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La
Nativité - Cathédrale Notre-Dame de Chartres
- jubé de la cathédrale - vers 1220 |
Repousais, Senhor, em vosso misérrimo e augustíssimo presépio, sob os
olhos da Virgem, vossa Mãe, que vertem sobre Vós os tesouros
inauferíveis de seu respeito e de seu carinho. Jamais uma criatura
adorou com tão profunda e respeitosa humildade o seu Deus. Nunca um
coração materno amou mais ternamente seu filho. Reciprocamente, jamais
Deus amou tanto uma mera criatura. E nunca filho amou tão plenamente,
tão inteiramente, tão superabundantemente sua mãe. Toda a realidade
desse sublime diálogo de almas pode conter-se nestas palavras que
indicam aqui todo um oceano de felicidade, e que em ocasião bem
diversa haveríeis de dizer um dia do alto da Cruz: Mãe, eis aí teu
filho. Filho, eis aí tua Mãe ( cf. Jo. 19, 26 ). E, considerando a
perfeição deste recíproco amor, entre Vós e vossa Mãe, sentimos o
cântico angélico que se levanta das profundezas de toda alma cristã:
"Glória a Deus no mais alto dos Céus, e paz na terra aos homens de boa
vontade" ( Luc. 2, 14 ).
* * *
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L’annonce aux bergers (XIIe
siècle) - Cathédrale Notre-Dame de Chartres - Portail royal,
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"Paz
na terra aos homens de boa vontade": o jogo complicado mas célere das
associações de imagens me faz sentir imediatamente que em numerosas
ocasiões no ano que finda ouvi falar de paz, e de homens de boa
vontade. Curioso... dou-me conta de que ouvi falar menos, e até muito
menos, da glória de Deus no mais alto dos Céus. A bem dizer, disto
quase não ouvi falar. Nem mesmo implicitamente; pois implicitamente se
fala da glória de Deus quando se afirmam os soberanos direitos d'Ele
sobre toda a criação, e, por amor a Ele, se reivindica o cumprimento
de sua Lei por parte dos indivíduos, famílias, grupos profissionais,
classes sociais, regiões, nações, e toda a sociedade internacional.
Por que este silêncio, pergunto-me eu? Por que os homens querem tanto
a paz? Por que tantos homens se ufanam de ter boa vontade? E por que
tão poucos são os que se preocupam com a glória de Deus, e se blasonam
de por ela agir e lutar?
Em
outros termos, o fato essencial do vosso Santo Natal, Senhor, seria só
a paz na terra para os homens de boa vontade? E a glória de Deus no
mais alto dos Céus seria como que um aspecto colateral, longínquo,
confuso e insípido para os homens, do grande evento de Belém?
Em
outros termos ainda, a paz dos homens vale mais que a glória de Deus?
A terra vale mais que o Céu? O homem vale então mais do que Deus? E a
paz na terra pode ser obtida, conservada e até incrementada sem que
com isto nada tenha a ver a glória de Deus?
Por
fim, o que é um homem de boa vontade? É o que só quer a paz na terra,
indiferente à glória de Deus no Céu?
Todas
estas questões convidam a uma detida análise do cântico angélico.
* * *
Admirável profundidade de toda palavra inspirada! Tão simples que até
uma criança o pode compreender, o cântico dos Anjos de Belém encerra
entretanto verdades das mais profundas.
Como é
proveitoso, pois, nutrir o espírito com essas palavras, para
participar devidamente das festas do Santo Natal!
Ajudai-nos, Mãe Santíssima, Sede da Sabedoria, com vossas preces, para
que, iluminados pelas claridades que de Jesus dimanam, possamos
entender o cântico angélico que é o mais perfeito e autorizado
comentário do Natal.
* * *
"Homem
de boa vontade": o que representa isto aos olhos de tantos e tantos de
nossos contemporâneos?
Para o
sabermos, basta indagar: boa vontade para com quem? A resposta salta
impetuosa e impaciente, como sói acontecer quando a pergunta tem algo
de ocioso por inquirir o que é quase evidente. Ora bolas, dirão muitos
de nossos coetâneos, boa vontade para com o próximo. Aquele que, ateu
ou sequaz de uma religião, seja ela qual for, adepto da propriedade
privada, do socialismo ou do comunismo, quer que todos os homens vivam
alegres, na fartura, sem doenças, sem lutas, sem riscos, aproveitando
o mais possível esta vida, este é um homem de boa vontade.
Visto
nesta perspectiva, o homem de boa vontade é um artífice da paz. Diz o
ditado que "em casa onde falta o pão, todos brigam e ninguém tem
razão". Logo, onde há pão todos têm razão e há paz. Onde há pão, teto,
remédios, segurança, com maioria de razão há necessariamente a paz.
* * *
E a
glória de Deus? Para o "homem de boa vontade" assim concebido, é ela
um elemento supérfluo no que se refere à paz na terra. Pois é da
adequada ordenação da economia que decorre a boa ordem na vida social
e política, e portanto a paz.
"Supérfluo" é dizer pouco, a respeito da glória de Deus no Céu,
considerada em função da paz na terra. Como alguns homens crêem em
Deus, e outros não crêem, e como entre os que crêem há diversidade no
modo de entender Deus, este último pode atuar como perigoso fautor de
divisões, discussões e polêmicas. Deus é um senhor por demais
comprometido há milhares de anos em polêmicas, para que dele se fale a
toda hora. Para ter paz na terra é melhor não estar falando a todo
momento sobre Deus e sua glória no Céu.
E
depois... o Céu é tão vago, tão longínquo, tão incerto! Que dele
falassem os Anjos, vá lá, pois lá moram. Mas nós homens, cuidemos da
terra.
Unir a
glória celeste à paz terrestre é para o "homem de boa vontade" algo de
tão incorreto, supérfluo e pejado de fatores de luta quanto é, por
exemplo, imprudente unir a Igreja ao Estado. A Igreja livre do Estado
e o Estado livre da Igreja, eis um anelo bem típico do "homem de boa
vontade". A paz terrena liberta de implicações religiosas, e Deus no
seu Céu e sua glória, sorrindo de braços cruzados para a terra em paz,
a uma tal distância da terra que lá não chegue nem sequer o Lunik, eis
o ideal do "homem de boa vontade".
* * *
Estas
são as considerações do "homem de boa vontade" entre aspas, cujo
coração está longe do Céu, e cujo olhar só se detém sobre a terra.
Contudo, quanto divergem elas do sentido próprio e natural do cântico
angélico!
Realmente, se o Natal dá glória a Deus no mais alto dos Céus e
simultaneamente é a fonte da paz na terra para os homens de boa
vontade - e foi o que os Anjos proclamaram em seu cântico - não se
pode dissociar uma coisa da outra. Sem que os homens dêem glória a
Deus, não há paz no mundo. E a guerra, enquanto considerada no
agressor culpado, é incompatível com a glória de Deus.
Vós,
Senhor Jesus, Deus humanado, sois entre os homens o Príncipe da Paz.
Sem Vós a paz é uma mentira e, afinal, tudo se converte em guerra.
E é
porque os homens não compreendem isto, que procuram de todos os modos
a paz, mas a paz não habita no meio deles.
O que
é então o homem de boa vontade, se não é o homem que ama o próximo?
Será porventura o que odeia seu próximo?
Ao
fariseu, que Vos chamou de bom Mestre, perguntastes: por que Me
chamais de bom, se só Deu é bom ( cf. Luc. 18, 19 )?
Se só
Deus é bom, a boa vontade autêntica é a que se volta toda para Deus, e
ama o próximo, não pelo mero amor do próximo, mas pelo amor de Deus. O
homem é tal, que não pode amar o próximo pelo próximo. Ou o ama por
amor de si mesmo, e isto é egoísmo. Ou o ama por Deus, e isto sim é
amor verdadeiro.
Em
conseqüência, a "boa vontade" agnóstica e a paz terrena que ela tende
a instaurar, nem são boa vontade autêntica, nem paz verdadeira.
E o
falso "homem de boa vontade" é em última análise um semeador de
guerras e um artífice de ruínas.
* * *
Mas,
dirá alguém, como pode ser Jesus o fundamento da paz, se ninguém como
Ele tem suscitado tanto ódio? O populacho cumulado por Ele de favores
espirituais e materiais de toda ordem, preferiu-Lhe Barrabás, um
bandido. Isto não é ódio? Os Imperadores contra Ele moveram
perseguições atrozes. Os arianos contra Ele mobilizaram todas as
potências da terra. Depois vieram os maometanos. E depois, e depois,
todos os grandes vagalhões da História, até o nazismo e o comunismo.
Aliás, acrescentaria talvez alguém, Simeão bem exprimiu essa verdade,
profetizando que Ele seria ao longo da História uma pedra de
escândalo, um sinal de contradição para a morte e ressurreição de
muitos ( cf. Luc. 2, 34 ). Ele próprio disse de Si que trazia à terra
o gládio ( cf. Mat. 10, 34 ). Por melhor que tudo isto seja, poderia
argumentar um "homem de boa vontade" entre aspas, a verdadeira paz,
isto é, uma plena e completa desmobilização dos espíritos, uma inteira
cessação não só de todas as guerras como de todas as polêmicas, não é
possível com Jesus Cristo. A paz só é autêntica quando abstrai de
todas as controvérsias, inclusive aquelas a que Jesus Cristo - sem
culpa própria, concede o "homem de boa vontade" - dá ocasião.
* * *
Sim?
diria um homem de boa vontade autêntico, isto é, um homem que com
todas as veras de sua alma ama a Deus.
Neste
caso, é por burla que a Escritura chama Jesus Cristo Príncipe da Paz (
cf. Is. 9, 6 ), e a Igreja, fazendo eco ao Batista ( cf. Jo. 1, 29 e
36 ), O apresenta como um manso Cordeiro a quem os homens devem pedir
o dom da paz: "Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, dona nobis pacem".
Ou é
por que a verdadeira paz não exclui a luta do bem contra o mal, a
polêmica entre a luz e as trevas, o perpétuo esmagar da cabeça da
Serpente pela Virgem sem mancha, a hostilidade entre a raça oriunda da
Virgem e a raça da Serpente? A paz é a ordem de Cristo no Reino de
Cristo. Ela tem pois como condição a luta dos sequazes de Cristo
contra os inimigos de Cristo. A paz de Cristo não se identifica de
modo nenhum com a falsa paz, sem lutas nem polêmicas, do pretenso
"homem de boa vontade".
* * *
Três
grandes lições, ó Deus-Menino, recolhemos do vosso Santo Natal.
Ficamos sabendo que não há paz na terra sem Vós. Que homem de boa
vontade autêntico não é quem ama o homem pelo homem, mas quem o ama
por amor de Vós. E que vossa Paz inclui a cessação de todas as lutas
exceto a vossa incessante e gloriosa guerra contra o demônio e seus
aliados, isto é, o mundo e a carne.
Virgem
Maria, Medianeira de todas as graças, debruçada em adoração sobre o
Deus-Menino, obtende-nos uma plena compenetração de todas estas
verdades.
E
permiti que nas perspectivas que elas desvendam, cantemos conVosco e
com todas as criaturas celestes e terrenas de que sois Rainha,
Glória a Deus no mais alto dos Céus, e paz na terra aos homens de boa
vontade.