Catolicismo Nº 244 - Abril de 1971

 

Dizei uma só palavra (1)

 

Plinio Corrêa de Oliveira

 

O Sr. Nelson Carneiro declarou à imprensa que o fato de haver sido eleito senador pela Guanabara constitui uma aprovação da opinião pública nacional à sua atuação divorcista na Câmara dos Deputados. De onde concluiu que, na Câmara Alta, deve dedicar-se, mais do que nunca, a derrubar a indissolubilidade do vínculo conjugal.

O raciocínio do agitado parlamentar é o seguinte:

  1. se ele, divorcista notório, foi eleito pela Guanabara, é porque os seus eleitores desejavam o divórcio;

  2. ora, como a Guanabara "é o espelho do país", o Brasil inteiro quer o divórcio;

  3. logo, ele, Nelson Carneiro, não faz senão obedecer à opinião nacional, continuando em sua luta pela causa divorcista.

— Claro? Lógico? — Sim... nas nuvens. Na realidade concreta, as coisas são bem outras.

Há longos anos, o Sr. Nelson Carneiro se vem fazendo notar como o D. Quixote do divórcio. Brada, clama, agita-se, e o divórcio não é aprovado. Se não me engano, o mais recente de seus feitos parlamentares — em matéria de divórcio, esclareço, pois S. Excia. também é autor de feitos em outros assuntos — foi, sem dúvida, o esforço baldo que desenvolveu em prol do projeto de Código Civil enviado ao Congresso pelo pranteado presidente Castelo Branco. Não sei quem, talvez o próprio Sr. Nelson Carneiro, convenceu o valoroso cabo de guerra de que o divórcio seria bem aceito no país. Presumivelmente por isto, figurava ele no projeto, sob a forma de uma ampliação dos casos de anulação de casamento.

Todos se lembram de que, a essa altura — corria o ano de 1966 — a TFP organizou um abaixo-assinado antidivorcista que, em 50 dias, obteve 1.042.359 assinaturas coletadas em 142 cidades.

Castelo Branco compreendeu a voz do povo. Antes de a campanha chegar a seu término, retirava ele o projeto. E a investida divorcista, apesar de tão aplaudida pelo Sr. Nelson Carneiro, ruiu por terra.

Em conseqüência, formou-se no público a persuasão da inviabilidade do divórcio, e da inocuidade das investidas quixotescas do Sr. Carneiro.

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Isto explica facilmente que muitos eleitores antidivorcistas da Guanabara tenham dado seus votos ao líder divorcista. Não os moveu, de modo algum, o desejo de ver aprovado o divórcio, mas a simpatia pelo MDB, e talvez pela pessoa do Sr. Nelson Carneiro, que dispõe inegavelmente, em vários órgãos da imprensa escrita e falada, de ótima acolhida para sua propaganda pessoal.

Eis — do ponto de vista da questão do divórcio — a verdadeira história da eleição do Sr. Nelson Carneiro.

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Ao lado deste fator houve outro. A opinião antidivorcista compareceu ao pleito inteiramente desorientada, desestimulada e desconexa. Nenhum moralista católico genuíno há, que não ensine ser grave obrigação de todo eleitor católico recusar seu voto a um candidato divorcista. Se de todos os púlpitos isto tivesse sido dito e proclamado estou certo de que o eleitorado, que displicentemente votou pelo Sr. Nelson Carneiro, lhe teria negado o voto.

E estou certo de que, nesse caso, ele não teria sido eleito.

O silêncio unânime, ou quase unânime, de tantos pregadores ante a eleição para o Senado de um candidato estrepitosamente divorcista implicou razoavelmente, aos olhos do público, num verdadeiro "agreement" em favor dele. Ou num certificado de inocuidade.

Qual a razão desse "agreement"? — É, para mim, um perfeito e insondável mistério. Mas o fato aí está. Na imprensa não encontrei notícia de um só sermão contra a candidatura do Sr. Nelson Carneiro. Procurei informar-me com amigos cariocas bem a par do assunto: nada lhes constava. Se algo houve, foi como se não tivesse havido.

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Da impopularidade do divórcio tem, aliás, inteira consciência o Sr. Nelson Carneiro. Tanto é que, em sua citada entrevista, afirma ser "muito difícil" obter a introdução explícita do divórcio em nossa legislação, por meio de uma emenda constitucional. Haveria muito risco de não se alcançar, para isto, a maioria necessária.

"Muito difícil" por que, perguntamos, se todo o mundo quer o divórcio? Então, o Congresso, que "muito dificilmente" aprovaria o divórcio, não representa o país? E se representa, como afirmar então, que o país quer certamente o divórcio?

É que o clero não quer o divórcio, diria alguém, e tanto o Executivo quanto o Legislativo não desejam contrariar o clero. Admitamos a hipótese, para argumentar. Se assim é, pergunto por que não desejam nossos homens públicos contrariar o clero. Evidentemente, pela raiz que a Igreja tem em nossa população católica. Mas, então, essa população quer romper com a Igreja e, eventualmente, com seus Pastores, para seguir o Sr. Nelson Carneiro?

Há mais. O senador divorcista apresenta, em suas declarações, como o modo mais direto de implantar o divórcio, fazer aprová-lo... às escondidas!

Sim. Assevera ele que se o próximo projeto de Código Civil — sem pronunciar a palavra divórcio — ampliar consideravelmente os casos de anulação de casamento, então sim, estará derrubada a indissolubilidade do vínculo, porque, acrescenta, "as conseqüências da anulação do casamento são praticamente as mesmas do divórcio".

Veja o leitor a comicidade da tese do Sr. Carneiro. A opinião pública quer o divórcio, o Executivo o quer, o Legislativo o quer. Mas o único jeito de ele ser aprovado é disfarçadamente!

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A meu ver, o divórcio, mascarado de anulação, só passaria, no Brasil, por um golpe de surpresa, isto é, se fosse imposto pelo Executivo em um projeto de lei que o Congresso tivesse de aprovar a toque de caixa. De tal maneira que se negasse à opinião pública o tempo necessário para tomar conhecimento do perigo, e manifestar-se contra ele.

Não me sinto, aliás, no direito de prognosticar como provável que as coisas se passem assim. Pois há circunstâncias que parecem dizer o contrário.

Com efeito, há tempo que a reforma do Código Civil está em pauta. O general Médici sabia que, cedo ou tarde, teria de abordar a importante matéria. E que seu braço direito, para isto, teria de ser forçosamente o ministro da Justiça. Se o chefe do Estado quisesse — segundo aspira ser o Sr. Nelson Carneiro — aproveitar a feitura de um novo Código Civil para fazer entrar o divórcio pela porta dos fundos de nossa legislação, não escolheria, como ministro da Justiça, o Sr. Alfredo Buzaid. Pois, como professor de Direito, por certo repugnará a este o truque recomendado pelo líder divorcista. E, dado que o titular da Pasta da Justiça se preza de católico praticante, em sã lógica não é admissível que ele se solidarize com um projeto de Código Civil que, segundo o próprio Sr. Nelson Carneiro, implicaria na derrubada do princípio cristão da indissolubilidade do matrimônio.

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De minha parte, e como presidente do Conselho Nacional da TFP, tenho um conselho a dar.

É desairoso para o divórcio entrar em nossa legislação por um vulgar passa-moleque.

Se, pois, o Sr. Nelson Carneiro, ou outro prócer divorcista qualquer, deseja o divórcio, proponha-o de público, com toda a clareza, e desencadeie uma consulta ao povo.

Neste caso, tocará à CNBB publicar largamente um pronunciamento tanto quanto possível conciso e peremptório contra o divórcio ( e a anulação paradivorcista ).

Em seguida, dê-se tempo para um largo debate sobre a matéria em todo o País.

E, por fim, proceda-se a um plebiscito.

Se não se quiser o plebiscito, os divorcistas recolham adesões para suas listas de assinatura, e a TFP paralelamente promoverá outro abaixo-assinado antidivorcista.

Ver-se-á, então, quanto se enganam os que imaginam que o Brasil é divorcista.

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Isto dito, volto-me para a CNBB.

Sabem os Srs. Bispos que a indissolubilidade do casamento foi instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo, e que lei humana alguma tem o direito de a abolir. Sabem também que eles, mais incomparavelmente mais do que à TFP, ou a quem quer que seja, cabe velar por que as leis civis não atentem contra o que Jesus Cristo instituiu.

Para a defesa do vínculo, caso venha a ser ameaçado por algum truque do Sr. Nelson Carneiro, peço aos Srs. Bispos tão somente um documento revestido das características pouco acima enumeradas. E a este propósito lhes dirijo, como católico, ligeiramente adaptada, a súplica do Centurião: dizei uma só palavra, e nossa pátria estará salva. Pois aos Srs. Bispos não é necessário que se movam nem que se esforcem. Bastará que falem, mas falem deveras, para que os leigos façam o resto, e levem à derrota às hostes divorcistas.

— Teremos ou não teremos o divórcio? Esta pergunta redunda em outra: falarão ou não falarão contra ele nossos Bispos, num pronunciamento da CNBB, compacto e sem discrepâncias?

Se — como de direito — emitirem a palavra salvadora, o laicato católico do Brasil sobressaltará. E qualquer iniciativa clara ou veladamente divorcista morrerá "in ovo".

Não quero crer que, essa palavra, eles a recusem. Se a recusassem, o desalento no laicato católico poderia ser bem grande. Pois em tão surpreendente hipótese se lhes poderia aplicar a frase de Camões: "um fraco rei faz fraca a forte gente".

Se, em tal caso, o divórcio vencesse, o causador capital desta vitória não seria o Sr. Nelson Carneiro.

 


( 1 ) Transcrito da “Folha de S. Paulo”, 21/2/71