Catolicismo Nº 235 - Julho de 1970
Da nova geração pode-se recear, mas também esperar mais do que da anterior
Plinio Corrêa de Oliveira
São Paulo, julho de 1970 - ( ABIM ) – A respeito de um dos mais candentes problemas da atualidade, o do contraste das gerações à luz da história contemporânea, ouvimos a palavra do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, Presidente do Conselho Nacional da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade.
O entrevistado, que desde jovem se destacou como professor e homem público, está largamente credenciado a se pronunciar sobre o assunto, como observador atento que é, há longos anos, das transformações por que tem passado a humanidade.
Ele é também autor do ensaio "Revolução e Contra-Revolução", em que analisa em profundidade as causas da crise do mundo hodierno.
Foram estas as perguntas feitas ao Prof. Plinio Corrêa de Oliveira e as respostas que ele deu:
- O Sr. poderia definir a sua geração: o que ela é e o que representou?
- A grande maioria das pessoas de minha geração rompeu de modo profundo, porém não completo, com os padrões ideológicos e culturais da velha Europa, e abriu-se entusiasticamente, porém de modo também incompleto, para a influência – então ultra "moderna" – dos Estados Unidos. Neste sentido, foram "pra frente". Entretanto, do ponto de vista religioso, começaram num indiferentismo que marcava, em certa medida, até muitos católicos praticantes; e a partir de uns trinta anos para cá têm evoluído para uma atitude de interesse e respeito pela Religião. Uma ponderável parcela dessa maioria chegou mesmo à prática religiosa. Parece-me que, hoje, os de minha geração sentem certo desencanto em relação ao americanismo. Nunca esperaram o caos em que o mundo afundou. E, diante deste caos, se sentem profundamente perplexos e explicavelmente alarmados.
- Peço-lhe que descreva os acontecimentos que tiveram importância para a formação de sua geração.
- O período de "entre deux guerres", em que minha geração se formou, foi marcado primeiramente pelo zênite da influência norte-americana, pelo feminismo agressivo, pela maré de modernidade, por um transbordamento de vulgaridade, pelo entusiasmo em relação às novas invenções ( sobretudo a expansão do cinema, do automobilismo e da aviação ), fatos estes que se seguiram todos à primeira grande guerra mundial. Já se previa então que o comunismo seria o grande problema dos anos futuros. A questão social começava a inquietar largos círculos.
Tanta ruptura com o passado, tanto avanço para a esquerda, despertou como contragolpe apetências de reação para a direita. Essas apetências foram polarizadas, postas em delírio e deturpadas pelo nazismo, pelo fascismo, e por seus congêneres, os quais, em lugar de entrarem em choque com o socialismo, instauraram um socialismo camuflado de direitismo. As experiências de Marconi abriam, pari passu, a era do rádio.
Toda esta seqüência de fatos se alongou até a segunda guerra mundial. Terminada esta, iniciou-se o que eu chamaria de cancerificação do universo. Em outros termos, tudo cresceu como um câncer e tomou proporções babilônicas: os riscos da guerra nuclear, o poder dos supergrandes, o desenvolvimento da técnica, a eficácia da propaganda, a massificação do homem, a universalidade das agitações, a superespecialização das ciências, etc. Um excesso de velocidade, um excesso de abundância na produção do mal e até na de certas coisas boas, uma falta de ritmo e de compasso em tudo, transformaram o mundo num caos inumano. Daí uma infinidade, também tumultuosa, de tentativas de interpretar e "humanizar" o caos, que deram numa dispersão de forças e num desalento que atacam muitas vezes até os melhores. Acrescente-se a isso o efeito maléfico da proliferação do erotismo, da sensualidade, do freudismo e do permissivismo, e procure-se olhar todo esse caos de dentro dos olhos de quem viu a luz do dia no fim da "Belle Epoque" e formou a alma na relativa placidez do "entre deux guerres". O leitor poderá então imaginar o trauma sofrido por essas almas de minha geração embaladas outrora pelos sonhos do otimismo norte-americano. O apoio que lhes restaria seria a Igreja. Imagino o desconcerto de tantos de meus coetâneos vendo-A numa crise apocalíptica.
Digo tudo isto sentindo-me em larga medida fora de minha geração, de cujas ilusões não participei,e com cujas tendências tão freqüentemente entrei em dissonância. Pois na realidade tenho sido muito mais ouvido e entendido pelos jovens do que pelos de meu tempo. Basta, para o provar, olhar para as fileiras da TFP, onde quanto mais jovem é a geração, tanto mais representantes tem.
- O progresso tecnológico, o advento da TV, até que ponto acredita o Sr. que isso terá relevância junto às novas gerações?
- Julgo que essa relevância não seria primordial se não fosse a circunstância de que tais fatores estão com demasiada freqüência a serviço do caos, que assim aumenta enormemente.
- Está de acordo com a afirmação de Scott Fitzgerald de que uma geração se distingue "por um número de idéias herdadas, de forma moderada, de malucos e fora-da-lei da geração anterior"?
- Esse princípio não ocorre sempre. Mas a partir do fim da Idade Média se tem verificado com freqüência. Entretanto, para que ele se entenda segundo a realidade histórica é preciso incluir entre os "fora-da-lei", não só os malucos como os que reagem com intrepidez e coerência contra a maluquice. Nas épocas em que se verifica o princípio de Scott Fitzgerald, a maioria das pessoas está a meio caminho entre a maluquice e o bom senso autêntico, e põe este e aquela fora da lei. Sobretudo o bom senso.
Em nossos dias, parece-me que o princípio de Scott Fitzgerald está seriamente exposto a não se verificar. Pois a maluquice de uma certa minoria é tal, que vai levantando contra esta o desprezo ou até a cólera da imensa maioria que até há pouco estava em posição intermediária.
- Até que ponto os conflitos mundiais foram importantes para as gerações subseqüentes, no Brasil?
- A resposta está implícita na que dei à segunda pergunta.
- Os valores de sua geração eram mais – ou menos – frágeis do que os valores das novas gerações?
- Concordo com São Pio X: segundo ele, tudo quanto há de plenamente verdadeiro e bom no mundo resulta da Religião Católica. À medida em que o mundo se afasta desta, todos os valores entram em agonia. Que dizer, então, se a Religião imortal parece, ela mesma, em agonia? A meu ver, essa doença "agônica" da Igreja, chamada progressismo, já perdeu virtualmente a batalha. A maioria a está rejeitando. O grande problema é saber se a reação antiprogressista será autêntica, ou se a maioria dos que a propugnam se deixará infiltrar pelo espírito progressista. Se for autêntica, todos os valores readquirirão firmeza. Se não o for, não há males que não nos possam cair em cima. Só uma coisa é impossível: é a Igreja morrer.
- Como o Sr. explica o fato de as novas gerações se baterem tanto por ideais de paz e, ao mesmo tempo, se manifestarem tão violentamente para a consecução de seus objetivos?
- É uma das mil contradições de nossa época. Para explicá-la, haveria que explicar por que esta é contraditória. A explicação é simples: fugimos da verdade total, da virtude total, e queremos construir um mundo baseado em meias verdades e em meias virtudes. O resultado são esses escombros que aqui estão. E, nesta esfera de realidade, os escombros geram monstros.
- Como o Sr. definira a nova geração?
- É algo de bem diverso da minoria de "hippies" e agitadores. Um mundo novo, cheio de lacunas e extravios, bem como de surpreendentes afirmações de valor moral, do qual se pode recear muito mais e também esperar muito mais do que de minha geração.