Catolicismo Nº 126 - Junho de 1961

 

Revolução e Contra-Revolução em 30 dias

 

A nota dominante do último mês, na América, foi a cerimônia vistosa e tremendamente longa ( seis horas maciças! ) em que Fidel Castro proclamou o caráter comunista do regime cubano.

Na realidade, esta proclamação nada ensinou de novo aos observadores insuspeitos. Poder-se-ia fazer uma equação irrepreensivelmente correta a esse respeito: reforma agrária + reforma industrial + reforma comercial + reforma urbana + reforma educacional = comunismo. À luz desta equação, não poderia caber a menor dúvida de que, já antes de proclamada com estardalhaço, a implantação do comunismo na ilha de Santo Antonio Maria Claret era um fato consumado.

Propositadamente não incluímos naquela equação a perseguição religiosa, pois, se bem que esta seja o fim último e mais típico do comunismo, um regime pode ser caracteristicamente comunista ainda que, por prudência, seus dirigentes não ataquem frontalmente a Igreja. Foi este, por exemplo, o caso da Polônia ao tempo em que o Sr. Gomulka tentava embair a opinião católica mediante capciosas negociações com o Arcebispo de Varsóvia, Cardeal Wyszynski... Negociações, estas, que a esquerda católica e não católica no mundo inteiro acompanhava desvanecida. Hoje em dia, graças à santa firmeza da Igreja, o ardil comunista se desfez, e os vermelhos se atiraram contra o Catolicismo na Polônia com a mesma ferocidade usada noutros lugares.

Porém, é bom, para prevenir o futuro, não perder uma só ocasião para insistir nesta verdade básica: um regime pode ser autenticamente comunista, pelo simples fato de negar a propriedade privada ou a família, muito embora aparente respeitar a liberdade da Igreja, e até favorecê-la.

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Em todo caso, em Cuba a fase das blandícies já passou. E a perseguição religiosa desencadeada pelo governo Fidel Castro está claríssima. Ela atingiu os Sacerdotes estrangeiros que, em número aproximado de mil, vão ser expulsos de Cuba. Pode-se facilmente imaginar o prejuízo que para a vida religiosa representa esta súbita redução nas fileiras do Clero. A par disto, foi decretada a transferência de todas as escolas particulares para o domínio estatal, O que equivale a dizer que o ensino, na ilha, passará a ser comunista e ateu. Com isto, a família ficará golpeada em uma de suas atribuições mais essenciais, que é o direito dos pais de proporcionar educação cristã a seus filhos. Todas essas circunstâncias caracterizam uma perseguição religiosa ferrenha. Falta só fechar as igrejas, e abrir as arenas para dizimar os cristãos. Ou, por outra, já que arenas são coisas antiquadas, resta apenas ampliar um pouco o terrível "paredón".

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Pouco há que dizer sobre o conjunto de contradições e inabilidades inimagináveis que cercaram a intervenção norte-americana em Cuba. Pode-se afirmar que convergiram neste episódio todas as circunstâncias para tornar antipática, frustra e contraproducente a intervenção do governo "yankee". Basta lembrar que — fato insuficientemente realçado pela imprensa — o "New York Post" afirmou categoricamente que na véspera da invasão os membros do governo cubano no exílio foram seqüestrados por ordem de Washington e conduzidos a um aeroporto abandonado da Flórida, onde ficaram isolados, ouvindo pelo rádio proclamações fantásticas lançadas em nome deles pelas forças invasoras. Malograda a invasão, os líderes cubanos antifidelistas foram reconduzidos à capital, onde os recebeu o Presidente Kennedy. Em seguida, foram postos em liberdade.

Ao que nos consta, esta notícia não sofreu qualquer desmentido. O fato que ela registra, além de rocambolesco, é trágico. Com efeito, as tropas invasoras foram rechaçadas porque eram pouco numerosas. E eram pouco numerosas, não porque faltassem recursos para os EUA organizarem uma grande invasão, mas porque Washington contava com a adesão do povo e dos próprios soldados da ilha. Ora, como poderia esta adesão operar-se em proporções ponderáveis e eficientes, sem o apoio das organizações clandestinas cubanas de resistência anticomunista? E como poderiam atuar estas organizações, se os seus mentores supremos haviam sido inexplicavelmente seqüestrados e isolados do mundo pelas próprias autoridades de Washington?

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A este propósito, desejamos fazer aqui uma afirmação bem peremptória e firme. A maioria dos cubanos, nós sabemos, não quer o regime comunista, e o castrismo representa um assalto da Rússia à boa-fé daquele povo irmão. Assim, é irrecusável que foi operada uma intervenção fraudulenta e brutal da URSS em território americano. Este fato é de molde a suscitar o sentimento de solidariedade de todo o continente contra o tiranete cubano, pequeno em tudo, exceto na hipocrisia e na ferocidade. Mas, além da solidariedade americana, um motivo ainda muito mais alto nos deve voltar contra Fidel Castro. É o fato de Cuba ser católica. Com o Brasil, e toda a América Latina, ela faz parte da Cristandade. E, ou não se toma a sério a doutrina do Corpo Místico de Cristo, ou se deve reconhecer que as mais graves obrigações de fraternidade cristã nos levam a estar de corpo e alma com nossos irmãos cubanos.

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Nesse sentido, é preciso dizer que reconhecemos a legitimidade dos esforços desenvolvidos pelos exilados cubanos para recuperar sua ilha. É um direito de qualquer homem, lutar pela libertação de sua pátria. É também um direito de qualquer homem reaver seus bens roubados, e reivindicar a liberdade santa de sua família e da igreja. Apoiar esses bravos e valorosos exilados não é praticar uma intervenção contrária à soberania de Cuba, mas é restituir Cuba a si própria.

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Mas, dir-se-á, Fidel Castro mobiliza massas tão grandes em seus comícios, que se pode afirmar que o país está com ele.

Sabemos quão pouco significam essas aglomerações. Mas suponhamos que elas representem a maioria dos cubanos. Pode um governo, baseado na maioria, roubar e matar à vontade, espoliar os pais do direito de educar seus filhos, e perseguir a Igreja, Corpo Místico de Cristo? Admitir isto seria aceitar o princípio rousseauniano da onipotência da maioria popular, várias vezes condenado pela Igreja. Assim, a falsa suposição de que a maioria está com Fidel Castro nada tem que ver com este assunto.

Para nos certificarmos disto, basta pensar no caso Eichmann. Todas as atrocidades cometidas por ele e por seus congêneres ficariam justificadas pelo fato de que as praticou um governo prestigiado por imensas manifestações populares e até – coisa de que Fidel Castro não dispõe – maciças vitórias eleitorais?

Vamos mais longe. A condenação de Nosso Senhor à morte teria sido justificada pelo fato de que uma multidão de judeus preferiu que se crucificasse o Messias e se libertasse Barrabás?

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Acresce que a luta contra o fidel-castrismo é uma verdadeira obra de defesa nacional. Pois por toda a América Latina o comunismo, ora alentado pelo exemplo cubano, ora diretamente insuflado por Havana, trama e se movimenta mais energicamente do que nunca.

No Brasil, o deputado Francisco Julião, que deseja uma reforma agrária avançadamente socialista, se pôs a campo para organizar uma milícia de voluntários em favor de Fidel Castro.

No Equador, o Sr. Araújo Hidalgo, ex-ministro de Estado, lançou uma ofensiva em prol de uma reforma agrária de tipo cubano. Na Bolívia, os manejos da embaixada de Cuba para a formação do Partido Agrário Nacionalista, destinado a defender os interesses do tiranete, foram tão ostensivos que provocaram um severo protesto de "La Nación", órgão oficial do governo boliviano.

O Partido Comunista chileno se dispôs a desencadear uma greve geral no caso de os anticastristas se firmarem em Cuba.

O Partido Comunista argentino também lançou uma campanha de recrutamento de dez mil voluntários para lutar na ilha.

Assim, por toda parte, vão entrando em efervescência os comunistas.

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Esta efervescência já provocou no Brasil derramamento de sangue. Em Caruaru, no Estado de Pernambuco, grupos de populares favoráveis e contrários à intervenção em Cuba se chocaram, registrando-se ferimentos em duas pessoas.

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Largamente comentado pela imprensa e alentador sob todos os pontos de vista foi o manifesto lançado por alunos da Universidade de São Paulo - precisamente uma universidade leiga! - em apoio à luta do povo cubano por sua libertação dos comunistas. Na capital paulista, o manifesto foi assinado por nada menos de 1200 estudantes, que em seguida enviaram ao Exmo. Sr. Jânio Quadros, Presidente da República, o seguinte telegrama:

 

"Exmo. Sr. Presidente da República

Palácio da Alvorada

Brasília - Distrito Federal

Comunicamos respeitosamente Vossa Excelência 1200 estudantes Universidade de São Paulo haverem assinado manifesto à Nação exprimindo ardente desejo libertação povo cubano bárbara tirania Fidel Castro que através Reforma Agrária - Reforma Industrial - Reforma Urbana - perseguições religiosas arrastou povo irmão abismo regime comunista pt Apresentamos Vossa Excelência protestos nossa mais subida consideração. - Fernando Furquim de Almeida Filho, Martim Afonso Xavier da Silveira Júnior, Candido Leite da Silva Dias, Alexandre Cunha Campos Netto, Hagop Seraidarian, Joanito Romera, João Scognamiglio Clá Dias".

 

Telegramas análogos foram enviados aos Exmos. Srs. Afonso Arinos de Mello Franco, Ministro do Exterior, e Mal. Odílio Denys, Ministro da Guerra.

Também em Curitiba, 470 estudantes se manifestaram da mesma forma contra a tirania comuno-fidelista.

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Mereceria muito destaque a notícia impressionante estampada em "O Globo", do Rio de Janeiro ( em 7-IV-1961 ), de que comunistas chineses, através de um manual editado em Pequim, ensinam aos brasileiros como fazer guerrilhas. O jornal publica, a titulo documentário, a fotografia da capa de um folheto intitulado "Tática de Guerrilhas", de autoria de Mao Tse-tung, traduzido em português, e reproduz, entre outras, uma ilustração mostrando guerrilheiros emboscados, a atirarem contra uma tropa regular que passa desprevenida. A legenda correspondente a esta ilustração ensina como dar cabo, nestas condições, dos soldados do Exército brasileiro.

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Todas estas circunstâncias nos enchem de apreensão e tristeza, quando consideramos a aproximação russo-brasileira, iniciada no terreno comercial, mas que ameaça estender-se para o campo diplomático em virtude da sugestão feita pessoalmente por Kruchev ao Ministro João Dantas, quando da visita que este fez ao Kremlin. O ditador soviético sugeriu explicitamente o reatamento diplomático, como meio importante para levar ao seu auge o intercâmbio comercial.

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Felizmente, segundo se noticia, não é provável um reatamento comercial com a China vermelha, pois o Departamento Político e Econômico do Itamarati informou não haver mercado na Ásia para os produtos tradicionais de exportação do Brasil.

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Ao contrário do que esperavam certos elementos, não houve qualquer alteração na infeliz deliberação do Presidente Kennedy de reservar todas as subvenções federais exclusivamente para as escolas leigas, apesar do justificável protesto dos Bispos norte-americanos.

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Parece ter enveredado por mau caminho o novo rei do Marrocos, Mulay Hassan II. Estreitou ele suas relações com a Rússia, com vistas a um grande incremento na ajuda militar já anteriormente concedida pelos soviéticos ao seu país. Segundo consta em círculos bem informados, encontram-se no Marrocos, desde fevereiro, duzentos técnicos russos incumbidos de supervisionar o desembarque e distribuição de todo o material bélico assim importado. Este material inclui tanques de guerra.

Ao que parece, o rei do Marrocos prepara assim uma ofensiva contra a Mauritânia, o Rio do Ouro, e eventualmente as bases espanholas de Ceuta e Melilha.

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Aliás, o espírito empreendedor dos muçulmanos bafejados pelo comunismo não tem limites. Um líder dos mais proeminentes do Isticlal, dinâmico partido da esquerda marroquina, lançou há pouco a reivindicação das Ilhas Canárias para seu país. É o Islã servindo de inocente útil para Moscou, na luta sem tréguas nem mercê contra a Cristandade.

A Cristandade! Quão poucos são os que conhecem o que há de sublime e grandioso nesta expressão, com a qual se indicava outrora a coligação internacional da vasta família dos povos cristãos, unida na luta contra as heresias e contra os inimigos externos da igreja. Qual o homem de Estado ocidental que ousaria pensar numa restauração da Cristandade neste ano de 1961?

Pois, em sentido contrário, uma figura muito em evidência no mundo maometano, o Príncipe Abdul Rahman, primeiro-ministro da Malásia, discursando na Inglaterra, manifestou seu propósito de "formar uma commonwealth de todos os países muçulmanos, segundo o modelo da Commonwealth britânica". E acrescentou: "Cremos que todos os muçulmanos, onde quer que estejam, são irmãos; os países muçulmanos têm portanto todo interesse em se unirem para a discussão de seus problemas".

Claro está, essa "commonwealth" não tardaria a ser cavalgada pelos comunistas.

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Por ocasião das festas da independência do Senegal, o chefe do governo, Sr. Mamadou Dia, falando perante a Assembléia Legislativa do novo Estado, prometeu engajar seu país nas "vias africanas do socialismo". Quem conhece a incompatibilidade fundamental entre o socialismo e a doutrina de Igreja não pode deixar de deplorar o fato.

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Uma vez que a Angola se torne independente de Portugal, será quase impossível que resista às pressões que empurram praticamente toda a África para o socialismo e o comunismo. É esta uma verdade que - quer se aplauda, quer se censure a obra do Sr. Oliveira Salazar em Portugal – ninguém pode pôr em dúvida.

Assim, causa satisfação saber que um prestigioso angolano de Cabinda, o velho príncipe Antônio Felipe de Barros Jack, "em nome dos regedores e chefes gentílicos descendentes das antigas famílias que assinaram com Portugal os tratados de Chifuma e Simulambuco", manifestou sua solidariedade à metrópole.

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Ao ler estas notas, dirá alguém: mas então nada vai bem pelo mundo?

Nada ia bem em Bizâncio nas vésperas da queda da cidade? Sim, muita coisa. Todos se divertiam, reinava a paz dentro dos muros. Apenas - pequeno pormenor - os turcos estavam ao pé destes, preparando-se para investir.

Assim também agora. Muita gente se diverte. Muita coisa vai bem. Apenas - pequeno pormenor também - a profecia. de Fátima está se cumprindo: "A Rússia espalhará seus erros pelo mundo".

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Em todo caso, reservando para o fim o vinho doce, noticiamos com satisfação a visita da Rainha Elizabeth II ao Santo Padre João XXIII. Este fato, cuja importância se manifesta pela extraordinária pompa de que se revestiu o Vaticano, representa uma valiosíssima contribuição para criar no mundo um clima de cooperação com a Santa Igreja de todas as forças que, como o Trono inglês, representam a qualquer título uma tradição viva da civilização cristã.

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E para terminar, um texto pontifício, ou seja, uma gota de néctar.

No dia 9 de janeiro o Santo Padre João XXIII recebeu em audiência o Patriciado e a Nobreza Romana, e tratou dos deveres desta classe. Suas sábias palavras podem estender-se por analogia a todas as elites congêneres.

"São Gregório o Grande - assim resumiu o "Osservatore Romano" o discurso de Sua Santidade - diz que nobilitas generis conjungitur nobilitati mentis, a nobreza do berço deve unir-se à nobreza do pensamento. Isso significa principalmente que à origem privilegiada deve corresponder um zelo especial para conhecer a alta doutrina e os santos princípios, para os realizar antes de tudo em sua própria pessoa( ... ). São Gregório acrescenta que uma característica da nobreza consiste em jamais se deter no exercício da generosidade, mas se considerar sempre em condições de a aumentar, isto é, estar constantemente disposto a adquirir uma maior perfeição espiritual, fonte de toda caridade e generosidade" ( "Osservatore Romano", edição semanal em francês, de 20-I-1961 ).