Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 8 de novembro de 1970

O Cardeal festivo

A eleição e posse de Allende causaram um suspense no mundo inteiro. E nada mais razoável. No Chile — como aliás também na Itália — os marxistas estão divididos em dois partidos políticos. Um deles se intitula direta e ostensivamente Partido Comunista. O outro, que evidentemente não pode usar o mesmo nome, se chama Partido Socialista. Mas — insisto — tanto o PC quanto o PS são oficial e genuinamente marxistas. Assim, não há dúvida possível: Allende, figura de grande destaque no Partido Socialista, é um comunista confesso.

Ora, está na essência da metodologia de Marx, que os partidos comunistas devem tender continuamente para a realização dos objetivos últimos e mais extremos da revolução social. Não que Marx excluísse a eventualidade de admitir contemporizações e delongas, nessa trajetória para os fins últimos. Quando se percorre um terreno muito escorregadio, pode-se chegar menos tardiamente ao fim caminhando lentamente do que andando com irrefletida pressa. Assim, mesmo quando o marxista autêntico parece tergiversar ou contemporizar, não tenhamos dúvida: é porque julga ser este o modo mais curto de alcançar a realização da revolução integral.

Nestas condições, os ares de comedimento e brandura ostentados nestes dias por Allende só podem iludir a quem ignore os rudimentos mais elementares do método marxista de conquista do poder.

O mesmo se diga das fórmulas vagas de que o líder socialista se tem servido para enunciar seu programa. Evitando dizer cruamente que visa a implantação do comunismo, Allende tem falado, de modo vago, em realizar no Chile o socialismo. Esse pequeno disfarce de nada vale como garantia para os não comunistas. Pois, de um lado, a linha demarcatória entre o socialismo e o comunismo é das mais inconsistentes. E, de outro lado, nos lábios de Allende, a palavra "socialismo" não pode significar senão marxismo, já que como há pouco dissemos — é oficialmente marxista o Partido Socialista ao qual ele pertence.

O mesmo, ainda, se deve afirmar da relativa — e quão relativa — moderação das várias realizações imediatas anunciadas por Allende. Estas sempre foram reclamadas pelo PC e pelo PS chilenos como providências preliminares essenciais para a instauração do regime comunista. Isto posto, e se bem que Allende não pareça resolvido a instaurar, desde já, e em sua integridade, o regime comunista, é para lá que se dirigem desde logo seus primeiros passos. E — não é demais repeti-lo — esses passos só serão moderados e lentos na medida em que assim o impuserem as conveniências táticas do comunismo.

Para ilustrar estas observações, não é sem interesse mencionar um pormenor do noticiário referente à entrevista concedida pelo novo presidente ao diretor do jornal "Excelsior", do México. Na sala de sua residência, em que a entrevista se realizou, se notavam fotos de Fidel Castro, "Che" Guevara, Ho Chi Minh e Mao Tsé-Tung. "Diz-me com quem andas, e te direi quem és", afirma o provérbio. Perguntado sobre o motivo de estarem elas ali, respondeu o novo amo do Chile, que é porque admirava esses personagens. E que, ademais, eram fotos com dedicatória dos fotografados. Em seguida, Allende acrescentou, com gracejo irreverente, que não tinha ali uma foto de Jesus Cristo, ao lado das dos líderes comunistas, porque Este não lha oferecera com dedicatória.

* * *

Como bom marxista, Allende é oficialmente ateu. Como ateus são também os ministros marxistas que ocupam vários postos, e dos melhores, em seu gabinete.

E como vê ele a Igreja? Como uma entidade inidônea, que "virou a casaca", e pactua hoje com doutrinas contra as quais ontem lançava categóricas condenações. Eis suas palavras textuais, em entrevista ao "New York Times":

Repórter: "Na qualidade de maçom, considera a Igreja Católica elemento potencial de oposição ao seu governo?"

Allende: "Creio que está perfeitamente ciente de que as velhas rixas entre a maçonaria e a Igreja estão superadas. O que é mais importante, a Igreja Católica sofreu mudanças fundamentais.

"Durante séculos, a Igreja Católica defendeu os interesses dos poderosos. Hoje, depois de João XXIII, ela se orientou para transformar o Evangelho de Cristo em realidade, pelo menos em alguns lugares.

"Tive ocasião de ler a Declaração dos Bispos em Medellín, e a linguagem que usam é a mesma que usamos desde nossa iniciação na vida política, há 30 anos. Naquela época, éramos condenados por tal linguagem que hoje é empregada pelos Bispos católicos.

"Acredito que a Igreja não será fator de oposição ao governo da Unidade Popular. Ao contrário, será um elemento a nosso favor, porque estaremos tentando converter em realidade o pensamento cristão. Além disso, haverá a mais total liberdade de crença religiosa".

* * *

Como se vê, dificilmente poderão ser mais sombrias as perspectivas que tem diante de si o país andino. Daí a evasão de capitais do Chile para o exterior. Daí também o êxodo contínuo de chilenos. Só em Buenos Aires há, segundo consta, 50 mil refugiados.

Em meio a tantas e tão fundadas apreensões, uma figura há, inteiramente despreocupada, serena, festiva. É a do Cardeal Silva Henriquez, Arcebispo de Santiago.

Cardeal Raul Silva Henríquez 

Antes das eleições, declarou ele, publicamente, ser lícito aos católicos votar em candidatos marxistas: ou seja, em Allende.

Logo após a confirmação da vitória deste último pelo Congresso, o purpurado se apressou em visitar o futuro presidente, levando-lhe de presente uma Bíblia. Na ocasião, declarou aos jornalistas que fazia votos pelo êxito da gestão do marxista vencedor. E acrescentou que recomendava aos católicos que apoiassem o novo governo. Ou seja, que cooperassem na aplicação das medidas desejadas pelos comunistas como meio de suma importância para a implantação de seu regime ateu e radicalmente igualitário.

Não ficou nisto o Cardeal. No dia da posse de Allende, celebrou ele o Santo Sacrifício da Missa e cantou um "Te Deum" em ação de graças pela ascensão do novo governo. O Presidente ateu e uma farta coleção de pastores protestantes assistiam à augusta cerimônia católica.

Tudo terminou — ao que parece — sem que ninguém risse nem chorasse. O cardeal ainda disse que Allende teve um "gesto delicado" ao ter consentido em assistir às cerimônias, entretanto, para este, vazias de qualquer conteúdo real.

* * *

Se há um direito que tenho, como homem e como católico, tão essencial ou mais ainda do que o de viver, é o direito de refletir sobre estes fatos, e dizer de público o que sobre eles penso.

— O que penso? Antes de tudo, que isto forma uma seqüela de imensos escândalos. O que é feito de todas as condenações dos Papas, de Pio IX a Pio XII, contra o comunismo? Como, de um momento para outro, e sem mais explicações, foram postos de lado esses atos solenes, graves, repetidos? E como o Purpurado chileno oferece hoje o Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo para agradecer, como fato lícito e auspicioso, a vitória de uma corrente por tantos Papas, qualificada de satânica, imoral e subversiva? Não é isto um sacrilégio? Não é também um sacrilégio cantar "Te Deum" para agradecer a Deus esta vitória do ateísmo?

Se em nome de uma aliás mal entendida disciplina, eu devesse admitir que tais atos não são sacrílegos, teria a sensação de que todas as leis da lógica nada mais valem. E que o absurdo passou a ser a única realidade. Felizmente, a tal ato de disciplina não me obriga nenhuma lei da Santa Igreja.

Vou adiante em minhas elucubrações. O leitor não julgava, há um ano atrás, impossível que fatos como estes ocorressem no Chile? Claro que sim. Entretanto, ei-los. Agora pergunto: fatos destes parecem impossíveis ao leitor, no Brasil de hoje? Quem nos garantirá que, dias mais dias menos, aqui não ocorram também?

* * *

Não adianta assustar-se, gemer, choramingar ou protestar. A voz da realidade aí está.

Mas qual a utilidade de artigo tão rudemente franco? perguntará alguém. — É persuadir os leitores de que em nossos tristíssimos e turvíssimos dias, pode ocorrer que o pastor entregue o rebanho ao lobo. O rebanho, isto é, não um homem ou um punhadinho de homens, o que seria infinitamente triste. Mas um país inteiro.

E que, neste caso, a fidelidade à Igreja e ao país consiste em não seguir o mau pastor.

* * *

Li, há muitos anos, no "Osservatore Romano", um fato que me vem agora à memória. Quão oportuno é lembrá-lo...

Anos após a implantação do regime comunista na Rússia, numa igreja católica cheia de fiéis, um sacerdote celebrava a Santa Missa.

Ao Evangelho, o celebrante subiu ao púlpito. Estava pálido e cambaleante. Disse que daquele momento em diante se passaria para o comunismo, que por isto iria interromper a Missa, tirar a batina e deixar o templo. E convidou os fiéis a fazerem o mesmo. Desceu em seguida os degraus do púlpito, e se afundou pela sacristia, presumivelmente rumo à porta dos fundos.

Ocorreu então um dos mais belos fatos da História da Igreja em nosso século. Todos os fiéis se levantaram e, à uma, cantaram o Credo. O mau pastor partira. Eles não. Naquela localidade, a Igreja continuava a viver. E com que sobrenatural pujança!

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Catolicismo Nº 240 - Dezembro de 1970


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