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Plinio Corrêa de Oliveira AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES Sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas
"Catolicismo" Nº 37 - Janeiro de 1954 |
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O pressuposto de quanto se publica nesta secção é que, por motivos não apenas convencionais, certas cores, certas linhas, certas formas de objetos materiais, certos perfumes e certos sons têm afinidade com estados de espírito do homem. Há cores que são afins com a alegria, outras com a tristeza. Há formas que chamamos majestosas, outras simples. Dizemos de uma família que é acolhedora. E o mesmo podemos dizer de uma casa. Dizemos da conversa de alguém, que é encantadora. E o mesmo podemos afirmar de uma música. Podemos achar que um perfume é vulgar, e o mesmo podemos dizer das próprias pessoas que gostam de o usar. Ambiente é a harmonia constituída, pela afinidade de vários seres reunidos em um mesmo lugar. Imagine-se uma sala com proporções amenas, decorada com cores risonhas, mobiliada com objetos graciosos, em que há muitas flores exalando um aroma suave; alguém toca nesta sala uma música alegre. Forma-se aí um ambiente de alegria. É claro que o ambiente será tanto mais expressivo quanto mais numerosas forem as afinidades entre os seres que em tal sala se encontram. E assim, esse ambiente poderá ser, além de alegre, também digno, cultivado, temperante, se a dignidade, a cultura e a temperança existirem nas pessoas e coisas que ali se encontram. O ambiente será o contrario de tudo isto, ou seja, triste, extravagante, feio, vulgar, se os objetos que o constituírem tiverem, todos, estas notas. Exemplo, algum salão da Bienal de arte moderna que ora se realiza em S. Paulo. Os homens formam para si ambientes à sua imagem e semelhança, ambientes em que se espelham seus costumes e sua civilização. Mas a recíproca também é verdadeira em larga medida: os ambientes formam à sua imagem e semelhança os homens, os costumes, as civilizações. Em pedagogia, é isto trivial. Mas valerá só para a pedagogia? Quem ousaria negar a importância dos ambientes na formação dos adultos; formação, dizemos com toda a propriedade, pois nesta vida o homem, em todas as idades, tem de se dedicar ao esforço de formar-se e reformar-se, preparando-se assim para o Céu, que é só onde cessa a nossa marcha para a perfeição. Assim, o católico pode e deve exigir dos ambientes em que está, que sejam instrumento eficaz para sua formação moral. * * * Da importância do ambiente para o equilíbrio da vida mental e a retidão da formação moral do homem, temos uma prova na sabedoria, beleza e magnificência com que Deus dispôs todo o quadro da natureza para que o contemplemos. Há no universo, não um, mas mil e mil ambientes, e todos propícios a instruir e formar o homem. A tal ponto é isto verdade, que a Sagrada Escritura numerosas vezes apela para seres materiais para nos fazer entender e apreciar realidades espirituais e morais. O homem, com seu poder limitado, constitui seus ambientes fazendo seres sem vida - móveis, estofos, etc. - e fabricando figuras da realidade: pinturas, esculturas, mosaicos. Deus, pelo contrário, fez a própria realidade, e, Autor da vida, deu realce e riqueza ao ambiente da criação colocando nele seres vivos: plantas, animais, e sobretudo o homem. De que poder de expressão são para este último os seres inferiores e sobretudo os animais, temos provas no Evangelho. Assim, no seu formoso sermão de missão dos apóstolos, (Mt. 10,16 ), Nosso Senhor nos dá a pomba e a serpente como modelos de duas altas virtudes: a inocência e a prudência. * * * Harmoniosa nas linhas, simples no colorido, graciosa nos vôos e nos movimentos, "afável" para com os outros animais, pura e cândida em todo o seu ser, a pomba nada faz que possa sugerir a idéia de rapina, de agressão, de injustiça, de intemperança, de impureza. É pois muito adequadamente que na linguagem do Salvador é símbolo da inocência. Mas algo lhe falta: as aptidões pelas quais um ser assegura sua sobrevivência, na luta contra os fatores adversos. Sua perspicácia é mínima, sua combatividade nula, sua única defesa consiste na fuga. E por isto o próprio Espírito Santo nos fala em "pombas imbecis, sem inteligência!" ( Ozeas 7, 11 ). O que nos faz lembrar certos católicos deformados pelo romantismo, para os quais a virtude consiste só e sempre em apagar-se, em baixar a cabeça, em levar pancada, em recuar, em deixar-se calcar aos pés. * * * Quão diversa é a serpente, agressiva, venenosa, falsa, perspicaz e ágil! Elegante e ao mesmo tempo repugnante; frágil a ponto de poder ser esmagada por um menino, e perigosa a ponto de matar um leão com seu veneno; adaptada por toda a sua conformação, seu modo de mover-se e de agir, ao ataque velado, traiçoeiro, fulminante; tão fascinante que em certas espécies hipnotiza, e ao mesmo tempo espalhando em torno de si o terror, é ela bem o símbolo do mal, com todos os encantamentos e toda a felonia das forças de perdição. Mas em toda esta malícia quanta prudência, quanta astúcia. A prudência é a virtude pela qual alguém emprega os meios necessários para chegar aos fins que tem em vista. A astúcia é um aspecto, e de certo modo um requinte da prudência, pelo qual se mantém todo o silêncio e se empregam todos os disfarces lícitos, necessários para se chegar a um fim. Tudo na serpente é astúcia e prudência, desde a penetração de seu olhar, até o esguio de sua forma, e o terrível de sua arma essencial: uma só e pequena perfuração na pele da vítima, mas através disto, um veneno que em poucos instantes circula pelo corpo inteiro. * * *
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