Este pobre ancião parece uma revivescência de Job, no
mais amargo de suas provações. Uma extrema magreza faz aparecer, por
debaixo da pele maltratada, rugosa, exangue, as linhas gerais do
esqueleto. Os músculos do pescoço são impotentes para manter ereta a
cabeça, que por isso pende de lado. As orelhas, em virtude da magreza,
sobressaem desmedidamente. Os olhos ardem, meio desvairados, no fundo
tragicamente sombrio das órbitas. As mãos não sustentam sequer o peso de
uma xícara.
Falamos
de Job. A comparação é inexata. O santo varão foi flagelado pelo demônio
com graves desgraças, mas estas não lhe tiraram o vigor esplendido da
mente, que, sob inspiração divina, escreveu a respeito da própria dor
páginas de uma beleza ímpar na literatura de todos os tempos.
Neste desditoso enfermo, tem-se a impressão de que o
sofrimento desgastou quase todas as energias da alma, cuja vida parece
ter-se concentrado só no olhar. Um terrível olhar, alheio a todas as
coisas que o rodeiam, e preso na rememoração de fatos e ambientes
dantescos que são como que um pesadelo em que todo o ser ainda está
imerso. Um admirável olhar que conserva uma candura e uma dignidade
sobranceiras a todas as desgraças.
No rosto, apenas um pormenor sugere a idéia de que
talvez se trate de um homem prematuramente acabado, que chegou à
ancianidade, não pelo curso do tempo, mas por um brutal desgaste: as
sobrancelhas se mantém pretas...
Em 1952 ainda, este varão estava em plena atividade.
Seus ombros suportavam o fardo do episcopado, tão grande que, como
escreveu São Jerônimo, causaria medo aos próprios Anjos. Seu nome é Mons.
Alfonso Ferroni, O.F.M. Sua nacionalidade, italiana.
Sua Diocese, de Laohokow, na China, caiu sob o poder
dos vermelhos, que o sujeitaram a toda sorte de maus tratos. Ele recusou
heroicamente aderir ao marxismo. E o resultado aí está. A ferocidade dos
asseclas de Chu En-Lai deixou sua marca nesta face. Esplendida expressão
dos dois valores em luta: a virtude sobrenatural da Igreja, e a infâmia
satânica do comunismo.
O mesmo ambiente alucinante das masmorras russas e chinesas, a mesma
crueldade frenética e requintadamente odienta, inerente ao comunismo, teve
por vítima, bem longe da China, um outro Prelado.
As multidões pronunciam seu nome com veneração. Neste
charco de amoralidade, de imediatismo, de corrupção, de covardia, que é o
mundo moderno, ele é o varão retilíneo, desinteressado, coerente e
intrépido, que provou pelo martírio a autenticidade de seu imenso
desprendimento. Milhões de homens, pensando nele, sentem honra em ser
homens. E sua intrepidez - di-lo o Vigário de Cristo - causa admiração aos
Anjos de Deus ( cf. a
Carta Apostólica de 29 de junho de 1956,
"Catolicismo", nº 70
).
Em nosso clichê, após sua libertação, o Cardeal
Mindszenty no Palácio Arquiepiscopal de Buda, cercado por seus
libertadores.
O corpo, de constituição vigorosa, parece ter resistido
bem à dura prova. O rosto exprime admiravelmente a varonilidade e a
penetração que tornaram famoso o Primaz da Hungria. A vitalidade, a
agilidade, denotam a imensa reserva de recursos que o campeão da Fé pode
ainda pôr a serviço de Jesus Cristo.
Mas considere-se o olhar. Sem nada, absolutamente nada
de senil, parece evocar cenas terríveis, angústias inenarráveis, tormentos
que, sem recursos muito especiais da Providência, aniquilariam qualquer
homem.
Vê-se que o Cardeal foi imerso, também ele, no oceano
de dores morais ou físicas, que é uma prisão comunista.
Ambiente, costumes do comunismo. Não dizemos ambiente,
costumes, civilização porque devêramos dizer ambiente, costumes barbárie.
Como ter dificuldade em compreender, diante destes
quadros, a legitimidade eventual de uma guerra preventiva, nos termos em
que a ela se referiu o Santo Padre Pio XII em sua última alocução de
Natal?
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