A Polêmica com KIERUNKI

Publicamos neste documento a "Carta aberta para além cortina de ferro", do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, bem como as repercussões da polêmica publicadas em números subseqüentes de CATOLICISMO ( 165, 166 ), de maneira fornecer uma visão de conjunto do assunto aos nossos visitantes.


Catolicismo Nº 162 - Junho de 1964

 

CARTA ABERTA PARA ALÉM CORTINA DE FERRO

Plinio Corrêa de Oliveira

 

Sr. Zbigniew Czajkowski

ATRÁS DA CORTINA DE FERRO - Repercutiu também atrás da cortina de ferro oestudo do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira sobre "A liberdade da Igreja no Estado comunista". O importante jornal "Kierunki", órgão da extrema esquerda "católica" da Polônia, publicou em sua edição de 1º de março p.p. uma "Carta aberta ao Dr. Plinio Corrêa de Oliveira", na qual o Sr. Z. Czajkowski procura refutar aquele estudo, em sua primeira redação.Teve o Sr. a iniciativa de me enviar um exemplar do jornal "Kierunki" de 1 ° de março p.p., que publica na primeira pagina, com grande destaque, a carta aberta que o Sr. me dirigiu a respeito do meu estudo sobre "A liberdade da Igreja no Estado comunista"; acompanhava-a a respectiva tradução francesa. Já antes o Exmo. Revmo. Sr. Bispo de Campos recebera também o jornal e a tradução, e foi através de S. Excia. Revma. que primeiro tomei conhecimento de seu trabalho, pois ele teve a gentileza de o encaminhar a mim, de acordo aliás com seu pedido.

Sua carta ao preclaro Bispo de Campos esclarece que o hebdomadário "Kierunki" é editado em Varsóvia pela Associação "Pax", e "exprime as opiniões dos católicos de esquerda poloneses". Na carta a mim dirigida, o Sr. pede que eu tome posição em relação ao seu artigo.

Asseguro-lhe que li com verdadeiro interesse os seus comentários. Se lhe respondo com atraso - do que peço me escusar - a razão está nos gravíssimos acontecimentos que recentemente abalaram o meu País. Todos os católicos dignos deste nome estiveram, aqui, muito absorvidos por esses acontecimentos que, graças a Deus, conseguiram evitar para o Brasil a dolorosa situação em que jaz a sua nobre e tão simpática Nação. Não foi, portanto, senão depois da pacificação geral que se seguiu, que pude reler e meditar com vagar o texto de sua carta aberta.

Entro, pois, diretamente na matéria. Admito como evidente que o Sr. não espera que eu trate a fundo as numerosas questões nas quais tocou apenas de passagem ao longo de seu trabalho ( cuja tradução ocupa 23 folhas datilografadas ). Posto que é necessário muito mais tempo, tinta e papel para responder a uma pergunta do que para formulá-la, não é preciso dizer que serei obrigado a me restringir quase inteiramente às questões de que o Sr. se ocupou mais extensamente em sua carta, e às quais confere, portanto - ao que parece - maior importância.

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O Sr. atribui grande alcance ao fato de lhe parecer eu mal informado sobre a verdadeira situação da Igreja na Polônia. Esta deficiência de informação afigura-se ao Sr. bastante para destruir toda a minha argumentação e tirar todo valor à minha tese, já que, segundo o Sr., não existe de facto a questão de que me ocupo. Nada mais teria eu feito, a seu modo de ver, do que edificar na lua. "Os conhecimentos - lê-se em sua carta aberta - que o Sr. tem da situação da Igreja Católica na Polônia não o autorizam de nenhum modo a tirar quaisquer conclusões. Suas informações, neste domínio, são não somente incompletas, como também - para não dizer mais -inexatas. Creio que o Sr. se dá conta de que, apoiando-se sobre falsos princípios, o lógico, por mais genial que seja, não pode deles deduzir a verdade".

É difícil compreender, depois disto, como é que meu trabalho lhe parece dotado de um poder explosivo de alcance universal. Se ele está de tal maneira desligado do real, como pode então - segundo transparece de sua carta aberta - agir naquilo que a realidade contemporânea tem de mais profundo?

Além disso, se a situação existente na Polônia não é, a seu ver, aquela que eu descrevo, isto não leva senão a afirmar que os fatos que apresento são hipotéticos. Mas, dada a hipótese diante da qual me coloco, a argumentação que desenvolvo e as conclusões a que chego são corretas? Porque, enfim, uma tese doutrinária pode ser absolutamente certa mesmo que se ocupe apenas de uma questão hipotética. A falta de informações que o Sr. me censura não pode, pois, suprimir o interesse da questão que abordo nem servir para demolir os meus argumentos doutrinários.

De qualquer modo, desejo vivamente obter sobre a Polônia, a Rússia, etc., informações mais extensas do que aquelas que possuo. Mas, neste particular, compete-lhe inculpar as próprias autoridades comunistas; porque ninguém pode rodear-se de uma cortina - que, ademais, é uma cortina de ferro - e censurar os outros por não ser bem conhecido deles.

Isto posto, permita-me acrescentar que estou bem melhor informado sobre a situação na Polônia do que o Sr. pensa. Acontece simplesmente que não julguei conveniente entrar em pormenores no meu estudo, cujo caráter sintético quis manter.

Por exemplo, não ignoro, absolutamente, que haja na Polônia - como o Sr. lembra - muitas provações e sofrimentos a suportar por parte dos bons católicos verdadeiramente anticomunistas. Todavia, ao lado destes, muitos outros há também que sabem arranjar as coisas de modo a não contrariar por demais os poderosos do momento, e que, chegam assim a atrair sobre si as suspeitas ou as censuras da Igreja e dos verdadeiros fiéis. A vida é suave para eles, e, sob a tempestade, estranhamente prosperam. Eis a nuance que - se meu trabalho visasse ter maiores proporções - teria podido acrescentar à descrição da situação religiosa da Polônia.

E se, neste caso, tivesse achado útil indicar um exemplo concreto, nenhum teria sido mais típico que o do movimento "Pax", do qual depende o jornal "Kierunki" em que o Sr. colabora. "Pax" é bem vista pelo governo, pode usufruir de grandes propriedades, difunde-se por toda a Polônia. Numa palavra, apesar de eventuais complicações com as autoridades - que não passam, talvez, de outros tantos meios para se dar melhor o luxo de dizer-se independente - o seu movimento obteve dos comunistas que estão no poder uma situação assaz privilegiada, o que significa que estes têm para com os Srs. sentimentos muito benevolentes.

De outro lado, a Hierarquia não lhes manifesta grande simpatia. Um livro editado por "Pax" foi condenado pelo Santo Oficio em 1955 ( cf. AAS, vol. 47, p. 455 ). E ao que noticia o boletim francês "Documents-Paternité", em seu numero 97, de dezembro de 1963, a Secretaria de Estado de Sua Santidade distribuiu aos Bispos franceses e aos Superiores maiores dos Religiosos residentes na França, um relatório que trata severamente de "Pax" e de sua convivência familiar com o comunismo na Polônia.

O Sr. pode verificar, portanto, que estou mais bem informado sobre o seu País do que lhe parece, e que sei que o problema do qual me ocupo existe muito realmente, criado precisamente pela maneira que os Srs. têm de agir face aos comunistas.

Antes de passar adiante, quero fazê-lo notar que, tendo o Sr., ao se dirigir a mim, reivindicado para si a qualidade de católico, teria sido bem mais delicado da sua parte advertir-me de que o Sr. é católico "sui generis". Eu o viria, sem dúvida, a saber, responder-me-á o Sr. Mas, neste caso, como me supõe tão mal informado?

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Passo a outra questão.

O seu jornal quase não se lê, ou não se lê de todo, no Ocidente. Parece-me, pois, muito pouco provável que o Sr. se desse ao trabalho de discorrer tão longamente sobre o meu estudo, se este não tivesse tido repercussão em seu país. Isto me parece indicar que muita gente tomou conhecimento dele aí e se sentiu inclinada a aderir a ele. Como pôde o meu artigo transpor a cortina de ferro? Se o Sr. é livre para mo dizer, agradecer-lhe-ei que o faça.

E mais uma pergunta.

O Sr. publicará a minha resposta na primeira pagina de "Kierunki"? Segundo a ética jornalística, a isto está obrigado. Poderá fazê-lo? Em todo caso, responda-me por carta. Poderei publicar a sua resposta aqui e em outros países do Ocidente. Parece-me bastante apologético, para a minha tese, que se veja quanto são frágeis os argumentos que lhe pode opor uma pessoa tão qualificada no chamado esquerdismo católico, como é o Sr.

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Mas, dir-me-á talvez o Sr., não é de modo algum verdade que alguém, na Polônia, se sinta inclinado a aderir à tese de "A liberdade da Igreja no Estado comunista". A finalidade de sua carta aberta teria sido apenas a de evitar o escândalo daqueles que em seu País se sentiram chocados com a minha suposta indiferença diante do perigo da guerra convencional ou atômica, indiferença que o Sr. denuncia nestes termos: "Parece-me que depois de ler essa conclusão ( da impossibilidade da coexistência pacifica de um regime comunista e da Igreja ) cada leitor se perguntará: E o que resultará daí? (...): a luta? a guerra? - Sim, a luta, a guerra: o Sr. o diz com toda a naturalidade, quase com displicência, sem ver as conseqüências sociais catastróficas que a sua atitude implica".

Esta pretensa indiferença é a primeira acusação importante que me faz a sua carta. Vamos examiná-la, pois.

Ou raciocinamos tendo em vista que Deus existe, ou como se Deus não existisse. Se Deus não existisse, seria muito provável que uma muito larga difusão da tese contida em meu estudo, tendo como conseqüência possível um forte endurecimento entre o Ocidente e o Oriente, pudesse conduzir à guerra. Mas nós sabemos que Deus existe. E, isto posto, o que verdadeiramente pode conduzir à catástrofe atômica não é, em absoluto, a tese que propugno em meu artigo.

Com efeito, é corrente entre os católicos - e Santo Agostinho exprimiu-o com sua amplidão de vistas habitual - que os Estados, enquanto tais, não têm possibilidade de viver além do tempo, não transpõem o umbral da eternidade, e conseqüentemente devem receber nesta terra a recompensa ou o castigo correspondente às suas ações. Se, pois, queremos que o Estado não seja castigado, o mais importante a fazer é evitar para ele o pecado. Se queremos torná-lo grande e próspero, devemos conduzi-lo sempre à prática do bem.

Eu me pergunto, no meu estudo, em que consiste o dever no que toca à liberdade da Igreja no Estado comunista. Evidentemente, dou à questão a solução que é de molde a fazer com que o maior número de Estados seja levado, pelas respectivas populações católicas, a sacudir o jugo do comunismo e a cumprir o seu dever para com a Igreja. Diga-me, pois: o Sr. - se sinceramente crê em Deus - nega que é à paz que eu, com isto, induzo?

Como fará Deus Nosso Senhor para nos trazer a paz por esta via, que pode, com efeito, parecer um tanto paradoxal? Nem eu nem o Sr. somos obrigados a adivinhar. Deus saberá como fazer para isso. O que, porém, é indiscutível é que, na sua justiça, Ele poupará de desgraças os Estados que agem em conformidade com a sua Lei; e que os outros se expõem às maiores catástrofes.

Mas o Sr. não considera as coisas, absolutamente, por esta forma. Afirmando-se católico, discorre sobre esta matéria inteiramente como se Deus não existisse. Para o Sr., o temor de Deus é substituído pelo temor de Kruchev, de Mao Tsé-tung, ou de outros que tais. Se nós não os irritarmos, teremos paz; se o fizermos, teremos a guerra. Eis de onde se deduz a sua política.

O simples fato de que um católico possa chegar até este ponto, prova que a força de penetração dos regimes comunistas na própria alma dos fiéis pode ser imensa. No Sr., ela o foi. Isto o impede inteiramente de entender bem o sentido dos textos pontifícios que cita para sobre eles apoiar a sua argumentação. Esses textos induzem à paz com toda a sua força. Mas de modo nenhum insinuam que a paz é o bem supremo ao qual o homem deve sacrificar as leis mais essenciais da moral, que lhe vedam fazer ao comunismo as concessões que este exige da Igreja.

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Deixei de lado muitas outras questões de menor importância que o Sr. suscita - a sua estranha pequena alusão simpática à pretensa reforma do século XVI, por exemplo - para chegar ao tópico em que, sem ter muita coragem de dizê-lo com toda a clareza, o Sr. dá a entender que o homem possui, em razão de sua dignidade, uma espécie de direito subjetivo de se afirmar comunista: "Cada ideologia - lê-se ali - contém a sua própria verdade. Para nós católicos, é o Evangelho que define a verdade suprema de nossa ideologia. (...) O Sr. teve a sorte de nascer e ser educado em uma família católica, e tem assim a possibilidade, e mesmo o dever - como católico - de proclamar a Verdade Divina. Mas se, por exemplo, a sorte, ou antes a Providencia, o tivesse colocado na Índia, ou em algum dos países árabes, então, como membro da comunidade religiosa desses países, o Sr. proclamaria ali a verdade deles como a sua própria. Fazendo assim, o Sr. viveria feliz ali e não agiria contra a sua consciência. Estes mesmos princípios e deveres vigoram nas relações entre os fiéis e aqueles que não professam nenhuma religião cristã. A História consagrou numerosos livros eruditos a este problema, e os homens lhe consagraram inumeráveis dissertações. De todas estas máximas, uma só tem o maior valor: o direito do homem à liberdade". Se tal direito subjetivo de se professar comunista existisse, muitas partes de meu estudo deveriam ser modificadas. O Sr. cita, em apoio de sua afirmação, um discurso do Emmo. Cardeal Agostinho Bea que não contém tudo o que o Sr. pensa ter nele encontrado. Suponhamos, entretanto, que este texto - visto sob um ângulo falso - parecesse corresponder aos seus desejos: seria admissível deduzir dele que o ensino atual da Igreja tem um sentido absolutamente oposto ao de tão numerosos documentos pontifícios? O ensino da Igreja pode, então, contradizer-se? Está ele submetido às leis da evolução? Somente admitindo isso é que o Sr. se torna compreensível. E eis que se percebe, assim, no fundo do que o Sr. escreve, uma impregnação marxista que, uma vez mais, pode fazê-lo compreender até que ponto são bem fundados os receios expressos no meu artigo.

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Chegamos ao fim.

Apesar de tudo o que o Sr. aduz contra o meu estudo, parece que sente bem a insuficiência de suas objeções, e acaba por dizer que a questão da qual me ocupo não está ainda amadurecida. Deixa transparecer que teria sido melhor não tratá-la. E exprime, em termos bastante sibilinos, a esperança de que um dia a coexistência da Igreja com o Estado comunista possa ser realidade: "Eu queria chamar a sua atenção - são suas palavras - para o fato de que existe uma possibilidade de resolver a situação nos países socialistas, diferente da que o Sr. prevê de modo unilateral e, por isto mesmo, tendencioso. (...) A atitude doutrinária dos católicos de esquerda e seu compromisso social e econômico com o socialismo provam às imensas massas de fiéis que, sendo católico, pode-se realizar ao mesmo tempo a concepção socialista do desenvolvimento social e econômico de seu próprio país. Os marxistas, por seu turno, devem renderse à evidência de que a doutrina espiritualista não somente não impede os fiéis de realizar o programa da revolução socialista, mas os estimula a fazê-lo. Estes homens, os católicos e os marxistas, que em principio professam concepções ideológicas e doutrinárias diferentes, trabalham em comum pela sua pátria (...). Não crê o Sr. que no curso de uma tal colaboração, as relações entre estes homens se modifiquem? Não crê o Sr. que servindo a mesma causa da pátria, eles aprendam a ter confiança uns nos outros, que eles acabem por se respeitar reciprocamente e que, a partir daí, respeitem e não apenas tolerem - suas respectivas atitudes doutrinárias diferentes? Não crê o Sr. que isto poderia contribuir para melhorar a atmosfera da coexistência de homens que professam doutrinas diferentes, não só em um dado país, mas no mundo inteiro?" Isto supõe, ainda uma vez, da parte da Igreja, uma evolução doutrinária cujo absurdo só pode deixar de ser notado por pessoas imbuídas, e não provavelmente sem o saber, de influências comunistas.

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O Sr. procura estabelecer uma relação muito exagerada entre o meu estudo e a petição que, por proposta de SS. Excias. Revmas. os Srs. D. Geraldo de Proença Sigaud, S. V. D., Arcebispo de Diamantina, e D. Antonio de Castro Mayer, Bispo de Campos, 213 Padres Conciliares dirigiram ao Emmo. Cardeal Secretário de Estado para que o Concílio renove a condenação do comunismo. Em conseqüência, chega a insinuar que os dois Bispos brasileiros agiram totalmente sob meu impulso: "(...) tenho todas as razões - lê-se em sua carta - para crer que o Sr. é o inspirador direto ou indireto - o que em princípio vem a dar no mesmo - e co-autor da petição em apreço".

Se o Sr. não estivesse tão incompletamente informado sobre o meu País, poderia ter-se poupado este erro. Trata-se de dois Prelados a que sobeja largamente inteligência e cultura - como é notório em todo o Brasil - para redigir aquela petição, da qual posso afirmar peremptoriamente que eles são os únicos autores.

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Abordei os pontos essenciais. A fé, Sr. Z. Czajkowski, move as montanhas, e ela nos dá a coragem de fazer face aos mais poderosos inimigos. Rogue à Santíssima Virgem que obtenha para todos os católicos do Brasil a maior intrepidez na fé. Eu pedirei a Ela que faça do Sr. um campeão da luta católica contra o comunismo. O Sr. traria, para esta luta, verdadeiras qualidades intelectuais que me comprazo em lhe reconhecer.

Cordialmente,

IN JESU ET MARIA

Plinio Corrêa de Oliveira



Jornal católico francês responde à carta aberta publicada em "Kierunki"

Repercussão publicada em "Catolicismo", Nº 165 de Setembro de 1964

 

Continua a repercutir amplamente nos meios católicos europeus o estudo do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira sobre "A liberdade da Igreja no Estado comunista", publicado nesta folha, e posteriormente traduzido em francês, inglês, espanhol e italiano pela Sociedade Brasileira de defesa da Tradição, Família e Propriedade, seção do Rio de Janeiro, e reproduzido por órgãos de imprensa de nove países.

Ainda agora chega-nos às mãos o número de 8 de maio p. p. do prestigioso e combativo quinzenário católico "L’Homme Nouveau", de Paris, que contém — na seção "L’Eglise dans le monde" — uma réplica à "Carta Aberta" dirigida ao Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, através do jornal "Kierunki" de Varsóvia, pelo Sr. Zbigniev Czajkowski, do grupo "Pax" ( demos notícia desta e, nosso nº 161, de maio último ). Trata-se de um artigo do Sr. Henri Carton, o qual, tomando conhecimento da "Carta Aberta" através dos próprios serviços de divulgação de "Pax", sentiu-se impelido a intervir no debate, refutando os ataques do progressista polonês às teses defendidas em "A liberdade da Igreja no Estado comunista".

No numero 162, de junho p.p., publicamos a resposta do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira ao Sr. Z. Czajkowski. Julgamos oportuno trazer hoje ao conhecimento dos nossos leitores a incisiva e brilhante argumentação que o Sr. Henri Carton desenvolve no seu artigo, intitulado "Lettre ouverte a Monsieur Czajkowski".

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O Sr. Henri Carton começa por recordar a estupefação do Sr. Z. Czajkowski diante da afirmação de nosso ilustre colaborador, de que a implantação do comunismo representa para um país um risco grave de extirpação da Fé e, como tal, é um mal maior do que a guerra, pois a perda da Fé é um mal maior do que todo o extermínio que uma guerra, mesmo atômica, possa causar. E lembra ainda que o espanto e a indignação do jornalista polonês cresceram quando soube que uma petição assinada por mais de 200 Padres Conciliares do mundo inteiro - que lhe pareceu inspirada nos mesmos princípios que presidiram a elaboração do artigo "A liberdade da Igreja no Estado comunista" - tinha sido entregue à Santa Sé, pedindo uma nova condenação do comunismo e do socialismo, pelo Concílio.

Segundo o Sr. Z. Cjakowski, não se põe o dilema que o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira diz poder-se deparar às nações do Ocidente: ou a aceitação de um regime comunista, com risco de extirpação da Fé, ou a luta, com risco de guerra termonuclear. A prova disso seria a situação do Catolicismo na Polônia, que não é nem "idílica" acne "de catacumbas": ela se traduz num modus vivendi, no sentido de um respeito verbal das respectivas doutrinas por parte de comunistas e católicos, colaborando todos na edificação de uma sociedade conforme aos princípios da ideologia marxista.

"Mas, justamente, sr. redator-chefe - prossegue o Sr. Henri Carton, dirigindo-se ao jornalista polonês - a sua esperança dá razão ao Dr. Plinio, que teme que o modus vivendi à maneira polonesa conduza à debilitação na atitude anticomunista". Aceito o modus vivendi nas condições descritas, os católicos continuariam talvez a recitar o Credo com a ponta dos lábios, mas o seu coração e o seu espírito estariam embebidos do todos os erros do comunismo, o que equivaleria, concretamente, à perda da fé.

Assim sendo, para evitar o mal imenso que representaria a perda de milhões de almas, não valeria mais aceitar a luta contra o comunismo, embora isto acarretasse o risco de uma guerra termonuclear?

Quando o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira responde afirmativamente, "ele nada mais faz — observa o Sr. H. Carton — do que traduzir o ensinamento de Cristo e da Igreja; ele não é por isto um "belicista", mas um cristão lógico e fiel, animado por uma sã "violência", que é necessária a todos aqueles que desejam o reino de Deus. Ele toma a sério o "de que serve ao homem ganhar o mundo inteiro se vier a perder a sua alma?"

O Sr. Z. Czajkowski, porém, opta pela aceitação de uma vitória total do comunismo. Sustenta, então, que essa vitória não significaria a perda da fé, "mas antes a sua conservação e purificação, sob a condição de que os cristãos se tornem os mais zelosos e desinteressados aliados dos comunistas, para construir o mundo conforme o plano destes".

H. Carton mostra que, segundo o próprio Lenine, para acabar com a religião é mais importante introduzir a luta de classes no seio da Igreja do que atacá-La de frente. E tanto isto é verdade, que os que não quisessem adotar tal tática, de fato beneficiariam a Igreja, cujos defensores "nada mais desejam do que ver substituída a divisão dos operários o plano da greve por uma divisão no plano da fé em Deus" ( Lenine, "Parti ouvrier et religions" - "Pages choisies" - tomo II, p. 315 ).

Portanto, "inaugurando a nova tática ( de coexistência pacífica ), Kruchev não se mostrou menos comunista que Lenine; pelo contrário, deu provas de um leninismo mais fiel".

É, assim, indesculpável a posição dos chamados católicos de esquerda que se prestam a esse jogo de falsa conciliação, pretendendo mostrar à grande massa dos fiéis, conforme escreve o Sr. Z. Czajkowski, que, "sendo-se católico, pode-se ao mesmo tempo realizar a concepção socialista do desenvolvimento social e econômico do próprio país".

"Sua habilidade tática vai tão longe - replica com ironia o Sr. Henri Carton - que por pouco o Sr. não me convenceria de que, quanto mais se é bom cristão, mais se é comunista".

"Mas eu continuo persuadido - conclui - de que, para a salvação das almas, os cristão devem aceitar a luta que o marxismo lhes impõe".

*

A intervenção do Sr. Henri Carton no debate em torno das teses propugnadas pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira foi muito oportuna, e contribuirá para chamar ainda mais a atenção dos meios intelectuais franceses, e europeus em geral, para a transcendental importância do problema tratado em "A liberdade da Igreja no Estado comunista".



Continua acesa a polêmica em torno de "A liberdade da Igreja no Estado comunista"

Repercussão publicada em "Catolicismo", Nº 166 de Outubro de 1964

 

Sob o título de "Ne chinoisons pas TC" o Sr. Henri Carton replicou a um comentário que a conhecida revista de Paris, "Témoignage Chrétien", fez a propósito de sua "Carta Aberta ao Sr. Czajkowski", da qual demos um resumo em nosso último número.

Como se lembram os leitores, o Sr. Henri Carton saiu a campo pelas páginas de "L’Hommne Nouveau", em defesa da tese sustentada pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira no estudo "A Liberdade da Igreja no Estado Comunista". Essa tese fora atacada por uma "Carta Aberta" publicada na revista "Kierunki", de Varsóvia, subscrita pelo jornalista polonês Sr. Zbigniev Czajkowski, do grupo "Pax".

"Témoignage Chrétien", órgão, como se sabe, de orientação "católico-esquerdista", deu-se por escandalizado com a argumentação do Sr. H. Carton e publicou, em seu número 1035, um editorial assinado por A. V. e intitulado "Nous avons nos chinois", em que procura refutá-la.

Começa esse editorial por dizer que não são somente os comunistas russos que têm seus "jusqu’au-boutistes" chineses: "também os católicos têm os seus extremistas, prontos a partir para uma moderna Cruzada, substituindo o sabre e a armadura antiga pela bem mais eficaz bomba termonuclear".

Transcreve então o Sr. A. V. o trecho do artigo do Sr. H. Carton em que este convém com o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em que é mais grave para um país a perda da fé do que todo o extermínio que uma hecatombe nuclear possa causar. E brada que esse "marchandage" - a fé e a bomba termonuclear ou a paz e a apostasia, lhe parece "atrozmente inaceitável".

Depois de afirmar que o seu "desejo profundo de paz não é covarde desistência diante do materialismo ateu", o articulista de "Témoignage Chrétien" procura contornar o problema dizendo: "Não cremos que a fé possa ser salva à força de bombas atômicas. Tudo seria, sem dúvida, tão mais simples se se dividisse o mundo definitivamente em bons e maus. Aniquilar-se-iam os segundos e os primeiros permaneceriam". Mas, conclui, essa concepção está bem distante do ensinamento de Nosso Senhor, que censurou os Apóstolos por terem proposto fazer descer o fogo do céu sobre uma cidade que não O quisera receber.

A resposta do Sr. H. Carton é vazada nos seguintes termos, transbordantes de verve:

• "Obrigado, Sr. A. V. de "Témoignage Chrétien": se eu lhe evoco os comunistas chineses, o Sr. me faz, não obstante, a honra de me comparar aos Apóstolos que propunham a Jesus Cristo fazer descer o fogo do céu sobre uma cidade hostil.

"Se eles não tinham razão, ao menos não lhes faltava fé e combatividade.

"Mas não mereço verdadeiramente esta lisonjeira comparação: de um lado sou repreendido por "Témoignage Chrétien", o que de qualquer maneira é menos grave do que o ser por Nosso Senhor, e, de outro, nunca me propus fazer cair o fogo do céu sobre os "maus". Pelo contrário, termino o meu artigo pondo os comunista em guarda contra o perigo da violência dos mártires, bem mais terrível que a dos carrascos.

"Quando tomo a defesa do Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, professo de História na Universidade Católica de São Paulo, contra o Sr. Czajkowski, redator-chefe de um diário de "Pax", limito-me a dizer, como o professor, que se o triunfo do comunismo significa a perda da fé, é melhor correr o risco de uma guerra atômica do que entregar sem combate o mundo inteiro ao comunismo. Não me faça pois dizer que prego uma guerra nuclear preventiva: amo a paz tanto quanto o Sr., mas receio a exploração do medo pânico da guerra, desse medo que faz dos pacifistas hipnotizados os melhores cúmplices dos belicistas.

"O Sr. me faz também a honra, Sr. A.V., de me pôr do lado de um homem violentamente atacado por "Pax", classificado entre os "belicistas" pelas mesmas razões por que o Sr. entre eles me classifica.

"Mas, posto que o Sr. participa desta "etiquetagem", não me acuse de dividir os homens em "bons" e "maus". O Sr. mesmo divide os cristãos em "belicistas" e "pacifistas".

"De minha parte eu teria evitado de criticar TC se o Sr. mesmo não me tivesse obrigado a responder. E por que pretende o Sr. que eu suspeito malevolamente o seu "desejo de paz" de não ser senão "covarde desistência diante do materialismo ateu?" Por favor, não tome como um belicismo sangrento o meu desejo de salvaguardar a fé. Cristão, o Sr. deve reconhecer comigo que a perda da fé num mundo dominado pelo comunismo é um mal tão grande que, para afastá-lo, é preciso estar pronto a correr todos os risco.

"A menos que o Sr. afaste o dilema, a transação como o Sr. diz. Mas esta transação não sou eu que lha imponho, Sr. A. V.: é o comunismo. Não me impute pois a responsabilidade dela.

"O Sr. poderia também negar o dilema e achar que seria possível uma acomodação no caso de se tornar inevitável o domínio mundial do comunismo; o Sr. pode achar que seria possível, nesse mundo ateu, salvaguardar a fé, talvez até purificá-la das contingências temporais, sob a condição de dar provas de boa vontade no que se refere à construção de uma sociedade mais justa segundo o plano socialista.

"Neste caso eu compreenderia que a situação polonesa lhe pareça interessante e válidos os argumentos do Sr. Czajkowski".