Que
dizer desse "facies"? Pele horrivelmente grossa e rugosa, bocarra vulgar e
desmesuradamente rasgada, ventas chata, às quais não se segue nenhum
nariz, pêlos ralos, sem beleza, formando um simulacro de barba ao mesmo
tempo hirsuta e pobre. E no meio de toda esta disformidade, uma certa
semelhança que faz pensar no homem... semelhança terrivelmente acentuada
pelos olhos. Que olhos! Em certos momentos parecem pensativos e cheios de
uma melancólica expressão. Se os observamos em outros momentos, se nos
afiguram vazios, anódinos, e sem qualquer significação.
É assim o
reino animal. Deus pôs nele espécies admiráveis, em que o homem visse a
sabedoria, a graça e a bondade de Quem o criou. Mas, ao mesmo tempo,
deixou-nos ver, bem patente, toda rudeza da natureza irracional, em seres
como este. Pelos primeiros animais, elevamo-nos a Deus. Pelos segundos,
sentimos melhor nossa dignidade natural, compreendemos a fundo a
hierarquia que o Senhor pôs no universo, e amando nossa própria
superioridade e a santa desigualdade da criação, elevamo-nos também até o
Criador.
Nunca
talvez sentimos melhor o abismo que nos separa do mundo animal, do que
contemplando, de todas as suas espécies, precisamente a que mais se parece
conosco!
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Os
animais que Deus pôs para o convívio do homem são precisamente aqueles em
que a rudeza natural é velada por aparências belas ou até esplêndidas.
Pássaros de penas brilhantes ou gorjeio harmonioso, gatos de atitudes
elegantes e pêlos sedosos, cães de nobre porte ou imponente catadura,
lulus mimosos, peixes que desdobram véus graciosos na placidez de seus
aquários. São eles fatores de beleza, distração e repouso em nossa
existência diária. É porque Deus respeita a nobreza do homem que, nos
animais destinados ao seu convívio, velou com essas aparências magníficas
a rudeza natural a todo ser não espiritual. Manifestamente, são essas
criaturas como que as flores do reino animal, feitas para nosso lar como
as flores do reino vegetal.
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E
segundo as regras da boa tradição, há modos ordenados para um homem
apreciar as belas flores e conviver com os belos animais, sem entretanto
passar da justa medida dedicando a esses seres um afeto ou concedendo uma
intimidade que só a criaturas humanas se deve dar.
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Os animais
podem, pois, ter seu lugar numa sensibilidade cristã bem formada. Mas com
limites.
Assim como há plantas que servem para o adorno da vida do homem e outras
que têm uma rudeza incompatível com este fim, assim também os animais. Uma
dama não desce de sua condição se olha uma flor, respira seu perfume e a
usa como adorno. Mas desceria se fizesse o mesmo com uma couve-flor, e
pior ainda talvez, com uma simples couve. |
E
pela mesma razão o homem, ao qual convém tanto o convívio do cão,
não foi feito para beijar focinhos de cães como quem beija uma
esposa ou uma filha, e também não foi feito para a intimidade de
símios, ratos, javalis e girafas. Toda a inferioridade da natureza
animal, patente nestes seres, é incompatível com esta promiscuidade
com o homem.
E o
homem se degrada quando faz calar em si a natural repugnância que
causa a intimidade com essas criaturas, nas quais a rudeza animal
não foi velada por qualquer aparência. Fazendo calar esta
repugnância, o
homem embota o sentimento de sua própria superioridade, e, por assim
dizer, aceita e assume em si o que no bruto há de inferior. |
Atitude de espírito bem freqüente em
uma época como a nossa, na qual todos os igualitarismos, mesmo os
mais degradantes, encontram clima compreensivo.
Não
se deve dar aos cães o pão destinado aos filhos ( Marc. 7, 27 ),
adverte Nosso Senhor, nem atirar pérolas aos porcos ( Mat. 7,6 ).
É o que faz quem, levado por estúrdio
sentimentalismo de fundo igualitário, concede aos animais carinhos e
intimidades que a ordem da Providência reservou às relações entre
seres humanos.
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