Plinio Corrêa de Oliveira

 

Carta ao Núncio Apostólico

no Brasil

 

 

 

 

 

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Dom Bento Aloisi Masella (1879-1970) foi núncio apostólico no Chile de 1919 a 1927 e no Brasil de 1927 a 1946. A 18 de fevereiro de 1946 foi criado Cardeal pelo Papa Pio XII. Foi prefeito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos de 1954 a 1968, e camerlengo da Igreja Católica de 1958 até à sua morte.

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(I H S)

  janeiro de 1946

Eminência,

A esta hora, já terão vindo a suas mãos, de todos os recantos do Brasil, votos de felicidade por sua elevação ao supremo senado da Santa Igreja. As minhas chegam, pois, atrasadas. Nem por isto, deixam de ser das mais sinceras. Retardei-as, para as meditar antes de as formular, e para lhes dar o único mérito que podem ter, isto é, precisamente o mérito da sinceridade. Felicito, pois, de todo o coração a Vossa Eminência. Felicitar é desejar felicidades. A elevação de Vossa Eminência ao Colégio Cardinalício aumentou ainda mais a íntima compenetração dos destinos de Vossa Eminência com os da Santa Igreja, que vai servir agora sob a sagrada púrpura, simbólica do sacrifício e do martírio. Desejar, pois, a felicidade de Vossa Eminência e da Santa Igreja, é uma só e mesma coisa. Eu não poderia dizer mais, nem melhor, para exprimir a Vossa Eminência o ardor, a sinceridade, a instância com que rezo e rezarei por sua plena felicidade na alta situação a que acaba de ser elevado.

E isto é tanto mais certo, Eminência, quanto as circunstâncias retiveram a Vossa Eminência durante três lustros, entre nós, pelo que não lhe foi difícil, com sua penetração, inteligência, alto tino político, conhecer a fundo as graves necessidades espirituais, e até certo ponto as próprias necessidades temporais deste pobre e desgraçado povo. Assim, Vossa Eminência poderá ser, junto à pessoa augusta do Santo Padre, um amigo sempre solícito e vigilante pelos interesses do Brasil. Parece bem certo que a Providência deixou em mãos de Vossa Eminência, em sua nova dignidade, possibilidades ainda maiores, de bem fazer a nosso País.

Pensando nisto, seria quase inevitável que me viesse ao espírito a chamada “questão liturgicista”, intimamente entrelaçada com graves erros acerca da natureza e modo de agir da A.C. [Ação Católica]

Vossa Eminência sabe o que penso sobre a gravidade do risco a que esses problemas expõem a Igreja, no Brasil. Não vejo no “liturgicismo” e nos excessos da A.C. apenas exorbitâncias de certos grupinhos de leigos de cabeça quente. O mal deitou raízes mais fundas, e põe em risco a fidelidade do próprio Brasil à Igreja de Roma.

Enquanto tive liberdade de ação, lutei contra esses erros com todas as forças. Há mais de um ano, porém, a Pastoral escrita ainda no Maranhão pelo Exmo. Revmo. Sr. Arcebispo [Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta] me impôs silêncio: e Vossa Eminência tem visto no “Legionário” até que extremos levei minha obediência a esta ordem. Outras medidas se seguiram a esta, todas elas de molde a prejudicar minha reação contra os erros “liturgicistas”. O Cônego [Antonio de Castro] Mayer foi destituído da Assistência Geral da A.C., e degredado para uma Paroquia longínqua e obscura, onde a todos edifica, aliás, como o modelo dos Párocos. Eu e todos os jovens da A.C. com quem cooperei na luta contra o “liturgicismo” estamos fora das antigas posições de direção. Além disto, somos cuidadosamente mantidos à distância de todas as iniciativas católicas importantes: Liga Eleitoral, “Legionário, [ilegível....... ], etc. Ao pé da letra, estamos feridos de morte civil em todo esse campo.

Felizmente, tenho observado em relação ao Exmo. Revmo. Sr. Arcebispo a conduta mais correta que se possa desejar. Atestam-no as coleções do “Legionário”, e a carta que a S. Excia. Revma. escrevi, quando da reunião da Comissão Episcopal da A.C., carta esta de que Vossa Eminência tem uma cópia. E, mais recentemente por ocasião da tremenda campanha que 80% das classes cultas de S. Paulo fizeram contra o Exmo. Revmo. Sr. D. Carlos Carmello de Vasconcelos Motta, enviei a S. Excia. um respeitoso e cordial telegrama.

Lembro estes fatos, não para fazer estéreis queixas, mas simplesmente para mostrar que estou desprovido de todos os meios para pôr cobro a um perigo gravíssimo como o do “liturgicismo”.

Mas apenas me resta, e eu me sentiria mal com minha própria consciência, se não o propusesse a Vossa Eminência, a quem eu vejo ascender neste momento ao augusto conselho do Vigário de Cristo.

Estou certo de que toda a confusão referente ao “liturgicismo” e aos erros da A.C. se dissiparia se se fizesse luz sobre a questão de meu livro [Em Defesa da Ação Católica].

De norte a sul do país, exclamam uns que estou com a boa doutrina, sussurram outros que errei.

Como errei? No que? Ninguém o diz. Nunca obtive, para minha edificação e correção, um esclarecimento concreto sobre o assunto.

O que é certo, é que ninguém pode negar que existem os erros que mencionei. Meu livro é bem anterior à Encíclica Mystici Corporis, e entretanto já impugnava os mesmos erros contra os quais agiu a paternal solicitude do Sumo Pontífice. Como explicar esta atitude “profética” que tomei? Adivinhei os erros?

O único ponto que pode ser posto em dúvida é se a doutrina que sustentei sobre a A.C. é certa, ou errada. Se for certa, diga-se isto, para defesa da verdade, preservação das almas, e exaltação da Igreja. Se for errada, declare-se isto do mesmo modo. O que não posso compreender é o silêncio. O silêncio com que os fautores do erro tanto se obstinam, e com o qual só eles vêm lucrar.

Já fiz a outros este oferecimento, e o deixo agora em mãos de Vossa Eminência: consta-me que certos membros de nosso Venerando Episcopado acham que caí em erro em meu livro. Denunciem, pois, meu trabalho ao Sumo Pontífice. Eu mesmo escreverei uma carta, que acompanhará a denúncia, em que me comprometo a retratar quanto escrevi, destruir os exemplares restantes, da edição, e a fazer a penitência pública que a justiça do Santo Padre mandar, na hipótese que eu tenha realmente errado.

Há caso mais fácil de resolver? Há fautor de erros mais cômodo de tratar?

Pondo-me genuflexo diante da pessoa augusta do Sumo Pontífice, faço minha a pergunta do Salvador: “se disse mal, no que foi? E se não disse, por que me injuriam?”.

*

Eminência, conheço por demais a conspirata liturgicista, para não ter os mais sérios motivos para supor que o ódio de meus adversários faça subir até a Cúria Romana, e se possível for até aos ouvidos augustos do Santo Padre, meu nome obscuro.

Uma graça, eu peço de Vossa Eminência. Deixo este pedido em suas mãos, e outra coisa não quero de Vossa Eminência além disto, senão suas bençãos e orações.

Não se deixará de perguntar a Vossa Eminência quem é este fautor de discórdias, de indisciplina, de erros, que escreveu um livro intitulado “Em Defesa da Ação Católica”. Diga Vossa Eminência que este fautor de discórdia, pro bono pacis está amarrado há mais de um ano à coluna da difamação, sem protesto, sem revolta, sem indignação, sem que jamais alguém possa dizer que eu proferi uma só palavra contra a Autoridade que houve por bem agir assim: “Sicut ovis qui ad occisionem ductus est, non aperuit os suum”. Diga Vossa Eminência o que leu na carta que este revoltado escreveu ao seu Prelado, por ocasião da reunião da Comissão Episcopal da A.C. Diga sobretudo, Eminência, que este fautor de erros pede, suplica, implora pelas entranhas misericordiosas de Jesus Cristo, uma só coisa: que o Santo Padre se digne de condenar seus erros, para (.... ilegível – pelo sentido da frase pode ser algo na linha de: ...que eu possa me) detestar (.... ilegível – pelo sentido da frase, pode ser: para que eu possa me) retratar completamente, sem vacilação nem restrição, havendo por bom, inteiramente bom, eternamente bom, aquilo que o Sumo Pontífice.... (falta a última página)


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