Catolicismo Nº 134 - Fevereiro de 1962

 

Revolução e Contra-Revolução em trinta dias

 

No decurso de todo este ano, a expectativa dos fiéis se voltará, cheia de veneração e esperança, para o II Concílio do Vaticano, que, conforme a Constituição Apostólica "Humanae Salutis", assinada pelo Santo Padre João XXIII no último Natal, será inaugurado em dia e mês ainda não marcados de 1962.

Entre as conjeturas concernentes ao Concílio, algumas há que fazem sorrir. Ou, antes, fariam chorar se pudessem ser tomadas a sério. É o que caberia dizer, por exemplo, da idéia de que, ansiosa por realizar a unidade entre os cristãos, a Santa Igreja haveria de renunciar a uma parte de sua doutrina. Mas isto é sempre assim. O espírito das trevas semeia confusão em toda a medida do possível. E acaba sempre derrotado pela Igreja Infalível.

Entretanto, este confusionismo tem uma importância secundária, em comparação com o grande movimento de ardor religiosos que a perspectiva da abertura da santa e majestosa assembléia vai despertando, e cada vez mais despertará.

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Registramos com viva satisfação o fato de haver a Câmara Municipal de Campos, por iniciativa do vereador Severino Veloso de Carvalho, aprovado por unanimidade uma moção de louvor à monumental "Carta Pastoral prevenindo os diocesanos contra os ardis da seita comunista".

Com esse pronunciamento o Legislativo campista deixa patente a alta oportunidade, para a própria sociedade temporal, dos sábios e brilhantes ensinamentos do grande e destemido Bispo D. Antonio de Castro Mayer.

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Destacamos com júbilo o gesto pelo qual Sua Santidade o Papa João XXIII concedeu a venera de Comendador da Ordem de São Gregório Magno ao ilustre católico argentino Sr. Jorge Pereda. Figura de relevo nos ambientes rurais da nação irmã, S. Excia. é leitor assíduo de "Catolicismo", e propugnador dedicado e eficiente das idéias sustentadas no livro "Reforma Agrária — Questão de Consciência".

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Aspectos da Velha Goa, conquistada em 1510 po Afonso de Albuquerque e até o século passado capital da Índia Portuguesa: a Catedral, outrora sede do Padroado do Oriente.Os comentários desta secção não podem deixar de ser consagrados, hoje, em grande parte, à invasão de Goa, Damão e Diu. Em resumo, constituiu ela uma agressão cínica e brutal, que desperta indignação, até mesmo em nosso século cuja historia está tão cheia de traços de brutalidade e cinismo.

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Quais os argumentos da Índia? Que, sendo Goa, Damão e Diu "enclaves" na península hindu, pertencem naturalmente à Índia. E que essa simples consideração anula quatrocentos anos de história, e dá à Índia o direito de se atirar sobre aquelas possessões portuguesas.

O argumento não poderia ser mais pueril. Ele envolve a afirmação de que um país não pode jamais ceder a outro, legitimamente, um "enclave" em seu território. Ou que um país não pode adquirir em justa guerra um "enclave" em território de outrem. Ora, tanto um quanto outro pressuposto é manifestamente falso. Uma nação soberana pode, por justas razões, renunciar a uma parcela de seu território. Uma nação empenhada em guerra justa pode ressarcir os danos que lhe provêm do adversário, mediante alguma proporcionada parcela do território deste. E, pois, a simples condição de "enclave" não é uma prova de ilegitimidade de domínio.

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A Inglaterra e os Estados Unidos se mostraram absolutamente frios ante a queda de Goa, como a reconhecer a legitimidade da agressão praticada por Nehru.

Como explicar então que se mantenham inteiramente à vontade em autênticos "enclaves", como Gibraltar e a Zona do Canal do Panamá?

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Aspectos da Velha Goa, conquistada em 1510 po Afonso de Albuquerque e até o século passado capital da Índia Portuguesa: o Arco dos Vice-Reis, por onde estes entravam na cidade para tomar posse do governo da Índia.Mas, dir-se-á, a aquisição de Goa, Damão e Diu foi ilegítima. Por isto, é natural que contra ela se volte a Índia espoliada.

Sem entrar na discussão referente à legitimidade da conquista lusa - e Portugal teria aí bons argumentos a alegar - seria o caso de exigir que todas as conquistas territoriais praticadas nos últimos quatro séculos fossem revistas, para se lhes apurar a legitimidade, e assim se voltar ao "statu quo" vigente há cem, duzentos ou até quatrocentos anos atrás. Se o bom senso mostra o desatino desse alvitre, por que aplicá-lo só a Goa, Damão e Diu?

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Objetará algum teimoso que a população das possessões portuguesas na Índia é toda hindu, e por isto aplaudiu o gesto de Nehru. Este argumento é um tecido de inverdades. A população de Goa, Damão e Diu não é toda hindu, e não há a menor prova séria de que ela quisesse a anexação. Antes, há prova do contrario. Com efeito, se Nehru tinha tal certeza da adesão dos habitantes dos "enclaves", por que não reptou Portugal a fazer um plebiscito sob controle internacional? Nehru, o liberal, o não-intervencionista, o aparente adorador do mito rousseauniano da soberania popular, teria ficado coerente consigo mesmo, caso assim tivesse agido.

Aspectos da Velha Goa, conquistada em 1510 po Afonso de Albuquerque e até o século passado capital da Índia Portuguesa: o corpo incorrupto de São Francisco Xavier, na Igreja do Bom Jesus.Astuto como uma raposa, o "premier" hindu bem podia prever o imenso prejuízo que lhe adviria de seu ato de violência. E se a ele se decidiu, só pode ter sido pela convicção de que a via plebiscitária lhe seria inútil.

Caíram os "enclaves", e isto é lamentável. Mas ao mesmo tempo caiu a máscara de Nehru, e isto é magnífico.

Pobre máscara, que se tornara diáfana e esfarrapada depois da aprovação da ominosa conduta soviética por ocasião do levante húngaro. Só se iludiam ainda com ela os tolos, porque só a to[l]os podia ela velar ainda a realidade. Parece que agora nem os tolos nela acreditam. Isto é de uma importância política imensa, pois nunca os tolos foram mais numerosos, mais arrogantes e mais considerados que em nossos dias!

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Que dizer do aplauso de Kruchev à agressão hindu? Não vale a pena, entre gente séria, comentá-lo. Há algo de mais evidente, de mais constante, de mais banal do que a solidariedade entre os autores de crimes idênticos?

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Não nos indignamos apenas à vista de uma grave injustiça. Aflige-nos a queda do grande baluarte cristão na Índia, chamado a Roma do Oriente, relicário do corpo de São Francisco Xavier e foco de irradiação da Fé em todo aquele país.

Não foi só, e talvez não tenha sido principalmente Portugal, quem perdeu, mas a Igreja. Isto explica o sentido mais profundo da alegria do ditador soviético. E nos deixa perplexos ante a "moderação" do protesto brasileiro.