Como
fundo de quadro, o clichê de hoje nos apresenta os torreões feéricos da
famosa igreja de São Basílio, em Moscou. Esse edifício admirável, que foi
construído por Ivan o Terrível no século XVI, evoca com extraordinária
vivacidade o que havia de mais típico na Rússia dos Czares. Divide-se ele
em duas partes, separadas horizontalmente por uma linha ideal. A metade de
baixo, que vai do solo até a parte mais baixa dos torreões, é sólida,
maciça, extremamente pesada: um enorme conjunto arquitetônico, cujas
pedras se empilham de modo a formar um bloco densíssimo, que parece até
estar afundando no chão. Acima dessa linha ideal, inesperadamente, os
torreões se diferenciam do embasamento colossal e, como se fossem agulhas
graciosas, erguem-se esguios para o céu. As cúpulas bizantinas são tão
leves, tão delicadas, que a nossos olhos de ocidentais modernos parecem
até aeróstatos prontos a alçar vôo a qualquer momento. Precedendo-as com
estupendo arrojo, está bem no alto a cúpula mimosa que parece arrastar
irresistivelmente atrás de si, como uma cauda de cometa, um imenso torreão
triangular.
Um
dos fatores da beleza é a harmonia dos elementos muito diversos. Este
fator se encontra com excepcional riqueza nessa obra-prima, em que se
concilia e se completa o sumo da severidade, da estabilidade e da força,
com o sumo da graça, da fantasia e da leveza.
E nisto está o encanto desse monumento, que retrata a
alma algum tanto imatura e primitiva, mas esplendidamente matizada e
artística, da grande Rússia, da gloriosa Rússia,... da pobre Rússia que
teria sido bem outra se o cisma não a tivesse arrancado aos braços
amorosíssimos da Esposa de Jesus Cristo.
Essa igreja admirável, mais asiática talvez do que
européia, se situa num quadro urbanístico totalmente ocidentalizado e de
agradável aspecto.
E o olhar se detém, embevecido, na consideração de um
tão belo conjunto, onde tudo parece falar-nos de graça, delicadeza e
dignidade.
* * *
Entretanto, a nota comunista está miseravelmente
presente.
Pede a ordem natural das coisas, que todos os valores
particularmente ricos em graça e delicadeza estejam a serviço da mulher.
Pois eles constituem o ambiente próprio à sua fragilidade, o meio adequado
para que na alma feminina se expandam as mais nobres qualidades de esposa,
mãe e de filha.
E por isto mesmo nada nos é mais desagradável do que
ver uma mulher incumbida de serviços cuja rudeza é incompatível com a sua
delicada natureza: carregadora de fardos, mecânica, "soldada"...
Ora, é precisamente assim que essas cidadãs soviéticas
figuram no clichê. Cinco varredoras de rua, expostas a todos os
inconvenientes morais de seu duro mister, removem da praça a neve.
Calçadas com botas masculinas, empunhando vassourões, ei-las que no bom e
mau tempo percorrem as ruas no exercício de uma profissão que até para os
homens é pesada.
Em última análise, cinco escravas do Estado soviético,
brutalmente tratadas, filhas infelizes de uma ordem de coisas da qual a
graça, a delicadeza, a suavidade são banidas como valores decrépitos,
inautênticos, próprios apenas de corruptos burgueses.
* * *
Símbolos de duas épocas, das quais uma foi ferozmente
extinta para dar origem a outra, "sinceramente amiga da massa". Terrível
forma de "amizade" que reduz o povo a uma tal condição, que até a
delicadeza de coração da esposa ou da mãe lhe é tanto quanto possível
recusada, sob a pressão de um regime sem entranhas!
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