só algumas gotas de água benta, suficientes apenas para atrair mamãe à missa domingueira, raríssimas vezes por ano.

Nunca ela me ensinava a rezar direito. Esgotava-se nos cuidados de cada dia, ainda que a nossa situação não fosse ruim.

Semelhantes palavras como rezar, missa, água benta, igreja, só escrevo com íntima repugnância, com incomparável nojo. Detesto profundamente os freqüentadores de igreja, assim como todos os homens e coisas em geral.

Tudo se nos torna tormento. Cada conhecimento recebido ao falecer, cada lembrança da vida e do que sabemos, se transforma numa flama incandescente.

E todas essas lembranças nos mostram aquele medonho lado que fora uma graça que desprezamos. Como isso atormenta! Não comemos, nem dormimos, nem andamos com as pernas. Espiritualmente acorrentados, nós réprobos, fitamos estarrecidos a nossa vida falhada, uivando e rangendo os dentes, atormentados e cheios de ódio.

Ouves tu? Bebemos aqui ódio como água. Odiamo-nos mutuamente.

Mais do que tudo, odiamos a Deus. Procuro tornar-te isso compreensível.

Os bem-aventurados, no Céu, devem amá-lo. Porque O vêem desveladamente em Sua arrebatadora beleza. Isso os torna indescritivelmente felizes. Sabemos isso e é esse conhecimento que nos torna furiosos [2].

Os homens, na Terra, que conhecem Deus pela criação e revelação, podem amá-lo; não são forçados a faze-lo.

O crente – furiosa eu te digo aqui – que contempla, meditando, Cristo estendido na Cruz, O amará.

Mas a alma de quem Deus se acerca fulminante, como vingador e justiceiro, como Quem foi repelido, essa, O odeia como nós O odiamos.  Odeia-O com toda a força da sua má vontade. Odeia-O eternamente, em virtude da deliberada resolução de ficar afastada de Deus, com que terminou a vida terrena. E, essa perversa vontade, não podemos revogá-la mais; nem, jamais, queremos revogá-la.

Compreendes tu, agora, por que o Inferno há de ser eterno? Porque a nossa obstinação nunca derrete, nunca termina.

Forçada, acrescento que Deus é propriamente ainda misericordioso para conosco.  Disse “forçada”. A razão é esta: ainda que voluntariamente escrevo esta carta, não me é possível mentir, como eu bem queria. Assento no papel muitas informações contrariamente à minha vontade. Também a corrente de injúrias que queria despejar, tenho de reenguli-la.

Deus era misericordioso para conosco pelo que não deixou a nossa vontade produzir e efetivar na Terra todo o mal que desejávamos fazer. Se Ele nos tivesse deixado a esmo, teríamos aumentado muito a nossa culpa e castigo. Deixou-nos morrer prematuramente – como a mim – ou introduziu circunstâncias atenuantes.

Agora Ele se nos torna misericordioso porque não nos obriga a nos aproximar Dele; porém, a ficarmos neste lugar distante do Inferno, diminuindo-nos o tormento.

Cada passo mais perto de Deus dar-me-ia maior sofrimento do que, a ti,  um passo mais perto de uma fogueira.

Ficaste espantada um dia, quando te contei, em passeio, o que meu pai me dissera alguns dias antes da minha primeira comunhão:

“Cuida, Anita, que ganhes bonito vestido; o mais não passa de burla”.

Quase me teria mesmo envergonhado do teu espanto. Agora rio-me disso. O mais bem feito, em toda essa burla, era permitir-se a comunhão  apenas aos 12 anos. Eu já estava, então, assaz possuída do prazer do mundo, que postergava facilmente tudo quanto era religião, e não levei a comunhão a sério.

O novo costume de deixar as crianças receberem a comunhão aos 7 anos, põe-nos furiosos. Envidamos todos os meios para burlar isso, fazendo crer que, para comungar, cumpre haver compreensão; é preciso que as crianças já tenham cometido antes alguns pecados mortais. O “branco” Deus será menos prejudicial, então, do que recebido, quando a fé, a esperança e o amor, frutos do batismo –  escarro sobre tudo isso – ainda estão vivos no coração da criança.

Lembras-te que já sustentei esse mesmo ponto de vista na Terra? 

* * *

Torno a meu pai. Ele brigava muito com minha mãe. Raras vezes te frisei isso: tinha vergonha. Ah! que é vergonha? Coisa ridícula! A nós, tudo nos é indiferente.

Meus pais não dormiam mais no mesmo quarto. Eu dormia com minha mãe; papai no quarto ao nosso lado, onde podia voltar a qualquer hora da noite. Ele bebia muito e gastou a nossa fortuna. Minhas irmãs estavam empregadas e precisavam do seu próprio dinheiro, como diziam. Mamãe começou a trabalhar. No último ano de sua amargurada vida, papai batia em mamãe muitas vezes, quando não lhe queria dar dinheiro. Para mim, ele era sempre bonzinho. Um dia, contei-te isso e ficaste escandalizada sobre o meu capricho – e de que não te escandalizaste em mim? – um dia, pois, devolveu duas vezes sapatos novos, porque a forma dos saltos não me era bastante moderna.

Na noite em que uma apoplexia vitimou meu pai mortalmente, aconteceu algo que nunca te confiei, por temer desagradável interpretação de tua parte. Hoje, porém, deves sabê-lo. Esse fato é memorável, porque foi pela primeira vez que o meu atual espírito-carrasco se acercou de mim.

Eu dormia no quarto de minha mãe. Suas respirações regulares denotavam seu profundo sono.

De repente, ouvi chamar meu nome. Uma voz desconhecida murmurou: “Que acontecerá, se teu pai morrer?”

Eu não amava mais meu pai, desde que ele começara a maltratar minha mãe. Já não amava propriamente ninguém; só me prendia a alguns que eram bons para mim. – Amor sem intuito natural existe quase só nas almas que vivem em estado de graça. Nele eu não vivia.

Respondia assim ao misterioso interlocutor: “Com  certeza ele não morre”.

Após breve intervalo, ouvi a mesma bem compreendida pergunta, sem me incomodar de saber de onde provinha.

“Qual o quê! Ele não está morrendo” escapou-me casmurra.

Pela terceira vez fui interrogada: “Que acontecerá se teu pai morrer?”

De relance me surgiu, no espírito, como meu pai freqüentes vezes voltava para casa meio bêbado, ralhando e brigando com mamãe e quando ele nos envergonhava perante os vizinhos e conhecidos.

 Gritei, então, embirrada:

“Pois não. É quanto merece! Que morra!”

Depois, ficou tudo quieto.

Na manhã seguinte, quando mamãe foi para arrumar o quarto de papai, encontrou a porta fechada. Ao meio dia abriram-na à força. Papai encontrava-se meio vestido em cima da cama – morto, um cadáver. Ao procurar cerveja na adega, deve se ter resfriado. Desde muito, estava adoentado. – (Será que Deus fez depender da vontade de uma criança, a quem o homem demonstrava bondade, o conceder-lhe mais tempo e ocasião para se converter?) 

* * *

  Marta K. e tu,  fizestes-me ingressar na associação das moças. Nunca te escondi que achava as instruções das duas diretoras, das senhoras X., assaz vigaristas. Achava os jogos bastante divertidos. Conforme sabes, cheguei, em breve, a sustentar nele papel preponderante. Isso era o que me lisonjeava. Também as excursões me agradavam. Deixei-me até levar algumas vezes a confessar-me e comungar. Propriamente não tinha nada para confessar. Pensamentos e sentimentos, comigo, não entravam em conta. Para coisas piores eu não estava madura ainda.

Admoestaste-me um dia: “Ani, se não rezares mais, perder-te-ás”. Eu rezava realmente muito pouco; e também só contrariada, de má vontade.

Tinhas tu, sem dúvida, razão. Todos os que no inferno ardem, não rezaram, ou não rezaram bastante. A oração é o primeiro passo para Deus. Sempre decisivo. Mormente a oração para Aquela que é mãe de Cristo, cujo nome não nos é licito pronunciar. A devoção a Ela arranca ao demônio inúmeras almas que os pecados lhe teriam infalivelmente atirado às mãos.

Furiosa continuo,  por ser forçada: rezar é o mais fácil que se pode fazer na Terra. Justamente a esse facilismo, Deus ligou a salvação.

A quem reza com assiduidade, Deus dá, paulatinamente, tanta luz e fortalece-o tanto, que o mais afogado bode de pecador se pode definitivamente levantar pela oração, ainda que esteja submerso na lama até ao pescoço.

Nós últimos anos da vida eu, deveras, não rezava mais; e, assim, me privava das graças, sem as quais ninguém se pode salvar.

Aqui não recebemos mais graça alguma. Mesmo que a recebêssemos, com escárnio a rejeitaríamos. Todas as vacilações da existência terrestre acabaram no além. 

* * *

Na vida terrena pode o homem passar do estado de pecado para o estado de graça. Da graça pode cair no pecado.; freqüentes vezes, cai por fraqueza; raramente por maldade. Com a morte, terminou essa inconstância do sim e do não, caindo e levantando-se. Pela morte, cada um entra no estado final fixo e inalterável.

À medida que avança a idade, tornam-se menores os saltos. É verdade que, até à morte, a gente se pode converter a Deus ou virar-lhe as costas. No morrer se decide o homem, entretanto, com as últimas tremuras da vontade, maquinalmente, tal como se acostumara na vida.

Bom ou mau hábito tornou-se uma segunda natureza. Esta o arrasta no derradeiro momento. Assim também arrastou a mim. Anos inteiros eu vivera afastada de Deus; conseqüentemente, decidi-me, no último chamamento da graça, contra Deus. Não que o haver pecado muitas vezes me fosse uma fatalidade, mas porque eu não me queria mais levantar.

Repetidas vezes me admoestaste a assistir à pregação e a ler livros devotos. Eu escusava-me regularmente com a falta de tempo. Havia eu de aumentar ainda mais a minha incerteza intima?

Cumpre-me aliás firmar:

Quando cheguei a esse ponto critico, pouco antes da minha saída da associação das moças, ter-me-ia sido muito difícil enveredar por outro caminho. Sentia-me insegura e infeliz. Diante da minha conversão, levantou-se um paredão. Deves tê-lo desapercebido. Tu o tinhas imaginado tão fácil, quando uma vez me disseste: “Faça, pois, uma boa confissão, Ani, e tudo ficará bem”.

Eu suspeitava que assim fosse;  mas o mundo, o demônio e a carne já me seguravam nas suas garras.

Na atuação do demônio, eu não acreditava nunca. Agora atesto que, a pessoas como eu então era, o demônio influencia poderosamente.

Só muitas orações alheias e as minhas próprias, juntamente com sacrifícios e sofrimentos, teriam conseguido arrancar-me dele.

E isso, deveras, só paulatinamente. Poucos possessos há corporalmente; porém, tanto mais e inúmeros, interiormente possessos. O demônio não pode tirar o livre arbítrio àqueles que se entregam à sua influência. Contudo, como castigo da sua apostasia quase total de Deus, Este permite que o “Mau” neles se aninhe.

Odeio também o demônio. Todavia gosto dele, porque ele procura perder-vos; ele e seus auxiliares, os anjos caídos com ele desde os princípios do tempo. Há miríades. Vagueiam pela Terra inúmeros, como enxames de moscas, sem que sejam suspeitados.

A nós, homens réprobos, não nos incumbe de vos tentar; isso cabe aos espíritos caídos.

Aumentam, sim, ainda mais os seus tormentos, toda vez que arrastam uma alma humana ao Inferno. Mas, de que não é capaz o ódio!

Ainda que eu andasse por veredas tortuosas, Deus me procurava. Eu preparava o caminho à graça, por serviços de caridade natural que, por inclinação de minha índole, não raras vezes prestava.

Às vezes, atraia-me Deus para uma igreja. Lá eu sentia certa nostalgia. Quando cuidava da minha mãe doente, apesar do meu trabalho no escritório durante o dia, e sacrificava-me realmente um tanto; atuavam sobre mim poderosamente essas atrações de Deus.

Uma vez – foi na capela do hospital, aonde me levaste no tempo livre de meio dia – fiquei tão impressionada, que me encontrei a um passo apenas da minha conversão. Eu chorava.

Em seguida, porém, vinha o prazer do mundo derramar-se, como uma torrente, por sobre a graça. Os espinhos afogaram o trigo. Com a explicação de que religião é sentimentalismo, conforme sempre se dizia no escritório, lancei também essa graça, como outras, debaixo da mesa.

Repreendeste-me um dia que, em vez de genuflexão, fiz numa igreja uma ligeira inclinação da cabeça. Tomaste isso como preguiça, e não parecias suspeitar de que, já então, não acreditava mais na presença de Cristo no Sacramento. Agora creio nela, porém só naturalmente, como se acredita em tempestade, cujos sinais e efeitos se percebem.

Nesse ínterim, havia-me arranjado, eu própria, uma religião. Agradou-me a opinião, generalizada no escritório, de que, após a morte, a alma voltaria para este Mundo em outro ser, e passaria por outros e mais outros seres, numa sucessão sem fim.

Com isso liquidei o angustiante problema do além e imaginava tê-lo tornado inofensivo.

Por que não me lembraste a parábola do gozador rico e do pobre Lázaro; em que o narrador, Cristo, imediatamente após a morte, mandou um para o Inferno, o outro para o Paraíso? Mas o que terias conseguido? Nada mais do que com tuas demais palavras beatas.

Aos poucos eu própria arranjei um deus; bem privilegiado, para se chamar deus; de mim bastante longe, para não me obrigar a relações com ele; assaz confuso, para se transformar, à vontade e sem mudar de religião, num deus panteístico ou até tornar-me orgulhosa deísta.

Esse “deus” não tinha um céu para me galardoar, nem inferno para amedrontar-me. Deixei-o em paz. Nisso consistia a minha adoração a ele.

No que se ama, acredita-se facilmente. No curso dos anos tinha-me eu assaz persuadido da minha religião. Vivia-se bem com ela, sem que ela me incomodasse.

Só uma coisa lhe teria quebrado a nuca: uma dor profunda, prolongada, mas este sofrimento não veio. Compreende agora: “A quem Deus ama. Ele castiga?” 

* * *

 Era num dia de estio, em julho, quando a associação das moças organizava uma excursão para  A. Gostava eu, sim, das excursões. Mas não das beatarias anexas!

Outra imagem, diferente da de Nossa Senhora das Graças de A. estava, desde pouco, no altar do meu coração: o granfino Max N., do armazém ao lado. Pouco antes conversáramos divertidamente algumas vezes. Convidara-me, nessa ocasião, para fazermos uma excursão naquele mesmo domingo. A outra com que costumava andar, estava no hospital.

Reparara, sim, que eu tinha deitado um olhar sobre ele. Mas eu não pensava ainda em casar-me com ele. Era afortunado, porém amável demais para com muitas e quaisquer mocinhas; até então, eu queria um homem que me pertencesse exclusivamente, como única mulher. Certa distância sempre me era própria.

(Isso é verdade. Com toda a sua indiferença religiosa Ani tinha algo de nobre em seu ser. Espanto-me de que também pessoas “honestas” possam cair no inferno, se são assaz desonestas para fugirem do encontro com Deus.)

Nessa excursão, Max cumulou-me de todas as amabilidades. Conversações de beatas é que não tivemos, como vocês.

No outro dia  no escritório, repreendeste-me porque não vos acompanhei até A. Contei-te os meus divertimentos domingueiros.

Tua primeira pergunta era: “Estiveste na missa?” Louca! Como podia assistir à missa, desde que combinamos a saída para 6 horas! Lembras-te, ainda, que juntei, excitada: “O bom Deus não é tão mesquinho como os vossos padrecos?” Agora, cumpre-me confessar-te que, apesar de Sua infinita bondade, Deus toma tudo mais a sério do que os padres.

Após esse primeiro passeio com Max, assisti mais uma só vez à vossa reunião. Na solenidade de Natal. Certas coisas me atraiam. Mas, interiormente, já estava apartada de vocês.

Cinemas, bailes, excursões seguiam-se. Brigávamos às vezes, Max e eu, mas eu sabia prende-lo sempre a mim.

Mui desagradável me foi a rival que, de volta do hospital, se comportava como furiosa. Propriamente a meu favor, minha calma distinta causou grande impressão a Max e obrigou-lhe, afinal, a decisão de me preferir.

Eu sabia denegri-la, rebaixa-la. Falando com calma: por fora, realidades objetivas; por dentro, atirando peçonha. Semelhantes sentimentos e insinuações conduzem rapidamente ao Inferno. São diabólicos, no verdadeiro sentido da palavra.

Por que te conto isso? Para constar como fiquei definitivamente livre de Deus.

Para esse afastamento, não foi preciso que eu chegasse com Max, muitas vezes, às últimas familiaridades. Compreendi que me rebaixaria aos seus olhos, se me deixasse esvaziar antes do tempo. Por isso me retinha, vedava.

Realmente estava eu sempre pronta para tudo que achava útil. Cumpria-me conquistar Max. Para isso nada achava caro de mais. Amamo-nos aos poucos, pois que ambos possuíamos valiosas qualidades que podíamos apreciar mutuamente. Fui talentosa e tornei-me hábil e conversadora. Cheguei, assim, a prender Max nas mãos, segura de que o possuía sozinha, pelo menos nos últimos meses antes do casamento.

Nisso consistia minha apostasia de Deus, em fazer de uma criatura o meu deus. Em coisa alguma pode isso realizar-se tão plenamente como entre pessoas de diferente sexo, se o amor se afoga na matéria. Isso torna-se seu encanto, seu aguilhão e seu veneno. A “adoração” que eu me prestava em Max, tornou-se-me uma religião vivida. 

* * *

 Era no tempo quando, no escritório, tão virulentamente, eu caia em cima das corridas à igreja, dos padrecos,, do murmurejar de rosário e das demais bugigangas.

Empenhaste-te, mais ou menos inteligentemente, em proteger tudo isso, aparentemente sem suspeitares de que para mim, em última análise, não se tratava dessas coisas; mas, propriamente, de ponto de apoio contra minha consciência que eu estava procurando; dele eu precisava ainda, para justificar racionalmente a minha apostasia.

No fundo eu vivia revoltada contra Deus. Tu não percebias isso. Sempre me consideravas ainda católica. Como tal, queria eu, também ser chamada; até mesmo pagava a contribuição para a igreja. Certa “ressalva” não me podia fazer mal, pensava eu.

Por mais certas que, às vezes, fossem tuas respostas, de mim ressaltavam, porque tu não devias ter razão. Em face dessas nossas relações entrecortadas, a dor da nossa separação era pequena, quando meu casamento nos distanciou.

Antes do meu casamento, confessei-me e comunguei mais essa vez. Era uma formalidade. Meu homem pensava como eu. De resto, por que não haveríamos de satisfaze-la? Cumprimo-la como qualquer outra formalidade.

Vós o chamais “indigno”. Após aquela “indigna” comunhão eu tinha mais sossego de consciência. Era essa a última.

Nossa vida matrimonial decorria, em geral, em boa harmonia. Em quase todos os pontos tínhamos a mesma opinião. Também nisso: não nos queríamos impor o encargo de filhos. No fundo, meu marido desejava ter um, naturalmente; não mais. Eu soube arrancar-lhe, finalmente, essa idéia. Eu gostava mais de vestidos e mobílias finas, de tertúlias de chá, de passeios de automóvel e de semelhantes divertimentos.

Era um ano de prazeres terrenos, entre o casamento e minha repentina morte.

Cada domingo passeávamos de automóvel ou visitávamos parentes de meu esposo. (De minha mãe eu me envergonhava então.) Esses nadavam bem, como nós, na superfície da existência.

Interiormente, porém, nunca me sentia deveras feliz. Algo roia-me sempre na alma. Eu desejava que pela morte, a qual sem dúvida havia de demorar muito tempo ainda, tudo acabasse.

Mas é como em criança eu ouvira uma vez falar, em sermão, que Deus recompensa já neste mundo o bem que alguém pratica. Se não pode recompensa-lo no outro mundo, fá-lo na Terra.

Sem o esperar, recebi uma herança (da tia Lote). Meu marido teve a sorte de ver o seu salário consideravelmente aumentado. Assim pude instalar mimosamente a nossa casa nova.

 * * *

 Minha religião estava às últimas, como um vislumbre do ocaso no firmamento longínquo. Os bares e cafés da cidade, e os restaurantes por onde passávamos nas viagens, não nos aproximaram de Deus.

Todos os que lá freqüentavam, viviam como nós: de fora para dentro, não de dentro para fora.

Visitando uma célebre catedral, nas viagens de férias, procurávamos deleitar-nos com o valor artístico das obras primas. O sopro religioso que irradiavam, mormente as da Idade Média, eu sabia neutraliza-lo, escandalizando-me em qualquer circunstância da visita. Assim, ao irmão leigo que nos conduzia, eu criticava o estar um tanto sujo e desajeitado; criticava o comércio de piedosos monges que fabricavam e vendiam licor; criticava as eternas badaladas de sinos chamando para igrejas, onde se trata apenas de dinheiro.

Assim eu conseguia afastar de mim a graça, cada vez que me batia à porta.

Mormente deixava meu mau humor derramar-se livremente sobre tudo que tratava de antigas representações do inferno em livros, cemitérios e outros lugares, onde se viam os demônios fritarem as almas em fogo vermelho ou amarelo; e seus sócios, de cada cauda comprida, trazerem-lhes mais e mais vitimas.

Clara, o inferno pode ser mal desenhado, porém nunca ser exagerado.

Sobretudo escarnecia, eu, sempre do fogo do Inferno. Lembras-te como numa conversa sobre isso eu te metia um fósforo aceso debaixo do nariz burlando: “É assim que cheira!”

Tu apagaste, tão logo, a chama. Aqui ninguém a extingue. – Digo-te mais: O fogo de que fala a Bíblia, não significa tormento de consciência. Fogo significa fogo. Cumpre entende-lo em sentido real, quando Aquele declarou: “Afastai-vos de mim, vós, malditos, ide para o fogo eterno”. Literalmente!

–Como pode o espírito ser tocado pelo fogo material? Perguntas.

–Como então pode, na Terra, tua alma sofrer, segurando teu dedo na chama? Tua alma também não se queima; mas, que dor, tem de aturar o homem todo!

Semelhantemente estamos nós aqui presos ao fogo em nosso ser e em nossas faculdades. Nossa alma fica privada do seu vôo natural; não podemos pensar nem querer o que queremos.

Não procures esclarecer o mistério contrário às leis da natureza material: o fogo do Inferno queima sem consumir. 

* * *

 O nosso maior tormento consiste em que sabemos exatamente que nunca veremos Deus.

Quanto pode torturar o que na terra nos era indiferente! – Enquanto a faca está em cima da mesa, deixa-te fria. Vês-lhe o fio, porém não o sentes. Mas entra a faca na carne e gritarás de dor. Agora sentimos a perda de Deus; antes só a vimos [3].

Todas as almas não sofrem igualmente. Quanto mais frívolo, maldoso e decidido alguém foi no pecar, tanto mais lhe pesa a perda de Deus, e tanto mais torturado se sente pela criatura abusada.

Os católicos condenados sofrem mais do que os de outra crença, porque receberam e desaproveitaram, em geral, mais luzes e mais graças.

Quem sabia mais, sofre mais do que aquele que menos conhecimentos tinha.

Quem pecou por maldade, sofre mais do que aquele que caiu por fraqueza.

Mas nenhum sofre mais do que mereceu. Oxalá isso não fosse verdade, para que eu tivesse motivo para odiar!

Tu me disseste um dia: ninguém cai no Inferno sem que saiba; foi isso revelado a uma santa. Ria eu disso, no entanto me entrincheirava atrás desta reflexão: nesse caso me ficaria suficiente tempo para me converter. Assim, eu pensava no íntimo.

O enunciado calha. Antes do meu fim repentino, de certo não conhecia o Inferno tal qual é. Nenhum ente humano o conhece. Mas eu estava exatamente inteirada disso: Se tu morreres, entrarás na eternidade como revoltada contra Deus. Suportarás as conseqüências.

Conforme declarei já, não voltei atrás, mas perseverei na mesma direção, arrastada pelo costume com que os homens agem, tanto mais calculada e regularmente, quanto mais velhos ficam.

* * *

 Minha morte ocorreu do modo seguinte:

Há uma semana – falo de acordo com vossa contagem, porque, calculada pelas dores, eu poderia já estar ardendo no Inferno havia dez anos – faz pois uma semana que meu marido e eu fizemos, num domingo, uma excursão, que foi a última para mim.

Radiante despontara o dia. Eu sentia-me bem, como raras vezes. Perpassou-me, porém, um sinistro pressentimento.

Inesperadamente, na viagem de volta, meu marido, que vinha guiando o carro, e eu, ficamos ofuscados pela luz de um automóvel que vinha em sentido contrário e com grande velocidade. Meu marido perdeu a direção.

Jesus! Estremeci. Não como oração, mas como grito. Sentia uma dor esmagadora por compressão – uma bagatela em comparação com o tormento atual. – Perdi então os sentidos.

Estranho! Naquela manhã mesma, nascera-me inexplicavelmente a idéia: “poderias, enfim, mais uma vez, ir à missa”. Soava-me como súplica. Claro e decidido cortou meu “Não” o fio da idéia. Com isso, devo acabar definitivamente. Tomo sobre mim todas as conseqüências. Agora as suporto. 

* * *

 O que aconteceu após a minha morte, tu conheces. A sorte de meu marido, de minha mãe, do meu cadáver e enterro, tudo te é conhecido até nos pormenores, como sei por uma intuição natural que todos nós temos.

Do mais que acontece no Mundo, só temos um conhecimento confuso, mas o que nos tocava de perto conhecemos. Assim conheço também teu paradeiro. 

* * *

 Acordei das trevas no momento da minha morte. Vi-me de repente envolvida de luz ofuscante. Era no mesmo lugar onde estava o meu cadáver. Aconteceu como em teatro, quando de repente apagam as luzes, a cortina é ruidosamente removida e aparece a cena tragicamente iluminada: a cena da minha vida.

Como num espelho, assim eu vi minha alma. Vi as graças pisadas aos pés, desde a juventude até o último “Não” dado a Deus.

Apossou-se de mim uma impressão como que de assassino levando ao tribunal à frente da sua vitima inanimada. – Arrepender-me? Nunca! – Envergonhar-me? Jamais!

Entretanto nem me era possível permanecer na vista de Deus, negado e reprovado por mim. Restava-me uma só coisa: a fuga.

Assim como Caim fugiu do cadáver de Abel, assim minha alma se atirou longe desse aspecto horrível.

Esse era o Juízo particular.

O invisível juiz falou: “Afasta-te!” Logo caiu minha alma, como uma sombra sulfúrica, no lugar do tormento eterno!

* * *

 Últimas informações de Clara.

 

Assim finalizou a carta de Ani sobre o Inferno. As últimas palavras eram quase ilegíveis, tão tortas estavam as letras. Quando eu acabara de ler a última palavra, a carta toda virou cinza.

Que é que lá ouço? Por entre os duros acentos das linhas que eu imaginava ter lido, ressoou doce som de sino.

Acordei de vez. Achei-me ainda deitada no meu quarto. A luz matinal da aurora penetrava nele. Da igreja paroquial, vinham as badaladas das Ave-Marias.

Pois tudo era apenas um sonho?

Nunca eu sentira, na Saudação Angélica, tanto consolo como após esse sonho. Pausadamente fui rezando as três Ave-Marias. Tornou-se-me então claro, claríssimo: A Ela cumpre segurar-te; à bendita Mãe do Senhor. Venerar a Maria filialmente, se não quiseres ter a mesma sorte que te contou – ainda que em sonho – uma alma que jamais verá Deus.

Espantada, e tremendo ainda pela visão noturna, levantei-me, vesti-me depressa e fugi para a capela de casa.

O coração palpitava-me violenta e descompassadamente. Os hóspedes ajoelhados mais perto de mim, olhavam-me preocupados. Talvez pensassem que, por haver eu corrido escada abaixo, estivesse tão excitada e vermelha.

Uma bondosa dama de Budapeste, grande sofredora, franzina como uma criança, míope; todavia, fervorosa no serviço de Deus, e de longo alcance espiritual, disse-me à tarde no jardim: “Senhorita, Nosso Senhor não quer ser servido no expresso”.

Mas ela percebia, então, que outra coisa me havia excitado e ainda me preocupava. Ajuntou bondosamente: Nada te deve angustiar – conheces o aviso de S.Teresa – “Nada te deve alarmar. Tudo passa. Quem possui Deus, nada lhe falta. Só Deus basta!”

Quando sussurrava isso mesmo, sem qualquer tom de mestra, parecia-me ler na minha alma.

“Deus só basta”. Sim, ele há de me bastar, neste e no outro mundo. Quero ali possuí-lo um dia, por mais sacrifícios que aqui eu tenha ainda de fazer para vencer.

Não quero cair no Inferno.

* * *

 

 

 

 [Retorno para a transcrição dos comentários sobre a Carta do Além]


 NOTAS

[1] S. Th. Suppl. Q. 98, a. 1: “Neles o autodeterminado querer é sempre de todo perverso”. 

[2] S. Th. Suppl. 98, a. 9, r.: “Ante o dia do juízo universal sabem os réprobos que os bem-aventurados se encontram numa inefável glória”. 

[3] “A separação de Deus é um tormento tão grande como Deus”. (Frase atribuída a S.Agostinho. Cf. Houdry, Biblioteca Concionatorum (Veneza 1786), vol.2, Sub Infernus, §4, p. 427.)


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