Catolicismo Nº 114 - Junho de 1960

 

Revolução e Contra-Revolução em 30 dias

Plinio Corrêa de Oliveira

No momento em que escrevemos, dois fenômenos vêm de se processar na Ásia, capazes de apresentar um interesse de primeira ordem do ponto de vista da Revolução e contra-Revolução. Um deles é a queda de Syngman Rhee na Coréia do Sul. Outro consiste nas agitações que abalaram a Turquia.

Toda a pompa real das grandes solenidades cerca o casamento da Princesa Margaret Rose. São as honras ligadas a uma estirpe augusta. Quanto ao fardo dos deveres correspondentes a essas honras, delas se eximiu a Sra. Armstrong Jones. Honras sem ônus: situação incongruente e lamentável...

Do ponto de vista geográfico há uma certa simetria entre ambos os países. A Turquia, com efeito, em razão da importância dos Dardanelos, é uma verdadeira chave do Mediterrâneo. Sua atitude eventual pode ser decisiva para franquear ou fechar quer o acesso desse estreito às belonaves soviéticas, quer o acesso do Mar Negro a uma esquadra ocidental que pretendesse atacar pelo sul o território russo. De outro lado, é ela um dos mais firmes elos da corrente de nações muçulmanas que, como o Irã e a Jordânia, dissentem do pan-arabismo socialista e do "neutralismo" suspeitíssimo da RAU, da Tunísia, do Iraque, etc.

A Coréia do Sul, precisamente, na outra ponta da Ásia, tem situação análoga. É ela o último baluarte anticomunista no território continental do Extremo Oriente. Geograficamente, tem importância não pequena na eventualidade de operações de guerra naval naquela região. Constitui, ademais, uma excelente cabeça de ponte para um possível desembarque ocidental na Ásia. Reciprocamente, forma um empecilho para um eventual ataque comunista ao Japão. Neste sentido, a Coréia do Sul deve ser considerada como um baluarte das ilhas que representam no Extremo Oriente o último reduto da civilização face à neobarbárie comunista: Japão, Formosa, Filipinas. Como se vê, a Coréia do Sul é como a Turquia uma posição chave na luta pelo domínio do mundo.

* * *

Ora, nos dois países se delineou aos poucos uma situação análoga:

  1. um perigo exterior grave: o comunismo;

  2. face a este perigo, um "homem forte": Syngman Rhee em Seul, Menderes em Ancara;

  3. esse "homem forte" organiza um regime político estável e um sistema de defesa militar eficiente;

  4. o Ocidente, tranqüilizado, apóia esses homens e esses regimes. Tudo parece em ordem.

  5. *

De repente, ao mesmo tempo, as luzes da grande publicidade se acendem sobre os dois países. E o mundo fica sabendo – e com quanto alarido – que a situação nessas nações é péssima. As acusações são as mesmas:

  1. os "homens fortes" são ditadores horrendos;

  2. seus regimes são meras fachadas baseadas na fraude política;

  3. a corrupção pelo dinheiro lavra terrível nos meios oficias;

  4. o mais puro, o mais nobre sopro de indignação perpassa sobre as multidões opressas;

  5. os estudantes e os militares, interpretando o anseio popular, investem contra tanto autoritarismo e tanta corrupção, para derrubar os governos em causa.

Tanta coincidência não é estranha?

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Na Coréia, o processo revolucionário, quanto a estes fatos, chegou a seu termo. Rhee caiu. Mas as coisas ficaram mal paradas. Com efeito, o assassínio-suicídio ocorrido na família do vice-presidente ( cúmulo de paganismo ou acesso de loucura? ) lançou uma nota de tragédia nos acontecimentos. Comoveu ver Rhee, já ancião, golpeado pelo luto ( o assassino-suicida era seu filho adotivo ), retirar-se do palácio vergado ao peso dos anos e dos louros, para ir ocupar uma modesta residência particular. Por isto mesmo, a multidão cercou das maiores provas de gratidão e admiração o velho estadista, ovacionado ao sair tranqüilamente a pé pelas ruas de Seul.

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Ora, isto é propriamente – para a Revolução – o que se pode chamar uma maçada.

A maior acusação contra Rhee era a de ser um ditador impopular, cuja corrupção ninguém mais suportava. Deposto o ditador, verifica-se que... era muito popular. E então?

O embaraço do novo governo cresceu quando se espalhou a notícia de que Rhee iria candidatar-se à presidência da república. O perigo de que esse homem impopular fosse eleito é tão grande, que o governo mandou "aconselhá-lo" a não tomar essa atitude. Na nova democracia sul-coreana há muito mais liberdade que no tempo de Rhee. Todo o mundo pode fazer tudo... exceto votar em Rhee.

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Na Turquia, segundo as agências telegráficas, o exemplo da Coréia do Sul repercutiu intensamente. Decerto porque a oposição fez lá propaganda do que ocorrera na outra ponta da Ásia, quase diríamos na outra ponta do mundo!

Dado o caráter teatral que a Revolução sempre toma em lances destes, foi precisamente quando se reunia em Ancara a conferência preparatória da reunião de cúpula, que os motins deflagraram. Criava-se um ambiente propício para que qualquer país "neutralista" pedisse à ONU uma intervenção na Turquia.

Os acontecimentos pareciam bastante bem ensaiados, e iam seguindo seu curso, quando inesperadamente os motins cessaram, as luzes da propaganda se apagaram, e tanto a Coréia do Sul quanto a Turquia saíram do cartaz. Dir-se-ia que todos dormem, nesses países afortunados.

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Com efeito, algo parece ter gorado. É preciso ser muito ingênuo para não perceber que por detrás dos acontecimentos está o dedo – e intencionalmente não dizemos "os dedos" – de Moscou-Pequim.

À hidra pseudobicéfala do comunismo não interessa saber se Rhee e Menderes são ladrões, nem se oprimem o povo. O que lhe interessa é continuar a dupla manobra de envolvimento ( Kruchev ) e intimidação ( Mao ) do mundo, e ir destruindo uma a uma as barreiras para a realização de seu sinistro desígnio. Que Rhee e Menderes estavam sendo barreira, é patente. E barreiras em que postos-chave! Cumpria, pois, derrubá-los.

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Como se poderia fazer isto? Pela conquista pura e simples? Seria a guerra. Ora, o comunismo prefere dominar a terra sem se expor às inegáveis incertezas de uma conflagração. Logo, cumpria arranjar outro expediente. Qual? Evidentemente, a revolução interna.

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Para chegar a este fim, não era necessária muita imaginação. Bastava aplicar ao caso o mesmo processo que fez a opinião mundial aceitar a queda de Chang Cai-chec na China continental. Durante a guerra, Chang e sua esposa foram glorificados como heróis, quase como demiurgos. Mas de repente se generalizou uma onda universal contra os latrocínios de Chang. Todos se desinteressaram dele. Ele caiu e os comunistas entraram.

Provavelmente, probabilissimamente, Chang era mesmo desonesto. Digamos que ele tivesse transferido para seu bolso particular 10, 20 ou mesmo 30% de todas as riquezas da China, hipótese esta visivelmente exagerada. Com sua queda, os novos governantes ficaram senhores únicos, despóticos e absolutos de 100%. Foi o que a pobre China lucrou!

Ao mesmo tempo, o comunismo aumentou com isto, incomensuravelmente, suas forças...

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Não sabemos se Rhee ou Menderes ou seus asseclas, têm no bolso 10% ou mais, das riquezas da Coréia do Sul ou da Turquia. O certo é que a mesmíssima propaganda feita contra Chang Cai-chec está agora sendo feita contra eles. Os ladrões de 100% estão atrás da porta, dirigindo os acontecimentos e prestes a entrar...

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Por que meio?

Depende tudo da reação da opinião pública no Ocidente. Pois se trata de entrar sem provocar a guerra.

Assim, a solução menos provável, se bem que não inteiramente impossível, seria a implantação de um regime diretamente comunista. O melhor seria um regime ainda burguês, mas mole, fraco, por isto mesmo tendente ao neutralismo. Estaria, desse modo, desmantelada no Oriente Próximo e no Oriente Remoto a cadeia de nações pró-Ocidente. Esses governos tipo centro-esquerda fariam "reformas" sociais cada vez mais "avançadas". Um belo dia, sem que ninguém disto se desse conta, seriam comunistas.

Assim prefere agir o demônio: de mansinho...

Mas parece que uma série de imprevistos prejudicou o desenvolvimento das comédias em Seul e Ancara. Estes imprevistos impressionaram mal a opinião pública. Precisou, pois, a Revolução parar e refletir. É exatamente neste período de pausa, que escrevemos.

 

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Quais foram estes imprevistos?

Antes de tudo, a inabilidade flagrante do Presidente Eisenhower. Interveio ele diretamente nos assuntos coreanos, influenciando os fatos de maneira a fazer sair Rhee. E deu como razão que este não seria bastante democrata, não teria a estima do povo.

Ora, contra a atitude do Chefe de Estado norte-americano várias objeções se fizeram, e das mais sérias. A Casa Branca emitiu em seguida um comunicado tardio em que afirmava que o Presidente não interviera no assunto. E nesse comunicado ninguém acreditou.

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As primeiras observações feitas a propósito da desastrada intervenção de Eisenhower foram as seguintes:

  1. se os Estados Unidos são os guardiões mundiais da democracia, porque não intervêm na vergonhosa situação criada pela arquiditadura de Fidel Castro em Cuba, e pela ditadura celerada da Hungria?

  2. mais especialmente, porque derrubam um ditador anticomunista e têm mil e mil complacências com Fidel Castro?

  3. o pior, de certo ponto de vista, é que a alegação contra Rhee, pelo menos quanto à sua popularidade, parece falsa. Porque agir tão iracunda e precipitadamente contra um aliado?

  4. *

Estas e outras considerações fizeram muito eco nos Estados Unidos. O presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado chegou a afirmar, com respeito ao desmentido da Casa Branca, que ninguém mais poderia dar crédito inteiro à palavra presidencial.

Ora, para Kruchev tudo isto é muito grave.

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Porque?

K. conseguiu que Eisenhower pusesse todo o prestígio que lhe vem de seu passado e de seu cargo, a serviço de uma desmobilização psicológica nas relações entre o Oriente e o Ocidente. E é precisamente na calma dessa desmobilização que o comunismo pretende continuar suas conquista.

Neste sentido – dói dizê-lo – o Presidente norte-americano tem demonstrado em face de Kruchev todas as ilusões e todas as fraquezas de Roosevelt em face de Stálin, ou de Marshall em face do comunismo chinês.

E para o ditador soviético é de importância primordial, primordialíssima melhor diríamos, que o prestígio de Eisenhower não fique por demais desgastado. De onde uma pausa no processo revolucionário, quer na Coréia do Sul, quer na Turquia.

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Quando estas linhas saírem a lume, o que terá sucedido? Continuará tudo encalhado? Ou terá prosseguido o jogo? Em que termos? Ninguém o sabe.

Uma coisa, porém, é certa: depois da Coréia do Sul e da Turquia, chegará a vez da Alemanha Ocidental. Esperarão a morte do velho Adenauer? Talvez. Mas não há quem o possa jurar.

Quando se quer tomar uma cidade, começa-se por investir as torres que lhe guarnecem as muralhas.

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Verificando que seus empreendimentos na Coréia do Sul e na Turquia tinham tomado aspecto diverso do que esperava, será que Nikita Kruchev resolveu distrair a atenção mundial com algum "show", enquanto prepara outro golpe?

Não é possível responder categoricamente pela afirmativa. Contudo, considerado o caso do avião norte-americano U-2 abatido por ordem pessoal do ditador, é-se obrigado a reconhecer que todas as coisas – pelo menos até o momento em que são escritas estas linhas – se passam como se isto fosse verdade.

O que não quer dizer que K. não tente aproveitar o lance para produzir outros efeitos colaterais, no plano político, como a intimidação da opinião mundial a fim de obter vantagens maiores na iminente conferência de cúpula, o enfraquecimento dos elementos mais nitidamente anticomunistas nos Estados Unidos, o reforço do prestígio dele Kruchev na URSS ( o "expurgo" ocorrido ali há dias deixa suspeitas a respeito ), etc.

Quando estas notas vierem a público, é provável que os fatos já tenham dado resposta a estas perguntas.

Sem embargo, vale a pena registrá-las nesta secção cujo objetivo não é noticiar, nem prever, mas pôr a nu a estrutura interna do processo revolucionário.

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Durante os últimos 30 dias, os noticiários jornalísticos vêm insistindo muito sobre um fato de importância fundamental, isto é, as relações entre o Canadá e os Estados Unidos estão ficando cada vez mais tensas: rivalidades econômicas, intervenções do Pentágono em assuntos das forças armadas canadenses, do sindicalismo norte-americano na vida dos sindicatos do Canadá, etc.

Ainda aí, a orientação da Casa Branca nos parece contra-indicada. Fraca até a pusilanimidade em relação a Castro, ela tem reagido energicamente em relação ao Canadá.

Ora, tudo leva a crer que é precisamente o contrário que se deveria fazer: reação vigorosa em face de um inimigo débil e carregado de ódio, suma adaptabilidade para um amigo sincero e poderoso.

O que será dos Estados Unidos, o que será da reação anticomunista no mundo inteiro, se o Canadá se deixar arrastar pelo "neutralismo" na eventualidade de uma guerra?

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Mas hoje em dia parece que o demônio da confusão se apoderou e todos os espíritos. E que tudo é visto às avessas.

Foi o que ocorreu, por exemplo, com o casamento da Princesa Margaret da Inglaterra.

Essa jovem, nascida nos degraus do trono, tinha diante de si uma missão de glória e de sacrifício. O homem não vem ao mundo para se divertir, nem para "gozar a vida", mas para amar, servir e louvar a Deus. E isso ele o faz cumprindo seu dever, que é para ele a expressão da vontade soberana de Deus.

In concreto, para a Princesa, o dever consistia em ser o modelo de todas as virtudes domésticas e públicas, e em dedicar toda a sua existência a facilitar o desempenho da alta e espinhosa missão da Rainha, sua irmã. Para tanto, cumpria-lhe sustentar por todos os modos a dignidade e a grandeza da Casa Real.

O episódio Townsend em nada contribuiu para esse fim. Antes pelo contrário. O casamento com o Sr. Armstrong Jones não é senão o termo lógico de uma linha de conduta da qual, à vista do caso Townsend, quase não se poderia esperar outra coisa.

Verdade é que o Sr. Anthony Armstrong Jones não é divorciado. Este ponto tem uma importância inegável. Mas todas as outras circunstâncias que cercam o jovem o tornam inferior à altíssima união que contraiu.

Sabe-se que Elizabeth II, por motivos inteiramente explicáveis, se desagradou vivamente desse casamento.

Quando, durante a cerimônia nupcial, a Princesa passou diante de sua irmã, fez-lhe uma profunda reverência, que não foi respondida sequer com um sorriso.

Contudo, as simpatias de um imenso público não vão para a Rainha, que atravessa assim com tanta dignidade e tanta consciência de seu dever uma situação dificílima, mas para a Princesa que não cuida senão de tirar da vida o partido mais agradável...

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Enquanto estes fatos chamavam a atenção da opinião pública, um Príncipe da Casa de Bourbon-Parma anunciava seu propósito de contrair um casamento "à Margaret".

O Conselho de Família dos Bourbon-Parma se reuniu e excluiu o noivo da dinastia, privando-o ao mesmo tempo das honras de Príncipe. Razão enunciada na nota oficial publicada a este respeito: ninguém pode ao mesmo tempo gozar de uma alta situação, e pretender esquivar-se aos deveres a ela inerentes.

Grande e grave princípio, que reconforta à alma ouvir afirmado em meio a tanta confusão.

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Por fim, o caso Chessman. Na URSS continuam em quantidade os atos de crueldade contra os membros da Igreja do Silêncio. Na China, na Hungria, na Tcheco-Eslováquia, idem. Na Polônia, no momento em que se retirava da capela de uma aldeia o Crucifixo, porque o edifício iria ser transformado em escola, a população se opôs e a polícia interveio com a costumeira ferocidade.

Contra a opressão desses nossos irmãos na fé, o Santo Padre João XXIII não cessa de clamar em seus discursos e seus documentos. Tudo parece morrer de encontro a muros de cortiça. Fidel Castro ordena as sangueiras que bem entende, quase ninguém se incomoda.

Mas um criminoso vai ser executado, e eis o mundo inteiro que estremece.

Não há nisto mais uma destas espantosas contradições de nossos tempos? Atonia ante o sangue dos mártires... supersensibilidade ante a morte de um sentenciado!

Não queremos com isto tomar posição no problema de saber se Chessman deveria ter sido executado, ou não. Nem censuramos os que tomaram posição a favor dele. O objeto de nosso comentário é outro: porque tanta indiferença para uns, enquanto se é tão sensível para com outro?

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Em tempo: o caso do avião U-2 serviu para o imenso "show" que K. armou às vésperas da conferência de cúpula. O ditador deixou de lado a máscara "bonomia" usada até aqui com tanto êxito, para ostentar a máscara "ferocidade". Tais foram suas palavras, seus atos, suas maneiras, que a conferência nem sequer se realizou. Houve quem receasse o pior. Depois de muito estouro, muito urro, muita descompostura, nada sucedeu, pelo menos até o momento. Kruchev voltou a Moscou e a vida continua.

Qual a utilidade do "show"? Alguns efeitos colaterais, e outros principais, são fáceis de entrever. Talvez os mencionemos oportunamente.

Dizem alguns, à guisa de velada defesa do tirano vermelho, que um destes efeitos é facilitar a reação contra os "duros" descontentes nas altas esferas soviéticas, por meio de uma política de firmeza que tire a estes seus pretextos.

Concedamos para argumentar. Neste caso, uma pergunta se impõe. Estes "duros" são muito fortes? Tudo leva a crer que sim, para que K. faça tal marcha à ré em sua própria política.

Mas então, qual a solidez do poderio de Kruchev? Stálin parecia um gigante. Quando morreu, viu-se que sob seus pés estava tudo bichado. Não ocorrerá o mesmo com seu sucessor? Quem poderá ter a presunção de ver tão claro nas brumas do Kremlin, que ouse afirmar o contrário?

E se assim é, que confiança se pode ter na política de distensão de homens que qualquer convulsão é capaz de derrubar e substituir por "duros"?