Plinio Corrêa de Oliveira

 

Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana

 

Apêndice à edição Norte-Americana

Setembro de 1993

 

ESTADOS UNIDOS: NAÇÃO ARISTOCRÁTICA NUM ESTADO DEMOCRÁTICO

 

 

EPÍLOGO

 

VOLTAM-SE AS ESPERANÇAS PARA AS ELITES MARGINALIZADAS

 

Os debates e as controvérsias de caráter puramente ideológico em torno do problema da igualdade e desigualdade — especialmente no que diz respeito às formas de governo monarquia-aristocracia-democracia — não ocuparam habitualmente o primeiro lugar na vida social, política e cultural dos Estados Unidos.

Apenas durante os anos que se seguiram à Independência, até o fim do período federalista, um debate dessa natureza teve maior destaque na vida política. Exemplo disso foi a controvérsia entre Jefferson e Adams a respeito da influência dos princípios ideológicos da Revolução Francesa na política norte-americana. (Cfr. Merrill D. Peterson, Thomas Jefferson and the New Nation, - New York, Oxford University Press, 1970, p. 443)

Ao ser estabelecido um consenso a respeito da aceitação da forma republicana e democrática de governo, o quadro político norte-americano passou a girar principalmente em torno de outras questões, cujo conteúdo ideológico era mais implícito que explícito, tais como: impostos, administração, disputas entre regiões, expansão territorial, etc. Assuntos estes que só indiretamente refletiam a controvérsia aristocracia X democracia, a qual, na Europa, continuou a ocupar o lugar principal nos debates políticos e na vida intelectual e cultural. O único tema de conteúdo mais claramente ideológico, e que foi objeto de um apaixonado debate, foi a escravatura.

Isso teve como efeito que os americanos passaram cada vez mais a considerar a vida política e a função do Estado muito preponderantemente como instrumento para promover o progresso material e o bem estar da população, sem realçar os fundamentos ideológicos das medidas tomadas neste sentido.

A vida social, por seu lado, não era considerada como de importância para a vida política ou para o aprimoramento dos hábitos e dos costumes do país. Era apenas uma questão de etiqueta, de galanteios, de honrarias. Em suma, não era uma nota predominante da vida norte-americana.

Criou-se então uma dicotomia entre a vida política e a vida social. E os mesmos homens que podiam estar em muito desacordo no terreno político, poderiam conviver agradavelmente e sem desacordos no terreno social.

Depois da Segunda Guerra Mundial, passou a haver um apreciável crescimento de interesse, quer do público, quer dos intelectuais, em relação às questões da vida social, suas sutilezas e complexidades. Apareceram então muitos livros e trabalhos realçando a importância de tais questões.

Isso coincidiu com um crescente descontentamento a respeito da vida política tomada em seu conjunto. O político, pouco a pouco, foi deixando de ser considerado como autêntico representante do povo, para ser encarado muitas vezes como um oportunista, que apenas aparenta ser tal representante. Assim, em largos setores da opinião pública, o sistema representativo passou a ser considerado como um sistema falseado, onde os partidos dominantes não mais representam os verdadeiros sentimentos e interesses de seus eleitores.

Presentemente há nos Estados Unidos uma saciedade e um desapontamento cada vez maiores em relação aos políticos. Este desapontamento procura justificar-se alegando má conduta moral e irregularidades na gestão financeira deste ou daquele. Não se discute aqui se essas irregularidades existem e se esse descontentamento é justificado. Mas, pela observação direta dos fatos, pode-se concluir que o elemento mais profundo deste descontentamento está no contraste entre o que o norte-americano aprendeu nos bancos colegiais como sendo o mito democrático, e o que ele observa atualmente em nosso país.

Ele tinha uma idéia de democracia como o regime vigente em Atenas, onde falavam os grandes oradores para levar o povo a uma decisão em comum, ou como o regime vigente nas pequenas aldeias da Nova Inglaterra, no período colonial, onde o povo tinha plena consciência de sua participação na vida pública, ao dar seu voto deliberado nas assembléias locais. Mas muitos norte-americanos hodiernos acabaram por concluir que o regime vigente não pode mais ser chamado de democracia, e que esta parece ter entrado num processo de metamorfose em determinado momento de nossa história. Uma metamorfose pode ocorrer quando menos se espera, e de modo mais surpreendente. Ela nem sempre representa um passo inovador para o futuro. Pelo contrário, pode indicar uma apetência de hábitos de antigos tempos.

Por exemplo: Quem poderia imaginar que uma revista vanguardeira da esquerda, como a Utne Reader, haveria de estimular, entre seus leitores, a instituição de salões de conversa em escala nacional, tendo por inspiração os antigos salões literários e da alta sociedade de Paris e de Nova York?

Em artigo publicado no "New York Times" de 13 de abril de 1992, Jonathan Rabinovitz informa que a revista vê em seus salões um meio de realizar um movimento social no espírito dos anos noventa. Informa também que atualmente já existem mais de 500 salões organizados pelos leitores da revista.

Assim, os salões que exerceram um poder tão ativo, ou melhor, tão decisivo, para fermentar e divulgar as idéias revolucionárias entre as elites de outros tempos, voltam a ser utilizados na América do Norte contemporânea.

Entretanto, os fatos noticiados são claros. Eles indicam, não um novo rumo de idéias, mas uma nova apetência pelo estilo de conversar e de trocar opiniões, dentro de um contexto mais social que político, e que poderia facilmente chegar a ter influência ponderável sobre a própria estrutura da democracia americana.

Diante da desilusão a respeito da vida política, muitos espíritos mais ponderados se voltam para as elites sobreviventes na vida social do país, como sendo o setor do qual se pode ainda esperar algo. Pois este setor é o que se encontra em um contato mais estreito com os anseios e aspirações do povo americano, e pode proporcionar soluções mais adequadas aos problemas nacionais.

Então, não só a intelectualidade, como também incontáveis pessoas, voltam-se para as elites e outros aspectos da vida social norte-americana, dos quais esperam algo mais autêntico e eficaz do que a política atualmente pode oferecer. Na realidade, elas esperam ver, hoje em dia, mais autenticidade de representação das coletividades nos setores sociais do que na vida política.

Essa preocupação e as aspirações que ela suscita poderiam mudar o rumo atual do próprio Estado norte-americano. E foi a bem dessa preocupação e dessas aspirações que este apêndice foi escrito.