Trata-se
do “Auto-retrato filosófico” que Plinio Corrêa de Oliveira preparou, numa
versão inicial em 1976, a pedido do Pe. Stanislas Ladusäns S.J. Tal
documento foi elaborado para ser incluído na Enciclopédia do Pensamento
Filosófico Brasileiro, em vários volumes, que esse sacerdote jesuíta
pretendia publicar.
Em 1989,
o mesmo Pe. Ladusäns solicitou a Plinio Corrêa de Oliveira atualizar seu
“auto-retrato filosófico”, pois o primeiro volume da enciclopédia já se
encontrava no prelo quando ele recebera a primeira versão.
Absorvido por numerosos outros trabalhos, o Fundador da TFP brasileira não
pôde fazer a dita atualização em vida do referido sacerdote, que faleceu em
1993.
Entretanto, estando em preparação, desde 1994, a coletânea de todos os
escritos do ilustre pensador católico, em vista da publicação de sua Opera
Omnia, os responsáveis pela edição solicitaram ao autor que procedesse à
desejada atualização de seu retrato filosófico, o que felizmente ocorreu em
fins daquele ano.
Plinio Corrêa de
Oliveira com a toga de catedrático da
Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo
Sou
tomista convicto [*]. O aspecto da Filosofia pelo qual mais me interesso é a
Filosofia da História. Em função desta encontro o ponto de junção entre os
dois gêneros de atividade em que me venho dividindo ao longo de minha vida:
o estudo e a ação.
[*] Nota da redação — É compreensível que o insigne pensador
e líder católico comece seu auto-retrato filosófico declarando-se convicto
seguidor de Santo Tomás de Aquino.
Na esteira dos elogios que vários antecessores seus no Sólio pontifício
teceram àquele luzeiro da Teologia e Filosofia, São Pio V proclamou-o
Doutor da Igreja Universal, afirmando que sua doutrina é “regra certíssima
de nossa fé”.
No
Concílio de Trento, a Suma Teológica do Doctor Communis (Doutor
Comum) “mereceu a honra singularíssima de ser colocada sobre o altar junto
com a Bíblia”.
Leão XIII cognominou-o “Príncipe dos Filósofos” e São Pio X declarou que a
doutrina tomista “é íntegra, incorrupta, fonte inesgotável em todo o
gênero de ciência”.
Esta
última, eu a tenho exercido num campo muito definido: a difusão doutrinária,
feita ora com o caráter de diálogo, ora — por mais que a noção e a palavra
pareçam anacrônicas, sinto todo o desembaraço ao fazer o presente depoimento
— também de polêmica.
O ensaio
em que condenso o essencial de meu pensamento explica o sentido de minha
atuação ideológica. Trata-se do livro
Revolução e Contra-Revolução .
Um dos
pressupostos desse ensaio é que, ao contrário do que pretendem tantos
filósofos e sociólogos, o curso da História não é traçado exclusiva ou
preponderantemente pelas injunções da matéria sobre o homem. Estas influem,
sem dúvida, no agir humano. Mas a direção da História pertence ao homem,
dotado que é de uma alma racional e livre. Em outros termos, é ele que,
atuando ora mais profundamente, ora menos, sobre as circunstâncias em que se
encontra, e recebendo também, em medida variável, as influências destas,
comunica aos acontecimentos o seu curso.
Ora, o
agir do homem se faz normalmente em função de suas concepções sobre o
universo, sobre si mesmo e sobre a vida. Isto importa em dizer que as
doutrinas religiosas e filosóficas dominam a História, e que o núcleo mais
dinâmico dos fatores de que resultam as grandes transformações históricas
está nas sucessivas atitudes do espírito humano perante a Religião e a
Filosofia.
Passo a
outro pressuposto de
Revolução e Contra-Revolução . Uma concepção católica da
História deve levar em toda conta o fato de que a Lei Antiga e a Lei Nova
contêm em si não só os preceitos segundo os quais o homem deve modelar sua
alma na imitação de Cristo, preparando-se desse modo para a visão beatífica,
como também as normas fundamentais do procedimento humano, conformes à ordem
natural das coisas.
Assim,
ao mesmo tempo que o homem se eleva na vida da graça, vai, pela prática da
virtude, elaborando uma cultura, uma ordem política, econômica e social, em
inteira consonância com os princípios básicos e perenes da lei natural e da
Lei de Deus. É o que se chama a civilização cristã.
É óbvio
que a boa disposição das coisas terrenas não se cifra exclusivamente a esses
princípios básicos e perenes, e comporta muito de contingente, transitório e
livre. A civilização cristã abrange uma incalculável variedade de aspectos e
matizes. É isto tão verdadeiro que, de certo ponto de vista, se pode até
falar em civilizações cristãs , e não apenas em civilização cristã
. Não obstante, dada a identidade dos princípios fundamentais inerentes a
todas as civilizações cristãs, a grande realidade que paira por cima de
todas elas é uma possante unidade que merece o nome de civilização cristã
por antonomásia. A unidade na variedade, e a variedade na unidade, são
elementos de perfeição. A civilização cristã continua una em toda a
variedade de suas realizações, de maneira a poder-se dizer que, no sentido
mais profundo da palavra, há uma só civilização cristã. Mas ela é tão
prodigiosamente vária em sua unidade que, com uma legítima liberdade de
expressão, se pode afirmar, sob certo ponto de vista, existirem várias
civilizações cristãs.
Dado
este esclarecimento — que aliás vale analogamente para o conceito de cultura
católica — observo que empregarei as expressões civilização cristã
e cultura cristã no seu sentido maior , que é o da
unidade.
Dispenso-me de fundamentar as asserções acima em textos de Santo Tomás ou do
Magistério da Igreja, pois são eles tão numerosos e tão do conhecimento dos
que com seriedade estudam esses assuntos, que o trabalho resultaria ao mesmo
tempo fastidioso e supérfluo. Esta observação vale também para mais algumas
considerações que se seguirão nesta primeira parte da presente exposição.
Em
função destes pressupostos é fácil definir o papel da Igreja e da
civilização cristã na História.
É certo
que, embora o homem possa conhecer com firme certeza e sem eiva de erro
aquilo que nas coisas divinas não é de per si inacessível à razão humana
[*], dado o pecado original é impossível ao homem praticar duravelmente a
Lei de Deus. É só por meio da graça que tal se lhe torna possível. Ainda
assim, para acautelar o homem contra sua própria maldade e sua própria
fraqueza, Jesus Cristo dotou a Igreja de um Magistério infalível, que lhe
ensinasse sem erro, não só as verdades religiosas, como também as verdades
morais necessárias à salvação.
A
adesão do homem ao Magistério da Igreja é fruto da Fé. Sem a Fé não pode o
homem praticar durável e integralmente os Mandamentos.
Daí
resulta que as nações só podem alcançar a civilização perfeita, que é a
civilização cristã, mediante a correspondência à graça e à Fé, o que inclui
um firme reconhecimento da Igreja Católica como única verdadeira, e do
Magistério eclesiástico como infalível.
Assim, o
ponto chave mais profundo e mais central da História consiste em que os
homens conheçam, professem e pratiquem a Fé católica.
Dizendo-o, não nego evidentemente que tenha havido civilizações não cristãs
de alto teor. Todas elas, entretanto, foram desfiguradas por estes ou
aqueles traços que destoaram chocantemente da própria elevação que sob
outros aspectos apresentavam. Basta recordar a enorme extensão da
escravatura e a condição vil imposta à mulher antes de Jesus Cristo. E
nenhuma civilização houve que apresentasse a perfeição excelsa inerente à
civilização cristã.
Igualmente não contesto que, em países de população prevalentemente
cismática ou herética, a civilização possa conter importantes traços de
tradição cristã. Entretanto, a plenitude da civilização cristã, só da Igreja
Católica pode florescer e só em povos católicos pode conservar-se
cabalmente.
Mas —
perguntará alguém — quando existiu historicamente essa civilização cristã
perfeita? Será a perfeição realizável nesta vida?
São Luis IX servindo os
pobres
A
resposta a estas perguntas chocará e irritará muitos leitores. Sem embargo,
devo afirmar que houve tempo no qual uma larga parte da humanidade conheceu
esse ideal de perfeição e para ele tendeu com fervor e sinceridade. Em
conseqüência dessa tendência das almas, os traços fundamentais da
civilização se tornaram tão cristãos quanto o permitiram as circunstâncias
de um mundo que se ia soerguendo da barbárie. Refiro-me à Idade Média, da
qual, a despeito desta ou daquela falha, Leão XIII escreveu com eloqüência:
“Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa
época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as
leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as
relações da sociedade civil. Então a Religião instituída por Jesus Cristo,
solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda
parte era florescente, graças ao favor dos Príncipes e à proteção legítima
dos Magistrados. Então o Sacerdócio e o Império estavam ligados entre si por
uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada
assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, cuja
memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos
que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer” [*].
[*] Encíclica Immortale Dei de 1° de novembro de 1885, Bonne Presse,
Paris, vol. II, p. 39.
Este
modo de ver a amplitude da influência da Igreja na Idade Média, nós o
encontramos também no seguinte texto de Paulo VI, referente ao papel do
Papado na Itália medieval: “Não esquecemos os séculos durante os quais o
Papado viveu sua História [da Itália], defendeu suas fronteiras,
guardou seu patrimônio cultural e espiritual, educou as suas gerações para a
civilização, para a polidez, para a virtude moral e social, e associou sua
consciência romana e seus melhores filhos à própria missão universal [do
Papado]”[*].
[*] Alocução ao Presidente da República Italiana de 11 de janeiro de 1964,
Insegnamenti di Paolo VI, Tipografia Poliglotta Vaticana, vol. II, p. 69.
Assim, a
civilização cristã não é uma utopia. É algo de realizável, e que em
determinada época se realizou efetivamente. Algo, enfim, que durou de certo
modo mesmo depois da Idade Média, a tal ponto que o Papa São Pio X pôde
escrever: “A civilização não mais está para ser inventada, nem a cidade
nova para ser construída nas nuvens. Ela existiu, ela existe: é a
civilização cristã, é a cidade católica. Trata-se apenas de instaurá-la e
restaurá-la sem cessar sobre seus fundamentos naturais e divinos contra os
ataques sempre renascentes da utopia malsã, da revolta e da impiedade”
[*]. Portanto, a civilização cristã tem largos vestígios ainda vivos em
nossos dias.
[*] Carta Apostólica _ Notre Charge Apostolique de 25 de agosto de 1910,
Acta Apostolicae Sedis , vol. II, p. 612.
Há quem
imagine todas as crises da cultura e da civilização como nascidas
necessariamente de algum pensador, de cuja mente possante partiria sempre a
centelha esclarecedora — ou destruidora — que se comunicaria primeiramente
aos ambientes de alta cultura e ganharia depois todo o corpo social. É claro
que, por vezes, as crises nasceram desse modo. Mas a História não confirma
que assim tenham nascido todas elas. E em particular não nasceu assim a
crise que pôs em declínio a Idade Média e suscitou o Humanismo, a Renascença
e a Pseudo-Reforma protestante.
Pelo
próprio fato de pedir ao homem uma austeridade de costumes penosa para a
natureza humana decaída, a influência da Igreja sobre cada alma, cada povo,
cada cultura e cada civilização está continuamente ameaçada. As paixões
desordenadas, atiçadas pela ação preternatural do Poder das Trevas,
solicitam continuamente homens e povos para o mal. A debilidade da
inteligência humana é explorável por essas tendências. O homem
facilmente engendra sofismas para justificar as más ações que deseja
praticar ou já praticou, os maus costumes que contraiu ou está contraindo.
Disse-o Paul Bourget: “Cumpre viver como se pensa, sob pena de, mais cedo
ou mais tarde, acabar por pensar como se viveu” [*].
[*] Le Démon du Midi , Plon, Paris, 1914, vol. II, p. 375.
Especialmente duas paixões podem suscitar a revolta do homem contra a Moral
e contra a Fé cristãs: o orgulho e a sensualidade.
Maio de 1968: "É proibido
proibir"! O slogan que sintetiza a revolta do orgulho e da
sensualidade contra toda forma de lei, portanto contra toda
forma de superioridade.
O
orgulho leva-o a rejeitar qualquer superioridade existente em outrem, e gera
nele um apetite de preeminência e de mando que facilmente chega ao
paroxismo. Pois o paroxismo é o ponto final para o qual tendem todas as
desordens. Em seu estado paroxístico, o orgulho assume coloridos
metafísicos: já não se contenta em sacudir em concreto esta ou aquela
superioridade, esta ou aquela estrutura hierárquica, mas deseja a abolição
de toda e qualquer superioridade, em qualquer campo em que exista. A
igualdade onímoda e completa se lhe afigura então a única situação
suportável e, por isso mesmo, a suprema regra da justiça. Assim, o orgulho
acaba por engendrar uma moral própria. E no âmago dessa moral orgulhosa está
um princípio metafísico: a ordem do ser postula a igualdade, e tudo quanto é
desigual é ontologicamente mau.
A
igualdade absoluta é, para o que chamaríamos de orgulhoso integral ,
o valor supremo ao qual tudo tem de se conformar.
A
luxúria é outra paixão desordenada, de importância culminante no processo de
revolta contra a Igreja. De si, ela induz ao desbragamento, e convida assim
o homem a calcar aos pés toda lei, a rejeitar como insuportável todo freio.
Seus efeitos se somam aos do orgulho, para suscitar na mente humana toda
espécie de sofismas capazes de minar no seu âmago o próprio princípio de
autoridade.
Por
isso, a tendência que o orgulho e a sensualidade despertam orienta-se para a
abolição de toda desigualdade, de toda autoridade e de toda hierarquia.
Claro
está que essas paixões desordenadas, ainda quando o homem capitula diante
delas, podem encontrar em uma alma — ou no espírito de um povo — contrapesos
representados por convicções, tradições, etc.
Nesse
caso, a alma — ou a mentalidade do povo — fica dividida em dois pólos
opostos: de um lado a Fé, que convida à austeridade, à humildade, ao amor de
todas as hierarquias legítimas; e de outro lado a corrupção, que convida ao
igualitarismo completo, anárquico no sentido etimológico da palavra. Como
pouco adiante se verá, a corrupção acaba por induzir à dúvida religiosa e à
negação completa da Fé.
O mais
das vezes, a opção entre esses pólos não se faz de um momento para o outro,
mas aos poucos. Por meio de sucessivos atos de amor à verdade e ao bem, uma
pessoa ou uma nação pode ir progredindo gradualmente na virtude, até se
converter por completo. Foi o que sucedeu com o Império Romano sob a
influência das comunidades cristãs, das preces dos fiéis nas catacumbas e
nos ermos, do heroísmo que revelavam na arena e dos exemplos de virtude que
davam na vida cotidiana. É um processo de ascensão.
O
processo também pode ser de decadência. Ao embate das paixões desordenadas,
as boas convicções vão sendo abaladas, as boas tradições vão perdendo sua
seiva, os bons costumes vão sendo substituídos por costumes picantes
, que degeneram para o francamente censurável, e chegam por fim ao
escandaloso.
Tudo
isto dito, ficam aqui resumidos os principais elementos doutrinários em que
baseei
Revolução e Contra-Revolução :
a)a missão da Igreja como única Mestra, Guia e Fonte de Vida dos povos rumo
à civilização perfeita;
b)
a contínua oposição das paixões desordenadas, particularmente do orgulho e
da luxúria, à influência da Igreja;
c)a existência, para o espírito humano, de dois pólos opostos, para um dos
quais necessariamente ruma: de um lado a Fé católica, que induz ao amor da
ordem, da austeridade e da hierarquia; e de outro lado as paixões
desordenadas, que induzem ao desbragamento, à revolta contra a lei, contra
a hierarquia, contra qualquer forma de desigualdade, e que levam por fim à
dúvida e à inteira negação da Fé;
d)a
noção de um processo -- entendida a expressão sem prejuízo do
livre arbítrio — pelo qual gradualmente os indivíduos ou os povos,
sofrendo a atração dos dois pólos opostos, se vão aproximando de um deles
e distanciando do outro;
e)
a influência desse processo moral sobre a elaboração das doutrinas. As más
tendências inclinam ao erro. As boas tendências inclinam à verdade. As
grandes modificações no espírito dos povos não são um mero resultado de
doutrinas elaboradas por pequenos cenáculos de intelectuais que elucubram
serenamente à margem da vida. Para que uma doutrina encontre ressonância
num povo, é mister o mais das vezes que as tendências desse povo tenham
afinidade com tal doutrina. E não é raro que a própria reflexão feita
pelos doutos, nos gabinetes, seja mais influenciada do que se pensa por
essas apetências do ambiente no qual eles mesmos vivem.
Tendo
tudo isto em mira, é fácil definir os conceitos de:
1. Ordem , que não é apenas a disposição metódica e prática das coisas
materiais, mas, conforme o conceito tomista, a reta disposição das coisas
segundo o seu fim próximo e remoto, físico e metafísico, natural e
sobrenatural;
2. Revolução, que não é essencialmente uma agitação de rua, um
tiroteio ou uma guerra civil, mas todo esforço que visa dispor os seres
contra a Ordem;
3. Contra-Revolução , todo esforço que vise circunscrever e eliminar a
Revolução.
Como se
vê, tanto a Ordem como a Revolução e a Contra-Revolução podem existir:
a) nas
tendências;
b) nas
idéias; e
c) nas
leis, nas estruturas, nas instituições, nos costumes.
Assim,
chamo de tendenciosa a Revolução enquanto existente nas
tendências. E de sofística enquanto se desenvolve no terreno
das doutrinas, ao sopro das tendências.
Estas
duas modalidades de Revolução constituem um fenômeno eminentemente
espiritual, isto é, têm como campo de operação a alma humana e a mentalidade
das sociedades. Elas formam portanto um todo, que denominoRevolução A
.
Quando a
Revolução passa do interior das almas para os atos, produzindo convulsões
históricas, desordenando as leis, estruturas, instituições, etc., ela
constitui o que chamo de Revolução B .
Claro
está que estas noções, apresentadas assim com o máximo de brevidade, pedem
uma série de ressalvas e de conformes, que exponho em Revolução e
Contra-Revolução , e que não caberia aqui explanar.
Limito-me a esclarecer que, delineando nesses traços o que há de mais
essencial na História, não pretendo que ela se reduza a isto. A observação
mais elementar indica que um sem-número de fatores, entre os quais os
étnicos, geográficos e econômicos, condicionam possantemente o curso da
História.
Resta-me
dizer uma palavra sobre o nexo existente entre o igualitarismo absoluto e
metafísico, e a Fé. Quem for radicalmente igualitário terá forçosamente um
sem-número de objeções à doutrina católica. Os conceitos de um Deus pessoal,
perfeito e eterno, que paira infinitamente acima de suas criaturas
imperfeitas e contingentes; da ordem sobrenatural, que transcende a ordem
natural; da Lei promulgada por Deus, à qual cumpre obedecer; da Revelação,
que comunica à mente humana verdades superiores à sua capacidade natural de
conhecimento; do Magistério infalível da Igreja; das notas monárquica e
aristocrática da estrutura desta; tudo, enfim, e até a noção de um Juízo em
que os bons vão ser premiados e os maus castigados, irrita o igualitário e o
convida à negação.
A
contrario sensu
, o católico aprende em Santo Tomás (Summa Theologica , I, q. 47, a.
2) que a desigualdade é uma condição necessária para a perfeição da ordem
criada. E, em conseqüência, as desigualdades de poder, ciência, categoria
social e fortuna são intrinsecamente legítimas e indispensáveis à boa ordem,
desde que não se acentuem a ponto de negar a cada homem a dignidade, a
suficiência e a estabilidade de vida a que tenha direito por sua condição de
homem, por seu trabalho, etc.
Isto
posto, descobre-se o sentido profundo da Revolução A sofística
e da Revolução B ocorridas na Europa, no século XV, em
conseqüência da anterior Revolução A tendenciosa , acima descrita.
Já há quatro séculos, Erasmo professava que "cada home possui a
teologia verdadeira", que está "inspirado e guiado pelo espírito
de Cristo, seja um pedreiro ou tecelão"
O
declínio da Idade Média foi marcado por uma explosão de orgulho e
sensualidade. Essa explosão gerou tendências igualitárias e liberais, que
não fizeram senão progredir nos séculos seguintes.
No
Humanismo e na Renascença revela-se a hostilidade ao sobrenatural, ao
Magistério da Igreja, bem como à austeridade dos costumes. No Protestantismo
se encontram o livre-exame, o minimalismo em face do sobrenatural, o
favorecimento do divórcio, a abolição do estado religioso, das austeridades
e sujeições expressas nos votos de pobreza, castidade e obediência, e a
eliminação virtual da hierarquia eclesiástica. Com efeito, em quase todas as
seitas protestantes há o estado eclesiástico. Mas a diferença nítida e
profunda entre o eclesiástico e o leigo, existente na Igreja Católica, ficou
nelas debilitada em virtude do modo pelo qual entendem o sacerdócio.
Ademais, a estrutura hierárquica do estado eclesiástico, como é instituída
na Igreja, também foi profundamente mutilada, nas seitas protestantes, pela
negação do elemento monárquico, que é o Papado. Se entre os anglicanos a
tendência igualitária não chegou a suprimir a dignidade episcopal, já entre
os presbiterianos não há dignitários intitulados bispos , mas apenas
presbíteros . Em outras seitas o sopro do igualitarismo chegou a
ponto de abolir mesmo a condição de sacerdote .
Ao
realçar a importância do fator liberal e igualitário no Humanismo, na
Renascença e no Protestantismo, não pretendo negar, é claro, que outras
causas tenham concorrido para a gênese e expansão desses movimentos. Digo
apenas que, na origem, na psicologia, nas doutrinas, no que hoje se chamaria
de êxito propagandístico e nas realizações desses movimentos, a Revolução
A tendenciosa , de sentido radicalmente anárquico e igualitário,
representou o papel de força mestra.
O ódio acompanhou Lutero até
o fim de sua vida. Afirma Funck-Brentano: "Seu último sermão
público, em Wittenberg, a 17 de janeiro de 1546, foi o último
grito de maldição contra o Papa, o Sacrifício da Missa e o culto
à Virgem"
Também
não pretendo afirmar que essa força mestra tenha atuado apenas nas nações
que se separaram da Igreja. A Renascença e o Humanismo sopraram com toda a
intensidade mesmo nos países que continuaram nominalmente católicos. E ainda
que a Revolução A tendenciosa não tenha chegado a provocar uma
ruptura explícita deles com a Igreja, despertou entretanto formas larvadas
de protestantismo, das quais a principal foi o jansenismo. Este produziu um
progressivo esfriamento religioso, que culminou no ceticismo. Um estudo
atento do absolutismo real, que em nenhum país protestante assumiu formas
mais radicais do que na França católica, mostra que a política dos monarcas
absolutos, em tudo quanto não dizia respeito à sua própria autoridade, era
marcada por certo espírito igualitário. A redução dos privilégios do clero e
da nobreza, feita progressivamente pelos reis absolutos, rumava para uma
equiparação política de todos os cidadãos sob o poder do monarca. O
favorecimento contínuo, pelos reis, da parte mais atuante e desenvolvida da
plebe, isto é, da burguesia, contribuiu ainda mais para a igualdade
política.
A
corrupção dos costumes, que vinha crescendo desde o fim da Idade Média,
atingira no século XVIII um grau que espantava até alguns de seus corifeus.
A
sociedade francesa, túmida dos fatores que nos países nórdicos haviam
produzido o Protestantismo, se preparava, através do enciclopedismo e do
absolutismo, para uma convulsão profunda, que outra coisa não seria senão a
projeção, na esfera política, social e econômica, com novos desdobramentos
no campo religioso e filosófico, daquilo que fora a essência do
Protestantismo.
Assim,
quando este último, em fins do século XVIII, já cansado e envelhecido, se
mostrava falho de força de expansão, minado por dentro pelos progressos
crescentes da dúvida e do ceticismo, e conservando uns restos de vida graças
principalmente ao apoio do Estado, na França as tendências liberais e
igualitárias atingiam um ápice. O Humanismo e a Renascença estavam mortos
havia muito tempo. No Protestantismo, como acaba de ser dito, tudo estava
gasto. Mas o que esses três movimentos tinham de mais dinâmico e fundamental
— o espírito que os suscitara — a eles sobrevivera e estava mais forte do
que nunca. Esse espírito haveria de lançar a França, e depois a Europa
inteira, num cataclismo liberal e igualitário.
Execução de Luis XVI
A
Revolução Francesa de tal maneira era marcada pelo espírito protestante, que
a Igreja constitucional por ela organizada não era senão um mal velado
instrumento para implantar na França um verdadeiro Protestantismo. O sentido
igualitário, antimonárquico e antiaristocrático da Revolução Francesa é a
projeção, na esfera civil, da tendência igualitária que levou o
Protestantismo a rejeitar os elementos aristocrático e monárquico da
hierarquia eclesiástica. O fermento comunista, que trabalhava a extrema
esquerda da Revolução, e que acabou por se explicitar em movimentos como o
de Babeuf, não era senão o símile laico dos movimentos comunistas, como o
dos irmãos Morávio, que brotaram daquilo que se poderia chamar a
extrema-esquerda protestante. A completa laicização do Estado, a mascarada
greco-romana, a contínua evocação das repúblicas do paganismo clássico,
mostravam na Revolução Francesa o efeito do Humanismo, da Renascença e do
Enciclopedismo.
Cumpre
insistir. O Protestantismo, o Humanismo, a Renascença não foram senão
aspectos que o espírito anárquico e igualitário tomou em sua longa
trajetória histórica. Esses aspectos se extinguiram, em parte porque o
espírito que os suscitara, destruidor por excelência, os aniquilara no seu
próprio foco. A Revolução Francesa não foi senão um aspecto novo e ainda
mais enérgico desse mesmo espírito.
Através
de vicissitudes históricas bem conhecidas, a Revolução Francesa,
aparentemente encerrada com a instauração do Império, propagou-se na mochila
das tropas de Napoleão por toda a Europa. As guerras e revoluções que
marcaram o período de 1814 a 1918, isto é, da queda de Napoleão até a queda
dos Habsburg, dos Romanov e dos Hohenzollern, foram um conjunto de
convulsões ao longo das quais toda a Europa se metamorfoseou segundo o
espírito da Revolução Francesa. Os resultados da II Guerra Mundial não
fizeram senão acentuar ainda mais essa metamorfose. Hoje, das antigas
monarquias européias só resta uma meia dúzia, todas tão tímidas em se
afirmarem e tão dóceis em se deixarem modelar cada vez mais pelo espírito
republicano, que se tem a impressão de que a todo momento estão a pedir
desculpas por ainda viverem...
Ao fazer
estas observações, de modo nenhum quero negar que houvesse, nas estruturas
assim destruídas, reais abusos que estavam a pedir corretivo. Nem quero
dizer que a adoção de uma forma de governo eletiva e popular só possa
resultar do espírito igualitário e liberal que venho analisando. Isto não
seria verdade em doutrina, nem se justificaria em vista da História. A Idade
Média conheceu várias estruturas políticas aristocráticas, se bem que não
monárquicas, como a República de Veneza, e várias estruturas sem caráter
monárquico nem aristocrático, como certos cantões helvéticos e cidades
livres alemãs. Todas essas formas de governo conviviam pacificamente entre
si. Pois se compreendia a legítima diversidade de formas de governo segundo
os tempos, os lugares e as demais circunstâncias.
A
Revolução que eclodiu em fins da Idade Média era animada de um espírito
completamente diverso do que levara à formação dos Estados aristocráticos ou
burgueses da Europa medieval. Esse espírito importava na afirmação da
liberdade absoluta e anárquica, e da igualdade completa, como únicas regras
de ordem e justiça, válidas para todos os tempos e todos os lugares.
Por sua
vez, esse espírito minou a sociedade burguesa, politicamente igualitária, a
que dera origem. E passou por fim a se manifestar na mais audaciosa de suas
afirmações, na terceira grande Revolução do Ocidente, que é o comunismo.
Déclaration des droits de
l'homme et du citoyen : décrétés par l'Assemblée nationale, dans
les séances des 20, 21, 23 et 26, août 1789, sanctionnés par le
roi : [estampe] / [non identifié] - Gallica
A tese
igualitária exprimiu-se na Declaração dos Direitos do Homem --
magna carta da Revolução Francesa e da era histórica por esta inaugurada —
em toda a sua nudez: ”Os homens nascem e permanecem livres e iguais em
direitos” . É claro que este princípio é suscetível de uma boa
interpretação. Fundamentalmente, isto é, considerados em sua natureza, os
homens realmente são iguais. É apenas pelos acidentes que são desiguais. Por
outro lado, sendo dotados de uma alma espiritual, e portanto de inteligência
e vontade, são eles fundamentalmente livres. Os limites dessa liberdade
estão apenas na lei natural e divina e no poder das diversas autoridades
espirituais e temporais às quais os homens devem sujeitar-se.
Que em
todos os tempos tenha havido autoridades que violaram a fundamental
igualdade e a fundamental liberdade do homem, ninguém o pode negar. Que ao
longo da História se notaram, em contrapartida, sucessivos movimentos de
defesa em face dos excessos da autoridade, procurando contê-la em seus
justos limites, é evidente. Que tais movimentos, enquanto circunscritos a
esse objetivo, só merecem aplauso, também é inquestionável. A igualdade e a
liberdade — retamente entendidas — podiam ser lembradas utilmente no século
XVIII, como em qualquer outra época.
É bem
certo que em 1789, entre os revolucionários das primeiras horas, havia
pessoas que não desejavam senão uma justa contenção do Poder Público, e
entendiam a igualdade e a liberdade promulgadas pela Declaração dos Direitos
do Homem no seu sentido mais favorável.
Mas o
texto da famosa Declaração era por demais genérico: afirmava a igualdade e a
liberdade sem lhes mencionar qualquer restrição. Isso propiciava uma
interpretação lata e desfavorável: uma igualdade e uma liberdade absolutas e
onímodas.
Bem
entendido, esta interpretação é a que correspondia ao espírito da Revolução
nascente. Ao longo do seu curso, foi ela alijando todos aqueles de seus
partidários que não comungavam nesse espírito. A caça aos nobres e aos
clérigos foi seguida pela caça aos burgueses. Só o trabalhador manual devia
subsistir.
Caído o
Terror, a burguesia, desejosa de eliminar por toda a Europa as antigas
classes privilegiadas, continuou a afirmar os imortais princípios
de 1789. Ela o fazia de modo ambíguo e imprudente, não duvidando em suscitar
nas massas populares a tendência para a igualdade e a liberdade completas, a
fim de obter o apoio delas na luta contra a realeza, a aristocracia e o
clero.
Esta
imprudência facilitou em larga medida a eclosão do próprio movimento que
haveria de pôr em xeque o poder da burguesia.
Se todos
os homens são livres e iguais, com que direito existem os ricos? Com que
direito os filhos herdam, sem trabalhar, os bens de seus pais?
Já antes
de que a industrialização formasse as grandes concentrações de proletários
subnutridos, o comunismo utópico denunciava como uma burla a mera igualdade
política instituída pela burguesia e exigia a igualdade social e econômica
absolutas. O anarquismo, que sonhava com uma sociedade sem autoridade, se
propagava. Esses princípios radicais, que na fase do comunismo utópico
tiveram um número restrito de militantes, não obstante alcançaram mais
tarde, no Ocidente, uma prodigiosa difusão. Eles minaram aos poucos a
mentalidade de numerosos monarcas, como também de potentados e notabilidades
civis e eclesiásticas. E instilaram assim, em larguíssimas camadas de
beneficiários da ordem então vigente, certa simpatia pela generosidade
dos ideais libertários e igualitários, bem como uma má consciência
quanto à legitimidade dos poderes de que se encontravam investidos.
A grande
realização de Karl Marx não foi, a meu ver, a elaboração do comunismo dito
científico, doutrina confusa e indigesta que poucos conhecem. O marxismo é
tão ignorado pelas bases comunistas e pela opinião pública de nossos dias
quanto as elucubrações de Plotino ou Averróis. Marx conseguiu, isto sim,
desencadear a ofensiva comunista mundial coligando os adeptos de uma
tendência radicalmente igualitária e anárquica, toda ela inspirada no
comunismo utópico.
Em
outros termos, se os líderes marxistas, em medida maior ou menor, estão
imbuídos de Marx, os soldados rasos que eles comandam são em geral incapazes
de lhe conhecer a doutrina. O que os move a se aglutinarem em torno dos seus
chefes são vagas idéias de igualdade e justiça, inspiradas no socialismo
utópico. E se os quadros marxistas encontram fora de si mesmos, em certas
zonas da opinião pública, uma aura de simpatia, devem-no ainda à irradiação
quase universal dos princípios igualitários da Revolução Francesa e do
sentimentalismo romântico inerente ao socialismo utópico.
De todas
estas considerações ressalta com clareza o principal fator do caos em que o
Ocidente vai afundando, e para o qual vai levando o resto do mundo. Esse
fator é a aceitação muito generalizada das tendências e doutrinas de
substrato igualitário e anárquico, as quais, inteiramente démodées
nos círculos propriamente intelectuais, continuam no entanto a influenciar a
fundo a opinião pública. E assim servem de isca aos comunistas para
arrastarem atrás de si, em determinadas conjunturas políticas passadas e
presentes, as turbas com que pretendem arrasar os últimos resquícios de
sacralidade e hierarquia da civilização cristã ainda existentes.
Tudo
isso não importa em afirmar que o pensamento de Proudhon e de seus
congêneres constitua a grande alavanca ideológica dos acontecimentos
contemporâneos. Os utopistas estão mortos, e quase ninguém deles cogita em
nossos dias. Eles não foram senão uma etapa na grande trajetória aberta com
os movimentos ideológicos e culturais do século XVI. Eles contribuíram para
dar universalidade às aspirações de nivelamento econômico-social que a
Revolução Francesa continha apenas em germe. Tais aspirações de total
igualdade econômico-social, de que os utopistas foram apenas os porta-vozes,
alcançaram um eco difuso por todo o mundo. Esse eco continua ao longo da
História, muito depois de terem eles e suas obras caído no olvido.
Se
queremos pois deter os passos à nova catástrofe que nos espreita, cumpre
principalmente desfazer o trágico erro doutrinário que identifica a
igualdade absoluta com a justiça absoluta, e a liberdade verdadeira — à qual
a Verdade e o Bem fazem jus — com o livre curso e até com o favorecimento de
todos os erros e de todos os desregramentos.
Ao longo
dos últimos séculos, muitos movimentos se têm erguido contra o processo
revolucionário. Mas o êxito concreto por eles alcançado foi transitório, e
às vezes nulo. Não que a esses movimentos faltasse o apoio de talentos
brilhantes, de pessoas altamente colocadas e até de largos setores
populares. Mas esses movimentos o mais das vezes se limitaram a combater a
Revolução em uma ou outra de suas expressões religiosas, políticas, sociais
ou econômicas. Se bem que, de quando em quando, fizessem aceno aos erros
revolucionários mais profundos e de porte metafísico, eles não insistiam
suficientemente neste ponto. Daí o fato de a Revolução continuar incólume o
seu curso.
Outros
julgaram mais hábil, para detê-la, usar a sua linguagem e as suas técnicas,
e investir contra alguns dos abusos inegáveis que a própria Revolução
denunciava. Procuraram assim tirar-lhe os pretextos . Ora, combater
abusos é sempre meritório; mas quanta ingenuidade havia em imaginar que a
força da Revolução estava sobretudo na indignação causada por certos abusos
contra os quais ela bradava! A História provou a falência dessa tática.
Certos abusos existentes ainda há algumas décadas foram de tal modo
corrigidos na Europa, que Pio XII pôde dizer ao “Katholikentag” de Viena: ”Diante
do olhar da Igreja se apresenta hoje em dia a primeira época das lutas
sociais contemporâneas. Em seu âmago dominava a questão operária: a miséria
do proletariado e o dever de elevar esta classe de homens, entregue sem
defesa às incertezas da conjuntura econômica, até a dignidade das outras
classes da cidade, dotadas de direitos precisos. Este problema pode ser hoje
em dia considerado como resolvido, ao menos nas suas partes essenciais, e o
mundo católico contribuiu para esta solução de modo leal e eficaz” [*].
Entretanto, a Revolução continua a rugir, mais ameaçadora do que nunca.
[*] Pio XII, Radiomensagem de 14 de setembro de 1952, Discorsi e
Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII , Tipografia Poliglotta Vaticana,
vol. XIV, p. 313.
Assim,
sem negar o caráter meritório de tantos movimentos de sentido
contra-revolucionário no passado ou no presente, sem negar também o que há
de benemérito na luta contra injustiças que a atual ordem de coisas
apresenta, parece-me que a grande necessidade de nossos dias é assinalar os
erros metafísicos fundamentais da Revolução e a coesão íntima existente
entre esses três vagalhões que se jogaram sucessivamente contra a
Cristandade ocidental: numa primeira etapa, o Humanismo, a Renascença e a
Pseudo-Reforma protestante (primeira Revolução); mais tarde, a Revolução
Francesa (segunda Revolução); e, por fim, o Comunismo (terceira Revolução).
Este
empenho deu sentido à minha atuação como parlamentar, professor, escritor e
jornalista.
Refiro-me aqui apenas de passagem à minha atuação como deputado pela Liga
Eleitoral Católica na Assembléia Constituinte Federal de 1934. Ela não
interessa diretamente à Enciclopédia para a qual me foi pedido escrever.
Em minha
longa atuação no magistério — quer como professor de História da Civilização
no Colégio Universitário, seção anexa à Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo; quer como professor da mesma disciplina no Colégio Roosevelt
de São Paulo; quer como Catedrático de História Moderna e Contemporânea na
Faculdade de Filosofia de São Bento e na Faculdade de Filosofia Sedes
Sapientiae , ambas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo — as
considerações que acabo de fazer nunca estiveram ausentes de meu espírito.
Dom
Duarte Leopoldo e Silva, Arcebispo de São Paulo, que apoiou o
apostolado de Plinio Corrêa de Oliveira. Na foto, o Prelado com
o líder católlico e colaboradores do "Legionário"
Atuando
como diretor do conhecido semanário católico “Legionário”, órgão oficioso da
Arquidiocese de São Paulo; como um dos fundadores e secretário da Junta
Estadual da Liga Eleitoral Católica do Estado de São Paulo; como Presidente
da Junta Arquidiocesana da Ação Católica; e também como secretário da
Federação das Congregações Marianas de São Paulo, marquei meu apostolado
pela preocupação de lutar sempre contra a Revolução. Revolução que eu não
via apenas encarnada em movimentos de esquerda, mas também em tendências
incubadas freqüentemente em movimentos do centro, e mesmo em outros que se
rotulavam de extrema-direita. Contra estes últimos, especialmente, conduzi
campanhas enérgicas, revidadas aliás com violência. As páginas do
“Legionário” estão cheias da polêmica que mantive contra as várias formas de
fascismo e nazismo[*], ao tempo em que esses movimentos pareciam atingir o
zênite.
[*] Nota da redação — Foram publicados no “Legionário” (1929 a 1947) 2.936
artigos contra o nazismo e o fascismo, sendo 447 de autoria do Prof.
Plinio Corrêa de Oliveira, redator-chefe e diretor do dito órgão de
12-10-29 a 8-12-29 e de 6-8-33 a 28-12-47.
Meu
primeiro livro foi publicado em 1943, e se intitula
Em defesa da Ação Católica (Editora Ave Maria, São Paulo). Era
ele um brado de alarma contra germes de laicismo, liberalismo e
igualitarismo que começavam a invadir a Ação Católica[*]. Na qualidade de
Presidente do ramo paulista dessa entidade, cabia-me abrir a luta contra
aqueles erros. O livro despertou controvérsias apaixonadas. Estas não
cessaram sequer quando, em 1949, recebi a propósito do livro uma carta de
louvor calorosa, enviada, em nome do Papa Pio XII, por Mons. João Batista
Montini, então substituto da Secretaria de Estado da Santa Sé, e depois Papa
Paulo VI.
[*] Nota da redação — A obra teve duas edições. A primeira, de 2.500
exemplares, esgotou-se totalmente. Em 1983 foi publicada uma segunda
edição de 2.000 exemplares, comemorativa do 40° aniversário do seu
lançamento.
Em
defesa da Ação Católica foi aplaudido em boa parte dos setores
católicos. Entretanto, em alguns ambientes continuaram a se expandir os
germes de progressismo, culminando na onda de erros que hoje notoriamente se
estende por todo o País. Os que de futuro escreverem com imparcialidade a
História da Igreja no Brasil do século XX reconhecerão, creio eu, que a
considerável resistência que o progressismo vem enfrentando entre nós se
deve, em larga medida, ao brado de alarma de Em defesa da Ação Católica
. Pois esse livro alertou, contra o vírus incipiente do progressismo
brasileiro, muitas mentalidades que não tinham começado ainda a sofrer a
ação sedutora das idéias novas.
Como se
vê, meu primeiro livro, embora de caráter doutrinário, foi escrito em função
de um importante problema concreto, já muito atual naqueles tempos.
Não se
pode dizer o mesmo de
Revolução e Contra-Revolução . Pelo resumo que dele fiz acima, é
fácil perceber que seu tema não se relacionava de perto com qualquer assunto
brasileiro de atualidade em 1959, ano no qual foi publicado. O principal
objetivo da nova obra foi explicitar, aos olhos do público, o sentido
doutrinário profundo do prestigioso mensário de cultura Catolicismo
, naquela época editado em Campos (RJ) sob os auspícios do então Bispo
daquela Diocese, Dom Antonio de Castro Mayer (* 20/6/1904, +25/4/1991) [*].
[*] Nota da redação — Convém esclarecer que Dom Antonio de Castro Mayer,
em dezembro de 1982, declarou cortadas as relações que mantinha com o
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira e com a TFP. O mensário Catolicismo
tornou-se então o órgão porta-voz da TFP.
Em 22 de junho de 1988, Dom Mayer participou, juntamente com o Arcebispo
francês Dom Marcel Lefèbvre, da cerimônia de sagração de quatro bispos em
Ecône (Suíça) sem autorização de Roma. Logo no dia 1° de julho seguinte, o
Cardeal Gantin, Prefeito da Sagrada Congregação para os Bispos, publicava
um decreto, pelo qual confirmava a excomunhão dos dois prelados.
Assim, o rompimento do ex-bispo de Campos com o Prof. Plinio Corrêa de
Oliveira, com a TFP e com Catolicismo ocorreu cinco anos antes de
sua excomunhão.
No
Brasil,
Revolução e Contra-Revolução teve quatro edições. A
publicação inicial (1959) foi feita no número 100 de Catolicismo
(duas tiragens). As edições se sucederam no mundo hispânico, nos Estados
Unidos, no Canadá e na Itália[*].
[*] Nota da redação — Além das edições em português publicadas no Brasil
(duas em 1959, uma em 1982 e outra em 1993), Revolução e Contra-Revolução
teve ainda doze edições em espanhol: Argentina (2 edições em 1970 e uma em
1992), Chile (1964 e 1992), Colômbia (1992), Equador (1992), Espanha
(1959, 1965, 1978, 1992) e Peru (1994); duas em francês: Brasil (1960) e
Canadá (1978); três em inglês: Estados Unidos (1972, 1980, 1993); três em
italiano (1964, 1972, 1977); e uma em rumeno (1995), perfazendo um total
de 25 edições. Foi outrossim transcrito em jornais ou revistas do Brasil,
de Angola, da Argentina, Colômbia, Espanha, França, Itália e Venezuela,
alcançando uma tiragem total (excluídas as transcrições parciais) de
123.700 exemplares.
O mais
destacado efeito de
Revolução e Contra-Revolução foi ter
inspirado, no Brasil, a constituição da Sociedade Brasileira de Defesa da
Tradição, Família e Propriedade — TFP, e fora do País, a fundação de
organizações congêneres e autônomas, que hoje vicejam em quase todas as
grandes nações do Ocidente e estendem seus ramos pelos outros continentes.
Bureaux de representação das TFPs também existem em vários
países, projetando desse modo os princípios doutrinários e os ideais de
Revolução e Contra-Revolução por 26 países dos cinco
continentes[*].
[*] Nota da redação — TFPs e entidades afins ou Bureaux -TFP existem hoje
no Brasil, África do Sul, Alemanha, Argentina, Austrália, Bolívia, Canadá,
Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Espanha, Estados Unidos, Filipinas,
França, Índia, Itália, Nova Zelândia, Paraguai, Peru, Polônia, Portugal,
Reino Unido (Inglaterra e Escócia), Uruguai e Venezuela.
A TFP da Venezuela foi arbitrariamente encerrada em 1984, por um decreto
iníquo do governo daquele país. Seus membros continuaram a serviço dos
mesmos ideais, em TFPs de outros países.
A inocência da TFP venezuelana ficou amplamente comprovada com a
publicação da sentença judicial definitiva de
15 de maio de 1986, na qual se declaravam sem fundamento as acusações
levantadas contra a entidade.
Essas
entidades constituem uma grande família de almas formada em torno de
Revolução e Contra-Revolução .
Em 1976,
acrescentei a
Revolução e Contra-Revolução uma
terceira parte [*].
Trata-se de uma mise au point do panorama internacional
transformado pela Revolução nos cerca de vinte anos decorridos desde o
lançamento da obra, com vistas a que o leitor relacionasse facilmente o seu
conteúdo com a nova realidade de então.
O
domínio da III Revolução — a comunista — chegara a um estado paradoxal de
apogeu e crise. Apogeu pela extensa área que o comunismo efetivamente veio a
dominar, e pela influência que exerceu no Ocidente através da imensa
coligação de partidos comunistas, criptocomunistas, paracomunistas, além do
magma ilimitado dos inocentes-úteis. A par de apogeu, crise. Com efeito, o
comunismo entrara pari passu em declínio, junto à opinião
pública. O poder persuasório dele e sua capacidade de liderança
revolucionária minguavam dentro e fora dos limites da União Soviética.
Comprometido assim o avanço do comunismo pelo insucesso dos seus costumeiros
métodos de ação e proselitismo, optaria este, daí em diante, pela aventura?
O fato é
que, no auge de seu poder, a III Revolução deixou de ameaçar e agredir, e
passou a sorrir e pedir. Ela abandonou o caminho reto — sempre o mais curto
— e escolheu um ziguezague, no decurso do qual não faltavam as incertezas.
Colocou
ela então o melhor de suas esperanças na guerra psicológica revolucionária,
que usa o sorriso tão-somente como arma de agressão e de guerra, e transfere
seu impacto conquistador, de violência (isto é, do físico e palpável), para
o campo das atuações psicológicas (isto é, para o campo impalpável). Seu
objetivo: alcançar, no interior das almas, por etapas e invisivelmente, a
vitória que certas circunstâncias lhe estavam impedindo conquistar de modo
drástico e visível, segundo os métodos clássicos.
Bem
entendido, esses métodos nada têm de comum com a mera novela jornalística
correntemente denominada de conquistas das mentes , lavagem
cerebral , etc. Não se tratava de efetuar, no campo do intelecto,
algumas operações esparsas e esporádicas. Tratava-se, pelo contrário, de uma
verdadeira guerra de conquista — psicológica, sim, mas total — visando o
homem todo, e todos os homens em todos os países.
Não
seria possível descrever esta guerra psicológica revolucionária sem tratar
acuradamente do seu desenrolar naquilo que é a própria alma do Ocidente, ou
seja, o Cristianismo, e mais precisamente a Religião Católica, que é o
Cristianismo em sua plenitude absoluta e em sua autenticidade única.
Dentro
da perspectiva de
Revolução e Contra-Revolução ,
o êxito dos êxitos
alcançado pelo comunismo pós-staliniano sorridente foi o silêncio
enigmático, desconcertante e espantoso, apocalipticamente trágico, do
Concílio Vaticano II a respeito do comunismo.
A
evidência dos fatos aponta, pois, o Concílio Vaticano II como uma das
maiores calamidades, se não a maior, da História da Igreja. Depois dele
penetrou na Igreja, em proporções impensáveis, a ”fumaça de Satanás”
[*], que se vai dilatando dia a dia, com a terrível força da expansão dos
gases. Para escândalo de incontáveis almas, o Corpo Místico de Cristo entrou
no sinistro processo de ”autodemolição” , do qual falou Paulo VI[**].
[*] Cfr. alocução de Paulo VI de 29 de junho de 1972.
[**] Cfr. alocução de 7 de dezembro de 1968.
Nota da redação — Também João Paulo II, em diversas ocasiões, tem-se
referido aos problemas do mundo moderno e a sua relação com a tempestade
que se abate sobre a Santa Igreja. Muitos destes problemas, afirma o
Papa, incluem a difusão de ”verdadeiras heresias, no campo dogmático e
moral, criando dúvidas, confusões e rebeliões” (Alocução de 6 de
fevereiro de 1981, in Insegnamenti di Giovanni Paolo II , Libreria
Editrice Vaticana, 1981, vol. IV, 1, p. 235).
Ficava
assim delineada a situação da III Revolução, como ela se apresentava pouco
antes do 20° aniversário da publicação de Revolução e Contra-Revolução
.
Entretanto, esse panorama não seria completo se se negligenciasse uma
transformação interna na III Revolução: é a IV Revolução que dela vai
nascendo.
Como é
bem sabido, nem Marx nem a generalidade de seus mais notórios sequazes viram
na ditadura do proletariado a etapa terminal do processo revolucionário. Na
mitologia evolucionista inerente ao pensamento de Marx e de seus seguidores,
assim como a evolução se desenvolverá ao infinito no suceder dos séculos,
assim também a Revolução não terá termo. Da I Revolução
já nasceram duas outras. A terceira, por sua vez, gerará mais uma. E daí por
diante...
Não é
impossível prever, por ora, dentro da perspectiva marxista, como será a
IV Revolução . Ela deverá consistir, segundo os próprios teóricos
marxistas, na derrocada da ditadura do proletariado em conseqüência de uma
nova crise, por força da qual o Estado hipertrofiado será vítima de sua
própria hipertrofia. E desaparecerá, dando origem a um estado de coisas
cientificista e cooperativista, no qual — dizem os comunistas — o homem terá
alcançado um grau de liberdade, igualdade e fraternidade até aqui
insuspeitável.
Como? --
É impossível não perguntar se a sociedade tribal sonhada pelas correntes
estruturalistas não dá uma resposta a esta indagação. O estruturalismo vê na
vida tribal uma síntese ilusória entre o auge da liberdade individual e do
coletivismo consentido, na qual este último acaba por devorar a liberdade.
Em tal coletivismo, os vários eus ou as pessoas individuais,
com o seu pensamento, sua vontade e seus modos de ser, característicos e
conflitantes, se fundem e se dissolvem — segundo eles — na personalidade
coletiva da tribo geradora de um pensar, de um querer, de um estilo de ser
densamente comuns.
A década
seguinte, dos anos 80, não se encerraria sem que os prognósticos feitos na
Parte III de Revolução e Contra-Revolução recebessem uma
extraordinária confirmação nos fatos.
Não
conseguindo esconder mais seu estrondejante fracasso econômico, bem como o
desumano cerceamento de liberdades legítimas, a Rússia soviética optou por
admitir o fato desinibidamente diante do mundo. E assim, depois das
convulsões geopolíticas espetaculares que se seguiram aos programas
liberalizantes da glasnost (1985) e da perestroika
(1986) desencadeados por Gorbachev, o regime soviético se esboroou
(1989-1991) e parece desde então evoluir para um modelo menos distante do
que vigora no Ocidente.
Portão
de Brandenburgo, na noite da queda do muro (9 de novembro de
1989). Segundo Gorbachev, a URSS não poderia fazer nada para
impedir a queda do muro, sob pena de provocar a Terceira Guerra
Mundial. Símbolo eloqüente do esboroamento do regime soviético.
Essa
transformação coloca um problema estratégico novo para os não comunistas,
pois parece conter um apelo: assim como se dissolveu a estrutura granítica
do comunismo, torne-se também o Ocidente menos rígido em sua aplicação dos
princípios da propriedade privada e da livre iniciativa, aceitando dar
passos decisivos na direção do socialismo. Desse modo, Ocidente e Oriente
convergirão para um ponto intermédio — não necessariamente a meio caminho, e
possivelmente bem mais próximo do comunismo que do capitalismo — e estará
encontrada uma solução definitiva para a paz mundial.
Quantos
no Ocidente não se têm deixado seduzir por esta perspectiva! Quantos não são
propensos a dizer: é melhor aceitarmos um regime mais igualitário, com menos
liberdade civil e econômica, a fim de evitarmos que a situação na Rússia
retroceda, os comunistas retomem o poder e volte a nos importunar o terrível
espectro do holocausto nuclear, do qual milagrosamente nos livramos!
A essa
ponderação cabe responder que as guerras são castigos pelos pecados dos
homens. A aceitação de um regime antinatural e contrário à Lei de Deus, como
é o comunismo, ainda que algum tanto mitigado, constitui enorme pecado que,
desdobrando inevitavelmente seus efeitos maléficos, só pode acarretar a
ruína e a infelicidade dos homens.
Assim,
face ao esfacelamento do império soviético, no Ocidente os espíritos mais
argutos se perguntam o que isso tudo tem de autêntico, de consistente, de
irrefragável, que autorize esperanças solidamente fundadas. E embora não
faltem otimistas pressurosos de abrir os braços de par em par para tais
perspectivas enganadoramente alvissareiras, a prudência recomenda muita
circunspeção diante da enigmática retração do comunismo, que muito bem pode
não ser mais do que uma metamorfose para atingir a meta última deste, que é
a sociedade autogestionária.
Advertiu-o honestamente o próprio Gorbachev, em seu ensaio
propagandístico Perestroika — Novas idéias para o meu país e o mundo [*]: ”A
finalidade desta reforma é garantir .... a transição de um sistema de
direção excessivamente centralizado e dependente de ordens superiores para
um sistema democrático baseado na combinação de centralismo democrático e
autogestão”. Autogestão esta que, de mais a mais, era ”o objetivo
supremo do Estado soviético” , segundo estabelecia a própria Constituição da
ex-URSS em seu Preâmbulo.
[*] Ed. Best Seller, São Paulo, 1987, p. 35.
Todas
estas considerações encontram-se mais amplamente explanadas na edição
atualizada de Revolução e Contra-Revolução publicada em 1992
[*].
[*] A Parte III de Revolução e Contra-Revolução , acrescida pelo Autor de
alguns comentários, foi publicada no Catolicismo n° 500, de agosto
de 1992.
Edições atualizadas da obra se sucederam na Argentina, Chile, Colômbia,
Equador e Espanha (todas em 1992), nos Estados Unidos (1993), no Brasil
(1993), no Peru (1994) e na Romênia (1995).
É o
momento de mencionar algumas realizações contra-revolucionárias de
envergadura, levadas a cabo pelas TFPs nos respectivos países.
Em 1960,
fervilhava no Brasil uma agitação agrária... quase toda ela urbana! Uma
propaganda sabiamente orquestrada nas grandes cidades procurava fazer crer
que todo o nosso mundo rural estava a ponto de explodir em virtude do
descontentamento da classe dos trabalhadores manuais. Segundo se dizia, para
desarmar a efervescência das massas rurais — prevenindo assim uma hecatombe
— impunha-se fazer uma Reforma Agrária. Esta consistiria fundamentalmente em
que o Poder Público expropriasse a preço vil os latifúndios improdutivos, em
vista de distribuir terra aos pequenos agricultores. O próprio dinamismo do
espírito igualitário que animava os agro-reformistas levá-los-ia entretanto
a eliminar progressivamente todas as grandes e médias propriedades,
transformando nossa estrutura rural numa imensa contextura de pequenas
propriedades de dimensão familiar. Foi quando veio a lume o livro
Reforma Agrária — Questão de Consciência . Obra de grande porte,
exigia um trabalho de equipe. Foi assim que redigi a primeira parte do
livro, submetendo-a depois à consideração de dois ilustres prelados, Dom
Antonio de Castro Mayer, então Bispo de Campos, e Dom Geraldo de Proença
Sigaud, então Bispo de Jacarezinho, depois Arcebispo de Diamantina, para que
fizessem a revisão do texto, sob o ponto de vista especificamente teológico.
A segunda parte, de natureza técnica, ficou a cargo do economista Luiz
Mendonça de Freitas [*].
[*]
Reforma Agrária — Questão de Consciência teve dez edições, nos
seguintes países: Brasil (2 edições em 1960, uma em 1961 e outra em 1962),
Argentina (1963), Espanha (1969) e Colômbia (3 ed. em 1971 e uma em 1985),
num total de mais de 41 mil exemplares.
A obra
teve uma acolhida muito favorável nos meios rurais e foi objeto de
manifestações de aplauso da parte de governadores, deputados estaduais e
federais, senadores, centenas de prefeitos, câmaras municipais e entidades
de classe.
Os
mesmos autores publicamos em 1964 a
Declaração do Morro Alto , programa positivo de Reforma
Agrária[*].
[*]
A Declaração do Morro Alto teve duas edições em português. Com a
transcrição em Catolicismo , sua tiragem totalizou 32.500 exemplares.
No seu
conjunto, essas obras constituíram ao mesmo tempo uma franca e enérgica
defesa do princípio da propriedade privada, negado mais ou menos veladamente
pelo agro-reformismo socialista e expropriatório, bem como uma afirmação da
função social do referido princípio, para a correção de abusos e falhas
existentes em nossa situação rural.
Reforma
Agrária — Questão de Consciência deu origem a polêmicas que
alertaram a opinião pública para os verdadeiros objetivos das reformas de
estrutura então preconizadas pelas correntes de esquerda, e desse modo
contribuiu para a formação do clima ideológico e psicológico que cortou o
passo à instalação da república sindicalista então desejada pelo Presidente
João Goulart.
Inegavelmente, se nosso País não conheceu a desgraça da pulverização de sua
estrutura agrária num número incontável de minifúndios de baixa produção,
deve-o em muito larga medida a esse livro.
[*] Este ensaio, publicado pela primeira vez em 1963, teve dez edições em
português: Brasil (1963, 7 ed. em 1965, 1967 e 1974); onze em espanhol:
Brasil (1963 e 2 ed. em 1964), Chile (1964), Espanha (2 ed. em 1970, 2 ed.
em 1971, e outras 2 ed. em 1973) e México (1965); cinco em francês: Brasil
(1963, 1964, 1965) e França (1975, 1977); uma em alemão (1965); uma em
húngaro (1967); quatro em inglês (1963 e 3 ed. em 1964); duas em italiano
(1963 e 1964); e duas em polonês. As edições nestes últimos cinco idiomas
foram todas publicadas no Brasil. Essas sucessivas edições atingiram o
total de mais de 163.500 exemplares.
Além disso, o trabalho foi transcrito na íntegra em 40 jornais ou
revistas do Brasil, Alemanha, Angola, Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia,
Espanha, Estados Unidos, França, Itália, México e Portugal.
Repercutiu, este estudo, para além da cortina de ferro. O semanário
católico -esquerdista “Kierunki” e o mensário “Zycie i Mysl”, ambos
poloneses, o atacaram violentamente. Zbigniew Czajkowski, colaborador destes
dois periódicos, publicou extensos e indignados artigos contra meu ensaio.
Respondi através das páginas de
Catolicismo . Daí se seguiu uma polêmica, na qual interveio em apoio
à minha obra o periódico “L’Homme Nouveau”, de Paris, pela pena de seu
colaborador Henri Carton, enquanto “Témoignage Chrétien” — turbulento órgão
comuno-progressista francês — se colocava ao lado de Czajkowski.
Assim
como Reforma Agrária — Questão de Consciência , também
A liberdade
da Igreja no Estado comunista foi escrita em função de um problema
concreto. Já então se ia generalizando entre os católicos — astutamente
propagada — a idéia de que o único obstáculo que os impede de aderir ao
regime comunista é que este costuma tolher o exercício do culto. A partir
dessa noção gravemente incompleta, foi fácil aos marxistas, simulando
respeito à liberdade da Igreja, obter decidido apoio de certos católicos
para um hipotético comunismo que deixasse inteira liberdade aos diversos
cultos.
Essa
manobra propagandística poderia render — e rendeu — ao comunismo
incalculáveis benefícios. Pois, na medida em que influenciasse as massas
católicas, enfraqueceria ou anularia a oposição que os 800 milhões de
católicos existentes no mundo haveriam de fazer ao comunismo.
Em meu
ensaio, procurei frustrar essa manobra já em 1963, mostrando que é
intrínseco ao regime comunista eliminar ou mutilar muito gravemente o
instituto da propriedade privada, o que, por sua vez, é contrário à doutrina
da Igreja. Para ser fiel à sua missão, a Igreja não poderia deixar de
combater tal regime, ainda que este lhe reconhecesse inteira liberdade de
culto. Tal combate criaria um inevitável conflito entre os católicos e
qualquer Estado comunista.
Cheio de lábia e carregado de atrativos, [escultura representando] o sedutor
(Catedral de Estrasburgo) apresenta a suas vítimas a maçã da perdição. Hoje,
o fenômeno se repete com requintes de sofisticação quase inimagináveis.
Procura-se embair não apenas os indivíduos, mas também as multidões. Entre
as táticas utilizadas está a da manipulação do sentido de palavras como
"diálogo", "ecumenismo", "paz", etc.
[*] Publicado pela primeira vez em 1965, teve treze edições, sendo cinco
em português (4 ed. em 1966 e uma em 1974), uma em alemão (no Brasil, em
1967), seis em espanhol (uma na Argentina em 1966, duas na Espanha em 1966
e 1971, uma no México e duas no Chile em 1985) e uma em italiano (1970).
Foi transcrito em nove jornais ou revistas do Brasil, Argentina, Chile,
Colômbia, Espanha, Estados Unidos e Portugal, atingindo o total de 136.500
exemplares.
Este
ensaio mostra por que forma os comunistas se valem do diálogo para debilitar
sub-repticiamente a resistência ideológica de seus adversários, e
especialmente a dos católicos. O assunto aí versado é por demais sutil e
extenso para sequer ser resumido aqui. Uma das observações mais importantes
— de ordem prática — contidas nesse estudo é que, por meio do falso diálogo,
os comunistas não visam tanto alcançar dos católicos que renunciem
explicitamente à Fé, mas que aceitem uma interpretação relativista e
evolucionista da doutrina católica. Assim, corrompe-se a Fé, que por sua
natureza exige uma certeza incompatível com o estado de dúvida inerente ao
relativismo e ao evolucionismo. E, alcançado esse resultado, não é difícil à
propaganda comunista induzir os católicos a esperar do diálogo com o
comunismo o encontro de uma síntese... a qual bem poderia ser, em último
termo, o mesmo comunismo com outra roupagem.
Em 1976
publiquei o livro intitulado
A Igreja ante a escalada da ameaça comunista — Apelo aos Bispos silenciosos[*].
Constitui esse meu trabalho uma análise marcadamente doutrinária das
posições então assumidas pela Hierarquia eclesiástica no Brasil, em favor do
comunismo. A pregação claramente pró-comunista de D. Pedro Casaldáliga,
Bispo de São Félix do Araguaia, por exemplo.
[*] Dado a lume em junho de 1976, o livro alcançou quatro edições (duas em
1976 e outras duas em 1977), num total de 51 mil exemplares, vendidos por
sócios e cooperadores da TFP em 1.700 cidades de 24 Unidades da nossa
Federação.
No
livro, mostro a imensa transformação que se operou no seio do Episcopado
nacional, adversário ferrenho do marxismo até os idos de 1948. Precisamente
por essa época, começou uma rotação para a esquerda do Episcopado. A nova
orientação recebeu grande impulso quando, em 1952, com a formação da CNBB
(Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), D. Helder Câmara foi eleito o
primeiro secretário-geral desse organismo. Os frutos dessa rotação foram os
padres de passeata , as freiras de mini-saia e os
líderes católico -esquerdistas, que apoiaram as agitações
comuno-janguistas.
Após
1964, deu-se um expurgo de comunistas em numerosas instituições brasileiras.
Os meios católicos, entretanto, permaneceram incólumes. Com isso, as
tendências esquerdistas se refugiaram neles. E, assim protegidas, medraram
de modo impressionante, a ponto de mais de uma figura do Episcopado nacional
se ter transformado — por ação ou por omissão — em valioso esteio dos que se
esforçam para comunistizar o Brasil.
Formulei
no livro um apelo veemente aos “Bispos silenciosos” para que falassem. Eram
eles numerosos e dispunham de prestígio suficiente para salvar o Brasil se
simplesmente dessem ampla difusão entre os fiéis dos numerosos documentos
pontifícios sobre o assunto.
Paralelamente a essa triste evolução do Episcopado, mostrei a luta — toda
ela legal e doutrinária — que, em prol da Igreja e da civilização cristã,
vem sendo travada por um grupo de católicos fiéis que se reuniu inicialmente
em torno do “Legionário”, depois de "Catolicismo" , e hoje, já muito
avolumado, constitui a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição,
Família e Propriedade — TFP.
Esse
trabalho eu o quis publicar como estudo introdutório a uma condensação de La Iglesia del Silencio en Chile — La TFP proclama la verdad entera
, brilhante best-seller publicado em janeiro de 1976 pela TFP
chilena. Pois existe entre ambos os trabalhos íntima afinidade. Tal
afinidade resulta da semelhança de situações entre o Brasil e o Chile no que
concerne à atuação da Hierarquia eclesiástica. Lá, ainda mais claramente do
que aqui, a maior parte do Episcopado (e não apenas setores dele, como no
Brasil) trabalhou pela comunistização do país, como prova com abundância de
documentos o referido livro chileno. E isto tanto pela preparação da
ascensão de Frei, o Kerensky chileno [*], e posteriormente de Allende
à presidência da República, quanto pelo apoio que os Bispos deram a este
último durante seu nefasto governo, como ainda pelo esforço que
desenvolveram após sua queda, no sentido de fazer retroceder o país irmão
para as malhas do comunismo.
[*] Sobre o sentido comunistizante da atuação do ex-presidente do Chile,
Eduardo Frei, e da Democracia-Cristã chilena, veja-se Frei, o Kerensky
chileno, de Fábio Vidigal Xavier da Silveira. Publicado pela primeira vez
em 1967 por "Catolicismo" (n° 178/179), teve dez edições, sendo duas
em português, sete em espanhol (três na Argentina, uma na Colômbia, uma no
Equador e três na Venezuela) e uma em italiano. Teve, também, duas
tiragens em Catolicismo (Brasil) e três em “Cruzada” (Argentina). O
diário “La Verdad”, de Caracas, o transcreveu na íntegra, e excertos
apareceram em outros três jornais da mesma cidade. O total dessas edições
é de 128.800 exemplares.
É bem
de ver que, com a ascensão de João Paulo II ao sólio pontifício, em 1978,
todo este processo passou por importantes transformações, as quais implicam
em ajustes não pequenos nesse quadro, para se descrever como ele atualmente
se apresenta.
Para o
estruturalismo , cujo expoente máximo foi o filósofo Lévy Strauss, a
sociedade indígena, por ter ”resistido à História” , é a que mais se
aproxima do ideal humano. E é para essa forma de vida pré-neolítica que —
segundo essa corrente filosófica — devemos retornar.
Se causa
espanto que filósofos ateus defendam teses tão absurdas, mais ainda deve
estarrecer que missionários católicos propugnem como padrão perfeito de
homem o índio selvático, e como modelo ideal de vida humana a vida na taba.
Não
obstante, é bem isto o que acontece. Uma nova corrente missiológica, com
livre trânsito nos meios eclesiásticos, sustenta que a civilização atual
deve desaparecer, para dar lugar ao sistema de vida tribal. Institutos como
a propriedade privada, a família monogâmica e o casamento indissolúvel devem
ser eliminados. A figura clássica dos missionários — evangelizadores e
civilizadores --, como o foram os Padres José de Anchieta e Manoel da
Nóbrega, deve ser abandonada. A nova corrente missiológica, porque não quer
civilizar, não quer catequizar. E porque não quer catequizar, também não
quer civilizar.
Insinua-se nessa conduta uma questão tática. Se a missiologia atualizada
elogiasse a comunidade de bens implantada nos países comunistas, expor-se-ia
inevitavelmente a críticas e refutações incômodas.
Esquivando o perigoso assunto, os novos missionários fazem a apologia do
sistema de vida tribal: exalçam nele a comunidade de bens, a inexistência de
lucro, de capital, de salários, de patrões e empregados, de “privilegiados”
e “marginalizados”, de “opressores” e “oprimidos”, como dizem. E assim
aproveitam a ocasião para invectivar a propriedade privada, em vigor nas
nações civilizadas do Ocidente.
O efeito
concreto dessa tática é que o elogio torrencial da nova missiologia à
propriedade comum, vigente nas tribos indígenas, nem de longe levantou entre
nós a celeuma que a apologia direta das sociedades comunistas de além
cortina de ferro certamente despertaria.
Não cabe
entretanto a menor dúvida. É bem uma sociedade de tipo comunista que
transparece nessa visão idílica do índio selvático, apresentada pela
neomissiologia como ideal para o homem do século XXI.
O maior
problema suscitado por esses delírios não está nos próprios missionários nem
nos índios, cumpre repetir. Está em saber como, na Santa Igreja Católica,
pôde esgueirar-se impunemente essa filosofia, intoxicando seminários,
deformando missionários, desnaturando missões. E tudo com tão forte apoio de
certa retaguarda eclesiástica.
Catolicismo
o publicou em primeira mão (n° 323/324, de novembro-dezembro de 1977). Ainda
em dezembro de 1977, a Editora Vera Cruz lançou a primeira edição em forma
de livro, e depois mais seis edições, totalizando 76 mil exemplares.
A CNBB
constitui um órgão oficial do Episcopado brasileiro. Assim sendo, seus
pronunciamentos devem ser recebidos normalmente pelos católicos como
representando o pensamento da Igreja.
Não
podia portanto deixar de causar a maior perplexidade entre os fiéis a
publicação, ao final da reunião plenária do provecto organismo eclesiástico,
em 1980, na habitual fazenda de Itaici, do documento Igreja e problemas
da terra (IPT). Verdadeiro manifesto agro-reformista, o documento
da CNBB procurava suscitar a ofensiva geral do País contra as propriedades
rurais grandes e médias. Ademais, sugeria às autoridades governamentais
medidas concretas para a imediata efetivação da partilha rural.
Este
fato criava gravíssima questão de consciência, não apenas para os
fazendeiros, mas também para todos os católicos formados segundo a doutrina
tradicional da Igreja, bem como para os homens de pensamento e de ação
existentes no País. Essas três amplas e ponderáveis categorias de
brasileiros muito explicavelmente poderiam se perguntar qual a efetiva
validade magisterial de tantas afirmações, novas e singulares, contidas no
IPT. E qual a autoridade dos argumentos doutrinários do IPT para lançar tão
hirsutas e explosivas asseverações.
Estava
no papel da TFP romper o silêncio e dar a resposta a essas perguntas. Ela o
fez por meio do livro Sou católico: posso ser contra a Reforma Agrária? (1981, 360
pp., 4 edições, 29 mil exemplares), de minha autoria, em colaboração com o
Master of Science em Economia Agrária (pela Universidade da
Califórnia, Berkeley, EUA), Prof. Carlos Patricio del Campo.
O livro
demonstra que o católico deve ser fiel, acima de tudo, aos ensinamentos
tradicionais do Supremo Magistério da Igreja. Ora, um exame detido do IPT
leva à conclusão de que não há consonância entre aqueles ensinamentos e a
Reforma Agrária preconizada pelo documento da CNBB. Em conseqüência, o
católico anti-agro-reformista tem não só o direito, como também o dever de
continuar contrário à Reforma Agrária.
A parte
econômica da obra prova que o documento da CNBB apresenta graves lacunas, ao
traçar o panorama da situação econômica da lavoura brasileira e ao apontar
para a “solução”: a Reforma Agrária que pleiteia. Assim, ainda que o
pronunciamento episcopal não fosse objetável do estrito ponto de vista da
doutrina católica, seria inaceitável do ângulo econômico.
[Para aceder à integral do manifesto clicar
sobre a foto]
O título
em epígrafe constitui ampla exposição e análise crítica do programa
autogestionário de Mitterrand, então recém-eleito Presidente da República
Francesa. Esse trabalho, redigido por mim — endossado e divulgado em nome
próprio pelas treze TFPs então existentes --, foi estampado a partir de
dezembro de 1981 na íntegra em 45 diários de maior circulação de 19 países
da América, Europa e Oceania. Um substancioso resumo do mesmo foi publicado
em 49 países dos cinco continentes, em treze idiomas. Assim, a difusão do
documento atingiu uma tiragem total de 33,5 milhões de exemplares.
Para
aquilatar o alcance do mencionado estudo, é preciso ter em conta que, no
período que precedeu a primeira eleição do Presidente François Mitterrand, a
expressão socialismo autogestionário correspondeu a uma espécie de
primavera propagandística mundial, de maneira a tornar-se moda nos ambientes
da esquerda.
Todo
intelectual que se quisesse mostrar aggiornato , isto é, em dia,
dizia-se socialista autogestionário .
Tal se
devia ao fato de que as palavras “socialismo” e “socialista” estavam em
franco processo de envelhecimento, o qual se tratava de sustar mediante um
disfarce qualquer. Algo à maneira de uma senhora cujos cabelos estão
branqueando, e que por isso procura tingi-los.
Assim, o
socialismo, velho de tantas e tantas décadas, e já com o prateado de sua
velhice estampado nos cabelos, refazia seu semblante chamando-se
autogestionário . Era o modo de revitalizar-se e rejuvenescer.
A
denúncia mundial contra o socialismo autogestionário foi de tal porte que as
palavras autogestão e autogestionário saíram de
moda. E o socialismo não pôde, em seu processo de envelhecimento, continuar
a recorrer à tintura que entretanto lhe estava proporcionando tão bons
resultados propagandísticos.
De lá
para cá, só obteve escassos sucessos...
Pior, o
fato concreto é que o processo de envelhecimento chegou ao ponto em que,
hoje em dia, o socialismo é declarado decrépito pelos seus próprios
dirigentes e partidários.
Uma
sumária crônica dos fatos posteriores à publicação da referida análise, de
minha autoria, atesta o que dissemos.
1.
Com efeito, em 12 de dezembro de 1981 (ou seja, três dias após a
publicação do mencionado documento), um prestigioso quotidiano de língua
inglesa editado em Paris pelo “New York Times” e pelo “Washington Post”, o
“International Herald Tribune”, difundido no mundo inteiro, assim
descreveu a reação do governo socialista francês face à aludida análise a
respeito do Projeto Socialista para a França dos anos 80 : ”Em
Paris, fontes governamentais autorizadas disseram que não estavam
preparadas para reagir a esta publicação, mas que a estavam estudando.
‘Absolutamente não há pânico, e estamos bem mais interessados em saber
quem ou o que se encontra por detrás desta publicação’, declarou
quinta-feira um porta-voz do Eliseu, acrescentando que ‘mais tarde’
poderia haver alguma reação” . Reação esta que em vão se esperaria,
pois que não houve.
2.
Convém recordar o que afirmava o referido Projeto Socialista para a
França dos anos 80 : ”Não pode haver um Projeto Socialista só para
a França. O dilema ‘liberdade ou servidão’, ‘socialismo ou barbárie’
ultrapassa as fronteiras de nosso País .... O socialismo é internacional,
por natureza e por vocação .... A França ou é uma aspiração coletiva, ou
ela simplesmente não é .... Imensas possibilidades existem para um país
como o nosso .... de levar alto e longe, na Europa e no mundo, a mensagem
universal do socialismo” (cfr. _Projet socialiste pour la France
des années 80, Club Socialiste du Livre, Paris, maio de 1981, pp. 18, 108,
126, 164).
Igualmente é oportuno lembrar que os socialistas da velha guarda se
ufanavam de sua filiação marxista. Assim, escrevia em 1980 o
ex-Primeiro-Ministro Pierre Mauroy: “Permanecemos fiéis ao espírito do
marxismo” (cfr. Documentation Socialiste , suplemento n° 2).
3. Em dezembro
de 1991 —
ou seja, depois de 10 anos de fracassadas tentativas do governo
socialista de aplicar seu Projet — em congresso
extraordinário realizado pelo PSF no Arco da Defesa, o radical programa de
1981 foi substituído pelo anódino Novos Horizontes .
Com
efeito, pode-se ler nesse novo projeto: “Na verdade, o empobrecimento
das classes operárias, previsto por certa análise marxista, não se
produziu. O nível de vida, na França, foi quadruplicado entre 1950 e 1990
.... Já não se trata, como ocorria no que concerne à antiquada autogestão
(sic!), de eliminar os empresários para substituí-los por dirigentes
designados pelo Estado ou eleitos pela base .... Os representantes dos
assalariados não devem substituir os chefes na direção da empresa .... A
força do mercado está em ser insubstituível .... Todas as tentativas de
substituí-lo acabaram por fracassar .... O socialismo reivindica e quer
outra organização do Planeta, mas esta deverá desenvolver-se no contexto
de um capitalismo mundializado” (cfr. Michel Charzat, Un nouvel Horizon,
pp. 94, 96 e 97).
4.
Em outubro de 1992, a ministra da Habitação francesa, Marie-Noèlle
Lienemann declarou: “O Partido Socialista acabou. Nós temos que
criar uma nova estrutura, um novo partido” (cfr. “Folha de S. Paulo”,
22-10-92).
Tais
declarações equivalem a um verdadeiro atestado de óbito do sonho
autogestionário dos socialistas franceses [*].
[*] Nota da redação — O leitor desejoso de conhecer mais pormenores sobre
mais este eficaz e salutar documento do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira —
e isto em nível internacional --, se verá plenamente atendido consultando
o livro
Um homem, uma obra, uma gesta (pp. 286 a 297).
Uma
corrente teológica dita ”da libertação” , explicitada pelos teólogos
Gustavo Gutiérrez e Hugo Assmann e impulsionada pela Conferência do
Episcopado Latino-americano de Medellin, em 1968, se expandiu largamente em
círculos teológicos de todo o mundo. Ela procura fundamento na Sagrada
Escritura para erros veiculados por duas correntes doutrinárias distintas,
mas intimamente conjugadas entre si: uma constituída pelo progressismo
no campo da Teologia, da Filosofia e da Moral, com os conseqüentes reflexos
entre os estudiosos do Direito Canônico, da História Eclesiástica etc. E a
outra pelo esquerdismo no campo da sociologia católica, também
com reflexos conseqüentes nos estudos de Economia e de Política promovidos
sob a influência católica, bem como na vida, no pensamento e na ação das
correntes políticas denominadas democratas-cristãs , socialistas
cristãs , socialistas católicas , etc.
A
doutrina da Teologia da Libertação foi condenada em vários de seus aspectos
por João Paulo II, em sua Alocução de Puebla (1979). Não obstante, ela
continuou a se expandir tranqüilamente por todo o Brasil.
As
potencialidades de ação suscitadas ou estimuladas pelo progressismo pedem,
por sua própria natureza, uma organização que dê, no plano concreto, unidade
de metas e de métodos aos clérigos e fiéis engajados no empreendimento de
reformar o Brasil num sentido socializante.
Na
primeira parte, mostro como as CEBs são o instrumento da esquerda católica
para semear o descontentamento na população (especialmente entre os
trabalhadores manuais), transformar em seguida o descontentamento em
agitação e, através dessa agitação, impor aos Poderes Públicos a tríplice
Reforma: Agrária, Urbana e Empresarial. Tudo isso, muito provavelmente, com
vistas a instituir no Brasil um regime socialista autogestionário.
A Parte
II da obra informa o público brasileiro sobre a realidade das CEBs — a
doutrina disseminada por estas, sua organização, seus métodos para
recrutamento de aderentes, e para a ação dos mesmos aderentes sobre o
conjunto do corpo social. Para este efeito, os autores dessa parte da obra
foram colher os dados, por assim dizer, dos próprios lábios daquelas
organizações, isto é, dos escritos em que elas se autodefinem para seus
aderentes e para o público. Completam as informações assim coligidas, outras
notícias de jornais e revistas inteiramente insuspeitos de distorcer os
fatos em detrimento das CEBs.
Flagrante da campanha de difusão do Livro das
CEB's no Viaduto do Chá, na capital paulista
A partir
de agosto de 1982, sócios e cooperadores da TFP encarregaram-se da difusão
da obra por todo o Brasil -- 1510 cidades foram visitadas pelas beneméritas
caravanas de propagandistas da TFP — tendo-se escoado 6 edições do livro,
num total de 72 mil exemplares.
Com a
inesperada doença e em seguida a morte do presidente eleito, Tancredo Neves,
e a ascensão à Presidência da República do Sr. José Sarney, em 15 de março
de 1985 inaugurou-se no Brasil a Nova República. Veio ela disposta a levar
avante a Reforma Agrária, encalhada desde o Estatuto da Terra, promulgado em
novembro de 1964 pelo Governo Castelo Branco.
Concomitantemente, o País estava sendo tumultuado por invasores de
propriedades individuais, os quais procuravam justificar suas investidas
tomando por base uma fundamentação doutrinária de aparência católica.
Nesse
momento em que o País ia entrando numa fase de grandes controvérsias sobre
matérias doutrinárias, técnicas e outras, que marcavam a fundo o desempenho
da Nova República, publiquei o livro
A propriedade privada e a livre iniciativa, no tufão agro-reformista.
Nele analiso, item por item, o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA),
então lançado pelo Governo federal. Como sempre, tomo como base doutrinária
os ensinamentos do Supremo Magistério da Igreja, na defesa da propriedade
privada e da livre iniciativa — e das respectivas funções sociais —
gravemente feridas pelo PNRA.
Em ampla
campanha de esclarecimento da opinião pública acerca da Reforma Agrária, 52
duplas de propagandistas da TFP e quatro caravanas de sócios e cooperadores
da entidade percorreram 694 cidades em 19 Unidades da Federação, fazendo
escoar duas edições do livro, num total de 16 mil exemplares, e mais 30 mil
exemplares de uma edição especial de Catolicismo (n° 415-416,
de julho-agosto de 1985), com excertos do livro.
Nessa
verdadeira epopéia anti-agro-reformista, os propagandistas da TFP
contactaram então mais de dez mil fazendeiros de norte a sul do Brasil.
Toda a
luta que venho desenvolvendo contra a Revolução não ficaria adequadamente
descrita se não mencionasse a contra-ofensiva dos adversários, que se segue
a cada lance maior desse combate.
Enveredar pela narração pormenorizada de tal contra-investida seria alongar
em demasia este auto-retrato filosófico. Restrinjo-me a um exemplo típico.
Apenas
oito dias após seu primeiro lance na batalha anti-agro-reformista que acaba
de ser descrita, a TFP era objeto de uma investida publicitária em matéria
alheia à controvérsia agrária: uma reportagem publicada em “O Estado de S.
Paulo”, ocupando página inteira, sob o título Guerreiros da Virgem,
escravos da TFP .
Tal
reportagem fora precedida por vistosa propaganda publicada durante todos os
dias da semana anterior.
Fazendo
eco à publicidade de “O Estado de S. Paulo”, 29 outros jornais e revistas de
todo o País divulgaram matérias de variadas extensões, com esse mesmo
conteúdo.
O eixo
de toda a celeuma era o livro Guerreiros da Virgem — A vida secreta da
TFP , pouco depois colocado à venda nas livrarias de São Paulo e de
outras cidades do Brasil. Seu autor, o Sr. José Antonio Pedriali, fora
cooperador da entidade, e agora integrava o quadro de jornalistas de “O
Estado de S. Paulo”.
Para
condensar numa única frase todo o extenso corpo de acusações do Sr. J.A.P.,
pode-se dizer que, segundo ele, a TFP seria uma seita de
caráter iniciático que, por meio da lavagem cerebral , produz efeitos
altamente danosos sobre seus sócios e cooperadores.
Tão
pesadas acusações eram feitas em tom de uma aparente naturalidade, quase
sorridente. Ao mesmo tempo, o livro inclui descrições tão cruamente imorais,
e até tão obscenas, de lances da conduta do autor em seu processo de
afastamento da TFP, que poderiam figurar na farta literatura pornográfica
atualmente em curso no País.
Tudo
isto vinha à tona, como foi dito, no preciso momento em que a TFP se erguia
mais uma vez contra a Reforma Agrária socialista e confiscatória.
Procurava-se inculcar no público uma nova imagem da entidade: a TFP não
seria... anticomunista! Não seria o que todo o povo brasileiro sabe que,
desde sua fundação, ela é de modo ininterrupto, notório e heróico. Seria,
pelo contrário, uma seita obscura, e todo o gigantesco esforço
anticomunista de seus sócios e cooperadores não passaria de uma miragem, de
um embuste.
Apesar
da propaganda estrondejante que precedeu e acompanhou o lançamento desse
livro, ele nem de longe causou o efeito que seu autor e a lançadora pareciam
esperar.
”Tudo
quanto é exagerado é insignificante” -- afirmou Talleyrand. O
desmesurado, o evidentemente inverossímil da acusação do Sr. J. A. Pedriali
reduziu-a liminarmente à merecida insignificância.
A
resposta da TFP a essas acusações constou do livro que escrevi,
Guerreiros da Virgem: a réplica da autenticidade — A TFP sem segredos
(Editora Vera Cruz, São Paulo, 1985, 333 pp.). Nele aponto as manipulações
que se têm feito da palavra seita , com vistas a denegrir as
entidades que, como a TFP, levantem obstáculos ao processo revolucionário.
Ali mostro, também, que lavagem cerebral é uma expressão
jornalística que os cientistas de bom quilate não levam a sério.
Como de
hábito, à réplica da TFP seguiu-se o silêncio dos adversários, que nada
encontraram para treplicar.
Na
verdade, as batalhas da TFP, nas quais, como é óbvio, me encontro
pessoalmente envolvido, caracterizam-se por um ritornello : 1°) a uma
campanha nossa segue-se uma contra-ofensiva dos adversários sobre um ponto
extrínseco ao tema da campanha; 2°) a TFP refuta as acusações dos
adversários e estes se calam; 3°) tempos depois (às vezes anos), os
adversários (os mesmos ou outros) voltam às acusações iniciais, como se nada
houvesse sido refutado!...
A Nova
República prosseguia no seu esforço inglório de implantar no Brasil o
agro-socialismo confiscatório. A TFP, sempre atenta, acompanhava de perto
cada lance.
Em 1986,
a meu pedido, o conhecido Master of Science em economia
agrária, Carlos Patricio del Campo, sócio efetivo da TFP brasileira,
escreveu o livro Is Brazil Sliding Toward the Extreme Left? -- Notes on
the Land Reform Program in South America’s Largest and Most Populous Country
, que a TFP norte-americana lançou em Washington, em outubro de 1986.
Receberam o livro os principais centros de decisão norte-americanos: todos
os membros de primeiro e segundo escalão do Governo dos Estados Unidos;
todos os senadores e deputados, embaixadores norte-americanos; bancos
internacionais com sede nos Estados Unidos, centenas de intelectuais
conservadores, brazilianists e 1.100 jornalistas.
A obra
apresenta penetrante análise da realidade sócio-econômica brasileira,
solidamente baseada em estatísticas insuspeitas. Os prestidigitadores da
fome e da miséria, os quais, sob esse pretexto, queriam impingir ao País uma
Reforma Agrária socialista e confiscatória, ficavam, assim, privados de sua
insustentável argumentação.
No
prefácio do livro descrevo, em rápidas pinceladas, o Brasil real, em
confronto com o quadro profundamente pessimista e tendencioso apresentado
pela propaganda esquerdista no Exterior [N.Site:o prefácio pode ser
lido aqui, em inglês].
Entrementes, a TFP se preparava para entrar em nova campanha, desta vez para
divulgar o livro de minha autoria,
No Brasil, a Reforma Agrária leva a miséria ao campo e à cidade — A TFP
informa, analisa, alerta (Editora Vera Cruz, São Paulo, 64
pp.), no qual faço um balanço de 25 anos de luta contra o agro-socialismo
confiscatório, e incito os fazendeiros e produtores rurais a não se deixarem
embair pelo velho slogan agro-reformista ceder para não
perder , alertando-os para o fato de que a irresolução deles era a
primeira condição de êxito da investida agro-reformista.
Da obra
foram feitas quatro edições, num total de 55 mil exemplares, vendidos
diretamente ao público em campanhas de rua, pelos propagandistas da TFP.
Dado que
o modelo de democracia-direta -- que vigeu, por exemplo, nos
Estados de dimensões municipais da Antigüidade helênica — é impraticável nos
Estados contemporâneos, devido à amplitude de sua população e de seu
território, a democracia se exerce neles de modo indireto , ou seja,
representativo .
Assim,
os cidadãos elegem representantes, que votam as leis e dirigem o Estado
segundo as intenções do eleitorado. É democracia representativa .
A
relação entre o eleitor e o candidato por ele sufragado é, em essência, a de
uma procuração. O eleitor confere ao candidato a deputado ou senador de sua
preferência um mandato, para que exerça o Poder Legislativo segundo o
programa que este deve expor normalmente ao conhecimento da opinião pública
durante a campanha eleitoral.
Análogas
afirmações cabem quanto às eleições para o preenchimento de vagas no Poder
Executivo.
Em
conseqüência de quanto fica aqui exposto, a autenticidade do regime
democrático repousa por inteiro sobre a autenticidade da representação.
É isto
óbvio. Pois, se a democracia é o governo do povo, ela só será autêntica se
os detentores do Poder Público (tanto o Executivo como o
Legislativo ) forem escolhidos e atuarem segundo os métodos e tendo em
vista as metas desejados pelo povo.
Se tal
não se dá, o regime democrático não passa de uma vã aparência, quiçá de uma
fraude.
Tal
problema se colocava de modo agudo para os brasileiros que tinham sido
chamados a eleger, em 15 de novembro de 1986, parlamentares que formariam a
futura Assembléia Nacional Constituinte.
Realizado o pleito eleitoral, impunha-se fazer um estudo que versasse ao
mesmo tempo sobre a representatividade da Constituinte então eleita e sobre
o Projeto de Constituição que ela estava elaborando.
O
resultado desse estudo foi o livro
Projeto de Constituição angustia o País , que concluí em outubro
de 1987, e que foi oferecido a todos os Constituintes como contribuição para
evitar o funesto desfecho que se podia vislumbrar ante o eventual divórcio
do novo texto constitucional em relação ao pensamento majoritário da Nação.
Na Parte
I desse trabalho analiso os requisitos para a representatividade de uma
eleição. Faço aí a distinção entrepolíticos-profissionais e
profissionais-políticos , e mostro como o ingresso destes últimos na
vida pública, como representantes autênticos das mais variadas profissões ou
campos de atividade, enriqueceria o quadro político do País.
Nisso
estaria, a meu ver, o meio para desfazer o alheamento do eleitorado
(manifestado pela surpreendente porcentagem de abstenções, votos brancos e
nulos) e sanar a carência de representatividade da Constituinte, melancólico
resultado da eleição-sem-idéias de 1986 (Parte II).
A essa
carência de representatividade congênita veio somar-se outra, decorrente do
funcionamento tumultuado e anômalo da própria Constituinte, em que as
inautenticidades se sucediam em cadeia: 1°) o Plenário da Constituinte era
menos conservador do que o eleitorado; 2°) as Comissões temáticas eram mais
esquerdistas que o Plenário; 3°) a Comissão de Sistematização (que
coordenava o trabalho preparado pelas Comissões temáticas) apresentava a
maior dose de concentração esquerdista da Constituinte. Assim, uma minoria
esquerdista ativa, articulada, audaciosa, ameaçava arrastar o País por rumos
não desejados pela maioria da população (Parte III).
Na Parte
IV analiso o Projeto de Constituição que então subia para debate em
Plenário, e mostro como se estava dando um grande passo rumo à socialização
integral do Brasil, notadamente no que concerne à desagregação da família e
ao minguamento da propriedade particular.
O livro
termina com uma proposta concreta: em primeiro lugar, votar-se-ia uma
Constituição sobre a organização política, a respeito da qual facilmente se
pode chegar a um consenso nas condições atuais da opinião pública
brasileira. Aprovada essa parte pelos constituintes, seria submetida a um
referendum popular. Numa segunda etapa, após amplo trabalho de
esclarecimento da população sobre as matérias de natureza sócio-econômica, a
respeito das quais há uma profunda divisão, elaborar-se-ia um complemento, o
qual também seria submetido a referendum . Isto importaria em dar à
população a maior largueza possível de expressão, e a Constituinte, em
pontos tão delicados, elevar-se-ia ao nobre papel de interrogar o povo para
conhecer sua vontade.
Sócios e
cooperadores da TFP consagraram-se, durante cinco meses, a difundir a obra
por mais de 240 cidades de 18 Unidades da Federação, fazendo escoar os 73
mil exemplares editados.
Ressalte-se a média recorde de 1.083 exemplares diários vendidos durante os
dezenove dias de difusão intensiva na Grande São Paulo.
Finalmente, esboçou-se uma certa reação dos elementos mais conservadores no
seio da Constituinte; porém faltavam-lhes o ímpeto e a determinação
necessários para reverter o processo descrito no livro. E o Brasil foi
presenteado com uma Constituição que criaria em seguida toda
espécie de embaraços para a governabilidade do País.
Um dos
aspectos mais graves da presente crise brasileira tem como causa profunda o
processo de deperecimento gradual de nossas elites.
Desde
fins do século XIX, esse fenômeno se vem produzindo com crescente
intensidade, sem que nosso otimismo brasileiro, despreocupado e bonacheirão,
tenha dado ao fato a devida atenção. E isto nos conduziu a este terrível fim
de século.
Em
qualquer campo de atividade onde se queiram reintroduzir a honradez, a
competência e a ordem, não faltam sugestões inteligentes a pôr em prática.
Mas a grande questão que surge desde logo é a da constituição, para cada
plano, de uma equipe moral e intelectualmente capaz. Inteligências — muitas
das quais até insignes — não nos faltam. Infelizmente nossa maior carência é
no campo moral, e a todo momento nos encontramos diante desta embaraçosa
constatação.
E por
que não temos tais equipes? Porque não temos as necessárias elites. Onde há
elites moral e intelectualmente capazes, os homens idôneos por sua
competência e por sua moralidade não faltam. Onde não há elites, os homens
de real valor são raros, pouco conhecidos e condenados a vegetar anônimos na
multidão dos medíocres ou dos gatunos.
O
memorável Pontífice Pio XII (1939-1958) previu provavelmente que, mais cedo
ou mais tarde, as condições morais do mundo moderno levariam a essa situação
quase todos os países. O que lançaria a humanidade em uma crise onímoda de
imprevisíveis conseqüências. Assim é que ele pronunciou, em seu pontificado,
catorze importantíssimas alocuções, as quais contêm um apelo a que fossem
preservados cuidadosamente, nos países com tradição nobiliárquica, as
aristocracias respectivas. E que, ao mesmo tempo, as elites novas,
originadas do trabalho exercido no campo da cultura, como no da produção,
encontrassem condições propícias para constituírem elites autênticas,
congêneres com a nobreza por sua formação moral e cultural, como por sua
capacidade de mando. Caber-lhes-ia formar, à maneira da nobreza, verdadeiras
elites capazes de originar homens de escol nos mais variados campos.
No
Brasil, o apelo de Pio XII quase não teve repercussão. Teve-a escassa em
outros países. E, assim, a falta de elites, que para nós era um problema
trágico, para outras nações constitui problema sério a que cumpre dar
remédio urgente.
A
primeira edição desta obra em idioma português foi confiada à notável
Editora Civilização, de Portugal, e veio a lume em abril de 1993. Traduzida
para o castelhano, a obra foi divulgada na Espanha pela Editora Fernando
III El Santo. Essa edição cobriu não só o território espanhol, como o
das nações hispano-americanas.
Nos
Estados Unidos, a obra foi publicada pela importante editora Hamilton Press,
e teve seu lançamento oficial no prestigioso Mayflower Hotel de Washington,
em setembro de 1993. Na ocasião, diante de um público de 850 convidados,
entre os quais a Arquiduquesa Mônica da Áustria e o Duque de Maqueda, Grande
de Espanha, discursaram personalidades de alto relevo na vida pública
norte-americana.
Na
França, publicado pela Editora Albatros, o livro vem encontrando larga
aceitação em amplos setores daquele país.
Na
Itália, a obra foi publicada pela Editora Marzorati, e apresentada no
Congresso da Nobreza Européia, realizado em Milão em outubro de 1993, como
também numa concorrida sessão de lançamento oficial no Circolo della Stampa,
Palácio Seberlloni, daquela cidade.
O
lançamento em Roma ocorreu no histórico palácio da Princesa Elvina
Pallavicini, com a presença do Cardeal Alfons Stickler, de Mons. Cândido
Alvim Pereira, Arcebispo emérito de Lourenço Marques, do Arquiduque Martin
da Áustria, de príncipes, princesas e inúmeros outros membros da mais alta
aristocracia italiana.
Lançamento do livro Nobreza e elites tradicionais análogas no
Palácio Pallavicini em Roma
Nesses
diversos atos, a obra foi, além de acuradamente analisada, também vivamente
elogiada pelos distintos conferencistas que se sucederam no decurso das
sessões então realizadas.
Na
imprensa romana, a repercussão desse lançamento foi das mais vivas. Os
principais quotidianos noticiaram com grande destaque o evento, o qual
chegou a ser apresentado (“Il Tempo”, 31-10-93) como ”os estados gerais
da aristocracia negra” (assim é designada a parte mais tradicional
da nobreza romana, a qual, solidária com a Santa Sé, se recusou a reconhecer
a anexação forçada dos Estados Pontifícios à Itália).
Importa
consignar aqui essas excelentes repercussões da obra, para mostrar a
atualidade do tema nela tratado. Pois o mero enunciado do título dela
poderia parecer, a várias pessoas, como de interesse unicamente histórico.
De sua
perfeita consonância com o ensinamento pontifício dão testemunho calorosas
cartas de apoio dos Emmos. Cardeais Silvio Oddi, Luigi Ciappi, Alfons M.
Stickler e Bernardino Echeverría, e de teólogos de fama mundial, como os
padres Raimondo Spiazzi OP, Victorino Rodríguez OP, e Anastasio Gutiérrez
CMF.
Minha
atuação doutrinária desenvolve-se também por meio de pronunciamentos
publicados pela imprensa, TV e rádio, sobre as questões mais candentes, ou
pelo envio às autoridades, de estudos e análises sobre temas de atualidade.
Essa ação, exerço-a por vezes em nome pessoal, porém mais freqüentemente em
nome do Conselho Nacional da TFP, que tenho a honra de presidir. Cito alguns
exemplos.
- Em
dezembro de 1970 publiquei na imprensa diária um longo documento,
essencialmente doutrinário, intitulado
Análise, defesa e pedido de diálogo , defendendo a TFP dos
ataques que lhe fazia o então Primaz do Brasil e Arcebispo de Salvador,
Cardeal D. Eugênio Sales, e ressaltando as afinidades ideológicas deste
com o Arcebispo emérito de Recife, D. Helder Câmara, no que se refere ao
esquerdismo.
- Em
1972 enviei ao então Ministro da Justiça, Prof. Alfredo Buzaid, uma
análise sobre o anteprojeto de Código Civil, no qual apontava uma
tendência genérica ao relaxamento dos vínculos constitutivos da família e
um injustificável preconceito contra a condição de proprietário, em
benefício de uma concepção coletivista da sociedade humana.
- Em
abril de 1974, tendo chegado a seu auge a Ostpolitik
vaticana, trazendo como conseqüência enorme perturbação de consciência
para a maioria anticomunista de católicos, vi-me levado pelas
circunstâncias a elaborar um documento — vazado na linguagem mais
reverente — em que demonstro, com base na doutrina católica, a liceidade
da resistência à détente com o comunismo, então promovida
pelo Vaticano. Esse documento, intitulado
A política de distensão do Vaticano com os governos comunistas — Para a
TFP: omitir-se? ou resistir? , foi largamente difundido pela
imprensa nacional e internacional[*].
Monsenhor Cesar Zacchi—à
direita de Fidel Castro na foto,—oferece
uma recepção, no Palácio da Nunciatura, por ocasião de sua
sagração como bispo de Zella. O ato teve a participação de
Monsenhor Clarizzo—à
esquerda do ditador -, então Delegado Apostólico no Canadá.
Exemplo da política de distensão vaticana com o castrismo, e que
tinha por efeito a desmobilização psicológica dos católicos em
relação ao perigo comunista.
[*] O documento — verdadeiro manifesto — foi publicado em 57 diários de
onze países: no Brasil, em 36 jornais dos mais diversos pontos do País; na
Argentina em “La Nación”, de Buenos Aires, e “La Voz del Interior”, de
Córdoba; no Chile em “La Tercera”, de Santiago, “El Sur”, de Concepción,
“El Diario Austral”, de Temuco, “La Prensa”, de Osorno; no Uruguai em “El
País”, de Montevidéu; na Bolívia em “El Diario”, de La Paz; no Equador em
“El Comercio”, de Quito; na Colômbia em “El Tiempo” e “El Espectador”, de
Bogotá; na Venezuela em “El Universal”, “El Nacional”, “Ultimas Noticias”,
“El Mundo” e “2001”, de Caracas; nos Estados Unidos em “The National
Educator”, de Fullerton, Califórnia; no Canadá em “Speek Up”, de Toronto;
na Espanha em “Hoja del Lunes” e “Fuerza Nueva”, de Madrid e “Región”, de
Oviedo . Divulgaram-na, também, além de Catolicismo , os jornais e
revistas das diversas TFPs e entidades afins: “Tradición, Familia,
Propiedad”, da Argentina; “Fiducia”, do Chile; “Cristiandad”, da Bolívia;
“Reconquista”, do Equador; “Cruzada”, da Colômbia; “Covadonga”, da
Venezuela e “Crusade for a Christian Civilization”, dos Estados Unidos.
- Em
fevereiro de 1990, diante da espetacular derrubada do muro de Berlim e da
cortina de ferro, e dos abalos políticos que se sucediam nos diversos
países do bloco comunista, redigi o manifesto intitulado
Comunismo e anticomunismo na orla da última década deste milênio,
em que analiso o Descontentamento (assim grafado com inicial maiúscula)
que lavrava naquelas nações e que logo depois teria como resultado o
esfacelamento do império soviético. O manifesto foi publicado pelas
diversas TFPs em 21 jornais de oito países da América e da Europa.
Como
jornalista, comecei minha carreira no “Legionário”,
então expressão do pensamento da Congregação Mariana da paróquia de Santa
Cecília, e mais tarde órgão oficioso da Arquidiocese de São Paulo. Algo já
disse sobre minha atuação à frente desse periódico, do qual fui diretor de
1933 a 1947.
Em 1951,
com a maior parte dos antigos colaboradores do “Legionário”, comecei a
escrever no mensário
"Catolicismo", que então se fundava, e o qual continua a ser
publicado com crescente pujança. "Catolicismo" tem uma tiragem
média que atinge 15 mil exemplares, além de edições especiais de várias
dezenas de milhares.
Acima, sala de reuniões da então Sede da Presidência e do Conselho Nacional
da TFP brasileira, à Rua Maranhão, n.° 341, São Paulo, solenemente inaugurada em
25 de dezembro de 1970. "Essa sede é consagrada ao Reino de Maria, sendo
denominada, na linguagem corrente da TFP, Sede do Reino de Maria. Com isso, os
sócios e cooperadores da entidade querem manifestar o seu ardente desejo da
plena restauração da civilização cristã em nossos dias, conforme a promessa de
Nossa Senhora nas aparições de Fátima: 'Por fim, o meu Imaculado Coração
triunfará'. O Reino de Maria – segundo explanam vários santos insignes,
especialmente São Luís Maria Grignion de Montfort – é a plena vigência dos
princípios do Evangelho na sociedade humana, espiritual e temporal" (cfr. "Um
homem, uma obra, uma gesta – Homenagem das TFPs a Plinio Corrêa de Oliveira",
Capítulo V, 30). Atualmente, neste imóvel se acha a sede do Instituto Plinio
Corrêa de Oliveira.
Foi
também em "Catolicismo" que criei e mantive, durante vários
anos, a seção
Ambientes, Costumes, Civilizações , por muitos apontada como a
expressão rica e original de uma escola de produção intelectual. Essa seção
constava da análise comparativa de aspectos do presente e do passado, tendo
por objeto monumentos históricos, fisionomias características, obras de arte
ou de artesanato, apresentados ao leitor através de fotos. Tal análise,
feita à luz dos princípios que explicitei em Revolução e Contra-Revolução
, tinha por meta mostrar que a vida de todos os dias, em seus aspectos-ápice
ou triviais, é suscetível de ser penetrada pelos mais altos princípios da
Filosofia e da Religião. E não só penetrada, mas também utilizada como meio
adequado para afirmar ou então negar — de modo implícito, é verdade, mas
insinuante e atuante — tais princípios. De tal forma que, freqüentemente, as
almas são modeladas muito mais pelos princípios vivos que
pervadem e embebem os ambientes, os costumes e as civilizações, do que pelas
teorias por vezes estereotipadas e até mumificadas, produzidas à revelia da
realidade, em algum isolado gabinete de trabalho ou postas em letargo em
alguma biblioteca empoeirada. De onde a tese de Ambientes, Costumes,
Civilizações consistir em que o verdadeiro pensador também deve
ser normalmente um observador analista da realidade concreta e palpável de
todos os dias. Se católico, esse pensador tem ademais o dever de procurar
modificar essa mesma realidade, nos pontos em que ela contradiga a doutrina
católica.
De 1968
a 1990 colaborei como articulista assíduo na
“Folha de S. Paulo”, analisando problemas da atualidade brasileira e
mundial sob o ângulo doutrinário. Com freqüência que se tornou habitual,
meus artigos são reproduzidos em jornais norte-americanos e
latino-americanos.
Com este artigo o Prof.
Plinio iniciou a colaboração com aFolha
de S.Paulo, que se estenderia até 1990
Em meus
livros e artigos, denunciei amplamente o grande desgaste do comunismo
marxista e sua incapacidade de empolgar as multidões e conquistar o poder,
e, conseqüentemente, a necessidade em que ele se encontrou, para dar curso à
Revolução encalhada, de recorrer com eficiência aos ardis da guerra
psicológica revolucionária.
Acontecimentos posteriores patentearam tragicamente, diante do mundo
estupefato, a procedência de minhas afirmações sobre o impressionante
desgaste do chamado comunismo ortodoxo. Acentuo o fato para mostrar que o
caráter tradicionalista de uma corrente de pensamento não lhe tira a visão
da realidade. Pelo contrário, nenhuma análise lúcida do presente pode
prescindir da tradição que o impregna, e em função da qual — a favor ou
contra — se estrutura o porvir.
Empreguei intencionalmente a expressão corrente de pensamento . Creio
que, mais ainda do que em meus livros e na minha atuação como professor
universitário e jornalista, encontro a imagem de meu pensamento e o fruto de
meu trabalho doutrinário em um grupo de estudos e de ação, que se constituiu
inicialmente em torno do “Legionário”, e em seguida de Catolicismo .
Fosse este grupo socialista ou comunista, e as tubas da propaganda já teriam
levado seu nome ao conhecimento do mais largo público, tal a inteligência, a
cultura, a lucidez de observação que distinguem meus nobres companheiros.
Preferiram eles, entretanto, aceitar desinteressadamente as conseqüências da
campanha de silêncio que tenta abafar implacavelmente, em nossos dias de
pretensa liberdade, a voz de quantos cantam fora do coro da Revolução
universal.
Destaco
aqui o nome daqueles que a Providência já chamou a si: pelo brilho de sua
colaboração no “Legionário” e em Catolicismo , o vigoroso polemista
que foi o engenheiro José de Azeredo Santos; o professor universitário
Fernando Furquim de Almeida, autor de estudos históricos de alto mérito; o
advogado, escritor e redator exímio, José Carlos Castilho de Andrade, sob
cujas mãos os artigos e textos de Catolicismo alcançavam um
brilho e uma correção inexcedíveis. Foi ainda uma emanação dessa corrente de
pensamento o livro penetrante, ao qual já me referi, de Fábio Vidigal Xavier
da Silveira, Frei, o Kerensky chileno , qualificado de “profético”
por observadores políticos chilenos.
O
mencionado núcleo de homens de estudo e de ação constituiu o pugilo inicial
da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade. Essa
Sociedade é não só um precioso instrumento de difusão de todas as obras aqui
referidas, mas também uma pública afirmação de que na juventude de hoje a
tradição, a família e a propriedade, valores essenciais da civilização
cristã, são capazes de despertar entusiasmo e dedicação sem limites.
Nos
cursos, nas pensões, nas sedes que a TFP mantém em cerca de trinta cidades
dos mais diversos Estados da Federação, a grande maioria dos freqüentadores
são jovens que se transformam em cooperadores abnegados e fervorosos.
Ultrapassam eles, em nosso País, a cifra de 1.200.
Os
jovens cooperadores da TFP são provenientes de famílias das mais variadas
classes sociais, desde representantes da antiga nobreza imperial, da velha
aristocracia rural da I República e dos novos capitalistas do mundo
industrial e bancário da II República, até famílias de trabalhadores
manuais, passando por toda a gama dos estratos sociais intermediários.
A TFP
conta também com a colaboração de correspondentes-esclarecedores ,
isto é, pessoas que, permanecendo extrínsecas ao quadro social, dão
solidariedade irrestrita aos princípios e aos métodos desta Sociedade, e
empregam o tempo que lhes deixe livres o cumprimento de seus deveres
familiares e profissionais, na propaganda da TFP, de suas doutrinas e
ideais.
Graças
ao trabalho desinteressado e elevadamente idealista dos cooperadores da TFP
e, na medida de suas possibilidades, dos correspondentes da mesma, a
entidade tem podido empreender uma série de campanhas, cuja narração entra a
propósito aqui, porque são reflexo do pensamento a que dediquei minha vida:
- Em
1968,
a TFP realizou em todo o Brasil uma campanha de coleta de
assinaturas, desta vez pedindo a Paulo VI medidas contra a infiltração
esquerdista em meios católicos. O fato detonador da campanha foi o
tristemente célebre documento Comblin , no qual o sacerdote belga
Joseph Comblin, acobertado em Recife por D. Helder Câmara, pregava
reformas escandalosamente subversivas. Nessa ocasião, 1.600.368
brasileiros subscreveram, em apenas 58 dias, o abaixo-assinado. As TFPs da
Argentina, Chile e Uruguai resolveram fazer análoga campanha face a
problemas surgidos nos seus respectivos países, o que resultou no envio a
Paulo VI de um total de 2.025.201 assinaturas.
- Já
no ano seguinte tratou-se da difusão de um número especial de
Catolicismo , denunciando os chamados “grupos proféticos” e o IDO-C,
organismos enquistados na Igreja para corroê-la internamente, e levá-la
depois a jogar-se na subversão. Nessa ocasião, dezenove caravanas de
jovens propagandistas percorreram, em 70 dias, 514 cidades (em vinte
Estados) de nosso território. Foram então vendidos 165 mil exemplares de
Catolicismo . Foi nessa campanha que, pela primeira vez, por
iniciativa minha, a TFP lançou, para uso dos seus cooperadores, a capa
rubra ostentando o leão áureo, hoje tão conhecida. Juntamente com o
estandarte, as capas têm marcado, de lá para cá, não só a fisionomia da
TFP, mas — por ocasião das campanhas da entidade — a própria paisagem das
cidades brasileiras.
-
Cinqüenta cidades de nosso País assistiram, em 1970, à campanha de
divulgação, feita pela TFP, de um artigo-manifesto que redigi, intitulado
Toda a verdade sobre as eleições no Chile . Contribuiu ele
sensivelmente para anular o mau efeito que a propaganda comunista
procurava produzir no Brasil, quando da eleição do socialo-comunista
Allende para Presidente da República andina. Foram distribuídos na ocasião
550 mil exemplares desse manifesto, além da venda, em larga escala, de
Frei, o Kerensky chileno .
- Em
dezembro do mesmo ano, a TFP arrecadou, em campanha pública realizada em
quatro das principais capitais do País, grande quantidade de dinheiro,
roupas, brinquedos e gêneros alimentícios, para o
Natal dos pobres. O
produto da coleta foi entregue a associações de caridade, para que o
distribuíssem.
- Em
fins de 1972 e início de 1973, a TFP promoveu uma campanha de porte
nacional para a difusão da corajosa e oportuníssima Carta Pastoral
sobre Cursilhos de Cristandade , de D. Antonio de Castro Mayer [*].
Nela, o então Bispo de Campos alertava os católicos de sua Diocese sobre
perigosos erros doutrinários, inclusive abertura para o marxismo, que
afetavam numerosos setores desse movimento. Em quatro meses, treze
caravanas com 120 propagandistas percorreram 1328 cidades de norte a sul
do Brasil, vendendo 93 mil exemplares da Pastoral.
[*] Nota da redação — O referido documento foi redigido, portanto, 10 anos
antes do afastamento do Prelado em relação à TFP.
- Em 1974, sócios e cooperadores da TFP
empenham-se em ajudar o Exército Azul de Nossa Senhora de Fátima a
promover a peregrinação da Imagem de Nossa Senhora de Fátima, que chorara
milagrosamente em Nova Orleans, Estados Unidos. O bem que essa Imagem
Peregrina tem feito às almas, no Brasil e no Exterior, é literalmente
incalculável. Mais de 500 mil pessoas acorreram para venerá-la em seu
percurso pela América do Sul.
Flagrantes da campanha de difusão da Carta Pastoral "Pelo
casamento indissolúvel"
- Em 1975 o divorcismo voltou à carga,
através de duas emendas constitucionais. A TFP também retornou às ruas,
desta vez para difundir a Carta Pastoral Pelo casamento indissolúvel , do
Bispo de Campos, D. Antonio de Castro Mayer. Em pouco mais de um mês
venderam-se cem mil exemplares da Carta Pastoral. As emendas divorcistas
foram rejeitadas.
- A partir de maio de 1977, a TFP do
Brasil, bem como as demais TFPs do continente americano, divulgaram em
seus respectivos órgãos de imprensa e em dezenas de milhares de folhetos
um importante estudo entregue pela TFP norte-americana aos membros de
ambas as Casas do Congresso, ao Departamento de Estado e a influentes
personalidades da vida pública dos Estados Unidos. Intitulado “Direitos
humanos na América Latina — o utopismo democrático de Carter favorece a
expansão comunista” [N.Site:
em português podem ser lidos resumos e/ou adaptações desse manifesto
aqui e
aqui], o estudo da TFP norte-americana observa que a
administração Carter "se outorgou o direito de definir, dogmaticamente, e
com validade absoluta para todos os povos, grande número de pontos
controvertidos, como se fosse uma espécie de Vaticano infalível,
determinando a natureza das liberdades civis que todas as nações têm que
aceitar”.
“Yo me siento con esta ropa de guerrillero, como me podría
sentir revestido de sacerdote”, declara Mons. Pedro
Casaldáliga, Bispo de São Félix de Araguaia, Brasil, em meio a
aplausos e gritos frenéticos em evento na PUC de São Paulo no
anos 80 [Para
mais detalhes ver aqui]
- Expoentes da Teologia da Libertação
reuniram-se em fins de fevereiro de 1980 em Taboão da Serra, em São Paulo.
À noite, entretanto, eram realizadas pelas CEBs sessões de animação dos
participantes da jornada de Taboão da Serra, no Teatro da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (TUCA). A noite de 28 de fevereiro foi
especialmente consagrada à Revolução Sandinista da Nicarágua, e constituiu
um forte incitamento à guerrilha, feito pelos sandinistas à esquerda
católica brasileira e de toda América Latina.
"Catolicismo" obteve a gravação da sessão (facultada, aliás, a
qualquer pessoa presente) e a publicou, com comentários meus, no número de
julho-agosto de 1980. As caravanas de propagandistas da TFP
divulgaram a reportagem de Catolicismo por todo o território
nacional (36.500 exemplares). As TFPs da Argentina, Colômbia, Equador,
Uruguai e Espanha reproduziram meu estudo sobre a
Noite Sandinista em seus respectivos países, totalizando, com a
edição do Brasil, 80.500 exemplares.
- Consultados por proprietários rurais,
os professores Sílvio Rodrigues, da Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo, e Orlando Gomes, da Faculdade de Direito da Universidade
Federal da Bahia, afirmam, em bem fundamentados pareceres, que toca aos
fazendeiros, desassistidos do Poder Público, o direito de defender-se à
mão armada contra bandos de desordeiros que tentam invadir suas
propriedades, com a intenção de ocupá-las ilegalmente. A partir de janeiro
de 1986, a TFP deu a mais ampla divulgação aos pareceres dos dois
eminentes jurisconsultos, fazendo-os publicar em 87 jornais de 76 cidades
de 21 Estados.
- Durante 130 dias, de 31 de maio a
princípios de outubro de 1990, as TFPs e Bureaux -TFP reuniram 5.218.020
assinaturas em 26 países, para um abaixo-assinado hipotecando
solidariedade à declaração de independência da Lituânia do jugo soviético.
Uma delegação das TFPs, de onze membros, entregou o abaixo-assinado ao
Presidente da Lituânia, Vytautas Landsbergis, no dia 4 de dezembro de
1990. No dia 6, já em Moscou, a delegação se fez fotografar em plena Praça
Vermelha, desfraldando um estandarte da entidade, com todos os seus
integrantes portando a capa vermelha característica das TFPs. E no dia 11
do mesmo mês a comitiva entregou, nos próprios escritórios do Kremlin, uma
carta coletiva dos presidentes de todas as TFPs ao Presidente da URSS,
Mikhail Gorbachev, solicitando-lhe formalmente que, diante dessa
categórica manifestação do mundo livre, removesse todos os obstáculos que
impediam a Lituânia de alcançar sua plena independência.
"No dia 6 de dezembro, já em
Moscou, a delegação das TFPs se fez fotografar em plena Praça Vermelha,
desfraldando um estandarte da entidade, com todos os seus integrantes
portando a capa vermelha característica das TFPs"
-
Entre as memoráveis campanhas da TFP,
incluem-se também as de difusão dos livros que escrevi, bem como das
demais obras editadas sob os auspícios da entidade. Dentre estas, cabe
destacar, pela sua originalidade, a coleção intitulada Diálogos Sociais .
Consiste ela em vários opúsculos que tratam de diversos temas ligados à
problemática comunismo-anticomunismo, no diapasão em que são habitualmente
sentidos e comentados pelo homem comum em conversas caseiras e encontros
de rua. Os Diálogos Sociais colocam ao alcance do grande público, de
modo resumido e substancioso, argumentos para que ele possa premunir-se
contra as artimanhas da propaganda do socialismo e do comunismo. Os três
opúsculos da coleção editados no Brasil intitulam-se: N° 1 -- A
propriedade privada é um roubo?; N° 2 -- Devemos trabalhar só para o
Estado?; N° 3 -- É anti-social economizar para os filhos? Em
edições sucessivas foram vendidos, no Brasil, 100 mil exemplares de cada
opúsculo.
- Outras atuações da TFP: publicação de
manifestos pelos jornais e estudos enviados às autoridades mostrando os
aspectos socializantes da lei do inquilinato; carta ao Presidente Castelo
Branco em prol de uma lei de imprensa que conciliasse a repressão dos
abusos com uma justa e adequada liberdade; missas anuais realizadas: 1)
pelas almas das vítimas que o comunismo vem fazendo, desde 1917, em todo o
mundo, em particular no Brasil, através de atos de terrorismo, e 2) pela
libertação dos povos escravizados pela seita vermelha; campanhas
realizadas pelos estudantes da entidade a fim de alertar a juventude
universitária sobre a origem e objetivos esquerdistas de certas
fermentações estudantis;
memorial ao Ministro da Justiça contra o aborto;
visitas sistemáticas a hospitais, a fim de levar o conforto de uma palavra
cristã e de uma dádiva material aos doentes, principalmente os mais pobres
e abandonados; recolhimento de roupas e alimentos de pessoas abastadas e
posterior distribuição nos bairros pobres.
Se quisesse historiar aqui tudo o que a
TFP tem feito na linha da difusão doutrinária e do combate ideológico, seria
um não mais acabar. Citei, portanto, apenas as grandes campanhas levadas a
cabo pela organização que fundei, e cujo Conselho Nacional tenho a honra de
presidir. Elas têm cabida aqui porque completam, mais ainda do que meu
retrato filosófico, a fisionomia dos princípios que defendo.
Com efeito, ao ler este retrato
filosófico , muitos terão tido em mente, de começo a fim, uma objeção: tudo
isto é anacrônico e incapaz de deitar raízes no mundo em que vivemos.
A linguagem dos fatos é outra. No campo
das idéias, não existe apenas o antigo e o novo, como quereriam os
evolucionistas. Existem também, e sobretudo, o verdadeiro, o bom, o belo e o
perene. Em contraposição irreconciliável com o erro, o mal e o disforme. E
ao verum, bonum e pulchrum , significativos setores da
juventude hodierna não só permanecem sensíveis, mas engajaram uma marcha de
resoluta expansão.
A
tradição do perene não é morte, mas vida — vida de hoje e vida de amanhã. De
outra maneira não se explicaria este fato patente, que é a repercussão das
várias TFPs na mais nova juventude deste nosso novíssimo continente.
Não
pretendo ser apenas um defensor do passado, mas um colaborador — com outras
forças vivas — para influir no presente e preparar o futuro. Estou certo de
que os princípios a que consagrei minha vida são hoje mais atuais do que
nunca e apontam o caminho que o mundo seguirá nos próximos séculos.
Os
céticos poderão sorrir. Mas o sorriso dos céticos jamais conseguiu deter a
marcha vitoriosa dos que têm Fé.