Catolicismo, Nš 95 ­ Novembro de 1958

VENERAÇÃO E TRISTEZA DA IGREJA ENLUTADA

Este número de "Catolicismo" será impresso precisamente no interregno entre dois pontificados, isto é, no momento em que os espíritos ainda não se refizeram da surpresa da morte de Pio XII, os corações ainda sangram, e seu corpo acaba apenas de ser inumado junto ao túmulo de São Pedro, em meio à veneração das multidões comovidas.

A ocasião é, pois, mais para se olhar em direção ao passado, do que ao futuro.

Nosso jornal levanta sua voz, para falar de Pio XII, no instante em que um imenso coro de louvores enche em honra do falecido Pontífice as terras e os mares, até os confins mais apagados e distantes do orbe civilizado. Cada qual, de seu próprio ângulo de visão, exalta as grandezas do Papa inesquecível, que Deus chamou a Si. Justo é que, de nosso ponto de vista específico, também digamos o que a Cristandade ficou a dever a Pio XII. Pois é do entrelaçamento de todos esses elogios que ressalta, em seu conjunto, a glória multíplice do pontificado que acaba de se encerrar.

Queremos assinalar antes de tudo a proclamação do dogma da Assunção. Grande triunfo mariano, a preparar o caminho para a definição de outro dogma, que os corações piedosos aguardam com o mais ardente anelo: a Mediação universal de Nossa Senhora.

Além disto, o pontificado de Pio XII ficará imortal por dois outros gestos mariais de transcendente importância, ou seja, a coroação da Virgem Santíssima como Rainha do universo, com a instituição da respectiva festa litúrgica, e a consagração da Rússia e do mundo ao Imaculado Coração de Maria.

Desta orientação marial tão saliente, floresceu um ato legislativo do maior alcance, a Constituição Apostólica "Bis Saeculari Die", que foi a Carta Magna das Congregações Marianas. Nesse documento, o Papa, definindo seu próprio pensamento e o de Pio XI, declarou que as CC. MM., bem como as demais associações que têm forma e fins de apostolado, são Ação Católica pleno jure.

Não é este o momento de insistir sobre a importância ímpar dessa Constituição na vida interna da Santa Igreja, para a solução de problemas angustiantes em que reinava uma desorientação trágica. A grande obra da "Bis Saeculari" foi completada pela alocução do Pontífice ao recente Congresso Mundial do apostolado dos Leigos, em que ele pôs em foco a situação confusa criada pelo fato de um mesmo título, "Ação Católica", servir indistintamente para o gênero ­ o conjunto das organizações que sob a direção da Hierarquia se dedicam ao apostolado ­ e aquilo que é uma das tão numerosas espécies dentro de tal gênero, isto é, a associação chamada Ação Católica.

A par desses luminosos documentos, o Santo Padre Pio XII publicou ainda outros, para resolver questões atinentes à vida interna da Igreja.

Mencionemos em particular as Encíclicas "Mystici Corporis", que retificou importantes desvios doutrinários referentes ao elemento sobrenatural e ao elemento jurídico na Igreja, e "Mediator Dei", destinada a pôr cobro ao liturgicismo desenfreado e avassalador que começara a soprar no orbe católico já antes da segunda guerra mundial, e a abrir via, assim, a uma sadia renovação litúrgica. Também merece referência toda especial a Encíclica "Humani Generis", que ergueu barreiras a correntes teológicas malsãs.

Um estudo mais pormenorizado dessa importante matéria deveria ainda pôr em relevo tópicos admiráveis de outros documentos, como as Encíclicas "Sacra Virginitas" e "Musicae Sacrae". Mas o porte necessariamente reduzido desta nota de última hora no-lo impede. Lembremos, entretanto, a esplêndida carta da Sagrada Congregação dos Seminários e Universidades, ao Episcopado do Brasil, sobre essas questões. E assinalemos, para concluir, o gesto de Sua Santidade encarregando o Exmo. Revmo. Mons. João Batista Montini, então Substituto da Secretaria de Estado, de louvar, em carta ao autor, o livro do Prof. Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, "Em Defesa da Ação Católica", referente a essas matérias e que fora objeto de tão apaixonadas críticas em nosso ambiente.

Sobre as questões sociais, o pensamento do falecido Pontífice se exprimiu de modo bem conhecido em suas linhas gerais. Entretanto, os matizes desse pensamento ­ num assunto no qual, mais do que em muitos outros, "la vérité est dans les nuances" ­ seriam ainda muito mais conhecidos se se tomassem na devida conta tantos ensinamentos de seus famosos discursos à Nobreza e ao Patriciado Romanos, e à Guarda Nobre, sobre o papel da aristocracia e das elites no mundo de hoje, e se se aprofundasse mais o estudo do tópico admirável ­ para não dizer genial ­ sobre massa e povo, de sua alocução de Natal de 1944.

Passemos por alto, em matéria social, o episódio tão doloroso dos "Padres-operários", em que algumas medidas sábias e de uma temperada energia do Vigário de Cristo foram mal compreendidas e o fizeram sofrer tanto. E assinalemos um outro ponto, com o qual daremos por findas estas notas. É a tomada de posição inteligente, original, subtil, do Santo Padre Pio XII em relação a um aspecto concreto da materialização progressiva das atividades humanas: a mecanização da existência e a preponderância perigosa das ciências naturais e da técnica no teor de vida, e mais ainda na estrutura mental do homem moderno. A última alocução de Natal do falecido Pontífice, a este respeito, deve ser qualificada como um verdadeiro acontecimento na história da cultura católica.

É-nos grato, no momento em que, em espírito, nos curvamos reverentes ante os despojos mortais de Pio XII, rememorar tudo isto, e também os demais fatos que não tivemos tempo de mencionar.

Mas a expressão de nosso reconhecimento não seria completa se, neste instante de tanto significado afetivo para nós, deixássemos de citar uma dádiva incomparável que Pio XII nos fez, a nós campistas, dando-nos por Bispo Diocesano este admirável Pastor que é D. Antonio de Castro Mayer.

Assim, é com o coração a transbordar de emoção, que imploramos à Virgem Santíssima que recompense de tantos benefícios aquela alma pela qual o universo inteiro reza enternecido.