Catolicismo, n° 658, Outubro de 2005 (www.catolicismo.com.br)

 

A plena fidelidade à Santa Igreja, tanto no anonimato quanto na glória

 

“Plinio Corrêa de Oliveira foi um homem completo, apóstolo da Contra-Revolução, em cuja alma havia a gravidade de São Pedro, a sabedoria de São Paulo, a visão de São João, o intelecto do Doutor Angélico, a doçura do Doutor Seráfico, o místico ardor do Doutor Melífluo. E nisto exatamente consistia a excepcionalidade desse extraordinário batalhador da Ecclesia Militans”.

(Prof. Jacek Bartyzel, publicista e historiador polonês)

Leo Daniele

 

Um jovem vinha de uma reunião do Serviço de Imprensa da TFP, e entrou em nossa roda:

— “Vocês não sabem o que aconteceu! Grandes planos! Dr. Plinio resolveu que em nossa próxima campanha no centro de São Paulo vamos hastear estandartes medievais iguais aos que servem para decorar nossas sedes!"

Realmente, até então o estandarte era usado apenas para decoração interna. Nossa sede principal, na Rua Pará, em São Paulo, estava adornada com um muito belo estandarte de veludo de seda, confeccionado em Florença, na Itália; era de um verde-azulado profundo, e nele estava bordado um leão com uma cruz ao peito.  Mas não passava pela cabeça de nenhum de nós erguer em plena rua um estandarte –– no século XX, um símbolo de inspiração medieval! A sensação que tínhamos era de que até as pedras do calçamento iam se levantar em sinal de protesto.

E deu certo! No dia 30 de março de 1965, fizemos a campanha,(1) e enormes estandartes(2) de cor vermelho-sangue foram hasteados nas pontas do Viaduto do Chá, com excelente repercussão. O sol neles batia e o vento os fazia ondular nobremente. O leão do estandarte estava vigoroso, desembaraçado, seguro de toda a sua força e dignidade.

Inaugurava-se o mito dos estandartes vermelhos marcados pelo leão dourado, que depois se ergueriam em dezenas de países e — sublime desafio — em 6 de dezembro de 1990, na Praça Vermelha, em Moscou, prenunciando a desintegração da URSS.

 

Estandartes “medievais” hasteados na moderna São Paulo

Nas calçadas, passava o público surpreso. Então, o idealismo é possível?–– perguntavam transeuntes, mergulhados em seus próprios interesses. Um folheto anônimo exprimiu a sensação dominante:

“São Paulo foi assaltado por anjos medievais. De repente, surgidos das entranhas obscuras da mitologia, eles invadem as ruas, dominam as praças, fixam posições de ataque.[...] Não podemos negar que há certa beleza imemorial nesses estandartes que lembram leões dourados em campos vermelhos”.

O Viaduto do Chá tornou-se familiar à TFP. Foi uma espécie de tribuna de muitas campanhas e de algumas passeatas, planejadas e capitaneadas pelo Prof. Plinio. Essa impressionante massa de concreto inaugurada em 1938, com seus 240 metros de comprimento sobre o Vale do Anhangabaú, liga o então chamado “centro velho” ao “centro novo”. É um dos “cartões postais” de São Paulo.

Em algumas campanhas, os propagandistas escalavam — não sem risco! — o segmento superior das quatro grossas pilastras que dão sustentação lateral ao viaduto, e que o ultrapassam em altura. De um lado da pilastra, consideravelmente abaixo, estava a calçada do viaduto. Do outro, um precipício sobre o Vale do Anhangabaú, exercendo a perigosa atração dos abismos. No topo, cooperadores da TFP empunhavam estandartes e bradavam slogans em megafones.

Diante deles, um pouco abaixo, um formigueiro de passantes surpresos. O arquiteto do Viaduto jamais imaginaria que essas pilastras se transformariam em pedestais para proclamação de tão altos ideais!

 

“O estandarte do leão dourado é o rei da rua”

Não muito tempo depois, quase todo o imenso Brasil havia tido oportunidade de contemplar essas insígnias medievais flutuando ao vento. Em uma cidade, um cooperador da TFP colheu a seguinte repercussão de um passante: “O estandarte do leão dourado é o rei da rua no Brasil”.

O público, aliás, familiarizou-se com esse espetáculo. Às vezes ouvíamos: “Deve estar acontecendo alguma coisa grave, porque quando vocês saem às ruas é porque há algum perigo”. Apreciação, aliás, acertada.

O içamento do estandarte pela primeira vez foi um dos marcos mais importantes da história da TFP. A entidade mostrava assim ao público sua imagem, e é uma grande coisa encontrar a própria imagem a ser apresentada. Seu perfil se exprimia por inteiro, e publicamente, em pleno centro de São Paulo — “exportando-se” depois para os cinco continentes.

“A audácia é um sinal precursor da vitória”, disse o fundador da TFP. A associação tinha atingido sua idade adulta. Um novo cântico se fazia ouvir: o canticum novum de Plinio Corrêa de Oliveira.

A partir de 1969, o Prof. Plinio equipou nossas campanhas com as capas rubras, que respondiam, no peito dos propagandistas, ao vermelho-sangue dos estandartes. Muito já se tem falado e escrito sobre esses símbolos felizes — há mesmo quem chegue a falar em genialidade — da altaneria, da cortesia e da luta doutrinária contra os inimigos da Civilização Cristã e da Pátria.

Mas o hasteamento do estandarte de Plinio Corrêa de Oliveira no centro de São Paulo foi precedido por um longo processo de preparação, que nos faz recuar até 1908, ano de seu nascimento.

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Quem é o “metteur-en-scène”?

Descreve um jornalista carioca:

“A TFP estava em sessão de gala. Confesso que, vendo-a de longe, ela me agrada. Há bom gosto nas cores que leva para as ruas, tanto nos uniformes (sic) como nos estandartes. E há um sentido de teatro total nas suas evoluções. Enquanto um rapaz grita num alto-falante a presença de grupos ocultos tramando a subversão da Igreja, um outro, heráldico, esfingético, soturno, faz balançar levemente o estandarte do terror (sic!). Outros correm, em harmoniosa coreografia, em direção aos pedestres que se aproximam, e oferecem um jornal [...]. Vista de longe, portanto, a TFP impressiona pela dimensão plástica, pelo arranjo das cores, pela presença, invisível, de um metteur-en-scène’”.

O autor dessas palavras, o colunista Oliveira Bastos, da “Tribuna da Imprensa”, não oculta sua condição de adversário da entidade, o que o torna insuspeito. E termina dizendo: “Se toda propriedade, se toda família e se toda tradição tivessem um terço da harmoniosa apresentação deste grupo — eis que eu próprio seria capaz de ir para as ruas, estandarte nas mãos, defender estas instituições. [...] Todos querem saber o nome do 'metteur-en-scène' do grupo e do desenhista de suas roupas”.(3)

O jornalista indaga sobre o “metteur-en-scène”, ou seja, quem teria nas campanhas o mesmo papel que o diretor artístico faz numa peça teatral. Talvez ele imaginasse um profissional famoso, pois a “mise-en-scène” das campanhas tem realmente algo de genial.

O “metteur-en-scène” era Plinio Corrêa de Oliveira. Ele dava a idéia, depois controlava meticulosamente os detalhes da execução, e, além do mais, animava a todos, dando-lhes ao mesmo tempo ampla liberdade de atuação. Foi assim com os estandartes, com a flor-de-lis no alto de seu mastro, a capa, a formação em forma de farpa, o brado “Pelo Brasil! Tradição, Família, Propriedade – Brasil, Brasil, Brasil!”. Ele elaborava os slogans que eram proclamados nos megafones, e inclusive orientava como deviam ser entoados.

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— I —

PASSADO LUMINOSO

 

No começo de tudo, uma infância inocente, sob o olhar materno e inefável de sua mãe, Da. Lucília Ribeiro dos Santos Corrêa de Oliveira, a batuta formadora de uma governante alemã, e fazendo seus estudos secundários no Colégio São Luiz, dos Padres Jesuítas.

Plinio ingressou no movimento católico em 1928, destacando-se imediatamente.

Sua eleição para a Constituinte de 1934 foi quase legendária; ele tinha apenas 24 anos, e obteve sozinho nada menos que 9,5% do eleitorado paulista. Nos anais da Câmara Federal do Brasil, até hoje apenas um deputado foi eleito com votação percentualmente maior que a dele.

Terminado seu mandato, ele se dedicou ao gigantesco movimento das Congregações Marianas — no Brasil, 25.000 congregações, com perto de 150 mil congregados — do qual foi líder inconteste, à publicação do jornal “Legionário” e a lançar as bases do que ficou sendo chamado de o Grupo do Plinio.

O “Legionário” tornou-se um baluarte na luta contra o comunismo e o fascismo. O Grupo do Plinio exercia influência em todo o Brasil católico.

 

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“... Mas é o melhor orador do Brasil”

A maneira de falar do Prof. Plinio era clara, bela, mas ao mesmo tempo natural. O encanto das palavras realçava a clareza e a lógica. A locução era fácil e rápida. A linguagem era viva, cheia de imagens. Os pensamentos se sucediam encadeando-se velozmente, formando conjuntos sugestivos, originais.

Tinha o dom de perceber o que o auditório apetecia, quais as dúvidas que estavam passando pela cabeça das pessoas, e qual o grau de tolerância delas para algo que as desagradasse, mas que convinha ao orador dizer.

Falava quase sempre de improviso, com entusiasmo comunicativo.

Um conhecido professor de oratória em São Paulo, J. J. Silva d’Azevedo, costumava dizer: “O Plinio não segue nenhuma das minhas regras. Mas é o melhor orador do Brasil”.

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Uma ameaça, o "kamikaze" e a fidelidade a uma missão

“Plinio! Plinio! Plinio!” –– o nome ecoou ao longo do Vale do Anhangabaú. Foi assim que centenas de milhares de participantes do IV Congresso Eucarístico Nacional de 1942, em São Paulo, aclamaram o vibrante discurso do jovem professor.   

Mas, apesar do grande fervor existente no Congresso Eucarístico, nem tudo corria bem nos círculos católicos. Começava a germinar uma nova mentalidade.

Um congregado mariano, já naquela época adepto de idéias pré-progressistas, abordou-o:

— Plinio, ou você adere à nova mentalidade, ou ficará completamente à margem, porque esta mentalidade avança por toda parte e está preparado um trabalho enorme em favor dela.

Essa advertência soou como uma ameaça. No que consistia a “nova mentalidade”? Em conciliar a Igreja com o mundo neopagão, reformando o dogma e a moral, as leis eclesiásticas, a liturgia, o modo de ser católico. Era o progressismo que ensaiava seus primeiros passos. Seus seguidores desprezavam as devoções ao Sagrado Coração de Jesus, a Nossa Senhora, aos Santos. Faziam críticas à espiritualidade tradicional de Santo Inácio de Loyola e Santo Afonso Maria de Ligório, aos atos de piedade particular e à veneração a imagens. Pregavam uma nova liturgia em que o sacerdote celebrante era nivelado ao simples fiel. Por outro lado, o igualitarismo que professavam abria caminho para o esquerdismo católico.

Plinio Corrêa de Oliveira, porém, não era homem de se intimidar com a “ameaça” do seu colega de tendências pré-progressistas. Com trinta e poucos anos, ocupando o cargo de Presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica, percebeu que era sua obrigação fazer algo. Depois de estudar os documentos pontifícios relativos ao tema, publicou em 1943 o livro Em Defesa da Ação Católica, refutando o progressismo nascente. O próprio representante do Papa, Dom Bento Aloisi-Masella, Núncio Apostólico no Brasil, prefaciou o livro.

Como se sabe, as doenças têm maiores possibilidades de cura se forem diagnosticadas precocemente. O mesmo acontece quanto aos erros e desvios. O livro foi um diagnóstico precoce de muitos dos desvios que surgiram depois, e que hoje afligem a Igreja, no Brasil e em todo o mundo.

Mas a clarividência tem um preço: a “ameaça” daquele congregado mariano, influenciado pela onda da última moda de certos ambientes católicos, cumpriu-se ao pé da letra. Após a publicação do livro, uma como que calota polar cercou o autor, e ele e seu Grupo foram marginalizados nos meios católicos.

O livro dividiu os campos: alguns bispos tomaram posição pró, outros contra. Desatou-se uma onda de calúnias, sempre desacompanhadas de provas, contra esse núcleo de católicos exemplares. Assinantes e colaboradores do “Legionário” começaram a abandonar o mensário. Dr. Plinio perdeu o alto cargo que até então ocupava na Ação Católica e também a direção do “Legionário”. Ele assim resume os acontecimentos:

“Era um gesto de kamikaze. Ou estouraria o progressismo, ou estouraríamos nós. Estouramos nós. Nos meios católicos, o livro suscitou aplausos de uns, a irritação furibunda de outros, e uma estranheza profunda na imensa maioria”.(4)

Sim, o progressismo não estourou. Mas não escapou ileso. O progressismo no Brasil, depois do livro Em Defesa da Ação Católica, foi comparado a um leão, vivo e ainda perigoso, mas de apenas três patas.(5) E uma fera parcialmente aleijada ainda é temível, mas não representa o mesmo perigo! Perdeu o melhor de sua capacidade de avançar.

Desde 1943 começou a delinear-se mais claramente seu perfil de homem providencial: tinha sido clarividente e previsto o mal logo em seu nascedouro. E como todo homem providencial, teve de sentir o travo amargo da perseguição.

Mas após um período de isolamento, inaugurou uma nova fase na luta, até que, em 1959, publicou o livro Revolução e Contra-Revolução.

 

Obra profética no melhor sentido da palavra

Revolução e Contra-Revolução é sua obra-mestra. Além de expor uma doutrina e um programa, é o sentido da sua própria vida. É o livro-síntese de seu pensamento, sua bandeira intelectual.

A obra é célebre nos meios intelectuais, tradicionalistas e anticomunistas de todo o mundo, com numerosas edições nas principais línguas. O padre Anastasio Gutiérrez, eminente canonista e consultor de várias congregações vaticanas, afirmou que Revolução e Contra-Revolução é uma obra “profética no melhor sentido da palavra”, tal seu acerto.(6)

Pouco depois, com base nas idéias explicitadas nessa obra, fundou a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP).

 

Reforma Agrária – Questão de Consciência

Logo depois apresentou-se um grande problema nacional: furiosa agitação em favor de uma Reforma Agrária socialista, confiscatória e anticristã.

Plinio decidiu enfrentar a onda esquerdizante. Elaborou um livro, ao qual deu o título Reforma Agrária – Questão de Consciência. Contou para essa tarefa com a cooperação de dois bispos e um economista.

A difusão foi rápida. A primeira edição esgotou-se em 20 dias. Seguiram-se três outras, tornando-se um famoso best-seller, inesgotável fonte de argumentos para a polêmica que se estabeleceu e perdura até hoje.

Atingido em cheio o esquerdismo católico, achava-se travada a própria marcha do Brasil rumo à esquerda. Pois então, como hoje, maus católicos constituem o principal apoio da esquerda.

Foi assim que o Grupo do Plinio ressurgiu, e com prestígio ainda maior. Passou a realizar várias campanhas em todo o território nacional, não só nas capitais, mas também em nosso vasto interior.

 

—II —

A FORTALEZA SITIADA

 

“O combate travado é pesado; dentro da fortaleza os sobreviventes são poucos. Os que ainda resistem percorrem escondidos o parapeito pelo lado de dentro da muralha, atirando detrás, ora de um, ora de outro cadáver. É preciso não apenas lutar, mas se multiplicar!”

A historieta — que lembra o estilo de Alexandre Dumas, embora talvez seja de outro autor — serviu, certa vez, ao Prof. Plinio para uma descrição da luta de seu Grupo em prol da Civilização Cristã: o adversário é numeroso e forte, mas a luta prossegue, e é preciso multiplicar-se para continuar a peleja. Presta-se para descrever o combate do próprio Prof. Plinio entre 65 e 75.

Depois de hastear o estandarte com o leão rompante, no Viaduto do Chá, as campanhas se multiplicaram. E também as conferências, os estudos, as pesquisas e as publicações.

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Imbatível polemista

São os próprios inimigos do Prof. Plinio que atestam — involuntariamente, é certo — a segurança de seus juízos. Ele travou não poucas polêmicas em sua vida. Se nessas controvérsias pudessem desqualificá-lo por desvios doutrinários, falhas de lógica, dados errôneos ou falta de bom senso, não deixariam de fazê-lo. Nunca o fizeram. E isso porque era tarefa inviável. Cada um de seus livros é uma espécie de torre inexpugnável.

A resposta à sua argumentação sempre respeitosa e cortês foi uma só, até monótona: o silêncio. Nunca houve réplicas. O que demonstra de maneira simples a superioridade de sua argumentação, porque, como diz um provérbio grego, “o silêncio é uma declaração”. No caso, uma declaração de que a seta atingiu o alvo.

A Santa Sé também atestou sua ortodoxia. Pio XII enviou ao professor brasileiro uma importante carta de aprovação de seu livro Em Defesa da Ação Católica, por meio de seu sub-secretário de Estado Mons. João Batista Montini, o futuro Papa Paulo VI.

Uma Congregação romana qualificou seu livro A Liberdade da Igreja no Estado Comunista de “eco fidelíssimo de todos os Documentos do Supremo Magistério da Igreja”.(7) Lendo a carta, Plinio ressaltou que “eco fidelíssimo” era o título que ele mais desejaria para si. E ele o mereceu.

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Problema delicado, visto com profundo discernimento

O Concílio Vaticano II encerrou-se sem uma explícita condenação do comunismo.

Afirma Roberto de Mattei na excelente e documentadíssima biografia Plinio Corrêa de Oliveira, o Cruzado do Século XX, que o professor brasileiro “sabia com quanta facilidade uma minoria organizada pode assenhorear-se de uma assembléia e impor a própria vontade a uma maioria passiva e desorientada. Foi o que aconteceu durante a Revolução Francesa e ocorreu novamente durante o Concílio Vaticano II, não por acaso definido por alguns como ‘o 1789 da Igreja’”.(8)

Na ocasião, uma pergunta ficou no ar. Seria lícito fazer uma barganha com os comunistas, pela qual estes concederiam à Igreja certa liberdade de culto, atrás da Cortina de Ferro, em troca do silêncio dos católicos sobre seus erros?

Estando em Roma durante o Concílio, o Prof. Plinio discutiu o problema com alguns Prelados. Concordavam eles que esta barganha não seria lícita, mas achavam difícil prová-lo. Ele se dispôs a fazê-lo, e redigiu o ensaio A liberdade da Igreja no Estado comunista.(9) Traduzido em oito línguas, foi distribuído aos 2.200 Padres Conciliares presentes em Roma.

Uma grande polêmica se estabeleceu a respeito, sobretudo em Paris e na Polônia. Mas a tese não-colaboracionista do Prof. Plinio foi calorosamente elogiada pela Santa Sé, em Carta da Sagrada Congregação dos Seminários e Universidades, assinada pelo Prefeito daquele Dicastério, o Cardeal Giuseppe Pizzardo, e pelo Secretário, Mons. Dino Staffa, que depois foi elevado ao cardinalato.

 

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Um homem providencial

Afirma o Cardeal Bernardino Echeverría Ruiz que a vida de Plinio Corrêa de Oliveira “nos convida a refletir sobre o fato de que, quanto mais intensos são os males de uma época, tanto mais notáveis são as figuras que a Divina Providência chama para os combater, pois seu desígnio é debelar as crises suscitando almas de fogo”.(10)

Vários dos desvios apontados, muito tempo depois, pelo então Cardeal Joseph Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, em seu livro A Fé em Crise (1985), já estavam denunciados pelo Prof. Plinio no remoto ano de 1943, quando foi publicado Em Defesa da Ação Católica; e também em várias publicações subseqüentes.

Quanto a Revolução e Contra-Revolução, o ilustre teólogo Padre Anastásio Gutiérrez declara que “seu conteúdo deveria ensinar-se nos centros superiores da Igreja”.(11)

Veremos o que representou para o Ocidente a denúncia planetária feita pelo Prof. Plinio do socialismo autogestionário, bem como o abaixo-assinado de mais de cinco milhões de assinaturas apoiando a independência da Lituânia, nação que serviu de estopim para a dissolução da URSS. Através dessas iniciativas, fica patente o caráter providencial da figura do grande brasileiro.

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Estudando o efeito mágico de certas palavras

“Diálogo..... diálogo....., palavra mágica para enganar as multidões”, proclamava ao megafone, em 1966, um jovem membro da TFP. Com habilidade, ele sabia fazer ecoar de maneira sugestiva a palavra diáááloogoo, que ao mesmo tempo qualificava de mágica.

Também hoje em dia há “palavras mágicas”, como por exemplo paz, discriminação, ecumenismo, povo. Os órgãos de publicidade em geral as julgam modernas, simpáticas, atraentes. Por isso os conferencistas, oradores ou escritores as empregam com ou sem propósito, a tal ponto que elas se tornam como que amuletos. Daí o termo “palavra-talismã”, com que o Prof. Plinio as denomina no livro Baldeação ideológica inadvertida e Diálogo. Alguém toma, por exemplo, um trem em Curitiba rumo ao Rio, e sem perceber acaba indo parar em Porto Alegre. Essa situação é semelhante à de alguém que muda de ideologia sem que o perceba, uma baldeação que resulta de um prodígio na manipulação das idéias.

Existe isto hoje em dia? Como negá-lo?

O livro não critica, é claro, o diálogo em si, e menos ainda a paz em si, mas tão só o uso tendencioso desses vocábulos como talismãs.

 

“A chave de prata” e o conceito de Cristandade

O Prof. Plinio, além de escritor e exímio jornalista, deixou 16 livros e mais de 2500 artigos, manifestos e outros escritos. Suas obras têm várias traduções e numerosas edições.

Entretanto, além desses livros e artigos, há um enorme acervo de doutrinas ainda inéditas — nada menos de trinta e três mil conferências e palestras gravadas e anotadas! — relativas em grande parte à História, à ordem do Universo e à Civilização Cristã.

Não são pensamentos inteiramente catalogados, ordenados, sistematizados. Na movimentada vida de luta que levou, seria impossível fazê-lo. Ao lado dos livros, esse conjunto inédito seria comparável a um cabochon, ou seja, uma pedra ainda não lapidada.

Com o desenrolar do século XXI, o incremento dos estudos plinianos evidenciará a envergadura de seu pensamento. Neles com certeza se atribuirá grande importância à estreita relação existente entre as idéias e as tendências. Estas últimas “começam por modificar as mentalidades, os modos de ser, as expressões artísticas e os costumes, sem desde logo tocar de modo direto – habitualmente, pelo menos – nas idéias. Dessas camadas profundas, a crise passa para o terreno ideológico”.(12) E depois, para o terreno dos fatos.

Esta é a teoria pliniana das três profundidades da Revolução: nas tendências, nas idéias e nos fatos.

Profundamente religioso, católico ardoroso, seu pensamento entretanto não se desenvolveu no campo da Teologia, no sentido corrente da palavra, a não ser a teologia da História. Ele foi sempre, e convictamente, um leigo católico. Desde muito jovem voltou-se para a admiração entusiasmada da Cristandade. A partir daí, subia para a consideração de grandes verdades metafísicas, e depois para as realidades religiosas.

Pretendia elaborar um livro com o título A Chave de Prata. O título se refere ao escudo de armas do Papado, em que se vêem duas chaves, sendo uma de ouro, outra de prata. A de ouro representa a missão sobrenatural de São Pedro; e a de prata, o seu poder indireto (no que diz respeito à moral) sobre os fatos da sociedade temporal.

A chave de prata é, portanto, um símbolo muito adequado do tipo especial de poder do Papa na esfera temporal, ou seja, na Cristandade. Como veremos, seu interesse de leigo católico pela sociedade temporal é em boa parte o que o qualifica para o título de “homem providencial”, que lhe deu o Cardeal Echeverría.

 

Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano

— Será que meus amigos não percebem que estou muito doente?

Foi o que pensou em 1967 o Prof. Plinio, sentindo-se debilitado e vendo sua figura, muito abatida, num filme documentário.

De fato não percebiam, porque ele, sempre muito apostólico e desejoso de animar seus discípulos, disfarçava e não reclamava dos sofrimentos que a Providência lhe pedia.

Dias depois revelou-se a enfermidade: uma terrível crise de diabete, com ameaça de gangrena, que o fez internar num hospital às pressas. O prognóstico mais provável era ter de submeter-se a algumas cirurgias, que seriam cada vez mais radicais e de eficácia duvidosa. Uma primeira intervenção, com amputação de alguns artelhos do pé, foi executada.

Um de seus amigos, visitando-o, trouxe uma reprodução italiana, em grande formato, de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano.

O enfermo olhou para a estampa longamente. Depois seu estado de ânimo mudou, mostrando-se mais bem disposto. Algo de sublime se passou naquele momento, pelo qual ele se ligou estreitamente a Nossa Senhora de Genazzano até o fim de sua vida.(13) A partir daí ele começa a recuperar-se, até retomar suas atividades habituais, sem necessidade de novas intervenções cirúrgicas.

Durante a convalescença da crise de diabete, teve de suportar também a dor pela morte de sua extremosa mãe, em abril de 1968. Aos 902 anos de idade, ela extinguiu-se suavemente, fazendo um grande sinal da cruz.

 

Prossegue a luta: milhões de assinaturas

Restabelecido, Plinio Corrêa de Oliveira volta à luta. Ele nunca se limitou a defender suas idéias academicamente, mas as colocava ao alcance do grande público, muitas vezes nas ruas.

Merece destaque todo especial a epopéia de dois abaixo-assinados promovidos por ele: um em defesa da família brasileira, com um milhão de assinaturas; dois anos depois, outro, pedindo respeitosamente a Paulo VI medidas eficazes contra a infiltração comunista na Igreja, que provocava uma grande fermentação nos meios católicos. Nesta campanha de coleta de assinaturas para uma “Reverente e filial mensagem a Paulo VI”, pedindo providências, em 58 dias foram coletadas 1.600.368 assinaturas em 229 cidades do Brasil, com um total geral de 2.025.201, considerando as angariadas na Argentina, Chile e Uruguai.

No entanto, o silêncio mais frio e completo seguiu-se à súplica.

 

Grupos ocultos tramam a subversão na Igreja

No ano seguinte os estandartes da TFP saíram mais uma vez às ruas, para a difusão de um estudo sobre a conspiração enraizada dentro da Igreja Católica, denunciando-a com base em importantes documentos da revista inglesa “Approaches” e do periódico espanhol “Ecclesia”.

Três dias antes havia sido dinamitada e semi-destruída uma sede da organização em São Paulo, à Rua Martim Francisco. Inútil tentativa de intimidar o Prof. Plinio, que no dia da explosão estava tomando as últimas providências para o lançamento da citada campanha. Ela se iniciou como se nada houvesse acontecido!

Para esta campanha, ele planejou uma novidade: a divulgação por meio de caravanas. Que é uma caravana? No caso da TFP, um conjunto em geral de nove jovens numa kombi, sem dinheiro no bolso, mas com muito idealismo, munidos de estandartes, capas e megafones, a fazer propaganda dos ideais católicos da entidade pelo Brasil afora.   

Nessas campanhas — e mencionamos apenas as principais, por falta de espaço — tudo é brilho, tudo é movimento, tudo é cor, a serviço de idéias expostas com lógica e precisão, sob o som penetrante e combativo dos megafones e dos brados uníssonos de hora em hora: Pelo Brasil! Tradição, Família, Propriedade!

Cada campanha tinha uma mensagem própria, que variava sempre. Mas havia também outra mensagem que jamais variava: era possível ter fé e coragem apesar da maldade dos tempos. O idealismo — essa forma de nobreza de alma — era assim enaltecido com brilho.

 

Uma liderança sempre presente

 

A alguns leitores pode parecer que o Prof. Plinio dirigia a TFP, especialmente nas suas campanhas, como um general bem protegido num quartel, enquanto nas frentes de batalha os seus auxiliares se expunham aos riscos físicos. É bem o contrário que ocorria. Quando não podia participar pessoalmente das campanhas, desfiles e manifestações públicas, ele se punha de fato a trabalhar em seus escritórios, mas todos sabiam que poderia ser solicitado a qualquer hora para resolver os mais intrincados problemas que surgissem. Quando, por exemplo, explodiu de madrugada a bomba na sede da Rua Martim Francisco, ele foi acordado, e poucos minutos depois estava no local, tomando todas as providências cabíveis.

Quando participava pessoalmente das campanhas e manifestações públicas, expunha-se com galhardia aos riscos, como qualquer outro, freqüentemente liderando contra-ataques a agressões de qualquer natureza. Em uma campanha pública de divulgação de obras no centro de São Paulo, durante o auge da agitação comunista, um magote de baderneiros partiu para a ameaça física aos participantes, a fim de impedir a campanha. Ele então se pôs de frente para esse grupo, completamente desarmado, e exigiu repetidamente em altos brados: “A rua é de todos!”, no que foi logo secundado em coro pelos outros participantes. O grupo de agitadores se dispersou, sem maiores conseqüências.

 

Oratório: dois jovens rezam por você

Falamos do estampido da dinamite. No local da explosão, no lado externo do prédio, ele fez construir um oratório, no qual entronizou uma imagem que tinha sido danificada pela bomba, e que passou a ser denominada desde então Nossa Senhora da Conceição, Vítima dos Terroristas. Sem dúvida, uma invocação muito apropriada também para este início do século XXI, tão marcado pelo terrorismo!

A partir daquela data, todas as noites e durante a noite toda, das 19:00 às 6:00 horas — enquanto a sede pertenceu ao Grupo do Plinio, ou seja, durante 35 anos — houve vigília diante daquela imagem.

O público que passava pela Rua Martim Francisco se deparava com uma cena sugestiva. Dois grandes tocheiros acesos, um de cada lado do Oratório. Diante deste, um ou dois jovens, ajoelhados num genuflexório colocado em plena calçada e dando as costas para a rua, rezavam o Rosário de Nossa Senhora.

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Grande elevação de alma

Onde Dr. Plinio estava, não havia tédio.

Era um homem muito dotado do ponto de vista humano. Tinha especial capacidade para elevar, mesmo de forma natural, o ambiente em que estava.

Sua inteligência era universal, cintilante, dotada de uma grande firmeza de princípios. Amava a História e tinha grande admiração pela Idade Média.

Um grande senso estético, não só para obras de arte, mas também para os objetos do quotidiano.

Forte ação de presença. Fino e jovial, calmo e eloqüente, sabia se fazer respeitar e, ao mesmo tempo, cativar.

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Os católicos estão felizes sob Fidel, diz Mons. Casaroli

Desde sua mocidade, o Prof. Plinio havia combatido a política da mão estendida, lançada pelos socialistas franceses. Estes pretendiam que a Igreja, protetora natural dos pobres e oprimidos, deveria cooperar com os partidos comunistas, na pretensa luta contra a miséria.

Ocorreu uma divisão entre os católicos, que até hoje permanece. Alguns continuaram firmes na antiga posição antiesquerdista; outros apertaram a mão que lhes era estendida, relativizando a oposição à seita coletivista. Entre essas duas correntes, a maioria católica, perplexa, via atenuar-se gradualmente a oposição ao comunismo.

Em 1974, no Pontificado de Paulo VI, um fato novo agravou a situação. Mons. Agostino Casaroli, secretário do Conselho para os Assuntos Públicos do Vaticano, adotava uma política de entendimento com o comunismo. O Cardeal Mindszenty, Primaz da Hungria e herói da resistência anticomunista, foi destituído pela Santa Sé da Arquidiocese de Esztergom, a fim de facilitar a aproximação com o governo comunista húngaro.

Por ocasião de uma viagem a Cuba, Mons. Casaroli havia afirmado que “os católicos que vivem em Cuba estão felizes sob o regime comunista”, e que “os católicos e, em geral, o povo cubano, não têm a mais mínima dificuldade com o governo socialista”.

Poucos dias depois, em 10 de abril de 1974, a “Folha de S. Paulo”, jornal de maior tiragem da capital paulista, publicava, como matéria paga, uma ampla declaração das TFPs, de autoria do Prof. Plinio. Seu título: A política de distensão do Vaticano com os governos comunistas – Para a TFP: omitir-se? ou resistir?

Nesse documento, as TFPs externam sua obediência irrestrita à Igreja e ao Papado, nos termos preceituados pelo Direito Canônico, e dizem ao Pastor dos Pastores: “Nossa alma é Vossa, nossa vida é Vossa. Mandai-nos o que quiserdes. Só não nos mandeis que cruzemos os braços diante do lobo vermelho que investe. A isto nossa consciência se opõe”.(14)

As TFPs afirmavam o direito e o dever de resistir à orientação diplomática do Vaticano, na medida em que esta discrepe da orientação tradicionalmente adotada pela própria Igreja em relação ao comunismo. Essa resistência se haveria de fazer no espírito em que São Paulo “resistiu em face” a São Pedro (cfr. Gal. 2,11).

O acatamento à hierarquia eclesiástica, que o catecismo e a mesma Fé nos impõem, não é incondicional; ele certamente possui limites, como afirmam todos os teólogos e a própria doutrina da Igreja. Donde ser lícita uma atitude de “resistência”: “uma resistência que não é separação, não é revolta, não é acrimônia, não é irreverência. Pelo contrário, é fidelidade, é união, é amor, é submissão”.

A Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé — presidida pelo então Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI — publicou, posteriormente, a Instrução sobre alguns aspectos da teologia da libertação, que definia o marxismo como uma vergonha do nosso tempo. Roberto de Mattei observa que o documento “parecia dar razão à declaração de ‘resistência’ da TFP e dos católicos anticomunistas de todo o mundo à Ostpolitik”.(15)

 

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“Uma hora de conversa vale mais que cinqüenta cartas”

“Conversava com prazer sobre tudo o que tivesse relação com o mundo cultural ou com questões ideológicas. Suas conversas — com muitas metáforas, ditos de espírito e análises de pessoas, comparações surpreendentes entremeadas de grandes explicitações, mas também, ao mesmo tempo, com características caseiras e despretensiosas — sempre foram consideradas interessantes e agradáveis até por pessoas hostis a seu pensamento, interessantes e entretidas. Um beneditino alemão que ia freqüentemente ao seu escritório de advocacia para tratar de assuntos da Ordem me confidenciou que discordava de quase tudo o que ele dizia, mas julgava sua conversa de tal modo interessante, que nunca perderia a oportunidade de estar com ele. Foi sempre um ótimo ouvinte.

“Costumava dizer: ‘A gente conversa sobre o que o outro quer, não sobre o que a gente quer’. Atento, paciente e benquerente para com os tímidos, como que mergulhava no mundo dos pensamentos daqueles com quem conversava”.

Seu primo Adolpho Lindenberg, autor das palavras acima, afirma que a conversa foi o ponto forte de seu apostolado. E tem toda razão. “Uma hora de conversa vale mais que cinqüenta cartas”, dizia Madame de Sévigné, famosa precisamente por suas magníficas missivas...(16)

(Cfr. Plinio Corrêa de Oliveira – dez anos depois)

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Profunda vinculação à Santíssima Virgem

“A Rússia espalhará seus erros pelo mundo”, disse Nossa Senhora em Fátima. É impossível não lembrar estas palavras no contexto do que estamos tratando.

Foi com emoção que o Prof. Plinio viu, em 1972, uma foto da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima em prantos. Ela vertera lágrimas na cidade — hoje tão famosa devido ao furacão Katrina — de Nova Orleans (EUA), e a imprensa diária divulgara instantâneos daquela lacrimação (milagroso aviso não correspondido).

Ele formou o propósito de não medir esforços para que a imagem viesse em peregrinação ao Brasil. O que realmente ocorreu, no ano seguinte.

Daí se originou um vínculo todo especial com Nossa Senhora de Fátima, que prometera ao mundo o triunfo de seu Coração Imaculado. A verdadeira imagem ou fiéis réplicas dela, executadas pelos artesãos de seu Grupo, visitam paróquias e casas particulares em todo o Globo.

O Prof. Plinio assim comenta Fátima:

“O Império Romano do Ocidente se encerrou com um cataclisma iluminado e analisado pelo gênio daquele grande Doutor que foi Santo Agostinho. O crepúsculo da Idade Média foi previsto por um grande profeta, São Vicente Ferrer. A Revolução Francesa, que assinala o fim da Idade Moderna, foi prevista por outro grande profeta, e ao mesmo tempo grande Doutor, São Luís Maria Grignion de Montfort. A Idade Contemporânea [...] tem um privilégio maior. Nossa Senhora mesma veio falar aos homens”.(17) 

 

— III —

O APOGEU, NOS ÚLTIMOS 20 ANOS

 

“Quando a desgraça chega, abre o portal”, diz um provérbio russo. Ou seja, as desgraças nunca vêm sozinhas: uma chama outra. Assim foi no ano de 1975.

Na estrada entre as cidades de Jundiaí e Itatiba, no Estado de São Paulo, um homem está estirado no asfalto. Ali perto, quatro veículos violentamente batidos. Procura-se ajuda para levar a vítima a um hospital. O dono de um carro diz que não deseja manchar seu estofamento com sangue. Outro é mais explícito: este homem vai morrer, não adianta fazer nada.

Tratava-se de Plinio Corrêa de Oliveira. Vítima de um acidente automobilístico, com várias fraturas, é recolhido a um hospital. E dois dias depois começava a seqüência de operações.

Ele está liquidado, diziam seus adversários. E uma revista de grande tiragem chegou mesmo a demonstrar certo regozijo.

Lembro-me de sua fisionomia pouco antes da primeira cirurgia. Deitado de costas em uma cama hospitalar, a barba por fazer, o olhar grave e decidido, parecia um guerreiro medieval.

Pouco tempo depois, os enfermeiros o vêm buscar, numa maca, para levá-lo à sala de operações. Na porta do elevador, vê um jovem discípulo um tanto abatido: — Então, quinta-feira faremos nossa reunião? –– Diz, para o animar.

Mais uma cirurgia, e o Prof. Plinio pôde ir para casa, mas — nova provação — o ortopedista prescreve a imobilidade. Uma cama especial, vinda do hospital, parece um instrumento de tortura: no alto, uma espécie de viga, com uma roldana de onde pende um peso, tracionando sua perna mediante um cabo de aço, por 60 dias.

 

Dirigindo uma campanha no leito de dor

Nesta situação, ele toma conhecimento de uma ofensiva divorcista contra a família brasileira. Há quem julgue que os promotores tenham querido tirar proveito da sua ausência forçada. Pensavam então que teriam o caminho livre.

E se enganaram. Ainda imóvel em sua cama, ele montou uma campanha. Gravou até mesmo a entonação conveniente para os slogans que os jovens bradariam.

Ele poderia ter dito: “Vou cuidar disto quando me restabelecer”. Não! A campanha foi à rua e constituiu um sucesso. Devido à mobilização da opinião pública, a ofensiva antifamília naquela ocasião foi derrotada no Congresso Nacional.

 

Enfrentando um “estrondo publicitário”

Ainda todo fraturado, sem condições de atender ao telefone nem de fazer as refeições sem ajuda, pelo portal largamente aberto entraram novas desgraças. Iniciou-se em todo território nacional um possante estrondo publicitário promovido pela esquerda, visando o fechamento da TFP. Durante oito meses — oito longos meses de convalescença — 1.923 ataques foram publicados na imprensa. Extenso manifesto, intitulado A TFP em legítima defesa, reduziu a pó os argumentos adversários.(18)

Realmente, foram muitos e graves os infortúnios em 1975. Deles, aliás, só estamos narrando a linha geral; há detalhes pungentes. No entanto, algo brilha especialmente nesse acidente e nos acontecimentos que se lhe seguiram.

Naquela situação ninguém estranharia se o Prof. Plinio se aposentasse ou diminuísse seu ardor combativo: estava com 66 anos, em condições precárias de locomoção. Mas não teve um momento de hesitação: retornou à luta, com decisão. E a retomou como um gigante, com requintes de combatividade e acerto.

“É nos grandes perigos que se revela a grande coragem”, diz um provérbio. Foi na hora de mais essa adversidade que se revelou melhor o ânimo, a têmpera, a fibra, a garra de Plinio Corrêa de Oliveira enquanto verdadeiro guerreiro.

Tinha 20 anos de vida pela frente. Para quem sabe ver, com certeza foram os mais belos de sua existência. Pois, além de terem sido os mais frutíferos — pois sua ação se internacionalizou —, foram os mais árduos e aqueles em que ele exerceu mais notavelmente sua inquebrantável combatividade.

 

O guerreiro está de volta ao campo de batalha

Se o ano de 1975 foi crucial para o Prof. Plinio, o foi também para a situação internacional. Os Estados Unidos passavam pela humilhação de ver os comunistas tomarem o controle do Vietnã, Laos e Cambodge. Os vermelhos disputavam o poder em Portugal e na Espanha, instalavam-se em Angola e Moçambique. No Líbano, começou sangrenta guerra civil.

Pior do que tudo isso foi o que se deu no campo da psicologia humana. Diante da multiplicação das catástrofes e ruínas morais e materiais, o homem de hoje passa por um processo de como que desistência de pensar — uma espécie de perda da luz da razão. As coisas não significam mais nada. Os acontecimentos parecem cada vez mais absurdos e sem razão. Um jornalista disse tudo em uma frase concisa: quem não está confuso, é porque está mal informado...

Assim sendo, além dos inimigos visíveis, a Civilização Cristã se depara com um inimigo embuçado: o caos. Daí por diante, este será um componente obrigatório na análise que faz de todas as situações.

Além disto, setores autoproclamados católicos inclinavam-se cada vez mais para o esquerdismo, para o comunismo e a subversão. Que um bispo e todo um setor da Igreja tomem atitudes comunistas, é sem dúvida um aspecto do caos na Igreja. D. Pedro Casaldáliga publicara poesias escandalosamente pró-comunistas.

O Prof. Plinio se pôs a campo, e publicou em junho de 1976 A Igreja ante a escalada da ameaça comunista – Apelo aos Bispos Silenciosos, vigoroso brado de alerta contra a infiltração vermelha na Igreja, uma luz para iluminar em meio ao caos.

O cenário eminentemente urbano do Viaduto do Chá presenciou também campanhas sobre temas não citadinos. Uma delas foi sobre o indigenismo, em 1977, com a difusão da obra de Dr. Plinio Tribalismo indígena, ideal comuno-missionário para o Brasil do século XXI: o título já resume a denúncia que contém.

*    *     *

“Sou católico, posso ser contra a Reforma Agrária?” –– Este era o título de outro livro. Batia no ponto-chave da questão. E a resposta era positiva: posso e devo ser contra a reforma agrária.

O problema agrário, sempre quente no Brasil, ensejou várias campanhas, baseada em seus livros geralmente apoiados em uma nutrida parte econômica, a cargo do mestre pela Universidade da Califórnia, Carlos Patrício del Campo.

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Um “expert” em fisionomias

Não longe da sede do Grupo do Plinio havia uma igreja junto à qual se arrimavam alguns mendigos, geralmente bêbados. O Prof. Plinio gostava de observá-los, “porque percebia no fundo dos olhos deles uma centelha. E essa centelha da alma humana no fundo do lodo e da sujeira continha um particular elemento de realce”.(19)

“O homem contemporâneo não sabe entender a beleza de uma alma. Não sabe entender quão bela é qualquer alma, a alma do último maltrapilho que se encontra bêbado na rua”.(20)

Ele possuía um grande senso psicológico, e num relance via as potencialidades das pessoas que encontrava, mesmo as mais simples, tanto para o bem como para o mal. Dizia: “O conhecimento das fisionomias é a mais alta forma de cognição que o homem pode ter na Terra”.

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Autogestão, esperança das esquerdas em pane

A atuação de Plinio Corrêa de Oliveira foi ganhando força e tendendo para a cena internacional, na qual, mediante vários golpes de mestre contra a esquerda global, se firmou sobretudo a partir de 1981.

Nesse ano, o presidente francês François Mitterrand, com grande apoio midiático, tentou colocar em moda em âmbito mundial um novo paradigma: o socialismo autogestionário.

Pela autogestão, queria transformar a sociedade em um conjunto de corpúsculos, simples e primitivos, nos quais tudo seria comum: bens, trabalhos, frutos, quiçá também as famílias.

Examinando essa situação, o Prof. Plinio fez publicar nos principais jornais do mundo o famoso encarte de seis páginas, que leva o título: O socialismo autogestionário: em vista do comunismo, barreira ou cabeça-de-ponte? Prova que o socialismo autogestionário, que se apresentava como uma alternativa para o comunismo, de fato não passava de uma posição avançada que daria sustentação a ele.

Como critério de análise, toma o ensinamento do Magistério tradicional da Igreja, do qual cita os textos pertinentes. Todas as afirmações e comentários se baseiam em textos do próprio Partido Socialista Francês.

A denúncia foi publicada nos principais jornais de 52 países dos cinco continentes, com tiragem total de nada menos que 33,5 milhões de exemplares, e uma repercussão internacional retumbante.

As reações iniciais do governo e do PSF foram intensas. A linha de conduta adotada foi a de se esquivar sistematicamente à análise do texto-denúncia. Uma das fontes do Ministério das Relações Exteriores chegou mesmo a declarar que “neste gênero de situações, [...] sempre é mais conveniente não dizer nada”.(22)

O “International Herald Tribune” descreveu a reação do governo socialista francês: “Em Paris, fontes governamentais autorizadas disseram que não estavam preparadas para responder a esta publicação, mas que elas a estavam estudando. Absolutamente não há pânico”.(23)

Com pânico ou sem pânico, o fato é que o esquerdismo “clássico” estava jogando uma grande cartada — talvez a última — no mundo. Essa cartada fracassou, pois o governo Mitterrand recuou.

A Mensagem foi publicada em 19 países, mas não na França de Mitterrand, por óbvia pressão do governo socialista sobre a mídia. Em conseqüência, as TFPs divulgaram em todo mundo um comunicado redigido pelo Prof. Plinio, intitulado “Na França, o punho estrangulando a rosa”. A repercussão dele foi intensa.

Nas eleições de 1982, a opinião pública francesa rejeitou a autogestão socialista. E ela foi arquivada. A História do mundo seria outra, se o novo paradigma autogestionário tivesse se firmado e difundido por todo mundo, como estava nos planos.

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“Pessimólogo”

Era o lançamento de uma campanha no Viaduto do Chá. O Prof. Plinio deu início aos trabalhos. Os jovens se dirigiram para os locais pré-fixados, e a campanha começou. Ele ficou no local por alguns instantes com um grupo pequeno, analisando com olhar aparentemente distraído o público que passava. A horas tantas, disse: esta campanha não vai ser como a do ano passado. Os transeuntes estão diferentes, a opinião pública está mudada. Vai ser um trabalho difícil.

E ocorreu exatamente como ele tinha dito. Um máximo de acerto com um mínimo de dados ou indícios.

Ele dizia que não era nem otimista, nem pessimista, mas “pessimólogo”, ou seja, um homem consciente de que o péssimo, em nossos dias, acontece com relativa freqüência. A “pessimologia” sempre o ajudou a ser um homem realista de ação eficiente.

Para dar outro exemplo, a humanidade ainda considera com espanto o atentado que em 2001 destruiu totalmente as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York. Oito anos antes, quando uma bomba muito menos possante foi colocada no mesmo local, matando seis pessoas, ele comentou: “No fundo, é uma mensagem aos EUA: Entendam que vocês podem ser atingidos por esse processo. E que isso acontecerá a qualquer momento”. Externava uma preocupação: quem sabe se dentro de algum tempo “não vem a mesma mão criminosa e repete o mesmo atentado”.(21)

Infelizmente, sua preocupação era fundada. A "pessimologia" acertou.

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Estimulando a católica Espanha

A campanha contra o socialismo autogestionário era uma prova de que o Prof. Plinio muito apreciava a França –– “este sonho que põe o mundo a sonhar” –– e as diversas nações européias, e por isso queria vê-las livres do socialismo. Como grande admirador de tudo o que é saudavelmente típico, apreciava muito as diversidades entre os povos e sabia valorizar com admiração e amor todas as nações.

Por esta e outras razões, ele tinha grandes restrições a um europeísmo muito em voga em nossos dias, e o criticava: “Querem fazer dos países que outrora constituíam a Cristandade cadáveres de nações jogadas na vala comum da Federação Européia”.

Especialmente querida era a católica Espanha. Observava que, se nela “o fervor se apagasse, a Espanha se apagaria da lista das nações”. Por isto inspirou e incentivou vivamente uma Comissão de Estudos de TFP-Covadonga, a qual em 1988 preparou e lançou com sucesso o livro “España – anestesiada sin percibirlo, amordazada sin quererlo, extraviada sin saberlo – la obra del PSOE” (Partido Socialista Espanhol). Mostrava que, na década de 30, enfrentavam-se na Espanha uma posição católica militante e um anticlericalismo furibundo. Poucas décadas depois, passou a reinar um estado de apatia generalizada, que tornou possível a revolução socialista. O livro analisava com maestria como ocorreu essa surpreendente transformação.

 

Nos EUA, “o estranho direito de insultar a pátria”

Em Revolução e Contra-Revolução, Plinio Corrêa de Oliveira insiste na manutenção de todas as sadias características locais em qualquer terreno, na cultura, nos costumes, etc., e portanto defende o patriotismo, embora sem “o caráter de depreciação sistemática do que é de outros, nem de adoração dos valores pátrios como se fossem desligados do grande acervo da civilização cristã”.(24)

Por isso, acompanhou com indignação o noticiário da atitude de Gregory Johnson, que queimara publicamente uma bandeira americana no Texas. Inicialmente ele estimulou e depois aplaudiu a atitude da TFP norte-americana que, em plena Quinta Avenida, em Nova York, e em todo o território norte-americano, coletou assinaturas pedindo a proibição legal da queima da bandeira nacional (1989).

O texto indaga: “É eqüitativo, é lícito, é digno que um cidadão aqui nascido a odeie? É lícito que a insulte? Que a destrua? Tem nosso país o direito de se deixar conspurcar de tal maneira em seus símbolos e suas honras? Entre as liberdades constitucionais norte-americanas está a de esbofetear os símbolos da Nação?”.

Se estivesse vivo, ele se agradaria sabendo que em 2001, após o lutuoso atentado às torres gêmeas, houve um verdadeiro festival de incontáveis bandeiras americanas ondulando por toda parte, à janela das casas particulares, no alto dos prédios, na antena dos carros e até no alto dos guindastes. Os Estados Unidos tinham mudado, e para melhor.

Ele saudava com freqüência o acerto e o amplo progresso da TFP americana: "É uma verdadeira razão de contentamento, pois, de todos os países, excetuando o Brasil, aquele em que a TFP mais se desenvolveu foram inegavelmente os EUA. Não foi a Espanha heróica, não foi o Portugal querido, nem a França incomparável, nem a queridíssima Alemanha, nem a veneradíssima Áustria, nem a Itália, mas foram os EUA. Isto é uma graça muito grande”.(25)

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Um movimento formado por filhos

Numa visita ao Congresso Nacional, em Brasília, em torno de uma mesa estão o Prof. Plinio, elementos de seu Grupo e alguns políticos de grande destaque. Sorrindo, ele interpelou seus seguidores, pedindo que dissessem se alguma vez lhes tinha prometido carreira, cargos ou dinheiro. A resposta, também sorridente, foi enfática e negativa, o que encheu os políticos de espanto... quem sabe até de inveja!

Mas se não era carreira, cargos ou dinheiro, então o que levava muitos jovens a dedicar-se full-time ao Grupo do Plinio? A remar contra a correnteza? A ir às ruas em campanha, sob o sol escaldante, com o risco de serem agredidos? Qual era a fonte de seu desejo de atuar, sem promessa de carreira, cargos ou dinheiro? Não abordar este tema, seria deixar uma lacuna na presente exposição.

De um lado, havia a ação da graça. Basta lembrar que, de ordinário, no Grupo do Plinio todos se consagram a Nossa Senhora, segundo o método de São Luís Maria Grignion de Montfort. Como líder católico, congregado mariano e terceiro carmelita, durante toda sua vida ele rezou o rosário diariamente; praticou e propagou as principais devoções a Nossa Senhora.

Entretanto havia outro elemento: em relação aos seus seguidores ele era um pai. E sem espírito filial não se pode entender certo tipo de zelo.

É conhecido um fato ocorrido após a batalha de Aljubarrota (1385). Alguém perguntou a um soldado como tinha sido possível a 7 mil portugueses vencer as forças inimigas, de 35 mil homens. Ele respondeu: “Nosso rei venceu, porque seu exército não é de soldados, mas de filhos”.

Essa resposta, com as devidas adaptações, esclarece bem a questão. O “exército” de Plinio é um “exército” de filhos.

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Face às ruínas do Muro de Berlim

O mundo assistiu aliviado à queda do Muro da Vergonha. O movimento comunista internacional passou por uma espécie de terremoto. O acontecimento representava uma ocasião propícia para uma reflexão em profundidade sobre a curva da História. Além disso, os culpados deveriam ser responsabilizados.

Com esse intuito, Plinio Corrêa de Oliveira lançou o manifesto Comunismo e anticomunismo na orla da última década deste milênio. Foi publicado no jornal de maior tiragem dos Estados Unidos, “The Wall Street Journal” (27-2-90), no “Corriere della Sera” de Milão (7-3-90), em “O Dia” de Lisboa, e numerosos jornais da América do Sul.

Ele interpela os dirigentes dos PCs disseminados pelo mundo livre e pergunta se nada tinham visto, no constante contato que mantiveram com Moscou. E, “se conheciam o trágico fracasso do comunismo, por que o queriam para suas pátrias?”.

 

O maior abaixo-assinado da História

Outro golpe de mestre foi a campanha pela independência da Lituânia.

Em 1989, sete anos após o “arquivamento” do socialismo autogestionário e depois de ruir o Muro da Vergonha, restava ainda sinistra, cinzenta, ameaçadora, uma realidade chamada União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

A insurreição pioneira da pequena Lituânia foi o estopim da explosão que fragmentou o grande império vermelho, fato reconhecido universalmente. Disse-o, por exemplo, o britânico Eric Hobsbawm, tido como um dos mais famosos historiadores de nosso tempo: “A Lituânia testou as águas [do secessionismo dos países da então URSS] com uma provocativa declaração de independência total em março de 1990”.(26)

Plinio Corrêa de Oliveira lançou um abaixo-assinado internacional apoiando a Lituânia, que atingiu mais de 5 milhões de assinaturas: o maior até aquela época, o que foi devidamente atestado pelo livro internacional dos recordes, o Guiness Book.

Assim começou o fim da URSS e assim se cumpriu uma previsão feita em 1969: “Não me farto de insistir sobre a insensibilidade da opinião pública à propaganda comunista. De Marx a nossos dias, os comunistas só conquistaram o poder e só se mantiveram nele pela força. Jamais pela persuasão. Quanto mais estendem seu poder, tanto mais se lhes torna difícil manter sob jugo o crescente número de suas vítimas. Um colosso assim estruturado tem evidentemente pés de barro. E, quanto mais cresce, mais está prestes a cair”.(27)

Dissolvida a URSS, ele não se deixou levar por um otimismo sem fundamento, e declarou: “No meu modo de ver, o comunismo está simplesmente numa fase de metamorfose”. E, como que vendo no horizonte as manobras ditatoriais de Putin e da China, acrescentou: “Estou persuadido de que, se realmente o comunismo continuar sobrevivendo por meio da presente metamorfose, notar-se-á, dentro de não muito tempo, que é o mesmo comunismo, igual ao que sempre foi”.(28)

 

A nobreza, as elites análogas e o futuro

Mas seu programa de ação não se limitava ao combate ao comunismo. Ele desejava ardentemente a implantação sobre a Terra de uma Civilização Cristã.

Em 1992, três anos antes de sua morte, realizou um desígnio que tinha desde os anos 50: publicar um trabalho sobre o papel da aristocracia e da nobreza na sociedade. A magistral obra recebeu o título Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana. Foi traduzida para o inglês, o francês (duas edições), o italiano e o espanhol.

Analisa a formação da nobreza medieval e pós-medieval, e conceitua o papel das elites tradicionais análogas inclusive nos dias de hoje. Através do exercício da liderança, se destilam naturalmente as elites e, numa etapa posterior, a nobreza. Os erros do igualitarismo, em sentido contrário, geraram a sociedade massificada de hoje.

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A plenitude refletida em um homem

Ao terminar esta leitura, é possível que fique a sensação confusa de ter lido, não traços de uma biografia, mas de várias: afinal de contas, Plinio Corrêa de Oliveira foi um pensador ou um homem de ação? Um ideólogo ou um mestre em propaganda? Um lutador ou um sofredor? Um paciente ou um inconforme? Um juiz ou um pai? Um polemista ou um apóstolo da bondade? Um “pessimólogo” ou um entusiasta? Um espírito ardoroso ou um homem calmo? E assim por diante.

Para se retratar a realidade, seria preciso constatar: ele somava todos esses perfis.

Compreendeu-o o conhecido publicista católico e historiador polonês Prof. Jacek Bartyzel, que afirma: “Plinio Corrêa de Oliveira foi um homem completo, apóstolo da Contra-Revolução, em cuja alma havia a gravidade de São Pedro, a sabedoria de São Paulo, a visão de São João, o intelecto do Doutor Angélico, a doçura do Doutor Seráfico, o místico ardor do Doutor Melífluo. E nisto exatamente consistia a excepcionalidade desse extraordinário batalhador da Ecclesia Militans”.(29)

Estas características conferem à alma de Plinio Corrêa de Oliveira algo de irredutível ao convencional e corrente.

Curiosamente, a própria etimologia do nome Plinio indica esta característica. Assim como o nome Inácio vem do termo latino ignis, fogo, Plinio deriva de plenus, ou seja, pleno, completo, inteiro.

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Ele vê com bons olhos o aparecimento de novas elites:

“A existência das elites aristocráticas, em lugar de excluir ciumentamente, tacanhamente, o florescimento pleno de outras elites, pelo contrário, serve-lhes de padrão para fecundas analogias, e de estímulo para fraternos aprimoramentos”.(30)

Desejava escrever um livro sobre o povo, simétrico ao que escreveu sobre a nobreza, mas a morte o colheu antes. Nessa obra, discorreria sobre a sociedade orgânica, ou seja, uma sociedade toda ela inspirada na Lei natural, nem totalitária, nem liberal nem igualitária.

É provável que discorresse sobre a Civilização Cristã e o idealismo cristão, que proporcionam o pleno florescimento das classes populares. Idealismo que é desinteresse, entusiasmo, generosidade, coragem, qualidades que podem florescer em todas as classes sociais, e que caracterizam a nobreza de alma.

Nobreza e elites tradicionais análogas recebeu o aplauso de quatro Cardeais: Mário Luigi Ciappi, Sílvio Oddi, Alfons Maria Stickler e Bernardino Echeverría Ruiz.

Nos Estados Unidos, o livro foi apresentado em Washington, no Hotel Mayflower, perante um público de 850 pessoas. Retumbantes lançamentos se sucederam na Itália, França, Espanha e Portugal.

Em Roma, repercutiu vivamente na imprensa. O jornal comunista "L’Unità", da Itália, entrevistou a Princesa Elvina Pallavicini:

A Princesa: “A única salvação é o retorno aos valores verdadeiros”.

"L’Unità": “E quais seriam estes, Princesa?”

A Princesa: “Tradição, Família e Propriedade, naturalmente”.(31)

 

Uma promessa, uma esperança, uma missão póstuma

O ilustre brasileiro foi chamado por Deus a 3 de outubro de 1995, tendo recebido os sacramentos da Igreja e a bênção papal.

Como já foi afirmado acima, o Cardeal Bernardino Echeverría Ruiz observou que a vida de Plinio Corrêa de Oliveira “nos convida a refletir sobre o fato de que, quanto mais intensos são os males de uma época, tanto mais notáveis são as figuras que a Divina Providência chama para os combater, pois seu desígnio é debelar as crises suscitando almas de fogo”.(32)

Desapareceram os intensos males de nossa época, de que fala o Cardeal Echeverría? Vai desaparecer a ação pliniana contra tais males?

Muitas respostas podem ser dadas. Mas prefiro um critério mais seguro, meramente descritivo.

* Antes de tudo, é preciso notar que o antiplinianismo difundido por certa esquerda continua. Há um preconceito, uma prevenção contra o Prof. Plinio, que não esquece sua integridade, não perdoa e não transige. Se ainda existe o antiplinianismo, é porque – não há como escapar – a irradiação pliniana também continua.

* Outro fato é a presença do livro Revolução e Contra-Revolução, com sua análise profética do nosso tempo. O diagnóstico contido em Revolução e Contra-Revolução vai se revelando cada vez mais atual, com o passar do tempo. A onda conservadora que hoje ganha o mundo pede apreciações objetivas, e é o que na obra sobeja.

Um diagnóstico acertado dura enquanto permanece a doença. Este princípio confere um brilho cada vez maior a Revolução e Contra-Revolução. Nele há um diagnóstico impecável da imensa crise que abalou a Igreja e as nações no nosso tempo. É por isso que o teólogo Padre Anastásio Gutiérrez o qualificou de profético. Se a crise permanece, Revolução e Contra-Revolução também permanece, como que de pé diante dela. E com o livro, a figura de seu autor.

* Ao lado do ensinamento, permanece o exemplo pessoal de seu autor: seu espírito de luta – sempre elevado e cordial, cheio de fé e coragem – fazendo lembrar a antiga cavalaria. E o exemplo é outra forma de ação.

* Sempre ativa, se expande continuamente a família das associações co-irmãs e autônomas da Associação dos Fundadores da TFP – Tradição Família Propriedade, da qual o Prof. Plinio é inspirador e mentor intelectual. Essa família hoje se estende por muitos países. Além de atuar vigorosamente no sentido contra-revolucionário, sua simples presença edifica os que lutam contra os erros modernos, e ao mesmo tempo causa incômodo à Revolução universal. Como dizia o conhecido especialista em sociologia e propaganda política Jean-Marie Domenach, “não há melhor agente de propaganda que uma comunidade de homens vivendo dos mesmos princípios em uma atmosfera de fraternidade”. Ora, tal família de associações é um prolongamento da presença de Plinio Corrêa de Oliveira.

* Os homens contemporâneos estão saturados de problemas, inquietos, cansados, desencantados, à procura de algo que não sabem exprimir. Deveriam ser ainda muito mais numerosos os que conhecem Plinio Corrêa de Oliveira e sua obra. Mas ele foi, como sumariamente se mostrou, a melhor expressão desse algo tão desejado: por sua vida, seu ensinamento, sua ação, seu espírito. Ninguém sabe o que poderá ocorrer quando se der o encontro bendito das populações, que procuram algo, com este mesmo algo que alguém lhes oferece.

* No entanto, o principal não é palpável nem mensurável. "Legenda" e "mito" são palavras escorregadias, pois têm vários significados e podem indicar meros produtos da fantasia. Mas, tomadas essas palavras em seu sentido legítimo, pode-se dizer que Plinio Corrêa de Oliveira é hoje um mito, uma legenda. E uma legenda carregada de esperança. Ele continua presente.

 

E A VITÓRIA?

E a vitória? Nossa Senhora a prometeu, quando disse: “Por fim, meu Imaculado Coração triunfará”. Lembro-me de que o Prof. Plinio terminou um discurso com esta frase, acrescentando: “E triunfará mesmo!”

“The song is out” –– a canção da modernidade chega a seu fim. Cada vez mais pessoas percebem que essa toada fez seu tempo. Com muito acerto, até a chamada “vanguarda” reconhece hoje o que chama de “decadência do futuro”: “O futuro está doente”, diz Edgar Morin. E um cantor popular brasileiro complementa, com espírito: “O futuro não é mais como antigamente...”

Ao mesmo tempo, os tons graves, suaves, nobres do cântico novo de Plinio Corrêa de Oliveira pairam sobre o Brasil e o mundo de hoje, e nos dizem algo sobre o triunfo de Nossa Senhora.

Ela “triunfará mesmo!”

 

E-mail do autor: leodaniele@catolicismo.com.br

 

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Notas:

1. Foi divulgado o ensaio A liberdade da Igreja no Estado comunista, de que falaremos adiante.

2. Tinham 4,5 m. e seu mastro 6 m.

3. “Tribuna da Imprensa”, Rio de Janeiro, 26-7-1969.

4. “Folha de S. Paulo” (doravante FSP), 15-2-1969.

5. Eloi de Magalhães Taveiro, Para evitar as prescrições da História, Catolicismo, n° 270, junho/1973.

6. Parecer emitido em 8-9-1993.

7. Serviço de Documentação da TFP, Um Homem, uma Obra, uma Gesta, Ed. Brasil de Amanhã, São Paulo, 1989, p. 239.

8. O Cruzado do Século XX (doravante CSV), Ed. Civilização, Porto, 1997, p. 278.

9. Republicado com o título: Acordo com o regime comunista: para a Igreja, esperança ou autodemolição?

10. Plinio Corrêa de Oliveira: apóstolo insigne, polemista fogoso e intrépido, in Catolicismo, n° 542, fevereiro/1996.

11. Parecer emitido em 8-9-1993.

12. Revolução e Contra-Revolução, I, V.

13. Cfr. do Prof. Plinio Una Dichiarazione, in “Madre dei Buon Consiglio”, Genazzano, julho-agosto de 1985, p. 28.

14. FSP, 10-4-1974.

15. CSV, p. 299.

16. Carta a Pierre Linet, 25-3-1649.

17. Plinio Corrêa de Oliveira, prefácio à obra de Antonio Augusto Borelli Machado, As aparições e a mensagem de Fátima conforme os manuscritos da Irmã Lúcia.

18. FSP, 21-29-30/5/1975.

19. A Sede de Almas, CIRC. VII, nº 5.

20. Idem, CIRC. VII, nº 5.

21. 3-7-1992.

22. "Jeune Afrique", Paris, 3-3-1982.

23. 11-12-1981.

24. II, XI, 3.

25. Reunião para uma comissão de estudos sobre assuntos americanos, p. 114.

26. Era dos Extremos. Companhia das Letras, São Paulo, 1998, p. 476.

27. FSP, 10-9-1969.

28. “Expreso” (Guayaquil, Equador), 31-5-1992. Declaração análoga do mesmo autor pode se encontrar no “Diario Las Americas” (Miami, US), 14-5-1992.

29. Introdução da tradução para o polonês da obra de Roberto de Mattei, Plinio Corrêa de Oliveira O cruzado de século XX–.

30. P. 143.

31. Nobreza e elites tradicionais análogas, Civilização, Porto, 1993, p. 22.

32. Plinio Corrêa de Oliveira: apóstolo insigne, polemista fogoso e intrépido, in Catolicismo, n° 542, fevereiro/1996.

33. Jean-Marie Domenach, La Propagande Politique, PUF, Paris, 1973, p. 67.