O beijo de Judas, Giotto di Bondone, 1304-1306 –
Capela Scrovegni, Pádua
Neste mês de abril comemora-se a Sagrada Paixão de Nosso Senhor
Jesus Cristo. Ocasião oportuna, pois, a tecer algumas considerações
sobre a prisão do Divino Mestre no Horto das Oliveiras.
Narram os Evangelhos que estando
Jesus ainda a falar aos Apóstolos no Horto, aproximou-se Judas para
entregá-Lo, acompanhado de uma multidão de povo, esbirros armados,
escribas e anciãos. Após o beijo da traição de Judas, perguntou
Jesus aos que o acompanhavam: "A quem procurais?" — "A Jesus
Nazareno", responderam eles. Disse-lhes Jesus: "Sou eu". E São
Pedro, tirando da bainha sua espada, cortou a orelha de um servo do
Sumo Pontífice chamado Malco.
Quando foi
preso, Nosso Senhor praticou duas ações aparentemente contraditórias, e
é sobre isto que queremos meditar.
De um lado, falou tão alto, atroou tanto os ouvidos, que os esbirros
caíram por terra. De outro lado, abaixou-se Ele mesmo até o chão, para
tomar uma orelha, e a recolocar no lugar. O Mesmo que aterroriza,
consola. O Mesmo que fala com voz insuportável para os tímpanos,
reintegra uma orelha cortada. Não há nisto, para nós, algum ensinamento?
Nosso Senhor é sempre infinitamente bom, e foi bom quando disse aos que
O procuravam, que era Ele Jesus de Nazaré, a Quem queriam, como foi bom
quando consertou a orelha de Malco. Se queremos ser bons, devemos imitar
a bondade de Nosso Senhor, e aprender com Ele, que há momentos em que é
preciso saber prostrar por terra com santa energia os inimigos da Fé,
como há ocasiões em que é preciso saber curar os próprios males daqueles
que nos fazem mal.
Por que falou Nosso Senhor tão alto, quando respondeu "Ego Sum"? Só para
atordoar fisicamente os que O prendiam? Mas para que, se Ele se
entregava voluntariamente à prisão? É que Ele falou ainda mais alto a
seus corações, do que a seus ouvidos, e se lhes falou tão alto aos
ouvidos, não foi senão para lhes falar ainda mais alto aos corações. Não
sabemos qual foi o proveito que aqueles homens fizeram da graça que
receberam. Mas certamente o temor que sentiram, quando tombaram à voz do
Mestre lhes foi salutar como foi salutar a Saulo, quando a mesma voz lhe
gritou: "Saulo, Saulo, por que me
persegues?"
Nosso Senhor lhes falou alto aos ouvidos. Prostrou-os por terra. Mas Sua
voz que abatia corpos e ensurdecia ouvidos, erguia almas que estavam
prostradas, e lhes abria os ouvidos do espírito, que estavam surdos.
Às vezes, pois, para curar é preciso gritar.
Com Malco, o Divino
Redentor procedeu de outra maneira. Quando lhe restituiu a orelha
cortada pela fogosidade de São Pedro, Nosso Senhor certamente lhe queria
fazer um bem temporal. Mas curando-lhe o ouvido, Nosso Senhor lhe quis
sobretudo abrir o ouvido da alma. E Ele mesmo que a alguns curara da
surdez espiritual com o estrondejar divino da Sua voz, Ele mesmo curou
da mesma surdez espiritual a Malco, dizendo-lhe palavras de bondade, e
restituindo-lhe a orelha que perdera.
Vivemos em um século afetado, por certo, pela mais terrível surdez
espiritual. Se há época em que os homens ouvem a voz de Deus, é a nossa.
Se há época em que contra ela endureçam os corações, é por certo a
nossa.
O Divino Mestre nos mostra que, se queremos dissolver em nós e no
próximo esta terrível surdez, é Ele só que o pode fazer, e os meios
humanos em si mesmos de nada valem.
Nesta ocasião, façamos nosso um pedido que se encontra nos Santos
Evangelhos. Quando um cego viu, certa vez, Nosso Senhor, bradou-Lhe "Domine,
ut videam!", "Senhor que eu
veja!"
Aproveitemos as comemorações da Semana Santa para pedir a Ele que
ouçamos: "Domine, ut audiam".
Não sabemos, na sabedoria de Sua misericórdia, de que maneira Nosso
Senhor curará nossa surdez espiritual. Sangramos como Malco e estamos
surdos como os esbirros. Pouco nos importa que Ele queira curar-nos por
este ou aquele meio: cumpra-se Sua vontade divina. Fale-nos Ele pela voz
terrível das reprovações e dos castigos, fale-nos Ele pela voz branda
das consolações, uma coisa sobretudo Lhe pedimos: "Senhor,
que ouçamos!"
Que pelo menos nós, católicos, ouçamos plenamente a voz de Nosso Senhor,
e que, correspondendo em nossa santificação interior, de modo completo e
irrestrito, às graças que Ele nos dá, realizemos dentro de nós aquele
pleno reinado de Nosso Senhor, de que os inimigos da Igreja parecem
esperançados em arrancar os últimos vestígios sobre a face da terra.
Nosso Senhor prometeu a indestrutibilidade de Sua Igreja, e prometeu que
se salvaria toda alma verdadeiramente fiel.
Confortados nessa esperança, meditamos com serenidade as tristezas
destes dias de universal conturbação, como as agonias desta Semana da
Paixão. Nosso Senhor é o grande Vencedor. Ele vencerá, e com Ele
triunfará a Igreja.
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