Praça
de Santa Maria Formosa, em Veneza. Gravura do século XVIII. À direita, um
pequeno palácio, do qual só se pode ver uma parte. Em frente a ele, um
estrado de madeira, ali posto provavelmente para alguma representação
teatral ao ar livre. Os personagens, que parecem haver participado de um
ensaio, se dispersam lentamente, pela praça vazia. Ao centro desta, um
poço. De um e outro lado, edifícios residenciais, uns mais distintos, e
com certo ar de nobreza, e outros mais populares. Desses edifícios, alguns
têm lojas no andar térreo. Dir-se-ia um pequeno mundo pacífico e
harmônico, até certo ponto fechado em si mesmo, no qual existem lado a
lado as várias classes sociais, nobreza, comércio, trabalhadores manuais,
unidas em torno da igreja ao fundo, que, com seu "campanile", domina digna
e maternalmente o quadro, enriquecendo o ambiente com sua mais alta nota
espiritual.
Esse microcosmo, cerimonioso, distinto, porém marcado
por uma nota de intimidade, reunido em volta de uma pequena praça, revela
o espírito de uma sociedade em que os homens, longe de quererem
dissolver-se em multidões anônimas, tendiam a constituir núcleos orgânicos
e diferenciados, que evitavam o isolamento, o anonimato, o aniquilamento
do indivíduo diante da massa.
Como esta praça, tão pitoresca e humana, tão distinta
mas na qual convivem harmonicamente as classes diversas, tão tipicamente
sacral pela irradiação que nela exerce a presença do pequeno templo,
diverge de certas imensas praças modernas, em que sobre um mare magnum de
asfalto, perdido em uma agitada massa que circula em todas as direções, o
homem só tem diante dos olhos arranha-céus ciclópicos que o acachapam.
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