Plinio Corrêa de Oliveira
Claro, forte e logo
Catolicismo n° 404, agosto de 1984 |
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A IMPRENSA tem publicado noticiário abundante mas esparso, acerca das agitações, agressões e até mesmo invasões de terras, ocorridas em nosso País, nos últimos meses. Precisamente porque esparso, tal noticiário tem sido "absorvido" com indolência pelo grande público. Mas quem o reúna em um quadro de conjunto se dá conta de que, do Pará até o Rio Grande do Sul, o País está sendo varrido sistematicamente pela onda "conscientizadora" — pela revolução reformista do socialismo confiscatório — a qual vai degenerando processivamente em lutas à mão armada. Ou seja, em uma imensa e cruenta revolução social. Ora, em quase todas essas notícias, aparece como fator influente, quando não preponderante, a ação de algum padre, de alguma freira ou até de algum bispo. A todos os católicos ciosos da identidade da Igreja consigo mesma, causa tristeza e desconcerto que tal se venha dando no país de maior população católica do mundo, sem que intercorra qualquer medida da Santa Sé. Entretanto, sabemos todos que bastaria alguma medida forte e destra de João Paulo II, para que tudo isso cessasse. É compreensível, pois, que não poucos católicos tenham recebido com alguma esperança a promessa do Sr. Cardeal Agnelo Rossi, de que até setembro João Paulo II tomaria decisiva atitude face à Teologia da Libertação, a qual está na raiz de toda esta catástrofe. Análogas terão sido, provavelmente, as reações de outros católicos diante da notícia da revista italiana "Panorama" de todo um projeto de contenção de João Paulo II quanto à Teologia da Libertação na América Latina. Tais notícias provocam em mim melancólico ceticismo. Não estou certo de que essas medidas venham. Menos certo ainda de que, se vierem, elas terão o grau indispensável de eficácia. Quando não fosse por outras razões, penso que a tendência ecumênica que impregna tão largamente altos setores da Igreja obstará a que qualquer medida enérgica atinja a Teologia da Libertação. E se, contra toda a expectativa, essa medida vier, os clássicos "panos quentes", na sua interpretação e na execução, a inutilizarão. * * * Já vão longe os dias de São Pio X, dulcíssimo e fortíssimo Pastor que, manejando a Encíclica "Pascendi", à maneira de um arcanjo com seu gládio de fogo, prostrou por terra os "modernistas". Estes foram os precursores dos progressistas e dos atuais católicos de esquerda e, pois, dos propugnadores da Teologia da Libertação, na qual uma e outra escola deitam fortíssimas raízes. Assim, enquanto as prometidas medidas de alerta não sobrevierem, o melhor é ficar na mera análise dos fatos. * * * Para um cômputo exato das ocupações de terra ocorridas nos últimos três meses, seria preciso dispor pelo menos da totalidade dos quotidianos brasileiros. O que seria mais ou menos impossível. A julgar simplesmente pelos diários de nossas mais importantes cidades, no espaço de três meses, tivemos 35 ocupações rurais de maior vulto. Como se fossem planejadas por uma só máquina central, elas costumam desenvolver-se assim: 1. Surgem, em zona afetada pela agitação de católicos de esquerda, grupos de pessoas em boa parte vindas não se sabe de onde, e compostos de gente que ninguém sabe quem é. Ou melhor, por vezes sabe-se quem é tal gente: agitadores profissionais dos quatro cantos do Brasil, e por vezes até do Exterior. A esses agitadores se somam alguns descontentes locais, em geral intimamente ligados ao pároco ou ao bispo. 2. Essa gente, tendo embora diante de si, não raras vezes, terras devolutas que poderiam ocupar, ameaça alguma propriedade privada. E, depois de algumas negociações (leia-se intimidações!) feitas com os proprietários, apoiadas, no mais das vezes, pelo vigário ou pelo bispo, invadem desinibidamente o bem alheio. E isto com desprezo de dois mandamentos da Lei de Deus: "Não furtarás" e "Não cobiçarás os bens do próximo". 3. A força armada, incumbida de manter a ordem no País, intervém a pedido do proprietário. Mas em geral o faz mole e ineficazmente. As "negociações" prosseguem então — já agora lideradas pelo padre e pelo bispo — e o proprietário vai fazendo concessões. 4. Então várias possibilidades se abrem: a) ou o proprietário abandona o local para salvar a própria vida e a dos seus, e assim aguardar melhores dias para reivindicar seus direitos. Bem entendido, estes vão tardando até que, por uma quantia insignificante, o proprietário se resigne a "vender" as terras que haviam sido suas. E vai integrar as obscuras fileiras da pequena burguesia em alguma cidade média ou grande; b) ou o proprietário capitula desde logo, aceitando ser desapropriado por preço vil, e que lhe dará igualmente, na sociedade urbana, um lugar obscuro e apertado. Em suma, praticam o "ceder para não perder". 5. Não é tão raro o caso de que o proprietário seja pura e simplesmente morto pelos" "pobres" ocupantes. O que obriga sua família a fugir sem compensações a breve prazo. 6. Vão entretanto começando a aparecer os casos em que proprietários inconformados, desassistidos pelas autoridades federais e estaduais, começam a preparar a resistência armada, com seus próprios recursos. Terão tendência a se multiplicar esses casos? É cedo para fazer alguma previsão. Caso se multipliquem, fica criada, em torno do instituto da propriedade privada, uma possibilidade de sobrevida. Mas nem à vista dessa resistência, a figura do eclesiástico agitador toma ares de pacifista. Pelo contrário, açula a pertinácia dos posseiros, e encaminha tudo para um começo de guerra social. Guerra de classes, sim, pois se situações como essa se multiplicarem pelo País, creio inevitável que, "um abismo atraindo outro abismo" (Ps. 41,8), de parte a parte o acirramento dos ânimos se acentue. E as alvoradas de sangue, com piquetes de grevistas a impor, em nome da liberdade, que ninguém vá ao trabalho, se multiplicarão sob o bafejo do vigário ou de alguma freira local. A regra, que comporta poucas exceções, consiste, assim, em fazer de eclesiásticos os tocheiros da revolução vermelha. Assim, ministros do Senhor podem ser utilizados para fazer nos campos a revolução ateia e igualitária. Pois bem, eu que disponho de elementos para ver tão em negro uma situação que a muitos parecerá, na pior das hipóteses, apenas grisalha, de outro lado discirno claramente, com cores róseas ou brancas, o reverso da medalha. Entretanto, repito, se João Paulo II quiser pôr cobro a toda essa agitação, bastará uma só palavra dele. Uma só palavra... A situação pede que o Pontífice fale logo, claro e forte. Faça-o ele, e estará salvo da catástrofe o Brasil contemporâneo. |