Catolicismo Nº 215 - Novembro de 1968

 

O diálogo entre Tia Margarida, o jovem Gilberto e Monsenhor Fagundes responde a objeções e reservas que circularam, no povo católico mineiro, contra a campanha da TFP

PERGUNTE-NOS... E NÓS RESPONDEREMOS

Plinio Corrêa de Oliveira

 

Por ocasião da campanha de coleta de assinaturas, a Secção mineira da TFP imprimiu, e distribuiu de casa em casa nos bairros mais populosos de Belo Horizonte, 70 mil exemplares de um folheto intitulado "Pergunte-nos... e nós responderemos". De autoria do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, seu texto resumia e respondia – de modo irretorquível – objeções e reservas que freqüentemente circulavam, entre o povo católico montanhês, contra a campanha do abaixo-assinado ao Santo Padre. A exemplo dos "Dialoguitos" da Sociedade Argentina de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, que esta folha vem publicando, o folheto apresenta tais objeções e respostas na mesma linguagem que elas costumam revestir nas conversas caseiras e nos encontros de rua.

Formulados, assim, sob forma acessível e atraente, os argumentos de "Pergunte-nos... e nós responderemos" adquirem uma singular eficácia.

Por isso mesmo, a iniciativa da TFP mineira alcançou excelente resultado, traduzido por centenas de comentários ouvidos pelos coletores de assinaturas nas ruas de Belo Horizonte, e sobretudo pela multiplicação do número de adesões ao abaixo-assinado após a distribuição do folheto.

Reproduzimos a seguir o ameno, vivo e substancioso texto:


Tia margarida. – Gilberto, já lhe disse, não fique coletando assinaturas nessa campanha da TFP. Tenho ouvido vários sermões do Frei Camilo: é pelo menos a quinta vez que ele diz que a campanha da TFP é contra a Igreja.

Olhe lá, meu sobrinho, o Pe. Comblin é Padre, e quem ataca um Padre ataca todos. Se vocês não gostam do Pe. Comblin, fiquem quietos; porque de Padre, se a gente não pode falar bem, não fala nada.

Gilberto. – Engraçado, tia; e quando um Padre fala mal de todos os outros – e até da própria Igreja – a gente deixa falar?

Não há saída. Veja só o que o Pe. Comblin escreveu ( está no folheto que eu lhe dei ): "Atualmente poucas instituições são tão colonialistas na América Latina, como a Igreja católica. [ ... ] Seria oportuno interromper a invasão de sacerdotes estrangeiros, cujo número já é excessivo".

E não é só isto. Ele acha que o Bispo é um "monarca isolado no seu feudo eclesiástico", a "cultivar tranqüilamente o seu individualismo, refugiado na independência que lhe confere o Direito Canônico. A independência das dioceses, das paróquias e das províncias religiosas deve ser combatida".

Ouça só mais esta: "Os bens eclesiásticos [ ... ] constituem o pior exemplo para todos os proprietários". As obras religiosas "não realizam nem a promoção econômica, nem a promoção social". Elas subsistem graças à corrupção de funcionários, privilégios tributários, etc., administração financeira desordenada e, não poucas vezes contrária às regras da justiça ou da eqüidade profissional".

Depois disto, eu pergunto o que devemos fazer. Se defendemos o Clero contra o Pe. Comblin, quem é anticlerical: nós?! Não é isto o cúmulo do absurdo?

Tia Margarida. – Meu sobrinho, neste caso não era melhor ficarem calados?

Gilberto. – Ficar calados? Se os comunistas vêem que todos ficamos calados, não vão dizer que quem cala consente? Não vão afirmar por aí, que tanto os católicos desprezam o Clero, que não houve um só que se levantasse para defendê-lo?

Tia Margarida. – Mas, então, por que o Frei disse que os anticlericais são vocês? Nunca o vi falar mal do Pe. Comblin. Ele nunca nos disse que o Pe. Comblin escreveu essas coisas. Será bem certo, que escreveu?

Gilberto. – É bem certo que escreveu, tia. Todos os jornais publicaram. Por que o Frei Camilo não contou isso para a senhora? É bom a senhora perguntar para ele. Eu acho isso muito esquisito.

Tia Margarida. – Bem, vou perguntar mesmo... Mas escute aqui. Por que a TFP está fazendo toda essa campanha: é só para defender o Clero?

Gilberto. - Não. Esse pessoal, que tem as mesmas idéias do Pe. Comblin, além de anticlerical é subversivo. É porque eles querem fazer subversão que a TFP se indignou. Veja só como o Pe. Comblin gostaria da Igreja: nada de obras sociais, o triunfo pela guerrilha: "Se fosse possível [ um grupo de guerrilheiros conquistar o poder e exercê-lo pela violência ], é claro que seria o método mais econômico e mais fácil. Bastaria a Igreja armar um grupo ( ficaria muito mais barato do que os gastos das obras assistenciais ) e tudo ficaria resolvido. Não seria somente um método legítimo, mas obrigatório por ser o menos dispendioso e o mais seguro de resolver os problemas. Infelizmente, o caso é mais difícil".

E agora note a ditadura férrea que ele deseja para o Brasil: "Não basta fazer leis. É preciso impô-las pela força. Para a arrancada, o poder será autoritário e ditatorial. Não se pode fazer reformas radicais consultando a maioria: que a maioria prefere "sombra e água fresca", prefere evitar os problemas".

Eu pergunto à senhora se até o "paredón" não está insinuado nos textos seguintes: "Será necessário montar um sistema repressivo: tribunais novos de exceção contra quem se opõe às reformas. Os procedimentos ordinários da justiça são lentos demais. O poder legislativo também não pode depender de assembléias deliberativas"; "o poder deve neutralizar as forças de resistência: neutralização das forças armadas se forem conservadoras; controle da imprensa, TV, rádio e outros meios de difusão, censura das críticas destrutivas e reacionárias".

Por fim, ele combate a tal ponto a propriedade, que não poupa nem o pequeno proprietário: "Por parte das massas populares, a socialização exigirá [ ... ] a renúncia ao ideal do pequeno proprietário".

Com isto a senhora pode entender porque o Pe. Comblin diz que, para os progressistas derrubarem o governo e conquistarem o poder, "será necessário fazer alianças, entrar em compromissos, sujar as mãos pelas alianças sujas".

Tia Margarida. – Mas que horror!... Entretanto, continuo achando uma coisa: porque é que todos os Bispos e todos os Padres não dizem nada sobre o Pe. Comblin e sobre o esquerdismo na Igreja, e vocês são os únicos que falam contra?

Gilberto. – Pois é, tia; não obstante, muitos Bispos falaram contra. Por exemplo, D. Sigaud, Arcebispo de Diamantina, e D. Mayer, Bispo de Campos, escreveram uma carta ao Presidente da CNBB sobre isso, e ela foi publicada os jornais. A senhora quer ver a carta? Leia só este pedacinho:

"Para se julgar o caráter da revolução político-social que idealiza o Pe. Comblin para o Brasil, notemos que [ ... ], para que não haja dúvida sobre suas intenções, faz ele o elogio da revolução comunista do México, deplorada por Pio XI, e da outra igualmente comunista de Fidel Castro [ ... ].

"No entanto, não perturba a consciência do Sacerdote belga nem sequer o tristemente célebre "paredón" de Fidel Castro, porquanto o Pe. Comblin justifica a repressão violenta contra os recalcitrantes que não se amoldam ao nivelamento massificante por ele sonhado.

"[ ... ] Infelizmente, tais idéias não representam a opinião pessoal de um visionário ou fanático. [ ... ] É um pensamento que se difunde em toda uma corrente ativa, organizada e dotada de apoio publicitário, a qual, como é notório, encontra audiência e encorajamento até em certos membros de nossa classe".

Então, tia, somos só nós?

Tia Margarida. – É, mas o Frei Camilo me disse que são só dois Bispos. Uma andorinha só não faz verão; duas também não.

Gilberto. – É curioso, tia, como o Frei Camilo está mal informado. Na realidade, assinaram também a nossa lista os Arcebispos de Niterói e Cuiabá, e os Bispos de Feira de Santana e de Bragança Paulista, D. José Martenetz, Bispo titular de Soldaia, D. Antonio Mazzaroto, Bispo titular de Ottabia, e D. Jerônimo Mazzaroto, Bispo Auxiliar de Curitiba.

Por que Frei Camilo não lhe disse também isso?

Tia Margarida. – Vou perguntar a ele. Mas, e os Padres? E as Freiras? Por que estão todos contra vocês?

Gilberto. – Estão mesmo? Em todo o Brasil muitos Padres e muitas Freiras têm assinado nossas listas. Veja, por exemplo, um trecho da carta que um dos Vigários mais respeitáveis de São Paulo, Mons. Deusdedit de Araújo, escreveu ao Dr. Plinio. Ela saiu no "Globo": "Peço à benemérita Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade aceitar o meu apoio integral, em todas as suas patrióticas campanhas; assim, neste movimento desassombrado, pela Santa Igreja, que sofre os desatinos dos "progressistas" da mentira. [ ... ] A ação da TFP, nesta hora sombria da nacionalidade, quando tanto padecemos os servos de Jesus Cristo e da Santíssima Virgem, afigura-se-me clareira de esperança em meio da floresta escura e de perigos".

Tia Margarida. – É...

Gilberto. – Eu queria fazer uma sugestão à senhora. Por que a senhora não convida o Frei Camilo para nos fazer uma visitinha, examinar nossas listas, tomar um cafezinho em nossa sede, dar uma prosinha conosco?

Tia Margarida. – Deus me livre! Ele detesta vocês. Diz que vocês não dialogam, e que vocês não estão enquadrados no plano pastoral da CNBB.

Gilberto. – Então, com quem é que ele dialoga?

Tia Margarida. – Ora, essa! Com os protestantes, com os comunistas; enfim, com todos os nossos irmãos separados.

Gilberto. – Então, os protestantes e os comunistas estão enquadrados no plano pastoral da CNBB?

Tia Margarida. – Não amole...

Gilberto. – "Não amole", tia, não é argumento. Será que a senhora também não está querendo dialogar?

Tia margarida. – Mas afinal, vocês são ou não são uma associação religiosa?

Gilberto. – Então a senhora foge para outro assunto?

Tia Margarida. – Esta mania que vocês tem de argumentar! Para tudo, lá vem um argumento...

Gilberto. – Pois é, minha tia, se eu não argumentasse, a senhora diria que estou de má fé. Se eu argumento, a senhora fica impaciente, e depois foge para outro assunto!

Tia Margarida. – Mas, afinal, responda. Vocês são ou não são uma associação religiosa?

Gilberto. – Não somos. Somos uma associação cívica, que luta contra o socialismo e o comunismo. Defendemos a tradição, a família e a propriedade, mas no terreno cívico.

Tia Margarida. – Isso é mal feito. Vocês deveriam fazer uma associação religiosa.

Gilberto. – A senhora não está atualizada. O Concílio diz que os católicos podem formar associações cívicas que tratem de assuntos cívicos. Nisto os católicos têm toda a liberdade de ação, desde que não se choquem com a doutrina da Igreja.

Tia Margarida. – Meu caro sobrinho, algum choque vocês devem ter com a doutrina da Igreja. Por exemplo, o Dr. Plinio: alguma coisa ele deve ter escrito contra a doutrina da Igreja, para o Frei Camilo implicar tanto com ele.

Gilberto. – Duvido, tia. Ou antes, tenho a certeza do contrário. Em todo caso, peça ao Frei Camilo para dizer se encontrou alguma coisa contra a doutrina da Igreja nos livros do Dr. Plinio. Se ele mostrar, eu passo para o lado do Frei Camilo...

Tia Margarida. – É mesmo, meu filho? Agora estou vendo como você é bom, e como gosta de sua tia...

Gilberto. – A senhora querendo, leva de presente para o Frei Camilo este livro do Dr. Plinio.

Tia Margarida. - Ainda bem que é pequeno. Ele não gosta de ler coisas longas.

Gilberto. – Pois é. Mostre para ele sobretudo a primeira folha, que contém um belo elogia da Santa Sé para o livro.

Tia Margarida. – Qual nada!

Gilberto. – Ouça só este trechinho: "Congratulamo-nos [ ... ] com o egrégio Autor, merecidamente célebre pela sua ciência filosófica, histórica e sociológica, e auguramos a mais larga difusão ao denso opúsculo, que é um eco fidelíssimo de todos os Documentos do supremo Magistério da Igreja, inclusive as luminosas Encíclicas "Mater et Magistra" de João XXIII e "Ecclesiam Suam" de Paulo VI, felizmente reinante".

Tia Margarida. – Não será falta de respeito ler este documento para o Frei Camilo? Ele não vai ficar sentido comigo?

Gilberto. – Ué, tia Margarida! Ele é tão bravo assim, que a gente nem pode ler um documento da Santa Sé, quando não agrada a ele?

( Batem à porta )

Gilberto. – Quer que eu atenda, tia?

( Entra Monsenhor Fagundes )

Monsenhor Fagundes. – Boa tarde, meus filhos. A que devo atribuir tanta discussão?

Tia Margarida. - Monsenhor, seu cafezinho já está pronto. Sente aí, Monsenhor, e diga quem tem razão. Essa TFP não anda com invencionices dizendo que existe infiltração comunista na Igreja? Frei Camilo garante que não existe. E ele é muito bom.

Monsenhor Fagundes. – Calma, minha filha. Não conheço Frei Camilo. Nunca ouvi falar dele, mas se ele é muito bom, este seu velho primo é Padre há mais de trinta anos e tem lá sua experiênciazinha... A prima Margarida acha que quase um milhão de pessoas em todo o Brasil, Arcebispos, Bispos, Padres, Freiras, povo bom a perder de vista – podem estar enganados?

Tia Margarida. – Mas não é um absurdo haver infiltração comunista na Igreja?

Monsenhor Fagundes. – E como será possível que tanta gente acreditasse numa coisa tão espantosa, quase absurda mesmo? Não é porque viram, apalparam, lamentaram?

Tia Margarida. – Mas, Monsenhor, esta rapaziada não está abusando, quando diz que esse abaixo-assinado é feito em nome do Papa?

Monsenhor Fagundes. – Ora, prima, eles não dizem isso. Eles estão pedindo assinaturas para uma carta ao Papa. Isto é muito diferente de agir em nome do Papa. Se amanhã um de nós escrever uma carta ao Marechal Costa e Silva, quer dizer que está agindo em nome dele?

Tia Margarida. – É claro que não.

Gilberto. – Diga mais esta para o Frei Camilo.

Tia Margarida. – Menino, eu já disse, batina é coisa sagrada.

Monsenhor Fagundes. – O Frei Camilo usa batina?

Tia Margarida. – Eu gosto tanto dele...

Gilberto. – Monsenhor, a tia Margarida me referiu algumas acusações do Frei Camilo. Acha que é falta de respeito eu pedir a ela que transmita ao Frei as minhas justificativas?

Monsenhor Fagundes. – Não, se tudo for apresentado com amabilidade e clareza. Toda a vida gostei de receber as objeções de meus paroquianos. Ainda mais de um rapaz simpático como você. Não é, prima Margarida?

Tia Margarida. – A gente quer bem a esses sobrinhos, mesmo quando briga com eles. Que ele é muito bom rapaz, cumpridor de todos os seus deveres, é bem verdade. Aliás, é neste ponto que eu não concordo com o Frei Camilo, que está sempre muito bravo com ele, mas tem cada amigo cabeludo de meter medo!

Meu filho, vou falar tudinho com Frei Camilo. Alguma coisa no meu coração me diz que ele está exaltado mesmo, e a gente, ouvindo bem vocês, percebe que vocês estão com a razão.

Bem, eu já tinha dito que estava de saída. Vou aproveitar e tirar tudo a limpo com o Frei Camilo. Até logo, primo. Até a hora do jantar. Gilberto, até logo também para você.

( Tia Margarida sai )

Monsenhor Fagundes. – Como é admirável a mulher mineira. Ela é assim mesmo. Inteligente, cheia de bom senso, e o coração feito de ouro. Não duvido, meu Gilberto, que ela acabará por perceber que a razão está com os queridos militantes da Tradição, Família e Propriedade.