Da obra “PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA dez anos depois…” (A.A. V.V.)

 

 

João Filipe Osório de Menezes Pita

Conde de Proença-a-Velha

 

Nasceu em Lisboa, em 1928

 

 

Descobri a pérola preciosa do Evangelho

 

 

Foi com enorme alegria que aceitei o convite que me foi dirigido para colaborar neste livro dedicado a traçar algumas das facetas da personalidade e da obra do Professor Plinio Corrêa de Oliveira.

Não o conheci pessoalmente, o que me dá imensa pena, mas fui conhecê-lo através das suas idéias e da sua obra, as TFPs. E percebi logo tratar-se de uma figura ante a qual não se podia ficar indiferente!

Tenho uma admiração extraordinária por este Senhor — com letra gran­de — como católico, como monárquico, como patriota e ainda como es­critor. Não tenho inveja de ninguém, graças a Deus. Mas, por tudo aquilo que o Prof. Plinio escreveu, pelo nível extraordinário de espiritualidade que ele atingiu, sinto quase que uma certa inveja, uma santa inveja. Por­que, realmente, consagrar toda uma vida a tentar levantar tudo aquilo que ainda restava do esplendor da Igreja e da Civilização Cristã, e ver o que conseguiu, é fabuloso.

Era um homem que não hesitava, não vacilava, que tinha o seu cami­nho e seguia-o com coragem, não se detendo diante dos obstáculos. Ao ler muitos dos seus escritos, tenho a viva sensação de uma pessoa que em tudo sabia tirar partido para uma reflexão profunda e sábia, e fico com a impressão de ser como que Deus, como que Jesus Cristo a ver aquelas coisas.

 

 

Histórico de um entusiasmo

 

Dos livros de Plinio Corrêa de Oliveira, dois especialmente me marca­ram: Revolução e Contra-Revolução e, sobretudo, Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana.

Sou um homem de Fé, acredito em Deus e tenho grande devoção a Nossa Senhora. Nossa Senhora da Conceição, padroeira do Reino de Por­tugal, é também padroeira da minha Casa. O vínculo primeiro data de 1669, quando foi instituído o morgadio de Nossa Senhora da Conceição de Proença-a-Velha. Em conseqüência desta Fé, defendo determinados prin­cípios e instituições: Deus, a Igreja, o Papado, o Rei, a Pátria e a Família.

O livro Nobreza e elites tradicionais análogas defende estes mesmos princípios de maneira tão profunda, tão clara e tão atual, que desde o prin­cípio me deixou verdadeiramente entusiasmado. E é deste entusiasmo que gostaria de aqui falar.

Recordo que um dia, ao fim da tarde, apareceram em minha casa, le­vando esse livro, dois jovens que naquela altura eram representantes legí­timos da TFP e da obra de Plinio Corrêa de Oliveira. Como eu não estava, a minha mulher, julgando serem estudantes que lhe vinham impingir mais uma enciclopédia dessas que se vendem de porta em porta, tratou de, o mais delicadamente, os pôr a andar. Mas eles, ainda talvez mais delicada­mente, pediram-lhe que ficasse com a obra até o dia seguinte, dizendo que certamente nos iria interessar.

Ela começou a folhear o livro e ficou logo encantada com as primeiras coisas que leu. Dizia de si para consigo: "É aquilo que o meu pai me incutiu, em que fui educada, a tradição da minha família; mas nunca me passou pela cabeça, sequer, que estivesse publicado num livro e impresso, que figurasse na doutrina católica, e mais concretamente na doutrina da­quele Papa". Era até uma surpresa encontrar a confirmação de todos os princípios que aprendera em pequena, sobre os quais tinha impressão de que pesava uma hipoteca, pois havia uma certa propaganda progressista que considerava o senso da nobreza da própria estirpe uma manifestação de orgulho sem cabimento.

Ao ler algumas passagens, e ao deparar-se com um livro assim, ficou entusiasmada. E quando cheguei a casa, já era a minha mulher que me pedia que ficasse com o livro. Claro que não foi difícil convencer-me. No dia seguinte, apareceram outra vez esses dois jovens. Fiquei muito positi­vamente impressionado pelo seu bom aspecto e educação, e pela cultura acima da idade que demonstravam.

Fiquei com o livro, e ele começou a despertar-me bastante interesse. A medida que o ia lendo, esse interesse ia aumentando, e a certa altura trans­formou-se num verdadeiro entusiasmo. Comecei a falar dele à família, aos amigos, comprei mais dois exemplares que ofereci ao meu filho mais velho e à minha irmã, que faziam anos na altura. Enfim, parecia que tinha descoberto a pérola preciosa do Evangelho.

 

 

Um livro que mudou a estratégia da minha vida

 

O livro Nobreza e Elites tradicionais análogas mudou muito a minha maneira de pensar e a estratégia da minha vida, para atuar de outra maneira, com outros objetivos, porque senti que havia alguém, e alguém muito forte — o Prof. Plinio — que nos apoiava nesses objetivos, e que tinha o condão de nos transmitir esses ideais e puxar por nós. Até aí não tinha encontrado ninguém a apoiar-me dessa maneira:

Não era só o Prof. Plinio, mas o movimento que ele criou — Tradição Família e Propriedade —, cujos seguidores considero extraordinários, pela sua força de vontade e pela sua dinâmica. Ao considerar essa obra, eu pensava e penso que essa é a verdadeira Religião católica, aquela que a mim me ensinaram.

Percebi que esse livro veio tapar uma lacuna na Religião, como ela nos era transmitida, pois ficou claro então que alguns Papas já tinham falado sobre a missão da nobreza, como, por exemplo, Bento XV ao tratar do "sacerdócio da nobreza".

O Pontificado de Pio XII transcorreu entre os meus 12 e os 30 anos, e lembro-me, na altura, de ouvir falar na minha família do Papa Pacelli como de um grande Papa. Estou convencido de que o meu pai e a minha mãe, sempre tão zelosos por transmitir-nos tudo aquilo que dizia respeito à família e à Tradição, ter-nos-iam falado dessas alocuções, se delas tivessem tido conhe­cimento, mas elas simplesmente não foram divulgadas na altura.

 

 

Esse livro foi escrito por quem tinha uma alma grande

 

Corno afirmei, à medida que lia a obra Nobreza e Elites tradicionais análogas, foi crescendo em mim o entusiasmo. E perguntei-me o porquê desse entusiasmo. Seria a figura do Papa Pio XII e as suas alocuções ao Patriciado e à Nobreza romana?

Reli algumas passagens para citá-las aqui, mas o seu conteúdo é tão rico — numa palavra, é tão nobre — que é melhor cada um as ler para si cuidadosamente. No entanto, não resisto a transcrever só uma passagem: "Desta grande e misteriosa coisa que é a hereditariedade, pode-se sem dúvida distorcer a verdadeira natureza com teorias materialistas, mas pode-se também e deve-se considerar esta realidade de tão grande impor­tância na plenitude da sua verdade humana e sobrenatural".

Quando estamos metidos numa empresa da qual não nos é lícito sair sem renegar o nome, a família, a tradição, a propriedade que herdamos, e sobretudo Deus, a quem tudo devemos, qualquer ajuda que nos vem é bem vinda. Mas quando essa ajuda vem da autoridade máxima da Igreja, do representante de Cristo na terra, o Papa, as nossas forças redobram de energia.

É claro que essas alocuções tiveram um enorme impacto no entusias­mo que me suscitou o livro, mas por si sós não o explicam bem.

Pensei que fosse então a figura do Príncipe Dom Luiz de Orleans e Bragança, Chefe da Casa Imperial do Brasil, com o seu prefácio ao livro. Conheço parte da obra do Príncipe Dom Luiz, no Brasil, onde tem de­monstrado uma coragem e desenvolvido um esforço extraordinário com o intuito da restauração da Monarquia. Tive a honra de recebê-lo em minha casa, bem como ao seu irmão, o Príncipe Dom Bertrand, que me impressi­onaram extraordinariamente. São presenças que não se esquecem, e ante as quais não se pode ficar indiferente. Dizia alguém que no mundo há cinco raças: os brancos, os negros, os vermelhos, os amarelos e os reis. É verdade, são uma presença diferente, têm uma maneira de falar, de atuar, até de andar, que é diferente das outras pessoas.

Claro que o prefácio do Senhor Dom Luiz teve influência no meu entusiasmo, mas, como é natural, não foi tão grande como as alocuções do Papa.

Seria então a figura do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, com a sua "op­ção preferencial pelos nobres"?

Mais ou menos na altura em que tomei contacto com o livro do Prof. Plinio, fui novamente visitar em Coimbra, com uns amigos e parentes que tinha em casa, o Portugal dos Pequeninos. É um parque destinado sobre­tudo aos mais jovens, que reproduz os valores culturais do Portugal missi­onário e civilizador. Uma parte recria ambientes das aldeias de norte a sul do país; e outra reproduz os grandes monumentos portugueses. Continua a ser uma mensagem de portugalidade.

Veio-me ao pensamento Os Lusíadas, com as "memórias gloriosas daqueles reis que foram dilatando a Fé, o Império e as terras viciosas d’África e d’Ásia... "; terras viciosas que a ação missionária tornou terras viçosas.

Quase em frente à porta de entrada há um grande painel com um mapa-mundi, onde estão gravados os nomes, as viagens e os descobrimentos dos navegadores portugueses, e por cima pode ler-se a seguinte inscrição: "Se mais mundo houvera, lá chegara". Se quiséssemos colocar aí uma frase sobre os acontecimentos dos últimos trinta anos no meu país, teríamos que escrever: se mais Portugal houvera, mais vendera; ou se mais Portugal houvera, mais roubara.

Onde estão a Fé, o Império e as terras viçosas?

Da Fé, com a ajuda de Deus, talvez alguma coisa lá tenha ficado; o Império deixou de existir; e nas terras viçosas há ódio, há fome e há guer­ra. Pensei se terá valido a pena o esforço de oito séculos de um povo para constituir um império, para constituir uma nação grande. Senti um certo desânimo, mas lembrei-me da frase do poeta: "Tudo vale a pena se a alma não é pequena".

Relacionei estas idéias com o livro Nobreza e elites tradicionais aná­logas. E, se é verdade que em Portugal nestas últimas décadas houve al­mas pequenas, mesquinhas, miseráveis, que nos governaram, que destruí­ram o meu país, o que o livro tem e que me entusiasmou foi a sua alma grande. A pessoa que o fez tinha alma grande; tinha, verdadeiramente, magnanimidade.

Esse livro transmitiu-me sentimentos nobres! Hoje em dia, vivemos rodeados de coisas que não são nobres, tendemos sempre para a banalida­de e a degradação. A virtude, que é o verdadeiro símbolo da nobreza, dei­xou praticamente de existir.

E vejamos à nossa volta: os metais nobres, o ouro e a prata, foram substituídos pelo inox; a seda e o linho, pelo nylon; a porcelana e o cristal, pelo plástico. E nas comidas é a mesma coisa: o azeite foi substituído pelo óleo, a manteiga pela margarina, e o vinho por Coca-Cola.

Isto é no que toca aos sentidos. Mas quando nos relacionamos com as idéias das outras pessoas, com os ideais, com os sentimentos, é pior e é muito mais perigoso: o amor transformou-se em sexo; o ideal da socieda­de, atualmente, é o dinheiro; só se fala de negócios, só se pensa na econo­mia; a economia passa à frente da família, da pátria, de tudo.

 

 

O "Evangelho dos Nobres"

 

Eu tenho um vício muito grande na minha vida, que é a caça. Não sei se é vício, se é paixão, se é as duas coisas. Caço normalmente sozinho, e os locais onde caço são longe de casa. Vou no carro a falar comigo mesmo, a pensar coisas... Vinha, certa feita, de uma caçada e comecei a pensar que, se os esforços e o empenho que tenho dedicado a procurar e encontrar a caça (perdizes, galinholas etc.) tivessem sido feitos para procurar e encon­trar a Deus, já teria o Céu ganho há muito tempo. Mas refleti também no seguinte: como não vou deixar de caçar, como gosto muito de caçar, por que não procurar Deus na caça?

Ora, é isso que tenho tentado fazer de então para cá. Um dia saí de casa de manhã, estava um nevoeiro de cortar à faca. À medida que comecei a subir a serra, o nevoeiro foi ficando por baixo, e quando cheguei aos altos estava um dia lindo. O sol a nascer é um espetáculo maravilhoso! O nevo­eiro tapava os vales, e parecia que tapava também as nossas preocupações e os males do mundo. A luz, o ar, era tudo mais puro. A própria natureza parecia que nascia cheia de graça, como Nossa Senhora. Senti com muita facilidade a presença de Deus.

Esse livro do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira também me fez sentir a presença de Deus. Tem como que uma respiração divina que nos compro­mete, responsabiliza-nos de tal maneira, não só por aquilo que somos, mas por aquilo que devemos ser e fazer, que eu arrisco a chamar-lhe o Evange­lho dos Nobres.

 

 

Noblesse et Tradition

 

Foi também com muita alegria que vi nascer em torno desse livro a Associação Noblesse et Tradition, dedicada à defesa, nos campos cul­tural e social, dos valores nobiliárquicos, à luz dos princípios expostos pelo Prof. Plinio. Creio que tanto a associação como os seus objetivos são maravilhosos. Já tive a possibilidade de participar de dois dos encontros promovidos por Noblesse et Tradition, um deles em Roma, outro em Lis­boa. Além de todos os temas tratados, é uma oportunidade de encontrar­mos pessoas de tantos países que, por assim dizer, falam a mesma "lín­gua" que nós, têm as mesmas idéias e compartilham os mesmos objetivos. É um esforço a que devíamos dar continuidade, de maneira a haver uma unidade de objetivos entre todos os países e a trabalhar tendo em vista um fim único. É um dever que temos para fazer expandir os princípios que o Prof. Plinio nos legou.

 

 

As TFPs ressumam a presença de Deus

 

Esse contato com as idéias e a personalidade do Prof. Plinio foi-nos também intensamente transmitido, a mim e à minha mulher, pela ex­celente biografia escrita pelo Prof. Roberto de Mattei, O Cruzado do Sé­culo XX. Ali se encontra a figura de um homem capaz de fazer, de ter coragem, de total ausência de covardia e respeito humano, num mundo muito hostil às idéias contra-revolucionárias.

A Igreja atravessa atualmente uma crise muito grande. Ela não é culpa­da, pois é santa e imaculada. A culpa é, com certeza, dos dirigentes, das novas idéias, do racionalismo, dos liberalismos, do progressismo. Noto que até mesmo as pessoas que consideramos boas estão muito adormecidas, e às vezes penso que é preciso um tremor de terra grande, ou um tsunami como o que aconteceu lá no Oriente, para essas pessoas acordarem.

Se a sociedade seguisse os Mandamentos da Lei de Deus, não preci­saria de muitas leis. Mas as pessoas andam à procura de leis para apetece­rem às suas idéias. É por isso que não aceito essa ditadura da "democra­cia", em que as maiorias podem votar coisas erradas e ilícitas simplesmen­te porque, em determinado momento, essa escolha lhes serve.

Se todas as pessoas tivessem catolicidade, se todas procurassem ser virtuosas, o mundo seria outra coisa. E não o é por quê? Porque hoje, cada vez mais, cada um procura o seu benefício, pouco ligando para os outros e, sobretudo, para Deus.

A Revolução cultural socialista avançou tanto, que é extraordinário ver como ela atingiu e influenciou todas as gerações. Nesse processo, quanta coisa que há uma década ou duas escandalizava as pessoas, hoje não es­candaliza mais. Refiro-me aqui, sobretudo, às aberrações morais que pre­senciamos.

Foi precisamente por isso que fiquei encantado com as idéias do Prof. Plinio, com os seguidores que formou e inspirou e com a sua obra — as TFPs —, representada hoje, no Brasil, pela Associação dos Fundadores da TFP – Tradição Família Propriedade. É nessa obra, que se opõe a toda essa marcha de decadência da Igreja e da sociedade, que eu vejo a Igreja renovada, aquela Igreja que eu conheci.

As pessoas com as quais tomei contato e se dedicam à ação em favor da Tradição, da Família e da Propriedade — tanto no Brasil como em Portugal, em França e em tantos outros países — vivem na presença de Deus e irradiam essa presença de Deus. Hoje em dia percebo, em muitos católicos com quem convivo, que falam mas não sentem e não vivem aquilo que estão a dizer. Pelo contrário, nesse movimento fundado pelo Prof. Plinio sente-se uma presença divina, que sai de lá de dentro, qualquer coisa diferente, completamente diferente.

Essa força espiritual dos membros das TFPs, percebi-a igualmente, e de modo especial, nos dois Príncipes da Casa Imperial do Brasil, os quais tive a honra de receber mais de uma vez em minha casa. O Senhor Dom Luiz — que tenho para mim como legítimo Imperador do Brasil — e o Senhor Dom Bertrand, Príncipe Imperial do Brasil, transmitem-me essa presença de Deus, pelas suas vidas de sacrifício dedicadas a uma obra, cada um à sua maneira.

Quando estive no Brasil e visitei a TFP, pensei comigo mesmo, a res­peito do Reino de Maria: tenho como certo que essas pedras se transformam numa montanha, que é o Reino de Deus, o reino espiritual! E refleti que era através do movimento, da associação Tradição Família e Proprie­dade, que realmente isso estava a acontecer. Havia ali alguma coisa de diferente, distinta daquilo que estávamos habituados a contatar. E isto en­tusiasmou-nos, a mim e à minha mulher, extraordinariamente. Algo dizia dentro de nós: tentem colaborar com todo esse movimento.

Enfim, pelo que pude conhecer das TFPs, e nas várias pessoas com quem contatei, percebi que há uma alma, um rejuvenescimento, que não é uma mudança, mas uma continuidade extraordinária e uma renovação den­tro do espírito católico.

Tenho a convicção de que o Prof. Plinio era um santo; e, por sê-lo, é que realmente tinha as idéias que tinha e conseguiu fundar e fazer expan­dir um movimento como a TFP (cfr. op. cit., São Paulo, 2005, pag. 147-154).