Catolicismo Nº 77 - Maio de 1957
A explicação de uma popularidade imensa
Plinio Corrêa de Oliveira ( Atribuído )
Em 1917, quando ainda troavam os canhões da primeira guerra mundial, dois acontecimentos se processavam, a que o mundo não deu atenção. Em Portugal três pastorinhos diziam ter visto e ouvido Nossa Senhora. Em Roma, era sagrado um Bispo. No próprio dia em que o Bispo era sagrado, dava-se a primeira das seis aparições de Nossa Senhora. Mas o troar dos canhões impediu que o mundo ouvisse a voz da Virgem, e os cânticos de júbilo da sagração. Quarenta anos depois, tudo quanto era empolgante em 1917 feneceu e morreu. Os canhões mortíferos cessaram de troar e foram recolhidos aos museus, ou fundidos como ferro velho. As glórias dos generais e dos soldados foram superadas pelos feitos de guerra maior e mais recente. O vulto dos exércitos e das batalhas, o poder mortífero das armas, a extensão do conflito, tudo enfim nos parece pequeno diante da guerra em perspectiva.
A voz de Fátima, entretanto, não ficou superada. Pelo contrário, no mundo inteiro ela repercute com uma sonoridade crescente. E o Bispo sagrado a 13 de maio de 1917 também não desapareceu no tumulto dos fatos, das crises, das invenções e das batalhas. Ele está no próprio âmago dos acontecimentos contemporâneos.
Assim são, sob o governo da Providência, os imprevistos, ora terríveis, ora admiráveis, da história.
Na encruzilhada histórica verdadeiramente dramática em que nos achamos, a mais grave de quantas a Igreja tenha encontrado em seu longo percurso, há um ponto para o qual se volta todo o amor e todo o ódio que há sobre a terra. Um ponto que está no centro de todos os problemas, no fundo de todas as lutas, na base de todas as esperanças. É o Vaticano.
Todas as questões que afligem nosso século são de ordem moral. Ora, por sua própria essência as questões morais são religiosas. E, assim, a Religião está no âmago de tudo. Quem diz Religião diz Igreja, e quem diz Igreja diz Roma. Pois Roma é o âmago da Igreja. E assim, bem no ponto central de todos os problemas de nossos dias, está o Papa Pio XII. É só sobre sua fronte que pode pousar, como em seu lugar perfeitamente próprio, a coroa de espinhos da "solicitude de todas as Igrejas" ( 2 Cor. 11, 28 ), nesta hora tenebrosa. Foi feita para pesar sobre seus ombros a cruz de todas as negações, de todas as traições, de todas as torpezas e imoralidades desta hora crepuscular. É a seus olhos que compete encontrar, nas trevas que se fazem cada vez mais espessas, o caminho para o rebanho inumerável, que lobos vorazes atacam de todos os lados. Pela própria natureza das coisas, o Sumo Pontificado é hoje, mais do que nunca, uma posição de angústia, de agonia e de luta estrênua.
E é porque o mundo inteiro sente esta dura verdade, que todos os corações se voltam - hoje também mais do que nunca - para o Papa, a quem amam com uma ternura pessoal, como que lhe adivinhando, cada sofrimento, e dele participando com toda a intensidade.
Na imensa popularidade de Pio XII, há um sentido de participação de dores e de consolação, que é um de seus lados mais nobres e delicados.
Entretanto, há neste amor dos povos ao Pontífice imortal que os governa, uma causa peculiar. Eles se enternecem considerando que diante de tantas provações Sua Santidade não toma - e nem de longe - a atitude de um Pastor lacrimejante e fraco. Nas audiências às imensas multidões, vindas do mundo inteiro para o contemplar, para ouvir o som de sua voz e se rejubilar no calor de sua presença, todos encontram de porte ereto, de olhar vivo e animado de sorriso acolhedor nos lábios, pronunciando palavras de carinho e de alento, aquele que, pela ordem natural das coisas, é o grande angustiado, o grande sofredor do século.
E por isto ficam as multidões imersas em silêncio admirativo ─ que explode por fim em aclamações intérminas ─ à consideração do mistério interior de um tão prodigioso desassombro.
Os povos vão consolá-lo. Entretanto, é ele que os enche de consolação.
O fantasma da guerra ronda em torno dos homens, numa dança infernal. Ora mais próximo, ora menos próximo, ele está em postura de assaltar a todo momento a humanidade. Os chefes de Estado estremecem. As chancelarias se conturbam. Os homens de guerra preparam novos meios de destruição. Mas Alguém há que nunca se perturba, que vai aproveitando as ocasiões de trabalhar pela paz, por maiores ou mais insignificantes que sejam, sem nunca desesperar. E este Alguém único é Pio XII.
As crises sociais rugem? Só Pio XII não desanima nem por um instante, e pelo contrário reza, ensina, e age com uma serenidade impávida, preparando o mundo melhor.
Os problemas ideológicos se complicam dentro e fora do campo católico? Só Pio XII não se conturba. Seu magistério é de uma serenidade como não se encontra nos dias de hoje.
E, enquanto tudo em torno dele ameaça ruir, em todos os campos suas palavras visam principalmente reconstrução, remodelação e reorganização.
Esta atitude invariável de um Papa que já é um ancião, empolga os povos.
Um ancião? É precisamente o que este octogenário não é.
O ancião é lento e trôpego no pensar, no falar e no andar. Pio XII pensa com a mesma agilidade de sua juventude, fala com um desembaraço, uma abundância, uma facilidade em que ninguém das novas gerações o pode igualar. Poliglota exímio, seu estilo sensível e flexível conserva em todas as línguas uma variedade de imagens e de figuras que encanta os jovens. Quanto ao andar, não se pode imaginar cadência mais rápida, mais leve, mais fácil.
Quando se está em presença do Santo Padre Pio XII, percebe-se que ele atingiu uma verdadeira extratemporalidade. Pelos anos, é ancião. Mas sua figura tomou um modo de ser tal, que sobre ela podem descer em aluvião os lustros ou as tormentas, sem que sua resistência incomparável sofra qualquer alteração.
Tudo isto empolga, tudo isto causa entusiasmo. Mas como explicar tanta coisa que enche de desconcertada admiração?
Os povos não vacilam na resposta. Este Pontífice, em cujo dia de sagração Nossa Senhora falou pela primeira vez aos pastorinhos de Fátima é o mesmo Pontífice que declarou dogma a Assunção de Maria e instituiu a festa da realeza da Virgem.
Como não há de estar ele sereno, animoso e consolado?
O que são a morte, as cruzes, as angústias, para quem tem os olhos postos na Mãe celeste?
"De mil soldados não teme a espada, quem pugna à sombra da Imaculada", diz o belo hino das Congregações Marianas, E assim é que os fiéis, vibrando de amor filial, explicam que no meio da tormenta moderna uma figura se mantenha sempre serena, na sua ancianidade uma figura se mantenha sempre jovem, no imenso apagar de luzes destes dias uma figura se mantenha sempre luminosa, trazendo na mão o facho de luz inextinguível da Igreja: o Papa Pio XII.