"Lavagem cerebral"

Um mito a serviço da nova "Inquisição terapêutica"

 

 

 

 

 

 

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"Lavagem cerebral" e "seita", duas palavras-slogan de significado indefinível que preparam no mundo inteiro a tirania total e a perseguição religiosa 

MULTIPLICAM-SE POR todo o mundo, mas sobretudo nos Estados Unidos, organizações extravagantes, criadoras ou incentivadoras de mitos e maneiras de ser exóticas, as quais destoam do modo de viver da so­ciedade atual. Várias delas têm condu­zido a crimes ao mesmo tempo abjetos e espetaculares.

Entretanto, muitas outras organizações não conduzem necessariamente ao crime nem a práticas ilegais de qual­quer natureza. Servem simplesmente de caldo de cultura à eclosão de sistemas filosóficos ou religiosos, padrões morais e culturais novos, muito censuráveis, por certo, do ponto de vista cristão, mas normais do ponto de vista da laicidade professada por todos os Estados do Oci­dente.

O intuito de pôr cobro à criminalida­de engendrada pelas primeiras, de um lado, e, em segundo lugar, de preservar a atual sociedade da erosão de corpús­culos que, embora não criminosos, dela se destacam freneticamente, querendo a todo custo construir uma outra coisa, fez com que se constituísse, mais ou me­nos por toda parte, o movimento anti­seitas, pujante particularmente nos Es­tados Unidos em razão mesmo da assi­nalada proliferação de seitas crimino­sas ou exóticas que lá se verifica.

Se esse movimento visasse apenas reprimir a criminalidade, seria justifi­cável e até louvável, pois onde quer que ela apareça, é justo e necessário que encontre a repressão das autoridades. E apoiando a esta, a barreira de rejeição de consenso geral, que assim facilita às autoridades o cumprimento de seu dever.

Já é bem mais delicado pensar numa repressão legal às seitas naquilo em que elas não são senão simplesmente extra­vagantes, e que de si não tendem a en­gendrar a criminalidade, pois ficam den­tro dos limites da lei.

Dir-se-á que certo tipo de extrava­gância conduz de si ao crime. E, portan­to, é dever pedir, contra ela, que a lei estabeleça proibições preventivas.

Se o legislador arvora esse princípio — salutar sob vários aspectos — em nor­ma para uma política legislativa moder­na, ele terá muita dificuldade em en­frentar a perfeita impunidade com que vicejam, pelo mundo inteiro, fatores de corrupção evidentemente responsáveis por crimes e perturbações sociais de toda ordem.

Além do mais, como reprimirá o Po­der Público algo que não transgrediu os limites permitidos pela lei? Pensar-se-á talvez em promulgar uma lei anti-extravagância. Mas o Estado, religiosa, cul­tural e filosoficamente neutro, no que se fundará para fixar o critério demarcató­rio entre normalidade e extravagância? E, suposto que ele encontrasse tal crité­rio, como distinguir, no domínio aciden­tado e viscoso da extravagância, o que deve e o que não deve ser punido por lei?

Dentro da mentalidade laica e neu­tra da atual sociedade, se alguém usar em local público um chapéu de três bi­cos, normal no tempo de Luís XV, ou sair à rua com sapatos de marajá, em que é que ofende, com isso, as atuais concepções do direito? E se dois, três ou cinco indivíduos se vestem de algum modo anormal e, juntando-se, resolvem cantar na rua cânticos adoidados, no que é isso reprovável, desde que o canto não perturbe a ordem pública nem ofen­da os bons costumes?

Pretendendo que o Estado legisle no domínio de tais extravagâncias, o movi­mento anti-seita levanta múltiplas ques­tões legais delicadas. E muitas inextri­cáveis. Todas, note-se, com implicações de ordem moral e religiosa por sua vez tanto ou mais delicadas e indeslindáveis. Pois se se admite que o Estado tem o direito de entrar nessas matérias, atribui-se-lhe tal amplitude de ação que — especialmente em vista das tendências totalitárias hodiernas — se provoca ine­vitavelmente o aparecimento de uma espécie de doutrina oficial: sobre cha­péus, sapatos ou casos do gênero, sobre maneiras de sentir e de pensar em tal ou tal matéria, que se irá muito além, e muito mais a fundo, do que as leis sun­tuárias da velha Bizâncio, ou da China imperial.

Sob o pretexto de profilaxia anti­extravagância, o Estado hodierno fica detentor do direito de elaborar, definir e fazer prevalecer uma opinião oficial sobre quase todos os aspectos da vida humana, com direito de reprimir todos os que não viverem ou não pensarem conforme essa opinião oficial.

No que o regime em que vivermos diferirá então do totalitarismo russo, ou chinês?

Objetará alguém, eventualmente, que nos Estados ocidentais, essas atribui­ções não configurariam uma ditadura tirânica, pois estariam em mãos de man­datários do sufrágio universal. Objeção ingênua, pois se se dá ao corpo eleitoral tal poder sobre cada particular, nem por isto o regime deixará de ser tirânico.

* * *

A solução para a proliferação da ex­travagância tem que ser buscada funda­mentalmente em outro campo.

Tais extravagâncias são manifesta­ções extremas da desordem quase geral de uma sociedade sem religião. Em no­me da verdadeira religião, não só se tra­ça um código de moral perfeito, mas é possível lançar no homem as sementes das quatro virtudes cardeais — prudên­cia, justiça, fortaleza e temperança — que fazem com que todo o agir social e humano seja equilibrado.

São essas as quatro virtudes que dão equilíbrio ao homem. Se elas se desesta­bilizam, decaem ou desaparecem nos homens que compõem uma sociedade, pelo menos na extrema ponta de seu procedimento acaba saindo alguma ex­travagância, alguma aberração, quan­do não diretamente o pecado.

Ora, frutos daninhos como estes, não se evitam senão pela emenda moral da sociedade. E não se moraliza uma socie­dade a não ser com base na única Reli­gião verdadeira, apoiada pela graça de Deus.

Esta é uma esfera que escapa à ação do Estado. Se o Estado quiser corrigir por si, e de modo laico, esses aspectos da vida humana, ele se transforma em uma espécie de "Estado-Igreja", que em certo momento se achará no direito de julgar a Igreja. E então julgará se os paramentos que a Igreja usa em suas funções litúrgicas são extravagantes, ou não... E daí por diante, faria a censu­ra, não só do paramento quanto do cul­to. Não só do culto como da Fé.

Por exemplo, no conceito de extrava­gante, freqüentemente está contido o de antiquado. O chapéu de três bicos, nor­mal no tempo de Luís XV, não se usa hoje por ser obsoleto. Então, quem pode dizer se determinado paramento litúr­gico, adotado há quase dois mil anos, usado por um sacerdote de nossos dias, é antiquado ou não? Se é, pois, extrava­gante ou não?

Ora, o movimento anti-seita, cuja motivação anticriminal originária é per­feitamente compreensível, em vez de se restringir à repressão das práticas ile­gais e criminosas a que dão origem cer­tas seitas, cavalga celeremente rumo à tutela do equilíbrio social, e, mais, do próprio equilíbrio mental e do bom sen­so de todos os homens, da modelagem de todos os aspectos da vida humana. Mais uma vez, é o despotismo "orwelliano" que surge no horizonte.

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Curiosamente, o movimento anti-seitas lança seus ataques em todas as dire­ções. Menos em direção ao socialismo e ao comunismo. Por que tal movimento não vê a estes como seitas filosóficas? Por que não qualifica de extravagante nenhuma das aberrações do movimento hippie, do rock (não obstante confessadamente satânico em vários de seus ri­tuais)? Mais uma vez, por que?

Não é possível deixar de concluir que, na ordem prática das coisas, esse movimento conduz ao totalitarismo glo­bal. E com isto prepara para o comu­nismo. Além do mais, seu silêncio favo­rece o comunismo.

E, muito sintomaticamente, o movi­mento anti-seitas se joga com freqüência contra os inimigos que o comunismo quer derrubar.

Assim, a hipótese de que esse movi­mento, e o socialo-comunismo, são com­plementares, parece difícil de ser recu­sada.

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Nos Estados Unidos, a controvérsia em torno das seitas — que por uma aco­modação peculiar da linguagem são também chamadas de "cults" (cultos) — produziu uma imensa literatura, pois da parte de opositores e defensores, houve recurso aos cientistas sociais, psicólo­gos, psiquiatras e outros especialistas em temas conexos.

O público brasileiro em geral não está a par dessa literatura, aliás recen­te. Em conseqüência, não dispõe ele dos elementos mais atuais para ajuizar ade­quadamente o tema que vai aflorando também em nossa imprensa, e desde logo com uma carga emocional, a qual ameaça aturdir os espíritos e desvirtuar os julgamentos.

Segundo a terminologia teológico-canônica, o problema se põe em termos distintos dos que vem circulando na lin­guagem norte-americana corrente. Com efeito, segundo esta, uma seita se define como uma organização que adota uma doutrina estranha e que no modo de ser de seus sequazes discrepa dos hábitos da sociedade atual. Na linguagem teoló­gica, a seita se configura antes de mais nada pela dissonância de sua doutrina com a doutrina da Igreja, ou pela deso­bediência às autoridades eclesiásticas legítimas. Numa palavra, pela ruptura com a comunhão na Fé ou na obediên­cia, da Igreja. Assim, por exemplo, são seitas as "igrejas" protestantes, as igre­jas greco-cismáticas etc.

No mundo relativista de hoje, a Fé católica, infelizmente, deixou de ser re­conhecida como baliza comum de refe­rência, e os espíritos desnorteados pro­curam outros critérios para definir suas posições em relação às seitas.

Assim, em vez de o critério ser o esta­do de união ou de ruptura com a Igreja Católica, em muitos casos passou a ser, como foi dito, a conformidade ou a rup­tura com os usos e costumes vigentes em determinada sociedade, ou em deter­minado ambiente.

E a perseguição às seitas é feita, então, com base num critério freqüente­mente desvirtuado. Pois, com a pagani­zação geral das mentalidades e dos cos­tumes, não é raro que as sociedades e os ambientes tomados como padrão vão discrepando cada vez mais do que ensi­na e manda a Igreja.

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Nos Estados Unidos, causou profun­do impacto sobre a opinião pública o termo "lavagem cerebral", lançado por um jornalista norte-americano, Edward Hunter Jr. Numa série de artigos para o "The Miami Daily News" e o "The Lea­der Magazine", descreveu ele, em 1950, os processos de tortura a que foram sub­metidos seus conterrâneos, quando caí­ram nas mãos do inimigo, na Guerra da Coréia. Como esse processo visava obter confissões falsas e mudar as convicções ideológicas dos prisioneiros, e parecia ter produzido algum resultado — embora durante tempo limitado — o referido jor­nalista cunhou a metáfora da "lavagem cerebral". Esta alcançou, pelo seu valor expressivo, grande sucesso não só nos Estados Unidos, como em todo o mundo. A metáfora aplicava-se definidamente aos métodos comunistas de comprimir a personalidade, para obter confissões fal­sas e mudar a ideologia da vítima.

Com a proliferação das seitas, é com­preensível que setores muito sensibiliza­dos da opinião pública procurassem uti­lizar a expressão "lavagem cerebral" pa­ra tentar explicar a mudança de compor­tamento dos seguidores de uma nova e estranha doutrina. Os aspectos pretensamente lógicos que podem ter atuado na "conversão" da pessoa para a seita, não entravam por nada na análise do fenô­meno. O aderente havia rompido com seu ambiente doméstico ou profissional, ou com a sociedade em geral, e este rom­pimento era indício suficiente de que ele havia sofrido um processo de "lavagem cerebral". Porque ninguém rompe com o ambiente em que vive a não ser por uma violência externa a que tenha sido sub­metido: essa era a tese. Aceita tal tese, aliás gratuita, ninguém duvidava da va­lidade científica dessa conjectura.

E à noção de seita se acrescia assim um novo elemento: seita é o grupo que pratica "lavagem cerebral". De onde a definição inversa, cujo erro de petição de princípio é evidente: "lavagem cerebral" é o que praticam as seitas para conseguir aderentes...

Cientistas de renome, professores em universidades norte-americanas de gran­de prestígio, puseram-se a estudar o as­sunto, e chegaram à conclusão, muito surpreendente para o geral da opinião pública, de que o conceito de "lavagem cerebral" é um slogan jornalístico de grande impacto, porém completamente vazio de conteúdo científico.

* * *

Publicando hoje este trabalho sobre "lavagem cerebral", "Catolicismo" pre­tende, portanto, reconduzir a matéria para o único terreno em que ela pode e deve ser estudada adequadamente.

As extravagâncias inquietantes de tantas seitas, nas atuais circunstân­cias, devem ser combatidas de modo suasório, e seus infelizes seguidores re­conduzidos ao único e verdadeiro apris­co das almas que é a Santa Igreja Cató­lica. Se todas as coisas forem restaura­das em Cristo — segundo o sublime e empolgante lema do Pontificado de São Pio X, que é o de "Catolicismo": "Omnia instaurare in Christo" — as ovelhas tresmalhadas encontrarão no regaço da família ou da sociedade que tenham abandonado, o ar purificado que suas almas poderão respirar para o pleno desenvolvimento de suas potencialida­des.

Esse ideal pelo qual lutamos conduz à consideração de outra razão de peso que levou "Catolicismo" a traduzir e publicar o presente trabalho, preparado pela Comissão de Estudos da TFP nor­te-americana.

Os comunistas, os inocentes-úteis do comunismo, os esquerdistas de todos os matizes e em especial os "esquerdistas católicos" se unem em coro para classi­ficar de "seita" vários grupos de cató­licos, fiéis ao Supremo Magistério tradi­cional da Igreja.

E para carregar o seu desprezo com uma injúria suplementar, acusam os católicos tradicionais da prática de "la­vagem cerebral" em seus prosélitos. Tal qual o coro anti-seita descrito nos Esta­dos Unidos.

O presente trabalho tem, pois, por objetivo desarmar a ofensiva dos comu­nistas, e sua calota de "companheiros de viagem" e "inocentes-úteis" (sempre muito úteis e freqüentemente pouco ino­centes).

O recente estrondo publicitário na Venezuela, cujo desfecho, por enquanto, é a proscrição da Associação Civil Re­sistência, coirmã e autônoma das 14 TFPs, indicou que era o momento ade­quado de publicar o presente estudo. Já o fez, num opúsculo de 60 páginas, em dezembro p.p., a TFP colombiana.

"Catolicismo" apresenta hoje a ver­são em português, feita diretamente do original em inglês, ainda inédito.

Apenas as ilustrações e as legendas são deste órgão, bem como o texto da quarta capa.

Para o público venezuelano que por­ventura tomar conhecimento deste estu­do, sirva ele de elemento de reflexão e de ponderação para vencer o clima carre­gado de turbulência emocional e de infestação preternatural que propiciou às autoridades do simpático país irmão tomar medida eivada de todas as notas de irregularidade jurídica e de injustiça, numa autêntica clave de perseguição ideológico-religiosa (cfr. Perseguição ideológico-religiosa na Venezuela - Nuvem negra baixa sobre o país irmão, "Catolicismo", n°. 408, dezembro de 1984).

"Catolicismo" nutre a certeza — que é a de todas as TFPs — de que em tempo mais ou menos breve será feita justiça à Associação Civil Resistência, e o decreto governamental de 13 de no­vembro p.p., que suspendeu suas ativi­dades, passará para a História. Essa certeza é fundamentada na confiança que, como todos os venezuelanos e todos os amigos da Venezuela, depositam na poderosa intercessão de Nossa Senhora de Coromoto, Rainha e Padroeira do querido país irmão.

Plinio Corrêa de Oliveira


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