O A.U.C.", Ano VI (nova série), nº 17, agosto de 1935 (p. 5)

 

Notas...

Insânia ou sandice? -- Liberdade para os comunistas pregarem a subversão da ordem social e política

Plinio Corrêa de Oliveira

 

Foi deveras lamentável o parecer do Sr. Carlos Maximiliano sobre o requerimento de mandado de segurança feito pela Aliança Nacional Libertadora. Recusando o mandado, acha, no entanto, o Procurador Geral da República, que ele não deve ser concedido por meras razões policiais. Esse é, em última análise, o seu pensamento. Podem os comunistas fazer, quanto quiserem, a propaganda de suas idéias, desde que não empreguem meios violentos para a sua execução! Mude o comunismo de processos e deverá ser respeitado por todos!

Depois de rasgar os maiores elogios ao Sr. Luís Carlos Prestes e a alguns jovens intelectuais comunistas do Rio, a quem deveria, a seu ver, ser confiada a campanha da Aliança ( provavelmente os professores comunistas que, na Faculdade de Direito do Rio, vivem a negar o direito...), candidamente declara o Sr. Maximiliano: "O comunismo, como todas as doutrinas, tem o seu lado bom e o seu lado mau. Corrija o último e aprimore o primeiro". Por essa lógica, podemos aproveitar todas as doutrinas sociais que correm mundo: donde, desde logo, se vê que não é critério para julgar uma doutrina. De fato, os filósofos ensinam que o mal é sempre relativo. Nunca pode haver alguma coisa absolutamente má. Mas corrigir no comunismo ( uma das piores coisas que existem, entre os homens ) o seu lado mau, para aprimorar o que, porventura, tenha ele de bom... é simplesmente acabar com o comunismo! Pois, como diz Berdiaeff, o mal é tão considerável nele qu'il finit pour tout obliterer autour de lui (1).

O mais espantoso, porém, é que não tanto preocupa ao Sr. Maximiliano o mal do comunismo em si mesmo, como principalmente os métodos usados pelos seus sequazes. "Mude, sobretudo de processo, como fizeram os seus adeptos em França. Busque vencer por meio da catequese, do ensino, da persuasão. A polícia o respeitará; e, se o não fizer, nós, os representantes da sociedade, correremos em auxílio dos apóstolos serenos, propiciando-lhes o mandato de segurança. Por enquanto, seria insânia concedê-lo" (sic, o grifo é nosso).

Numa palavra: desde que os comunistas deixem os meios violentos pela campanha de persuasão e catequese, visando sempre, é claro, pôr em prática as suas idéias, terão até em seu auxílio os representantes da sociedade que eles visam destruir! A subversão da ordem social e política, a corrupção das famílias, a luta contra a religião, tudo está muito certo e direito desde que seja feito por meios suasórios. O Sr. Carlos Maximiliano, como ele próprio confessa, não concede hoje o mandado de segurança requerido pela ANL para não cometer uma insânia. Amanhã, poderá concedê-lo, desde que a Aliança modifique sua tática. Deixará de praticar uma insânia para incorrer numa grande sandice. Poderá a nossa sociedade confiar naqueles que desse modo cuidam dos seus mais sérios interesses?

Como se vê, está em boa companhia o Sr. Diógenes Lima, que numa entrevista à "Platéia" afirmou reconhecer aos comunistas o direito de pregar em praça pública o seu credo! Na entrevista do deputado paulista, porém, uma declaração dessas ainda é mais grave, pois ele se diz católico: portanto, mostrou-se ignorante ou indisciplinado, porquanto a Igreja condena esse seu arrevezado modo de pensar.

O parecer do Sr. Maximiliano revela o imediatismo jurídico que parece dominar a mentalidade de nossos governantes, pois enquanto se proíbe a Aliança de funcionar, dá-se toda liberdade para circularem os seus jornais, e para os senhores Castro Rabello, Hermes Lima e Leônidas Rezende pregarem o comunismo em suas cátedras universitárias.

Ainda o Sr. Hermes Lima

O Prof. Hermes Lima, num livro recentemente publicado, afirma que todos os brasileiros são agora católicos por força de lei, em virtude de haver a Constituição assegurado a indissolubilidade conjugal para satisfazer os deputados católicos, e que estes são contra o divórcio por ser o matrimônio um sacramento.

Ora, é impossível que o Sr. Hermes Lima ignore a série imensa de argumentos com que os católicos social e juridicamente combatem o divórcio. Leia, por exemplo, o livro do Pe. Leonel Franca, e verá provado de maneira cabal e irrespondível que o divórcio, uma vez introduzido, tende a aumentar e provocar a dissolução de toda a família, que ele tem provocado igualmente aumento do número de suicídios, da restrição à natalidade, etc. São Tomás dizia que a lei é feita para o bem comum, e por isso nunca deve visar solucionar casos particulares em prejuízo de todo o bem social. Ora, o divórcio só pode ser favorável em um ou outro caso (concedamos, para argumentar), e arrasta fatalmente atrás de si uma série de calamidades nocivas ao bem comum. É o que mostra o Pe. Franca, servindo-se não só das estatísticas, mas ainda de depoimentos de psicólogos, pedagogos, sociólogos e juristas, até não católicos.

É verdade que os católicos rejeitam o divórcio por motivo religioso, em virtude de ser o matrimônio um sacramento (no que está a maior razão de seu respeito à sua dignidade, unidade e indissolubilidade). Mas pretender que seja esse o único argumento dos católicos contra o divórcio é ignorar a questão por completo. Tanto que o Pe. Leonel Franca, no seu livro, aborda muito mais extensamente os aspectos sociais e jurídicos do divórcio do que os religiosos.

De duas, uma: ou o Sr. Hermes Lima conhece tais argumentos dos católicos, ou não. Se conhece, andou de má-fé no modo simplista de julgar o nosso ponto de vista. E se não conhece... que honestidade é essa de combater o que se ignora?


(1)  Le problème du communisme, Desclée de Brouwer, Paris