Quando,
na madrugada de 20 de junho de 1969 os terroristas estouraram uma bomba
na sede da Presidência do Conselho Nacional da Sociedade Brasileira de
Defesa da Tradição, Família e Propriedade, imaginavam estar vibrando um
rude golpe nessa entidade. Na realidade, era precisamente o contrário
que sucedia: a Providência se serviria do fato para abrir pouco depois —
precisamente naquele local — um rio de graças.
Com efeito, entre os objetos mais
danificados pelo atentado criminoso, estava uma imagem de Nossa Senhora
da Conceição. Guardamo-la carinhosamente. E, concluída a restauração do
edifício, nosso dedicado porteiro Manuel nos deu esta linda sugestão:
fazer um oratório dando para a rua, no local preciso onde a bomba
explodira, a fim de ali expor à veneração pública a imagem danificada.
Com isto se repararia a ofensa feita à Virgem Mãe de Deus.
Atendendo ao apelo, decidi que a
imagem fosse transportada em um desfile solene, de nossa sede da rua
Pará para a da rua Martim Francisco, 669.
* * *
Só
quem freqüenta assiduamente a rua Martim Francisco 669 pode formar uma
idéia global do efeito benfazejo que a presença dessa imagem e desse
oratório produz sobre a população.
Desde o ato inaugural do oratório — no
dia 18 de novembro do ano passado — até hoje, a imagem tem estado
continuamente florida. São rosas esplêndidas, são orquídeas de
qualidade, são flores comuns, são até as modestas florinhas populares, a
se acumularem dentro do oratório, e — o mais das vezes — a transbordarem
fora dele, marcando a rua com uma nota festiva. Nem uma só vez foram
estas flores compradas pela TFP: são ofertas espontâneas de devotos da
Senhora da Conceição.
Procedem tais ofertas, na maioria dos
casos, de pessoas das redondezas. Mas algumas delas chegam de bem longe.
Pois os devotos da imagem começam a estender-se pela enorme cidade. Um
bilhete pedindo graças foi deixado junto ao oratório por uma senhora que
informava residir na Liberdade. Lindas flores chegaram há dias, enviadas
por uma floricultura do Paraíso. Um objeto perdido no local trazia o
endereço de uma pessoa do Jardim América...
Nas horas mais diversas do dia e da
noite, há pessoas que rezam diante do oratório. Assim, nas primeiras
horas da manhã, passam rápidos os empregados de todo tipo, à demanda de
seus locais de trabalho. Em frente ao oratório, alguns se detêm para uma
rápida prece. Outros, que não têm tempo de parar, se persignam e
continuam seu caminho. Logo depois começam a passar, menos apressadas,
as donas de casa, que vão para a missa ou para compras. Diante do
oratório, numerosas são as que, por sua vez, se persignam, ou param e
rezam. Aos poucos, a rua vai começando a se atravancar de automóveis.
Passam carros particulares, táxis, caminhões e ônibus. É freqüente notar
que, dentro deles há gente que faz o sinal da cruz: homens e mulheres,
crianças, jovens e velhos, passageiros e "chauffeurs".
Pela calçada, a quantidade de
pedestres cresce também, e se vai tornando heterogênea. Continuam
numerosos os que se persignam de passagem. Mas vários outros se detêm,
às vezes demoradamente. Não raras vezes, fazem uma genuflexão até o
chão. Ou mesmo se ajoelham, pura e simplesmente, em plena calçada, como
se estivessem em uma igreja... Entre estes, não poucos jovens. E até
algum "play-boy". De quando em quando, alguma pessoa entrega flores para
agradecer ou pedir favores.
Com a entrada da noite, o movimento
decresce. O oratório vai ficando isolado. Vão chegando suas horas mais
belas e mais pungentes.
Se, durante o dia, a Virgem favoreceu
os que passaram na luta pela vida, à noite Ela recebe com amor o triste
desfile, que começa, das almas agoniadas, das almas solitárias... dos
pecadores.
São pessoas que, às horas mais
tardias, saltam de um Volks ou de um Gordini, de um Karman-Ghia ou de um
Impala, se recolhem um instante, e saem. Para onde vão? Para um repouso
honesto? Talvez. Mas, muitas vezes, as circunstâncias não permitem
duvidar: saem do pecado, ou vão para ele. Algumas soluçam, como um jovem
melenudo, que de mãos postas e joelhos em terra exclamava: "Nossa
Senhora, acertai minha vida". A Providência conduz esses noctâmbulos
para junto daquela que sabe corrigir todos os vícios, perdoar todos os
arrependidos, tocar todos os empedernidos, e consolar todos os aflitos.
No meio desses lances de dor as ações de graças continuam. São carros em
que vêm, muitas vezes, o esposo e a esposa, com algum filho, trazendo em
ação de graças — mesmo tarde da noite — braçadas de flores. Ou até
"corbeilles". E assim corre o tempo, até que a manhã traz novo desfile
de outras esperanças, outras alegrias e outras aflições. Como, por
exemplo, o de uma septuagenária, que em pleno dia e sem se incomodar com
o bulício do trânsito, chorava junto ao oratório pedindo que Nossa
Senhora a livrasse — não se chegou a ouvir bem — se de um desemprego ou
um despejo...
* * *
Blasfêmias, insultos? Também os há,
mas raros.
Uma vez, por exemplo, um jovem
enfurecido escarrou na parede em que está encaixado o oratório.
Outra vez, umas moças "proféticas"
passaram protestando contra o desperdício de flores. — Judas fez análogo
comentário quando viu Santa Maria Madalena a ungir os pés divinos.
Certa pessoa acercou-se, uma feita, do
oratório onde tantos fiéis encontram as graças da Rainha do Céu, e
perguntou sarcasticamente: "Que é isto? É macumba?" — Era uma freira...
* * *
De todos estes "flashes", a imagem que
se desprende é a de uma grande cidade em que a graça esparge favores
insignes, no qual a virtude resiste e vence as situações mais
adversas... mas onde, também, tanto o pecado como a dor, em todas as
suas formas, rondam campeiam, devastam.
Isto
levou os admiráveis jovens da TFP a me fazerem um pedido. Estou certo de
que tal pedido comoverá até o fundo da alma todos os leitores que ainda
tenham na alma alguma profundidade.
Ocupados embora o dia inteiro com seus
estudos, seus empregos, suas atividades em prol da Tradição, Família e
Propriedade, sugeriram-me eles de se revezarem durante a noite uns aos
outros, ao longo de todo o mês marial que se aproxima, rezando
continuamente o rosário junto à imagem que os terroristas danificaram.
Por que intenções queriam eles fazer
essas preces em horas tão heróicas? - Por todos os que sofrem na imensa
urbe, para que Nossa Senhora os console e ajude. Por todos os que lutam,
vacilando entre a virtude e o pecado, por todos os que perseveram na
virtude, para que Nossa Senhora lhes aumente a perseverança. Para todos
os que pecam, para que Nossa Senhora os preserve do desespero e os
reconduza ao bem. Para todos os que agonizam, para que Nossa Senhora
lhes sorria na hora extrema.
Aquiesci. — E como não haveria de
aquiescer?
Entretanto, acrescentei a essas
esplendidas intenções algumas outras: pela Igreja, para que Nossa
Senhora A livre do progressismo — pelo Brasil, para que Nossa Senhora o
livre do comunismo — pelas pessoas visadas pelos terroristas, para que
Nossa Senhora as ajude fortaleça e preserve — e pelos terroristas, para
que Nossa Senhora lhes toque o coração e os converta.
Por fim, recomendei: rezem
particularmente pelos terroristas que danificaram a sede e a imagem. Se
nós, de todo o coração, os perdoamos, quanto mais os perdoa a Mãe de
todas as misericórdias!
* * *
Saibam, pois, todos os que lerem este
artigo, que, se em alguma noite deste maio próximo, sentirem necessidade
do auxílio de uma prece cristãmente fraterna, naquela hora exata dois
jovens — universitários, estudantes secundários, comerciários ou
operários — estarão rezando para que tal auxílio lhes seja concedido.