Catolicismo, n° 658, Outubro de 2005 (www.catolicismo.com.br)
A plena fidelidade à Santa Igreja, tanto no anonimato quanto na glória
“Plinio Corrêa de Oliveira foi um homem completo, apóstolo da
Contra-Revolução, em cuja alma havia a gravidade de São Pedro, a sabedoria de
São Paulo, a visão de São João, o intelecto do Doutor Angélico, a doçura do
Doutor Seráfico, o místico ardor do Doutor Melífluo. E nisto exatamente
consistia a excepcionalidade desse extraordinário batalhador da Ecclesia
Militans”.
(Prof. Jacek Bartyzel, publicista e historiador polonês)
Leo Daniele
Um jovem vinha de uma reunião do Serviço de Imprensa
da TFP, e entrou em nossa roda:
— “Vocês não sabem o que aconteceu! Grandes planos!
Dr. Plinio resolveu que em nossa próxima campanha no centro de São Paulo vamos
hastear estandartes medievais iguais aos que servem para decorar nossas
sedes!"
Realmente, até então o estandarte era usado apenas
para decoração interna. Nossa sede principal, na Rua Pará, em São Paulo, estava
adornada com um muito belo estandarte de veludo de seda, confeccionado em
Florença, na Itália; era de um verde-azulado profundo, e nele estava bordado um
leão com uma cruz ao peito. Mas não
passava pela cabeça de nenhum de nós erguer em plena rua um estandarte –– no
século XX, um símbolo de inspiração medieval! A sensação que tínhamos era de
que até as pedras do calçamento iam se levantar em sinal de protesto.
E deu certo! No dia 30 de março de 1965, fizemos a
campanha,(1) e enormes estandartes(2) de cor vermelho-sangue foram hasteados
nas pontas do Viaduto do Chá, com excelente repercussão. O sol neles batia e o
vento os fazia ondular nobremente. O leão do estandarte estava vigoroso,
desembaraçado, seguro de toda a sua força e dignidade.
Inaugurava-se o mito dos estandartes vermelhos
marcados pelo leão dourado, que depois se ergueriam em dezenas de países e —
sublime desafio — em 6 de dezembro de 1990, na Praça Vermelha, em Moscou,
prenunciando a desintegração da URSS.
Estandartes “medievais” hasteados na moderna
São Paulo
Nas calçadas, passava o público surpreso. Então, o
idealismo é possível?–– perguntavam transeuntes, mergulhados em seus próprios
interesses. Um folheto anônimo exprimiu a sensação dominante:
“São Paulo foi assaltado por anjos medievais. De
repente, surgidos das entranhas obscuras da mitologia, eles invadem as ruas, dominam
as praças, fixam posições de ataque.[...] Não podemos negar que há certa beleza
imemorial nesses estandartes que lembram leões dourados em campos vermelhos”.
O Viaduto do Chá tornou-se familiar à TFP. Foi uma
espécie de tribuna de muitas campanhas e de algumas passeatas, planejadas e
capitaneadas pelo Prof. Plinio. Essa impressionante massa de concreto
inaugurada em 1938, com seus 240 metros de comprimento sobre o Vale do
Anhangabaú, liga o então chamado “centro velho” ao “centro novo”. É um dos “cartões
postais” de São Paulo.
Em algumas campanhas, os propagandistas escalavam —
não sem risco! — o segmento superior das quatro grossas pilastras que dão
sustentação lateral ao viaduto, e que o ultrapassam em altura. De um lado da
pilastra, consideravelmente abaixo, estava a calçada do viaduto. Do outro, um
precipício sobre o Vale do Anhangabaú, exercendo a perigosa atração dos
abismos. No topo, cooperadores da TFP empunhavam estandartes e bradavam slogans
em megafones.
Diante deles, um pouco abaixo, um formigueiro de
passantes surpresos. O arquiteto do Viaduto jamais imaginaria que essas
pilastras se transformariam em pedestais para proclamação de tão altos ideais!
“O estandarte do leão dourado é o rei da rua”
Não muito tempo depois, quase todo o imenso Brasil
havia tido oportunidade de contemplar essas insígnias medievais flutuando ao
vento. Em uma cidade, um cooperador da TFP colheu a seguinte repercussão de um
passante: “O estandarte do leão dourado é o rei da rua no Brasil”.
O público, aliás, familiarizou-se com esse espetáculo.
Às vezes ouvíamos: “Deve estar acontecendo alguma coisa grave, porque quando
vocês saem às ruas é porque há algum perigo”. Apreciação, aliás, acertada.
O içamento do estandarte pela primeira vez foi um dos
marcos mais importantes da história da TFP. A entidade mostrava assim ao
público sua imagem, e é uma grande coisa encontrar a própria imagem a ser
apresentada. Seu perfil se exprimia por inteiro, e publicamente, em pleno
centro de São Paulo — “exportando-se” depois para os cinco continentes.
“A audácia é um sinal precursor da vitória”, disse o
fundador da TFP. A associação tinha atingido sua idade adulta. Um novo cântico
se fazia ouvir: o canticum novum de Plinio Corrêa de Oliveira.
A partir de 1969, o Prof. Plinio equipou nossas
campanhas com as capas rubras, que respondiam, no peito dos propagandistas, ao
vermelho-sangue dos estandartes. Muito já se tem falado e escrito sobre esses
símbolos felizes — há mesmo quem chegue a falar em genialidade — da altaneria,
da cortesia e da luta doutrinária contra os inimigos da Civilização Cristã e da
Pátria.
Mas o hasteamento do estandarte de Plinio Corrêa de
Oliveira no centro de São Paulo foi precedido por um longo processo de
preparação, que nos faz recuar até 1908, ano de seu nascimento.
_________________________
Quem é o “metteur-en-scène”?
Descreve um jornalista carioca:
“A TFP estava em sessão de gala. Confesso que, vendo-a
de longe, ela me agrada. Há bom gosto nas cores que leva para as ruas, tanto
nos uniformes (sic) como nos estandartes. E há um sentido de teatro total nas
suas evoluções. Enquanto um rapaz grita num alto-falante a presença de grupos
ocultos tramando a subversão da Igreja, um outro, heráldico, esfingético,
soturno, faz balançar levemente o estandarte do terror (sic!). Outros correm,
em harmoniosa coreografia, em direção aos pedestres que se aproximam, e
oferecem um jornal [...]. Vista de longe, portanto, a TFP impressiona pela
dimensão plástica, pelo arranjo das cores, pela presença, invisível, de um
metteur-en-scène’”.
O autor dessas palavras, o colunista Oliveira Bastos,
da “Tribuna da Imprensa”, não oculta sua condição de adversário da entidade, o
que o torna insuspeito. E termina dizendo: “Se toda propriedade, se toda
família e se toda tradição tivessem um terço da harmoniosa apresentação deste
grupo — eis que eu próprio seria capaz de ir para as ruas, estandarte nas mãos,
defender estas instituições. [...] Todos querem saber o nome do 'metteur-en-scène'
do grupo e do desenhista de suas roupas”.(3)
O jornalista indaga sobre o “metteur-en-scène”, ou
seja, quem teria nas campanhas o mesmo papel que o diretor artístico faz numa
peça teatral. Talvez ele imaginasse um profissional famoso, pois a “mise-en-scène”
das campanhas tem realmente algo de genial.
O “metteur-en-scène” era Plinio Corrêa de Oliveira.
Ele dava a idéia, depois controlava meticulosamente os detalhes da execução, e,
além do mais, animava a todos, dando-lhes ao mesmo tempo ampla liberdade de
atuação. Foi assim com os estandartes, com a flor-de-lis no alto de seu mastro,
a capa, a formação em forma de farpa, o brado “Pelo Brasil! Tradição, Família,
Propriedade – Brasil, Brasil, Brasil!”. Ele elaborava os slogans que eram
proclamados nos megafones, e inclusive orientava como deviam ser entoados.
_________________________
— I —
PASSADO LUMINOSO
No começo de tudo, uma infância inocente, sob o olhar
materno e inefável de sua mãe, Da. Lucília Ribeiro dos Santos Corrêa de
Oliveira, a batuta formadora de uma governante alemã, e fazendo seus estudos
secundários no Colégio São Luiz, dos Padres Jesuítas.
Plinio ingressou no movimento católico em 1928,
destacando-se imediatamente.
Sua eleição para a Constituinte de 1934 foi quase
legendária; ele tinha apenas 24 anos, e obteve sozinho nada menos que 9,5% do
eleitorado paulista. Nos anais da Câmara Federal do Brasil, até hoje apenas um
deputado foi eleito com votação percentualmente maior que a dele.
Terminado seu mandato, ele se dedicou ao gigantesco
movimento das Congregações Marianas — no Brasil, 25.000 congregações, com perto
de 150 mil congregados — do qual foi líder inconteste, à publicação do jornal
“Legionário” e a lançar as bases do que ficou sendo chamado de o Grupo do
Plinio.
O “Legionário” tornou-se um baluarte na luta contra o
comunismo e o fascismo. O Grupo do Plinio exercia influência em todo o Brasil
católico.
_________________________
“... Mas é o melhor orador do Brasil”
A maneira de falar do Prof. Plinio era clara, bela,
mas ao mesmo tempo natural. O encanto das palavras realçava a clareza e a
lógica. A locução era fácil e rápida. A linguagem era viva, cheia de imagens.
Os pensamentos se sucediam encadeando-se velozmente, formando conjuntos
sugestivos, originais.
Tinha o dom de perceber o que o auditório apetecia,
quais as dúvidas que estavam passando pela cabeça das pessoas, e qual o grau de
tolerância delas para algo que as desagradasse, mas que convinha ao orador
dizer.
Falava quase sempre de improviso, com entusiasmo
comunicativo.
Um conhecido professor de oratória em São Paulo, J. J.
Silva d’Azevedo, costumava dizer: “O Plinio não segue nenhuma das minhas
regras. Mas é o melhor orador do Brasil”.
_________________________
Uma ameaça, o "kamikaze" e a
fidelidade a uma missão
“Plinio! Plinio! Plinio!” –– o nome ecoou ao longo do
Vale do Anhangabaú. Foi assim que centenas de milhares de participantes do IV
Congresso Eucarístico Nacional de 1942, em São Paulo, aclamaram o vibrante
discurso do jovem professor.
Mas, apesar do grande fervor existente no Congresso
Eucarístico, nem tudo corria bem nos círculos católicos. Começava a germinar
uma nova mentalidade.
Um congregado mariano, já naquela época adepto de
idéias pré-progressistas, abordou-o:
— Plinio, ou você adere à nova mentalidade, ou ficará
completamente à margem, porque esta mentalidade avança por toda parte e está
preparado um trabalho enorme em favor dela.
Essa advertência soou como uma ameaça. No que
consistia a “nova mentalidade”? Em conciliar a Igreja com o mundo neopagão,
reformando o dogma e a moral, as leis eclesiásticas, a liturgia, o modo de ser
católico. Era o progressismo que ensaiava seus primeiros passos. Seus
seguidores desprezavam as devoções ao Sagrado Coração de Jesus, a Nossa
Senhora, aos Santos. Faziam críticas à espiritualidade tradicional de Santo
Inácio de Loyola e Santo Afonso Maria de Ligório, aos atos de piedade
particular e à veneração a imagens. Pregavam uma nova liturgia em que o sacerdote
celebrante era nivelado ao simples fiel. Por outro lado, o igualitarismo que
professavam abria caminho para o esquerdismo católico.
Plinio Corrêa de Oliveira, porém, não era homem de se
intimidar com a “ameaça” do seu colega de tendências pré-progressistas. Com
trinta e poucos anos, ocupando o cargo de Presidente da Junta Arquidiocesana da
Ação Católica, percebeu que era sua obrigação fazer algo. Depois de estudar os
documentos pontifícios relativos ao tema, publicou em 1943 o livro Em Defesa da
Ação Católica, refutando o progressismo nascente. O próprio representante do
Papa, Dom Bento Aloisi-Masella, Núncio Apostólico no Brasil, prefaciou o livro.
Como se sabe, as doenças têm maiores possibilidades de
cura se forem diagnosticadas precocemente. O mesmo acontece quanto aos erros e
desvios. O livro foi um diagnóstico precoce de muitos dos desvios que surgiram
depois, e que hoje afligem a Igreja, no Brasil e em todo o mundo.
Mas a clarividência tem um preço: a “ameaça” daquele
congregado mariano, influenciado pela onda da última moda de certos ambientes
católicos, cumpriu-se ao pé da letra. Após a publicação do livro, uma como que
calota polar cercou o autor, e ele e seu Grupo foram marginalizados nos meios
católicos.
O livro dividiu os campos: alguns bispos tomaram
posição pró, outros contra. Desatou-se uma onda de calúnias, sempre
desacompanhadas de provas, contra esse núcleo de católicos exemplares.
Assinantes e colaboradores do “Legionário” começaram a abandonar o mensário.
Dr. Plinio perdeu o alto cargo que até então ocupava na Ação Católica e também
a direção do “Legionário”. Ele assim resume os acontecimentos:
“Era um gesto de kamikaze. Ou estouraria o
progressismo, ou estouraríamos nós. Estouramos nós. Nos meios católicos, o
livro suscitou aplausos de uns, a irritação furibunda de outros, e uma
estranheza profunda na imensa maioria”.(4)
Sim, o progressismo não estourou. Mas não escapou
ileso. O progressismo no Brasil, depois do livro Em Defesa da Ação Católica,
foi comparado a um leão, vivo e ainda perigoso, mas de apenas três patas.(5) E
uma fera parcialmente aleijada ainda é temível, mas não representa o mesmo
perigo! Perdeu o melhor de sua capacidade de avançar.
Desde 1943 começou a delinear-se mais claramente seu
perfil de homem providencial: tinha sido clarividente e previsto o mal logo em
seu nascedouro. E como todo homem providencial, teve de sentir o travo amargo
da perseguição.
Mas após um período de isolamento, inaugurou uma nova
fase na luta, até que, em 1959, publicou o livro Revolução e Contra-Revolução.
Obra profética no melhor sentido da palavra
Revolução e Contra-Revolução é sua obra-mestra. Além
de expor uma doutrina e um programa, é o sentido da sua própria vida. É o
livro-síntese de seu pensamento, sua bandeira intelectual.
A obra é célebre nos meios intelectuais,
tradicionalistas e anticomunistas de todo o mundo, com numerosas edições nas
principais línguas. O padre Anastasio Gutiérrez, eminente canonista e consultor
de várias congregações vaticanas, afirmou que Revolução e Contra-Revolução é
uma obra “profética no melhor sentido da palavra”, tal seu acerto.(6)
Pouco depois, com base nas idéias explicitadas nessa
obra, fundou a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e
Propriedade (TFP).
Reforma Agrária – Questão de Consciência
Logo depois apresentou-se um grande problema nacional:
furiosa agitação em favor de uma Reforma Agrária socialista, confiscatória e
anticristã.
Plinio decidiu enfrentar a onda esquerdizante.
Elaborou um livro, ao qual deu o título Reforma Agrária – Questão de
Consciência. Contou para essa tarefa com a cooperação de dois bispos e um
economista.
A difusão foi rápida. A primeira edição esgotou-se em
20 dias. Seguiram-se três outras, tornando-se um famoso best-seller, inesgotável
fonte de argumentos para a polêmica que se estabeleceu e perdura até hoje.
Atingido em cheio o esquerdismo católico, achava-se
travada a própria marcha do Brasil rumo à esquerda. Pois então, como hoje, maus
católicos constituem o principal apoio da esquerda.
Foi assim que o Grupo do Plinio ressurgiu, e com
prestígio ainda maior. Passou a realizar várias campanhas em todo o território
nacional, não só nas capitais, mas também em nosso vasto interior.
—II —
A FORTALEZA SITIADA
“O combate travado é pesado; dentro da fortaleza os
sobreviventes são poucos. Os que ainda resistem percorrem escondidos o
parapeito pelo lado de dentro da muralha, atirando detrás, ora de um, ora de
outro cadáver. É preciso não apenas lutar, mas se multiplicar!”
A historieta — que lembra o estilo de Alexandre Dumas,
embora talvez seja de outro autor — serviu, certa vez, ao Prof. Plinio para uma
descrição da luta de seu Grupo em prol da Civilização Cristã: o adversário é
numeroso e forte, mas a luta prossegue, e é preciso multiplicar-se para
continuar a peleja. Presta-se para descrever o combate do próprio Prof. Plinio
entre 65 e 75.
Depois de hastear o estandarte com o leão rompante, no
Viaduto do Chá, as campanhas se multiplicaram. E também as conferências, os
estudos, as pesquisas e as publicações.
_________________________
Imbatível polemista
São os próprios inimigos do Prof. Plinio que atestam —
involuntariamente, é certo — a segurança de seus juízos. Ele travou não poucas
polêmicas em sua vida. Se nessas controvérsias pudessem desqualificá-lo por
desvios doutrinários, falhas de lógica, dados errôneos ou falta de bom senso,
não deixariam de fazê-lo. Nunca o fizeram. E isso porque era tarefa inviável.
Cada um de seus livros é uma espécie de torre inexpugnável.
A resposta à sua argumentação sempre respeitosa e
cortês foi uma só, até monótona: o silêncio. Nunca houve réplicas. O que
demonstra de maneira simples a superioridade de sua argumentação, porque, como
diz um provérbio grego, “o silêncio é uma declaração”. No caso, uma declaração
de que a seta atingiu o alvo.
A Santa Sé também atestou sua ortodoxia. Pio XII
enviou ao professor brasileiro uma importante carta de aprovação de seu livro
Em Defesa da Ação Católica, por meio de seu sub-secretário de Estado Mons. João
Batista Montini, o futuro Papa Paulo VI.
Uma Congregação romana qualificou seu livro A
Liberdade da Igreja no Estado Comunista de “eco fidelíssimo de todos os
Documentos do Supremo Magistério da Igreja”.(7) Lendo a carta, Plinio ressaltou
que “eco fidelíssimo” era o título que ele mais desejaria para si. E ele o
mereceu.
_________________________
Problema delicado, visto com profundo
discernimento
O Concílio Vaticano II encerrou-se sem uma explícita
condenação do comunismo.
Afirma Roberto de Mattei na excelente e documentadíssima
biografia Plinio Corrêa de Oliveira, o Cruzado do Século XX, que o professor
brasileiro “sabia com quanta facilidade uma minoria organizada pode
assenhorear-se de uma assembléia e impor a própria vontade a uma maioria
passiva e desorientada. Foi o que aconteceu durante a Revolução Francesa e
ocorreu novamente durante o Concílio Vaticano II, não por acaso definido por
alguns como ‘o 1789 da Igreja’”.(8)
Na ocasião, uma pergunta ficou no ar. Seria lícito
fazer uma barganha com os comunistas, pela qual estes concederiam à Igreja
certa liberdade de culto, atrás da Cortina de Ferro, em troca do silêncio dos
católicos sobre seus erros?
Estando em Roma durante o Concílio, o Prof. Plinio
discutiu o problema com alguns Prelados. Concordavam eles que esta barganha não
seria lícita, mas achavam difícil prová-lo. Ele se dispôs a fazê-lo, e redigiu
o ensaio A liberdade da Igreja no Estado comunista.(9) Traduzido em oito
línguas, foi distribuído aos 2.200 Padres Conciliares presentes em Roma.
Uma grande polêmica se estabeleceu a respeito,
sobretudo em Paris e na Polônia. Mas a tese não-colaboracionista do Prof.
Plinio foi calorosamente elogiada pela Santa Sé, em Carta da Sagrada
Congregação dos Seminários e Universidades, assinada pelo Prefeito daquele Dicastério,
o Cardeal Giuseppe Pizzardo, e pelo Secretário, Mons. Dino Staffa, que depois
foi elevado ao cardinalato.
_________________________
Um homem providencial
Afirma o Cardeal Bernardino Echeverría Ruiz que a vida
de Plinio Corrêa de Oliveira “nos convida a refletir sobre o fato de que,
quanto mais intensos são os males de uma época, tanto mais notáveis são as
figuras que a Divina Providência chama para os combater, pois seu desígnio é
debelar as crises suscitando almas de fogo”.(10)
Vários dos desvios apontados, muito tempo depois, pelo
então Cardeal Joseph Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, em seu livro A Fé em Crise
(1985), já estavam denunciados pelo Prof. Plinio no remoto ano de 1943, quando
foi publicado Em Defesa da Ação Católica; e também em várias publicações
subseqüentes.
Quanto a Revolução e Contra-Revolução, o
ilustre teólogo Padre Anastásio Gutiérrez declara que “seu conteúdo deveria
ensinar-se nos centros superiores da Igreja”.(11)
Veremos o que representou para o Ocidente a denúncia planetária
feita pelo Prof. Plinio do socialismo autogestionário, bem como o
abaixo-assinado de mais de cinco milhões de assinaturas apoiando a
independência da Lituânia, nação que serviu de estopim para a dissolução da
URSS. Através dessas iniciativas, fica patente o caráter providencial da figura
do grande brasileiro.
_________________________
Estudando o efeito mágico de certas palavras
“Diálogo..... diálogo....., palavra mágica para
enganar as multidões”, proclamava ao megafone, em 1966, um jovem membro da TFP.
Com habilidade, ele sabia fazer ecoar de maneira sugestiva a palavra
diáááloogoo, que ao mesmo tempo qualificava de mágica.
Também hoje em dia há “palavras mágicas”, como por
exemplo paz, discriminação, ecumenismo, povo. Os órgãos de publicidade em geral
as julgam modernas, simpáticas, atraentes. Por isso os conferencistas, oradores
ou escritores as empregam com ou sem propósito, a tal ponto que elas se tornam
como que amuletos. Daí o termo “palavra-talismã”, com que o Prof. Plinio as
denomina no livro Baldeação ideológica inadvertida e Diálogo. Alguém
toma, por exemplo, um trem em Curitiba rumo ao Rio, e sem perceber acaba indo
parar em Porto Alegre. Essa situação é semelhante à de alguém que muda de
ideologia sem que o perceba, uma baldeação que resulta de um prodígio na
manipulação das idéias.
Existe isto hoje em dia? Como negá-lo?
O livro não critica, é claro, o diálogo em si, e menos
ainda a paz em si, mas tão só o uso tendencioso desses vocábulos como talismãs.
“A chave de prata” e o conceito de Cristandade
O Prof. Plinio, além de escritor e exímio jornalista,
deixou 16 livros e mais de 2500 artigos, manifestos e outros escritos. Suas
obras têm várias traduções e numerosas edições.
Entretanto, além desses livros e artigos, há um enorme
acervo de doutrinas ainda inéditas — nada menos de trinta e três mil
conferências e palestras gravadas e anotadas! — relativas em grande parte à
História, à ordem do Universo e à Civilização Cristã.
Não são pensamentos inteiramente catalogados,
ordenados, sistematizados. Na movimentada vida de luta que levou, seria
impossível fazê-lo. Ao lado dos livros, esse conjunto inédito seria comparável
a um cabochon, ou seja, uma pedra ainda não lapidada.
Com o desenrolar do século XXI, o incremento dos
estudos plinianos evidenciará a envergadura de seu pensamento. Neles com
certeza se atribuirá grande importância à estreita relação existente entre as
idéias e as tendências. Estas últimas “começam por modificar as mentalidades,
os modos de ser, as expressões artísticas e os costumes, sem desde logo tocar
de modo direto – habitualmente, pelo menos – nas idéias. Dessas camadas
profundas, a crise passa para o terreno ideológico”.(12) E depois, para o
terreno dos fatos.
Esta é a teoria pliniana das três profundidades da
Revolução: nas tendências, nas idéias e nos fatos.
Profundamente religioso, católico ardoroso, seu
pensamento entretanto não se desenvolveu no campo da Teologia, no sentido
corrente da palavra, a não ser a teologia da História. Ele foi sempre, e
convictamente, um leigo católico. Desde muito jovem voltou-se para a admiração
entusiasmada da Cristandade. A partir daí, subia para a consideração de grandes
verdades metafísicas, e depois para as realidades religiosas.
Pretendia elaborar um livro com o título A Chave de
Prata. O título se refere ao escudo de armas do Papado, em que se vêem duas
chaves, sendo uma de ouro, outra de prata. A de ouro representa a missão
sobrenatural de São Pedro; e a de prata, o seu poder indireto (no que diz
respeito à moral) sobre os fatos da sociedade temporal.
A chave de prata é, portanto, um símbolo muito
adequado do tipo especial de poder do Papa na esfera temporal, ou seja, na
Cristandade. Como veremos, seu interesse de leigo católico pela sociedade
temporal é em boa parte o que o qualifica para o título de “homem
providencial”, que lhe deu o Cardeal Echeverría.
Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano
— Será que meus amigos não percebem que estou muito
doente?
Foi o que pensou em 1967 o Prof. Plinio, sentindo-se
debilitado e vendo sua figura, muito abatida, num filme documentário.
De fato não percebiam, porque ele, sempre muito
apostólico e desejoso de animar seus discípulos, disfarçava e não reclamava dos
sofrimentos que a Providência lhe pedia.
Dias depois revelou-se a enfermidade: uma terrível
crise de diabete, com ameaça de gangrena, que o fez internar num hospital às
pressas. O prognóstico mais provável era ter de submeter-se a algumas
cirurgias, que seriam cada vez mais radicais e de eficácia duvidosa. Uma
primeira intervenção, com amputação de alguns artelhos do pé, foi executada.
Um de seus amigos, visitando-o, trouxe uma reprodução
italiana, em grande formato, de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano.
O enfermo olhou para a estampa longamente. Depois seu
estado de ânimo mudou, mostrando-se mais bem disposto. Algo de sublime se
passou naquele momento, pelo qual ele se ligou estreitamente a Nossa Senhora de
Genazzano até o fim de sua vida.(13) A partir daí ele começa a recuperar-se,
até retomar suas atividades habituais, sem necessidade de novas intervenções
cirúrgicas.
Durante a convalescença da crise de diabete, teve de
suportar também a dor pela morte de sua extremosa mãe, em abril de 1968. Aos
902 anos de idade, ela extinguiu-se suavemente, fazendo um grande sinal da
cruz.
Prossegue a luta: milhões de assinaturas
Restabelecido, Plinio Corrêa de Oliveira volta à luta.
Ele nunca se limitou a defender suas idéias academicamente, mas as colocava ao
alcance do grande público, muitas vezes nas ruas.
Merece destaque todo especial a epopéia de dois
abaixo-assinados promovidos por ele: um em defesa da família brasileira, com um
milhão de assinaturas; dois anos depois, outro, pedindo respeitosamente a Paulo
VI medidas eficazes contra a infiltração comunista na Igreja, que provocava uma
grande fermentação nos meios católicos. Nesta campanha de coleta de assinaturas
para uma “Reverente e filial mensagem a Paulo VI”, pedindo providências, em 58
dias foram coletadas 1.600.368 assinaturas em 229 cidades do Brasil, com um
total geral de 2.025.201, considerando as angariadas na Argentina, Chile e
Uruguai.
No entanto, o silêncio mais frio e completo seguiu-se
à súplica.
Grupos ocultos tramam a subversão na Igreja
No ano seguinte os estandartes da TFP saíram mais uma
vez às ruas, para a difusão de um estudo sobre a conspiração enraizada dentro
da Igreja Católica, denunciando-a com base em importantes documentos da revista
inglesa “Approaches” e do periódico espanhol “Ecclesia”.
Três dias antes havia sido dinamitada e semi-destruída
uma sede da organização em São Paulo, à Rua Martim Francisco. Inútil tentativa
de intimidar o Prof. Plinio, que no dia da explosão estava tomando as últimas
providências para o lançamento da citada campanha. Ela se iniciou como se nada
houvesse acontecido!
Para esta campanha, ele planejou uma novidade: a
divulgação por meio de caravanas. Que é uma caravana? No caso da TFP, um
conjunto em geral de nove jovens numa kombi, sem dinheiro no bolso, mas com
muito idealismo, munidos de estandartes, capas e megafones, a fazer propaganda
dos ideais católicos da entidade pelo Brasil afora.
Nessas campanhas — e mencionamos apenas as principais,
por falta de espaço — tudo é brilho, tudo é movimento, tudo é cor, a serviço de
idéias expostas com lógica e precisão, sob o som penetrante e combativo dos
megafones e dos brados uníssonos de hora em hora: Pelo Brasil! Tradição,
Família, Propriedade!
Cada campanha tinha uma mensagem própria, que variava
sempre. Mas havia também outra mensagem que jamais variava: era possível ter fé
e coragem apesar da maldade dos tempos. O idealismo — essa forma de nobreza de
alma — era assim enaltecido com brilho.
Uma liderança sempre presente
A alguns leitores pode parecer que o Prof. Plinio
dirigia a TFP, especialmente nas suas campanhas, como um general bem protegido
num quartel, enquanto nas frentes de batalha os seus auxiliares se expunham aos
riscos físicos. É bem o contrário que ocorria. Quando não podia participar
pessoalmente das campanhas, desfiles e manifestações públicas, ele se punha de
fato a trabalhar em seus escritórios, mas todos sabiam que poderia ser
solicitado a qualquer hora para resolver os mais intrincados problemas que surgissem.
Quando, por exemplo, explodiu de madrugada a bomba na sede da Rua Martim
Francisco, ele foi acordado, e poucos minutos depois estava no local, tomando
todas as providências cabíveis.
Quando participava pessoalmente das campanhas e
manifestações públicas, expunha-se com galhardia aos riscos, como qualquer
outro, freqüentemente liderando contra-ataques a agressões de qualquer
natureza. Em uma campanha pública de divulgação de obras no centro de São
Paulo, durante o auge da agitação comunista, um magote de baderneiros partiu
para a ameaça física aos participantes, a fim de impedir a campanha. Ele então
se pôs de frente para esse grupo, completamente desarmado, e exigiu
repetidamente em altos brados: “A rua é de todos!”, no que foi logo secundado
em coro pelos outros participantes. O grupo de agitadores se dispersou, sem
maiores conseqüências.
Oratório: dois jovens rezam por você
Falamos do estampido da dinamite. No local da
explosão, no lado externo do prédio, ele fez construir um oratório, no qual entronizou
uma imagem que tinha sido danificada pela bomba, e que passou a ser denominada
desde então Nossa Senhora da Conceição, Vítima dos Terroristas. Sem dúvida, uma
invocação muito apropriada também para este início do século XXI, tão marcado
pelo terrorismo!
A partir daquela data, todas as noites e durante a
noite toda, das 19:00 às 6:00 horas — enquanto a sede pertenceu ao Grupo do
Plinio, ou seja, durante 35 anos — houve vigília diante daquela imagem.
O público que passava pela Rua Martim Francisco se
deparava com uma cena sugestiva. Dois grandes tocheiros acesos, um de cada lado
do Oratório. Diante deste, um ou dois jovens, ajoelhados num genuflexório
colocado em plena calçada e dando as costas para a rua, rezavam o Rosário de
Nossa Senhora.
_________________________
Grande elevação de alma
Onde Dr. Plinio estava, não havia tédio.
Era um homem muito dotado do ponto de vista humano.
Tinha especial capacidade para elevar, mesmo de forma natural, o ambiente em
que estava.
Sua inteligência era universal, cintilante, dotada de
uma grande firmeza de princípios. Amava a História e tinha grande admiração
pela Idade Média.
Um grande senso estético, não só para obras de arte,
mas também para os objetos do quotidiano.
Forte ação de presença. Fino e jovial, calmo e
eloqüente, sabia se fazer respeitar e, ao mesmo tempo, cativar.
_________________________
Os católicos estão felizes sob Fidel, diz
Mons. Casaroli
Desde sua mocidade, o Prof. Plinio havia combatido a
política da mão estendida, lançada pelos socialistas franceses. Estes
pretendiam que a Igreja, protetora natural dos pobres e oprimidos, deveria
cooperar com os partidos comunistas, na pretensa luta contra a miséria.
Ocorreu uma divisão entre os católicos, que até hoje
permanece. Alguns continuaram firmes na antiga posição antiesquerdista; outros
apertaram a mão que lhes era estendida, relativizando a oposição à seita
coletivista. Entre essas duas correntes, a maioria católica, perplexa, via
atenuar-se gradualmente a oposição ao comunismo.
Em 1974, no Pontificado de Paulo VI, um fato novo
agravou a situação. Mons. Agostino Casaroli, secretário do Conselho para os
Assuntos Públicos do Vaticano, adotava uma política de entendimento com o
comunismo. O Cardeal Mindszenty, Primaz da Hungria e herói da resistência
anticomunista, foi destituído pela Santa Sé da Arquidiocese de Esztergom, a fim
de facilitar a aproximação com o governo comunista húngaro.
Por ocasião de uma viagem a Cuba, Mons. Casaroli havia
afirmado que “os católicos que vivem em Cuba estão felizes sob o regime
comunista”, e que “os católicos e, em geral, o povo cubano, não têm a mais
mínima dificuldade com o governo socialista”.
Poucos dias depois, em 10 de abril de 1974, a “Folha
de S. Paulo”, jornal de maior tiragem da capital paulista, publicava, como
matéria paga, uma ampla declaração das TFPs, de autoria do Prof. Plinio. Seu
título: A política de distensão do Vaticano com os governos comunistas –
Para a TFP: omitir-se? ou resistir?
Nesse documento, as TFPs externam sua obediência
irrestrita à Igreja e ao Papado, nos termos preceituados pelo Direito Canônico,
e dizem ao Pastor dos Pastores: “Nossa alma é Vossa, nossa vida é Vossa.
Mandai-nos o que quiserdes. Só não nos mandeis que cruzemos os braços diante do
lobo vermelho que investe. A isto nossa consciência se opõe”.(14)
As TFPs afirmavam o direito e o dever de resistir à
orientação diplomática do Vaticano, na medida em que esta discrepe da
orientação tradicionalmente adotada pela própria Igreja em relação ao
comunismo. Essa resistência se haveria de fazer no espírito em que São Paulo
“resistiu em face” a São Pedro (cfr. Gal. 2,11).
O acatamento à hierarquia eclesiástica, que o
catecismo e a mesma Fé nos impõem, não é incondicional; ele certamente possui
limites, como afirmam todos os teólogos e a própria doutrina da Igreja. Donde
ser lícita uma atitude de “resistência”: “uma resistência que não é separação,
não é revolta, não é acrimônia, não é irreverência. Pelo contrário, é
fidelidade, é união, é amor, é submissão”.
A Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé —
presidida pelo então Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI — publicou,
posteriormente, a Instrução sobre alguns aspectos da teologia da libertação,
que definia o marxismo como uma vergonha do nosso tempo. Roberto de Mattei observa
que o documento “parecia dar razão à declaração de ‘resistência’ da TFP e dos
católicos anticomunistas de todo o mundo à Ostpolitik”.(15)
_________________________
“Uma hora de conversa vale mais que cinqüenta
cartas”
“Conversava com prazer sobre tudo o que tivesse
relação com o mundo cultural ou com questões ideológicas. Suas conversas — com
muitas metáforas, ditos de espírito e análises de pessoas, comparações
surpreendentes entremeadas de grandes explicitações, mas também, ao mesmo
tempo, com características caseiras e despretensiosas — sempre foram
consideradas interessantes e agradáveis até por pessoas hostis a seu
pensamento, interessantes e entretidas. Um beneditino alemão que ia
freqüentemente ao seu escritório de advocacia para tratar de assuntos da Ordem
me confidenciou que discordava de quase tudo o que ele dizia, mas julgava sua
conversa de tal modo interessante, que nunca perderia a oportunidade de estar
com ele. Foi sempre um ótimo ouvinte.
“Costumava dizer: ‘A gente conversa sobre o que o outro
quer, não sobre o que a gente quer’. Atento, paciente e benquerente para com os
tímidos, como que mergulhava no mundo dos pensamentos daqueles com quem
conversava”.
Seu primo Adolpho Lindenberg, autor das palavras
acima, afirma que a conversa foi o ponto forte de seu apostolado. E tem toda
razão. “Uma hora de conversa vale mais que cinqüenta cartas”, dizia Madame de
Sévigné, famosa precisamente por suas magníficas missivas...(16)
(Cfr. Plinio Corrêa de Oliveira – dez anos depois)
_________________________
Profunda vinculação à Santíssima Virgem
“A Rússia espalhará seus erros pelo mundo”, disse
Nossa Senhora em Fátima. É impossível não lembrar estas palavras no contexto do
que estamos tratando.
Foi com emoção que o Prof. Plinio viu, em 1972, uma
foto da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima em prantos. Ela vertera
lágrimas na cidade — hoje tão famosa devido ao furacão Katrina — de Nova
Orleans (EUA), e a imprensa diária divulgara instantâneos daquela lacrimação
(milagroso aviso não correspondido).
Ele formou o propósito de não medir esforços para que
a imagem viesse em peregrinação ao Brasil. O que realmente ocorreu, no ano
seguinte.
Daí se originou um vínculo todo especial com Nossa
Senhora de Fátima, que prometera ao mundo o triunfo de seu Coração Imaculado. A
verdadeira imagem ou fiéis réplicas dela, executadas pelos artesãos de seu
Grupo, visitam paróquias e casas particulares em todo o Globo.
O Prof. Plinio assim comenta Fátima:
“O Império Romano do Ocidente se encerrou com um
cataclisma iluminado e analisado pelo gênio daquele grande Doutor que foi Santo
Agostinho. O crepúsculo da Idade Média foi previsto por um grande profeta, São
Vicente Ferrer. A Revolução Francesa, que assinala o fim da Idade Moderna, foi
prevista por outro grande profeta, e ao mesmo tempo grande Doutor, São Luís
Maria Grignion de Montfort. A Idade Contemporânea [...] tem um privilégio
maior. Nossa Senhora mesma veio falar aos homens”.(17)
— III —
O APOGEU, NOS ÚLTIMOS 20 ANOS
“Quando a desgraça chega, abre o portal”, diz um
provérbio russo. Ou seja, as desgraças nunca vêm sozinhas: uma chama outra.
Assim foi no ano de 1975.
Na estrada entre as cidades de Jundiaí e Itatiba, no
Estado de São Paulo, um homem está estirado no asfalto. Ali perto, quatro veículos
violentamente batidos. Procura-se ajuda para levar a vítima a um hospital. O
dono de um carro diz que não deseja manchar seu estofamento com sangue. Outro é
mais explícito: este homem vai morrer, não adianta fazer nada.
Tratava-se de Plinio Corrêa de Oliveira. Vítima de um
acidente automobilístico, com várias fraturas, é recolhido a um hospital. E
dois dias depois começava a seqüência de operações.
Ele está liquidado, diziam seus adversários. E uma
revista de grande tiragem chegou mesmo a demonstrar certo regozijo.
Lembro-me de sua fisionomia pouco antes da primeira
cirurgia. Deitado de costas em uma cama hospitalar, a barba por fazer, o olhar
grave e decidido, parecia um guerreiro medieval.
Pouco tempo depois, os enfermeiros o vêm buscar, numa
maca, para levá-lo à sala de operações. Na porta do elevador, vê um jovem
discípulo um tanto abatido: — Então, quinta-feira faremos nossa reunião? ––
Diz, para o animar.
Mais uma cirurgia, e o Prof. Plinio pôde ir para casa,
mas — nova provação — o ortopedista prescreve a imobilidade. Uma cama especial,
vinda do hospital, parece um instrumento de tortura: no alto, uma espécie de
viga, com uma roldana de onde pende um peso, tracionando sua perna mediante um
cabo de aço, por 60 dias.
Dirigindo uma campanha no leito de dor
Nesta situação, ele toma conhecimento de uma ofensiva
divorcista contra a família brasileira. Há quem julgue que os promotores tenham
querido tirar proveito da sua ausência forçada. Pensavam então que teriam o
caminho livre.
E se enganaram. Ainda imóvel em sua cama, ele montou
uma campanha. Gravou até mesmo a entonação conveniente para os slogans que os
jovens bradariam.
Ele poderia ter dito: “Vou cuidar disto quando me
restabelecer”. Não! A campanha foi à rua e constituiu um sucesso. Devido à mobilização
da opinião pública, a ofensiva antifamília naquela ocasião foi derrotada no
Congresso Nacional.
Enfrentando um “estrondo publicitário”
Ainda todo fraturado, sem condições de atender ao
telefone nem de fazer as refeições sem ajuda, pelo portal largamente aberto
entraram novas desgraças. Iniciou-se em todo território nacional um possante
estrondo publicitário promovido pela esquerda, visando o fechamento da TFP.
Durante oito meses — oito longos meses de convalescença — 1.923 ataques foram
publicados na imprensa. Extenso manifesto, intitulado A TFP em legítima defesa,
reduziu a pó os argumentos adversários.(18)
Realmente, foram muitos e graves os infortúnios em
1975. Deles, aliás, só estamos narrando a linha geral; há detalhes pungentes.
No entanto, algo brilha especialmente nesse acidente e nos acontecimentos que
se lhe seguiram.
Naquela situação ninguém estranharia se o Prof. Plinio
se aposentasse ou diminuísse seu ardor combativo: estava com 66 anos, em
condições precárias de locomoção. Mas não teve um momento de hesitação:
retornou à luta, com decisão. E a retomou como um gigante, com requintes de
combatividade e acerto.
“É nos grandes perigos que se revela a grande
coragem”, diz um provérbio. Foi na hora de mais essa adversidade que se revelou
melhor o ânimo, a têmpera, a fibra, a garra de Plinio Corrêa de Oliveira
enquanto verdadeiro guerreiro.
Tinha 20 anos de vida pela frente. Para quem sabe ver,
com certeza foram os mais belos de sua existência. Pois, além de terem sido os
mais frutíferos — pois sua ação se internacionalizou —, foram os mais árduos e
aqueles em que ele exerceu mais notavelmente sua inquebrantável combatividade.
O guerreiro está de volta ao campo de batalha
Se o ano de 1975 foi crucial para o Prof. Plinio, o
foi também para a situação internacional. Os Estados Unidos passavam pela
humilhação de ver os comunistas tomarem o controle do Vietnã, Laos e Cambodge.
Os vermelhos disputavam o poder em Portugal e na Espanha, instalavam-se em
Angola e Moçambique. No Líbano, começou sangrenta guerra civil.
Pior do que tudo isso foi o que se deu no campo da
psicologia humana. Diante da multiplicação das catástrofes e ruínas morais e
materiais, o homem de hoje passa por um processo de como que desistência de
pensar — uma espécie de perda da luz da razão. As coisas não significam mais
nada. Os acontecimentos parecem cada vez mais absurdos e sem razão. Um
jornalista disse tudo em uma frase concisa: quem não está confuso, é porque
está mal informado...
Assim sendo, além dos inimigos visíveis, a Civilização
Cristã se depara com um inimigo embuçado: o caos. Daí por diante, este será um
componente obrigatório na análise que faz de todas as situações.
Além disto, setores autoproclamados católicos
inclinavam-se cada vez mais para o esquerdismo, para o comunismo e a subversão.
Que um bispo e todo um setor da Igreja tomem atitudes comunistas, é sem dúvida
um aspecto do caos na Igreja. D. Pedro Casaldáliga publicara poesias
escandalosamente pró-comunistas.
O Prof. Plinio se pôs a campo, e publicou em junho de
1976 A Igreja ante a escalada da ameaça comunista – Apelo aos Bispos
Silenciosos, vigoroso brado de alerta contra a infiltração vermelha na
Igreja, uma luz para iluminar em meio ao caos.
O cenário eminentemente urbano do Viaduto do Chá
presenciou também campanhas sobre temas não citadinos. Uma delas foi sobre o
indigenismo, em 1977, com a difusão da obra de Dr. Plinio Tribalismo indígena,
ideal comuno-missionário para o Brasil do século XXI: o título já resume a
denúncia que contém.
*
* *
“Sou católico, posso ser contra a Reforma Agrária?” ––
Este era o título de outro livro. Batia no ponto-chave da questão. E a resposta
era positiva: posso e devo ser contra a reforma agrária.
O problema agrário, sempre quente no Brasil, ensejou
várias campanhas, baseada em seus livros geralmente apoiados em uma nutrida
parte econômica, a cargo do mestre pela Universidade da Califórnia, Carlos
Patrício del Campo.
_________________________
Um “expert” em fisionomias
Não longe da sede do Grupo do Plinio havia uma igreja
junto à qual se arrimavam alguns mendigos, geralmente bêbados. O Prof. Plinio
gostava de observá-los, “porque percebia no fundo dos olhos deles uma centelha.
E essa centelha da alma humana no fundo do lodo e da sujeira continha um
particular elemento de realce”.(19)
“O homem contemporâneo não sabe entender a beleza de
uma alma. Não sabe entender quão bela é qualquer alma, a alma do último
maltrapilho que se encontra bêbado na rua”.(20)
Ele possuía um grande senso psicológico, e num relance
via as potencialidades das pessoas que encontrava, mesmo as mais simples, tanto
para o bem como para o mal. Dizia: “O conhecimento das fisionomias é a mais
alta forma de cognição que o homem pode ter na Terra”.
_________________________
Autogestão, esperança das esquerdas em pane
A atuação de Plinio Corrêa de Oliveira foi ganhando
força e tendendo para a cena internacional, na qual, mediante vários golpes de
mestre contra a esquerda global, se firmou sobretudo a partir de 1981.
Nesse ano, o presidente francês François Mitterrand,
com grande apoio midiático, tentou colocar em moda em âmbito mundial um novo
paradigma: o socialismo autogestionário.
Pela autogestão, queria transformar a sociedade em um
conjunto de corpúsculos, simples e primitivos, nos quais tudo seria comum:
bens, trabalhos, frutos, quiçá também as famílias.
Examinando essa situação, o Prof. Plinio fez publicar
nos principais jornais do mundo o famoso encarte de seis páginas, que leva o
título: O socialismo autogestionário: em vista do comunismo, barreira ou
cabeça-de-ponte? Prova que o socialismo autogestionário, que se apresentava
como uma alternativa para o comunismo, de fato não passava de uma posição
avançada que daria sustentação a ele.
Como critério de análise, toma o ensinamento do
Magistério tradicional da Igreja, do qual cita os textos pertinentes. Todas as
afirmações e comentários se baseiam em textos do próprio Partido Socialista
Francês.
A denúncia foi publicada nos principais jornais de 52
países dos cinco continentes, com tiragem total de nada menos que 33,5 milhões
de exemplares, e uma repercussão internacional retumbante.
As reações iniciais do governo e do PSF foram
intensas. A linha de conduta adotada foi a de se esquivar sistematicamente à
análise do texto-denúncia. Uma das fontes do Ministério das Relações Exteriores
chegou mesmo a declarar que “neste gênero de situações, [...] sempre é mais
conveniente não dizer nada”.(22)
O “International Herald Tribune” descreveu a reação do
governo socialista francês: “Em Paris, fontes governamentais autorizadas
disseram que não estavam preparadas para responder a esta publicação, mas que
elas a estavam estudando. Absolutamente não há pânico”.(23)
Com pânico ou sem pânico, o fato é que o esquerdismo
“clássico” estava jogando uma grande cartada — talvez a última — no mundo. Essa
cartada fracassou, pois o governo Mitterrand recuou.
A Mensagem foi publicada em 19 países, mas não na
França de Mitterrand, por óbvia pressão do governo socialista sobre a mídia. Em
conseqüência, as TFPs divulgaram em todo mundo um comunicado redigido pelo
Prof. Plinio, intitulado “Na França, o punho estrangulando a rosa”. A
repercussão dele foi intensa.
Nas eleições de 1982, a opinião pública francesa
rejeitou a autogestão socialista. E ela foi arquivada. A História do mundo
seria outra, se o novo paradigma autogestionário tivesse se firmado e difundido
por todo mundo, como estava nos planos.
_________________________
“Pessimólogo”
Era o lançamento de uma campanha no Viaduto do Chá. O
Prof. Plinio deu início aos trabalhos. Os jovens se dirigiram para os locais
pré-fixados, e a campanha começou. Ele ficou no local por alguns instantes com
um grupo pequeno, analisando com olhar aparentemente distraído o público que
passava. A horas tantas, disse: esta campanha não vai ser como a do ano
passado. Os transeuntes estão diferentes, a opinião pública está mudada. Vai
ser um trabalho difícil.
E ocorreu exatamente como ele tinha dito. Um máximo de
acerto com um mínimo de dados ou indícios.
Ele dizia que não era nem otimista, nem pessimista,
mas “pessimólogo”, ou seja, um homem consciente de que o péssimo, em nossos
dias, acontece com relativa freqüência. A “pessimologia” sempre o ajudou a ser
um homem realista de ação eficiente.
Para dar outro exemplo, a humanidade ainda considera
com espanto o atentado que em 2001 destruiu totalmente as torres gêmeas do
World Trade Center, em Nova York. Oito anos antes, quando uma bomba muito menos
possante foi colocada no mesmo local, matando seis pessoas, ele comentou: “No
fundo, é uma mensagem aos EUA: Entendam que vocês podem ser atingidos por esse
processo. E que isso acontecerá a qualquer momento”. Externava uma preocupação:
quem sabe se dentro de algum tempo “não vem a mesma mão criminosa e repete o
mesmo atentado”.(21)
Infelizmente, sua preocupação era fundada. A
"pessimologia" acertou.
_________________________
Estimulando a católica Espanha
A campanha contra o socialismo autogestionário era uma
prova de que o Prof. Plinio muito apreciava a França –– “este sonho que põe o
mundo a sonhar” –– e as diversas nações européias, e por isso queria vê-las
livres do socialismo. Como grande admirador de tudo o que é saudavelmente
típico, apreciava muito as diversidades entre os povos e sabia valorizar com
admiração e amor todas as nações.
Por esta e outras razões, ele tinha grandes restrições
a um europeísmo muito em voga em nossos dias, e o criticava: “Querem fazer dos
países que outrora constituíam a Cristandade cadáveres de nações jogadas na
vala comum da Federação Européia”.
Especialmente querida era a católica Espanha.
Observava que, se nela “o fervor se apagasse, a Espanha se apagaria da lista
das nações”. Por isto inspirou e incentivou vivamente uma Comissão de Estudos
de TFP-Covadonga, a qual em 1988 preparou e lançou com sucesso o livro “España
– anestesiada sin percibirlo, amordazada sin quererlo, extraviada sin saberlo –
la obra del PSOE” (Partido Socialista Espanhol). Mostrava que, na década de 30,
enfrentavam-se na Espanha uma posição católica militante e um anticlericalismo
furibundo. Poucas décadas depois, passou a reinar um estado de apatia
generalizada, que tornou possível a revolução socialista. O livro analisava com
maestria como ocorreu essa surpreendente transformação.
Nos EUA, “o estranho direito de insultar a
pátria”
Em Revolução e Contra-Revolução, Plinio Corrêa
de Oliveira insiste na manutenção de todas as sadias características locais em
qualquer terreno, na cultura, nos costumes, etc., e portanto defende o
patriotismo, embora sem “o caráter de depreciação sistemática do que é de
outros, nem de adoração dos valores pátrios como se fossem desligados do grande
acervo da civilização cristã”.(24)
Por isso, acompanhou com indignação o noticiário da
atitude de Gregory Johnson, que queimara publicamente uma bandeira americana no
Texas. Inicialmente ele estimulou e depois aplaudiu a atitude da TFP
norte-americana que, em plena Quinta Avenida, em Nova York, e em todo o
território norte-americano, coletou assinaturas pedindo a proibição legal da
queima da bandeira nacional (1989).
O texto indaga: “É eqüitativo, é lícito, é digno que
um cidadão aqui nascido a odeie? É lícito que a insulte? Que a destrua? Tem
nosso país o direito de se deixar conspurcar de tal maneira em seus símbolos e
suas honras? Entre as liberdades constitucionais norte-americanas está a de
esbofetear os símbolos da Nação?”.
Se estivesse vivo, ele se agradaria sabendo que em
2001, após o lutuoso atentado às torres gêmeas, houve um verdadeiro festival de
incontáveis bandeiras americanas ondulando por toda parte, à janela das casas
particulares, no alto dos prédios, na antena dos carros e até no alto dos
guindastes. Os Estados Unidos tinham mudado, e para melhor.
Ele saudava com freqüência o acerto e o amplo
progresso da TFP americana: "É uma verdadeira razão de contentamento,
pois, de todos os países, excetuando o Brasil, aquele em que a TFP mais se
desenvolveu foram inegavelmente os EUA. Não foi a Espanha heróica, não foi o Portugal
querido, nem a França incomparável, nem a queridíssima Alemanha, nem a
veneradíssima Áustria, nem a Itália, mas foram os EUA. Isto é uma graça muito
grande”.(25)
_________________________
Um movimento formado por filhos
Numa visita ao Congresso Nacional, em Brasília, em
torno de uma mesa estão o Prof. Plinio, elementos de seu Grupo e alguns
políticos de grande destaque. Sorrindo, ele interpelou seus seguidores, pedindo
que dissessem se alguma vez lhes tinha prometido carreira, cargos ou dinheiro.
A resposta, também sorridente, foi enfática e negativa, o que encheu os
políticos de espanto... quem sabe até de inveja!
Mas se não era carreira, cargos ou dinheiro, então o
que levava muitos jovens a dedicar-se full-time ao Grupo do Plinio? A remar
contra a correnteza? A ir às ruas em campanha, sob o sol escaldante, com o
risco de serem agredidos? Qual era a fonte de seu desejo de atuar, sem promessa
de carreira, cargos ou dinheiro? Não abordar este tema, seria deixar uma lacuna
na presente exposição.
De um lado, havia a ação da graça. Basta lembrar que,
de ordinário, no Grupo do Plinio todos se consagram a Nossa Senhora, segundo o
método de São Luís Maria Grignion de Montfort. Como líder católico, congregado
mariano e terceiro carmelita, durante toda sua vida ele rezou o rosário
diariamente; praticou e propagou as principais devoções a Nossa Senhora.
Entretanto havia outro elemento: em relação aos seus
seguidores ele era um pai. E sem espírito filial não se pode entender certo
tipo de zelo.
É conhecido um fato ocorrido após a batalha de
Aljubarrota (1385). Alguém perguntou a um soldado como tinha sido possível a 7
mil portugueses vencer as forças inimigas, de 35 mil homens. Ele respondeu:
“Nosso rei venceu, porque seu exército não é de soldados, mas de filhos”.
Essa resposta, com as devidas adaptações, esclarece
bem a questão. O “exército” de Plinio é um “exército” de filhos.
_________________________
Face às ruínas do Muro de Berlim
O mundo assistiu aliviado à queda do Muro da Vergonha.
O movimento comunista internacional passou por uma espécie de terremoto. O
acontecimento representava uma ocasião propícia para uma reflexão em
profundidade sobre a curva da História. Além disso, os culpados deveriam ser
responsabilizados.
Com esse intuito, Plinio Corrêa de Oliveira lançou o
manifesto Comunismo e anticomunismo na orla da última década deste milênio. Foi
publicado no jornal de maior tiragem dos Estados Unidos, “The Wall Street
Journal” (27-2-90), no “Corriere della Sera” de Milão (7-3-90), em “O Dia” de
Lisboa, e numerosos jornais da América do Sul.
Ele interpela os dirigentes dos PCs disseminados pelo
mundo livre e pergunta se nada tinham visto, no constante contato que
mantiveram com Moscou. E, “se conheciam o trágico fracasso do comunismo, por
que o queriam para suas pátrias?”.
O maior abaixo-assinado da História
Outro golpe de mestre foi a campanha pela
independência da Lituânia.
Em 1989, sete anos após o “arquivamento” do socialismo
autogestionário e depois de ruir o Muro da Vergonha, restava ainda sinistra,
cinzenta, ameaçadora, uma realidade chamada União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS).
A insurreição pioneira da pequena Lituânia foi o
estopim da explosão que fragmentou o grande império vermelho, fato reconhecido
universalmente. Disse-o, por exemplo, o britânico Eric Hobsbawm, tido como um
dos mais famosos historiadores de nosso tempo: “A Lituânia testou as águas [do
secessionismo dos países da então URSS] com uma provocativa declaração de
independência total em março de 1990”.(26)
Plinio Corrêa de Oliveira lançou um abaixo-assinado
internacional apoiando a Lituânia, que atingiu mais de 5 milhões de
assinaturas: o maior até aquela época, o que foi devidamente atestado pelo
livro internacional dos recordes, o Guiness Book.
Assim começou o fim da URSS e assim se cumpriu uma
previsão feita em 1969: “Não me farto de insistir sobre a insensibilidade da
opinião pública à propaganda comunista. De Marx a nossos dias, os comunistas só
conquistaram o poder e só se mantiveram nele pela força. Jamais pela persuasão.
Quanto mais estendem seu poder, tanto mais se lhes torna difícil manter sob
jugo o crescente número de suas vítimas. Um colosso assim estruturado tem
evidentemente pés de barro. E, quanto mais cresce, mais está prestes a
cair”.(27)
Dissolvida a URSS, ele não se deixou levar por um
otimismo sem fundamento, e declarou: “No meu modo de ver, o comunismo está
simplesmente numa fase de metamorfose”. E, como que vendo no horizonte as
manobras ditatoriais de Putin e da China, acrescentou: “Estou persuadido de que,
se realmente o comunismo continuar sobrevivendo por meio da presente
metamorfose, notar-se-á, dentro de não muito tempo, que é o mesmo comunismo,
igual ao que sempre foi”.(28)
A nobreza, as elites análogas e o futuro
Mas seu programa de ação não se limitava ao combate ao
comunismo. Ele desejava ardentemente a implantação sobre a Terra de uma
Civilização Cristã.
Em 1992, três anos antes de sua morte, realizou um
desígnio que tinha desde os anos 50: publicar um trabalho sobre o papel da
aristocracia e da nobreza na sociedade. A magistral obra recebeu o título Nobreza
e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à
Nobreza romana. Foi traduzida para o inglês, o francês (duas edições), o
italiano e o espanhol.
Analisa a formação da nobreza medieval e pós-medieval,
e conceitua o papel das elites tradicionais análogas inclusive nos dias de
hoje. Através do exercício da liderança, se destilam naturalmente as elites e,
numa etapa posterior, a nobreza. Os erros do igualitarismo, em sentido
contrário, geraram a sociedade massificada de hoje.
_________________________
A plenitude refletida em um homem
Ao terminar esta leitura, é possível que fique a
sensação confusa de ter lido, não traços de uma biografia, mas de várias:
afinal de contas, Plinio Corrêa de Oliveira foi um pensador ou um homem de
ação? Um ideólogo ou um mestre em propaganda? Um lutador ou um sofredor? Um
paciente ou um inconforme? Um juiz ou um pai? Um polemista ou um apóstolo da
bondade? Um “pessimólogo” ou um entusiasta? Um espírito ardoroso ou um homem
calmo? E assim por diante.
Para se retratar a realidade, seria preciso constatar:
ele somava todos esses perfis.
Compreendeu-o o conhecido publicista católico e
historiador polonês Prof. Jacek Bartyzel, que afirma: “Plinio Corrêa de
Oliveira foi um homem completo, apóstolo da Contra-Revolução, em cuja alma
havia a gravidade de São Pedro, a sabedoria de São Paulo, a visão de São João,
o intelecto do Doutor Angélico, a doçura do Doutor Seráfico, o místico ardor do
Doutor Melífluo. E nisto exatamente consistia a excepcionalidade desse
extraordinário batalhador da Ecclesia Militans”.(29)
Estas características conferem à alma de Plinio Corrêa
de Oliveira algo de irredutível ao convencional e corrente.
Curiosamente, a própria etimologia do nome Plinio
indica esta característica. Assim como o nome Inácio vem do termo latino ignis,
fogo, Plinio deriva de plenus, ou seja, pleno, completo, inteiro.
_________________________
Ele vê com bons olhos o aparecimento de novas elites:
“A existência das elites aristocráticas, em lugar de
excluir ciumentamente, tacanhamente, o florescimento pleno de outras elites,
pelo contrário, serve-lhes de padrão para fecundas analogias, e de estímulo
para fraternos aprimoramentos”.(30)
Desejava escrever um livro sobre o povo, simétrico ao
que escreveu sobre a nobreza, mas a morte o colheu antes. Nessa obra,
discorreria sobre a sociedade orgânica, ou seja, uma sociedade toda ela
inspirada na Lei natural, nem totalitária, nem liberal nem igualitária.
É provável que discorresse sobre a Civilização Cristã
e o idealismo cristão, que proporcionam o pleno florescimento das classes
populares. Idealismo que é desinteresse, entusiasmo, generosidade, coragem,
qualidades que podem florescer em todas as classes sociais, e que caracterizam
a nobreza de alma.
Nobreza e elites tradicionais análogas recebeu o
aplauso de quatro Cardeais: Mário Luigi Ciappi, Sílvio Oddi, Alfons Maria
Stickler e Bernardino Echeverría Ruiz.
Nos Estados Unidos, o livro foi apresentado em Washington,
no Hotel Mayflower, perante um público de 850 pessoas. Retumbantes lançamentos
se sucederam na Itália, França, Espanha e Portugal.
Em Roma, repercutiu vivamente na imprensa. O jornal
comunista "L’Unità", da Itália, entrevistou a Princesa Elvina Pallavicini:
A Princesa: “A única salvação é o retorno aos valores
verdadeiros”.
"L’Unità": “E quais seriam estes, Princesa?”
A Princesa: “Tradição, Família e Propriedade,
naturalmente”.(31)
Uma promessa, uma esperança, uma missão
póstuma
O ilustre brasileiro foi chamado por Deus a 3 de
outubro de 1995, tendo recebido os sacramentos da Igreja e a bênção papal.
Como já foi afirmado acima, o Cardeal Bernardino
Echeverría Ruiz observou que a vida de Plinio Corrêa de Oliveira “nos convida a
refletir sobre o fato de que, quanto mais intensos são os males de uma época,
tanto mais notáveis são as figuras que a Divina Providência chama para os
combater, pois seu desígnio é debelar as crises suscitando almas de fogo”.(32)
Desapareceram os intensos males de nossa época, de que
fala o Cardeal Echeverría? Vai desaparecer a ação pliniana contra tais males?
Muitas respostas podem ser dadas. Mas prefiro um
critério mais seguro, meramente descritivo.
* Antes de tudo, é preciso notar que o antiplinianismo
difundido por certa esquerda continua. Há um preconceito, uma prevenção contra
o Prof. Plinio, que não esquece sua integridade, não perdoa e não transige. Se
ainda existe o antiplinianismo, é porque – não há como escapar – a irradiação
pliniana também continua.
* Outro fato é a presença do livro Revolução e
Contra-Revolução, com sua análise profética do nosso tempo. O diagnóstico
contido em Revolução e Contra-Revolução vai se revelando cada vez mais
atual, com o passar do tempo. A onda conservadora que hoje ganha o mundo pede
apreciações objetivas, e é o que na obra sobeja.
Um diagnóstico acertado dura enquanto permanece a
doença. Este princípio confere um brilho cada vez maior a Revolução e
Contra-Revolução. Nele há um diagnóstico impecável da imensa crise que
abalou a Igreja e as nações no nosso tempo. É por isso que o teólogo Padre
Anastásio Gutiérrez o qualificou de profético. Se a crise permanece, Revolução
e Contra-Revolução também permanece, como que de pé diante dela. E com o
livro, a figura de seu autor.
* Ao lado do ensinamento, permanece o exemplo pessoal
de seu autor: seu espírito de luta – sempre elevado e cordial, cheio de fé e
coragem – fazendo lembrar a antiga cavalaria. E o exemplo é outra forma de
ação.
* Sempre ativa, se expande continuamente a família das
associações co-irmãs e autônomas da Associação dos Fundadores da TFP – Tradição
Família Propriedade, da qual o Prof. Plinio é inspirador e mentor intelectual.
Essa família hoje se estende por muitos países. Além de atuar vigorosamente no
sentido contra-revolucionário, sua simples presença edifica os que lutam contra
os erros modernos, e ao mesmo tempo causa incômodo à Revolução universal. Como
dizia o conhecido especialista em sociologia e propaganda política Jean-Marie Domenach,
“não há melhor agente de propaganda que uma comunidade de homens vivendo dos
mesmos princípios em uma atmosfera de fraternidade”. Ora, tal família de
associações é um prolongamento da presença de Plinio Corrêa de Oliveira.
* Os homens contemporâneos estão saturados de
problemas, inquietos, cansados, desencantados, à procura de algo que não sabem
exprimir. Deveriam ser ainda muito mais numerosos os que conhecem Plinio Corrêa
de Oliveira e sua obra. Mas ele foi, como sumariamente se mostrou, a melhor
expressão desse algo tão desejado: por sua vida, seu ensinamento, sua ação, seu
espírito. Ninguém sabe o que poderá ocorrer quando se der o encontro bendito
das populações, que procuram algo, com este mesmo algo que alguém lhes oferece.
* No entanto, o principal não é palpável nem
mensurável. "Legenda" e "mito" são palavras escorregadias,
pois têm vários significados e podem indicar meros produtos da fantasia. Mas,
tomadas essas palavras em seu sentido legítimo, pode-se dizer que Plinio Corrêa
de Oliveira é hoje um mito, uma legenda. E uma legenda carregada de esperança.
Ele continua presente.
E A VITÓRIA?
E a vitória? Nossa Senhora a prometeu, quando disse:
“Por fim, meu Imaculado Coração triunfará”. Lembro-me de que o Prof. Plinio
terminou um discurso com esta frase, acrescentando: “E triunfará mesmo!”
“The song is out” –– a canção da modernidade chega a
seu fim. Cada vez mais pessoas percebem que essa toada fez seu tempo. Com muito
acerto, até a chamada “vanguarda” reconhece hoje o que chama de “decadência do
futuro”: “O futuro está doente”, diz Edgar Morin. E um cantor popular
brasileiro complementa, com espírito: “O futuro não é mais como antigamente...”
Ao mesmo tempo, os tons graves, suaves, nobres do
cântico novo de Plinio Corrêa de Oliveira pairam sobre o Brasil e o mundo de
hoje, e nos dizem algo sobre o triunfo de Nossa Senhora.
Ela “triunfará mesmo!”
E-mail do autor: leodaniele@catolicismo.com.br
*
* *
____________
Notas:
1. Foi divulgado o ensaio A liberdade da Igreja no Estado comunista, de
que falaremos adiante.
2. Tinham 4,5 m. e seu mastro 6 m.
3. “Tribuna da Imprensa”, Rio de Janeiro, 26-7-1969.
4. “Folha de S. Paulo” (doravante FSP), 15-2-1969.
5. Eloi de Magalhães Taveiro, Para evitar as prescrições da História,
Catolicismo, n° 270, junho/1973.
6. Parecer emitido em 8-9-1993.
7. Serviço de Documentação da TFP, Um Homem, uma Obra, uma Gesta, Ed.
Brasil de Amanhã, São Paulo, 1989, p. 239.
8. O Cruzado do Século XX (doravante CSV), Ed. Civilização, Porto, 1997,
p. 278.
9. Republicado com o título: Acordo com o regime comunista: para a
Igreja, esperança ou autodemolição?
10. Plinio Corrêa de Oliveira: apóstolo insigne, polemista fogoso e
intrépido, in Catolicismo, n° 542, fevereiro/1996.
11. Parecer emitido em 8-9-1993.
12. Revolução e Contra-Revolução, I, V.
13. Cfr. do Prof.
Plinio Una Dichiarazione, in “Madre dei Buon Consiglio”, Genazzano,
julho-agosto de 1985, p. 28.
14. FSP, 10-4-1974.
15. CSV, p. 299.
16. Carta a Pierre Linet, 25-3-1649.
17. Plinio Corrêa de Oliveira, prefácio à obra de Antonio Augusto
Borelli Machado, As aparições e a mensagem de Fátima conforme os manuscritos da
Irmã Lúcia.
18. FSP, 21-29-30/5/1975.
19. A Sede de Almas, CIRC. VII, nº 5.
20. Idem, CIRC. VII, nº 5.
21. 3-7-1992.
22. "Jeune Afrique", Paris, 3-3-1982.
23. 11-12-1981.
24. II, XI, 3.
25. Reunião para uma comissão de estudos sobre assuntos americanos, p.
114.
26. Era dos Extremos. Companhia das Letras, São Paulo, 1998, p. 476.
27. FSP, 10-9-1969.
28. “Expreso” (Guayaquil, Equador), 31-5-1992. Declaração análoga do
mesmo autor pode se encontrar no “Diario Las Americas” (Miami, US), 14-5-1992.
29. Introdução da tradução para o polonês da obra de Roberto de Mattei,
Plinio Corrêa de Oliveira O cruzado de século XX–.
30. P. 143.
31. Nobreza e elites tradicionais análogas, Civilização, Porto, 1993, p.
22.
32. Plinio Corrêa de Oliveira: apóstolo insigne, polemista fogoso e
intrépido, in Catolicismo, n° 542, fevereiro/1996.
33. Jean-Marie
Domenach, La Propagande Politique, PUF, Paris, 1973, p. 67.