Catolicismo Nº 141 - Setembro de 1962

 

Palhaços e demagogos

 

Em meio a tantos aspectos desalentadores que a realidade nacional apresenta, vai se firmando cada vez mais uma imensa maré montante de anticomunismo, que constitui uma das melhores razões para esperar novamente no Brasil. Ainda há poucos meses, a demagogia varria de norte a sul o Pais, sem que se percebesse contra ela mais do que a reação de uma ou outra voz isolada, erguendo-se heroicamente no silêncio geral, mas só encontrando em torno de si desinteresse e confusão.

Nos dias de carnaval, uma como que psicose se apodera de opinião pública, em virtude da qual todos os princípios de compostura e bom-senso ficam nela adormecidos, e os gestos mais loucos, os trajes mais impudicos, as brincadeiras mais animalescas lhe parecem normais. Pensa-se habitualmente que há carnaval só porque há foliões. De certo ponto de vista, esta opinião é falsa. O folião é o elemento secundário. Ele se esconderia, fugiria, desapareceria das ruas e dos salões, se não fosse o aplauso geral que recebe durante o carnaval. Tanto é que, cessado o tríduo em que a opinião pública se "carnavaliza", os foliões, já nos albores da quarta-feira de cinzas, começam a sentir vergonha, e, pisados, amarfanhados, atormentados pela bebedeira e indigestão, vão deixando pelo caminho as máscaras, os pandeiros, os lança-perfumes, para correrem à procura da penumbra discreta e protetora de suas habitações. Se não houvesse o curioso fenômeno da "carnavalização" do público, já na tarde do sábado voltariam todos para casa com vergonha de si mesmos. Pois desde sábado à tarde seria quarta-feira de cinzas...

Em relação ao demagogo algo de parecido se dá. Falo de foliões a respeito dos demagogos, porque alguma coisa há de análogo entre uns e outros. O clima de demagogia, está para o demagogo como o ambiente carnavalesco está para o folião. Ele é mais a causa que o efeito da influência do demagogo.

Terrível, onipotente, irresistível, enquanto esse clima dura, o demagogo vai tomando ares de palhaço em quarta-feira de cinzas, à medida que esse clima vai passando. E, quando acaba de passar, o demagogo se esconde como as pessoas de má vida, as corujas e os morcegos fogem, e as rãs se calam, ao raiar da aurora.

Ora, em setores cada vez mais amplos da opinião publica nacional, o clima demagógico-carnavalesco vai desaparecendo, e os demagogos vão sendo vistos com cara de folião.

É esta a razão por que contra o comunismo, que é o Momo do nosso carnaval demagógico, por todo o Brasil se vão levantando agora setores inteiros da opinião nacional.

Diante de fenômeno tão promissor, cumpre-nos antes de tudo bater palmas, e dar graças a Deus. Entretanto, isto não basta. É preciso velar por que reação tão salutar, que representa para o Brasil a última oportunidade, não venha a ser inútil. E, parece-nos, com tal fim é necessário que combatamos desde logo contra, um certo elemento de vacuidade e até de inautenticidade, que se vai aos poucos deixando ver em alguns setores anticomunistas.

Este elemento consiste em uma condescendência inexplicável ante as reformas de base, socialistas e anticristãs, que se querem implantar no Brasil. Tal condescendência é de molde a transformar a reação anticomunista em algo de sonoro, mas oco, como um tambor.

Pois que sentido há em afirmar-se alguém anticomunista, mas ao mesmo tempo mostrar-se indiferente a que o Estado confisque as propriedades para dar - gradual ou rapidamente, clara ou veladamente - as terras aos colonos, as fábricas aos trabalhadores, os bancos aos bancários, os estabelecimentos de comércio aos comerciários, as casas de aluguel aos inquilinos, e a direção das universidades aos alunos?

Rugir contra a União Soviética, contra o Partido Comunista do Brasil, contra a demagogia golpista, é por certo muito oportuno e louvável. Mas que utilidade tem, se se permitir que, sob o rótulo de reforma agrária, industrial, comercial, urbana e universitária, se faça no País tudo quanto a Rússia quer?

O que o povo brasileiro, e especialmente a opinião católica, precisa exigir dos homens públicos que se manifestam anticomunistas, é que não se contentem neste sentido com proclamações genéricas, mas que procurem canalizar a reação anticomunista contra o ponto mais perigoso da ofensiva marxista, que são as reformas de base socialistas.

Agir de outra maneira é desviar as forcas, precisamente, do ponto mais ameaçado da cidade sitiada.