Plinio Corrêa de Oliveira
O progresso da civilização depende mais da moral que da ciência
Catolicismo Nº 74 - Fevereiro de 1957 |
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A mensagem de Natal do Santo Padre Pio XII é um dos documentos mais importantes nos fastos da diplomacia pontifícia dos últimos cem anos. Fixa ela a posição da Igreja num momento internacional particularmente conturbado e trágico. Fá-lo analisando com rara coragem os aspectos mais álgidos da luta entre o comunismo e a civilização, e traçando para a opinião católica um rumo claro e vigoroso. Dado que o Papa é seguido por 400 milhões de fiéis de todas as raças e latitudes, e dado ainda que mesmo fora da Igreja o ascendente moral de Pio XII se estende a muitas camadas de opinião, é compreensível que o lúcido e forte pronunciamento de Sua Santidade tenha constituído um acontecimento político de primeira plana, a influenciar fundamente o desenrolar dos fatos em 1957. Ao lado destas repercussões políticas, cumpre ressaltar a importância doutrinária das palavras do Pontífice. Sobre o problema da liceidade da guerra preventiva, sobre o modo de entender a coexistência, sobre outros pontos ainda, Pio XII proporcionou aos ambientes intelectuais católicos ensinamentos altamente benfazejos para orientar seus estudos e sua ação. Estes aspectos não bastam para dar uma idéia completa da relevância dessa alocução de Natal. Como Vigário de Jesus Cristo e Mestre universal dos povos, Sua Santidade acaba de fazer ao mundo uma advertência a um tempo afetuosa e solene. Na ordem da Providência, a exortação pontifícia vem acompanhada das graças necessárias para iluminar as inteligências e mover as vontades. Do bom ou mau uso das palavras do Papa, proferidas em circunstâncias tão dramáticas, Deus tirará conseqüências em relação aos homens, recompensando-os ou punindo-os. E é a respeito disto que sobretudo cumpre refletir. De costume, traduzimos, diretamente do "Osservatore Romano" o texto dos documentos pontifícios mais relacionados com os temas de que trata este jornal. Infelizmente, desta vez aquela folha não nos chegou às mãos até o último momento. Somos, pois, obrigados a nos ater à publicação de trechos da alocução veiculados pelas agências telegráficas, que fazemos seguir de alguns comentários. Antes de passar a essa parte de nosso trabalho, apraz-nos informar a nossos leitores que as palavras do Soberano Pontífice foram como que preludiadas por uma grande solenidade realizada na Basílica de São Pedro no decorrer do mês de dezembro p. findo. Com a presença de numerosas delegações de todas as Paróquias romanas, membros da colônia húngara, e grande multidão, realizou-se Hora Santa diante do Santíssimo Sacramento, pela nação magiar. O Emmo. Cardeal Alfredo Ottaviani, Pro-Secretário da Suprema Sagrada Congregação do Santo Ofício, proferiu então uma eloqüentíssima e corajosa oração, na qual externava todos os sentimentos de solidariedade e dor, do mundo católico, em face da perseguição satânica de que é vítima a pátria de Santo Estevão. Nesta alocução o ilustre Purpurado, falando do julgamento do caso húngaro pela ONU, teve este pensamento lapidar, que passará para a história: um julgamento em que o criminoso tem assento entre os juízes, e a vítima é representada por um cúmplice do acusado, não merecia ser tomado a sério pelos governos e povos que participam daquele organismo internacional. Quem ousará afirmar o contrário? Relembrado aqui este comentário, que do alto do púlpito sagrado, na Basílica de São Pedro, cai como uma gota de luz e de fogo no paul [lodaçal] da política amoral de nossos dias passemos a analisar alguns trechos do discurso do Santo Padre. Nele, notamos duas partes claramente distintas. Em uma, o Papa condena a doutrina chamada do realismo. Na outra, trata do comunismo e dos problemas da coexistência. Essa doutrina do falso realismo consiste em afirmar que as aflições do homem, espirituais ou físicas, poderão ser curadas no momento em que forem conhecidas as leis a que ele se acha submetido em suas relações com o mundo que o circunda. Trata-se, como se vê, de uma doutrina profundamente otimista. O único mal do homem reside na ignorância, em que ele ainda permanece, de uma parte das leis da natureza. Quando as conhecer todas, poderá manter relações perfeitas com o mundo que o cerca, e desse modo atingir nesta vida uma felicidade sem nuvens. Assim, segundo esta escola, todos os males provêm exclusivamente da ignorância, e todas as soluções têm de nascer da ciência. Esta opinião, que o Sumo Pontífice enuncia em termos filosóficos e explícitos, existe não só claramente definida nas obras de muitos escritores, mas também mais ou menos implícita em muitas tomadas de atitude do homem contemporâneo. Aceitam-na, conscientemente ou não, aqueles que, no ensino, dão um papel preponderante à instrução e negligenciam a formação do caráter. Igualmente nela se inspiram os que julgam dever do Estado e dos particulares abrir o maior número de escolas, mas se manifestam contrários a que as autoridades competentes exerçam qualquer censura sobre livros, jornais ou filmes contendo doutrinas errôneas ou imorais. Parece-lhes que "abrir escolas é fechar cadeias". E que, uma vez alfabetizado e instruído, o homem estará habilitado a rejeitar tudo quanto lhe possa fazer mal à alma, e julgará todas as doutrinas com tal superioridade que saberá discernir com todo o acerto entre as verdadeiras e as falsas. Filiam-se a esta corrente os que imaginam constituir inútil crueldade qualquer ato de rigor na educação. Se uma criança age mal bastará mostrar-lhe o erro, que ela se corrigirá. Por que então puni-la? E ainda outro aspecto do realismo condenado pelo Sumo Pontífice está em achar que todas as normas tradicionais a respeito da prudência que deve reinar entre os sexos podem e devem ser abolidas. Assim, nada há de perigoso em que um rapaz e uma moça saiam sós, se embrenhem por lugares solitários, cheguem mesmo ao ósculo e a outras manifestações de afeto, desde que estejam suficientemente instruídos a respeito dos inconvenientes de qualquer ação má que vá além. Poderíamos, desta forma, enumerar quase ao infinito os sintomas do morbus doutrinário que o Santo Padre Pio XII muito oportunamente lembrou à atenção dos fiéis em sua oração. Por sua importância, queremos apenas mencionar ainda mais um. Consiste em imaginar que a questão operária decorre exclusivamente da má organização da sociedade. Se todos os homens tivessem suas necessidades econômicas atendidas, não haveria luta de classes. E assim, quando todas as regras da boa organização social forem conhecidas, a prosperidade reinará sobre a terra, e a felicidade entre os homens. É o que explica que a alocução aponte como frutos do "realismo" os seguintes efeitos: "a moleza que geralmente se lamenta na educação, a excessiva indulgência para com o delito, o silêncio sobre a culpa, e a aversão à idéia da pena, mesmo justa". São "conseqüências imediatas de uma concepção do homem, que o imagina bom em si". Todo o mal consistiria em que "não se sabe adaptar ao homem a engrenagem das funções a que ele, com seu mundo circundante, está sujeito". Diz o Pontífice: "Nos angustiosos problemas da democracia moderna não é preciso - segundo os realistas - ter em conta a consciência e o sentimento moral dos homens, mas apenas sua incapacidade construtiva, e a bondade natural do homem, que no final das contas é própria a todos. Portanto - acrescentam - aprofundando-se sempre mais o conhecimento das normas naturais que governam o homem e seu mundo, serão fortalecidas realmente as boas qualidades de todos e poderão ser distribuídas entre muitos a autoridade e a responsabilidade". Compreende-se facilmente como, de tais pressupostos, se chega a um democratismo fanático e intransigente. Com efeito, nesta concepção as elites não têm uma função rectrix estável. Todos os seus tesouros de cultura, tradição e abnegação ao bem comum são susceptíveis de serem comunicados integralmente à massa. Se as elites agirem nesse sentido, destruir-se-ão pela plena equiparação com a generalidade dos homens. E se não o fizerem, estarão traindo sua missão. O mesmo se diga da autoridade. Se todos os homens, uma vez devidamente instruídos, podem decidir tudo razoavelmente, não há motivo para que os governantes resolvam as coisas para o povo. Pois nada os habilita mais especialmente a fazê-lo. Todas as decisões devem ser tomadas por sufrágio universal, e a autoridade deve ser tanto quanto possível repartida e distribuída. Mas, dirá alguém, os perigos inerentes à democracia - pois toda forma de governo os tem - não se opõem a este otimismo? Entregue o poder às multidões, sujeitamo-nos a vários deles. O Pontífice aponta alguns, a titulo de exemplo: "o anonimato do poder, a absorção do indivíduo pela massa, o equilíbrio instável entre as forças em jogo na sociedade". A resposta para os "realistas democráticos" é simples: "eles asseguram que, para eliminar tais inconvenientes, bastará introduzir o princípio da responsabilidade pessoal e do equilíbrio das energias, no complexo algum tanto mecânico e puramente funcional da vida em sociedade". Portanto, mais uma verdade a ensinar: o princípio da responsabilidade pessoal; mais uma fórmula a aplicar, o equilíbrio de energias. E tudo ficará automaticamente resolvido. O mundo do futuro pertence aos instrutores e aos técnicos. Não aos Sacerdotes, moralistas e educadores. Ateísmo teórico e prático O Santo Padre observa muito bem que tal concepção deriva do ateísmo, um "ateísmo teórico e mesmo prático", professado pelos que "idolatram a tecnologia e a concepção mecanicista dos acontecimentos, e acabam por converter-se necessariamente em inimigos da verdadeira liberdade humana". Esta adoração do ídolo do século XX, que é a técnica, mata realmente toda verdadeira liberdade. Pois a técnica, produto da instrução, é infalível como ela. Quem tem gostos ou tendências contrárias aos dogmas da técnica é um marginal, um doente. A técnica deve tirar-lhe a liberdade, analisá-lo, e transformá-lo, para fazê-lo concordar com ela. E assim se estabelece no mundo a mais pesada ditadura de todos os tempos. O drama do mundo moderno O drama do mundo moderno consiste na "contradição flagrante" que há "entre a esperança confiada ao homem moderno (...) de poder criar um mundo em que sejam abundantes os bens, livre da pobreza e da incerteza, e a amarga realidade de longos anos de lutas e ruínas, com o conseqüente temor, agravado nestes últimos meses, de não poder lançar sequer o fundamento de um modesto princípio de harmonia duradoura e de paz". E prossegue o Pontífice: "Há algo que não funciona devidamente no complexo sistema da vida moderna; um erro essencial que o corrói radicalmente". A causa está precisamente no ateísmo inerente ao "realismo" técnico hodierno: "As dificuldades que o mundo hoje enfrenta são a prova da profunda separação entre a vida e a fé cristã, e é essencial sanar a todo custo este mal". Não nos acovardemos diante do século Diante deste erro tentacular, que vai transformando a face da terra, e que tem a seu serviço as potências imensas do tecnicismo, não seria ridículo que os católicos procurassem reagir? Não seria mais sábio calar, ou pelo menos dissimular sua oposição ao erro, para tentar dirigir o movimento tecnicista, em lugar de lhe combater de frente os exageros? A resposta do Vigário de Cristo é clara: a fé move montanhas, e para ela nenhum obstáculo é insuperável. É este o exemplo magnífico que colhemos no passado da Igreja. E que vale para o presente. "Os cristãos de hoje não se acham em condições menos favoráveis que seus antepassados, os quais chegaram, com o auxilio da fé, a superar as contradições de sua época". Devem eles ter presente que "o sentido profundo da vida humana não repousa em fórmulas e em leis, mas sim na obra livre do Criador, e que o homem só possuirá a verdade e a verá, quando se unir à luz que brilhou pela primeira vez em toda a sua plenitude em Belém". É junto a Jesus Cristo que se encontra toda a solução. "O cristão precisa inclinar-se diante do berço de Belém para conhecer a verdade sobre a natureza humana, resumida em uma síntese visível no Filho de Deus recém-nascido. A origem, a essência, o destino e a história do homem acham-se ligados àquele Infante, ao fato de haver Ele nascido entre nós. Seus vagidos são como a narração de nossa história, e sem eles o conhecimento da natureza do homem continuaria um enigma impenetrável". Assim, o católico, para ser homem de seu tempo, não deve pactuar com os erros deste. Pelo contrário, deve saber discerni-los com clareza, e apontar para eles a verdadeira solução, a qual é, como foi e será sempre, Nosso Senhor Jesus Cristo. Ocidente e Oriente O texto incompleto de que dispomos não nos habilita a dizer qual o nexo que o Santo Padre estabelece entre estes magníficos ensinamentos e as diretrizes que dá em seguida sobre a coexistência entre comunistas e não-comunistas. Entretanto, parece-nos que este nexo não é tão difícil de ser percebido. Com efeito, a idolatria da técnica e da ciência é como que o substrato comum a todas as concepções exaltadamente democráticas que prevalecem nas duas grandes partes em que se divide o mundo moderno. Pois o Ocidente, como o Oriente, adora a técnica, espera tudo do sufrágio universal e das multidões, confia na ciência mais do que em tudo. Simplesmente - e neste "simplesmente" vai uma imensidade de circunstâncias importantíssimas - no Ocidente esta adoração não vai tão longe que se persiga a verdadeira Religião, que se neguem os direitos naturais do homem, como o de constituir família monogâmica e indissolúvel, de ter uma propriedade pessoal, etc. Muitas tradições, muitas instituições, muitos hábitos mentais ainda vigentes impedem que se tirem, nesta parte do mundo, todas as conseqüências da adoração da máquina. Enquanto por detrás da cortina de ferro já se chegou a uma aplicação muito mais vasta das máximas da tecnolatria. É verdade que entre os russos as eleições são falseadas, e não é o povo que manda. Mas na mente dos déspotas do Kremlin esta situação é transitória. Quando o comunismo tiver terminado sua penetração junto às massas, e estas, devidamente "instruídas", conhecerem toda a "verdade", deverão tomar conta do poder. Assim, o Santo Padre Pio XII deu um alto testemunho de sua imparcialidade, deixando claro que, a seu ver, o mundo não se divide em um bloco de nações que seria o Reino de Deus na terra, e outro que é o reino do erro. Mas que ele vê também no Ocidente lacunas graves e até gravíssimas, que se aparentam com as de além cortina de ferro. Isto posto, o Pontífice tem uma admirável tomada de posição contra o comunismo. Aberturas para a esquerda Esta folha não se tem fartado de apontar a seus leitores o comunismo como o maior inimigo da Igreja neste século. Entretanto, tal é a mania de conciliação que lavra em certos círculos católicos, que chegam a sonhar com uma colaboração com ele. Ou com o socialismo, que é um comunismo velado, adocicado, que progride com sorrisos e por etapas, mas que visa o mesmo fim. É mais ou menos o que em outros países se tem chamado, entre católicos, uma "abertura para a esquerda". Quando tocamos nestes e noutros assuntos conexos, alguns leitores velam a face. Como tratar disto, quando se semeia assim a desunião em nossos arraiais, e se desedifica os que não são católicos? Sua Santidade, entretanto, sem recear estes inconvenientes, se exprime formalmente a este respeito: "Com profundo pesar devemos lamentar... que alguns católicos, eclesiásticos e leigos, emprestem seu apoio à tática da confusão para obter resultados que eles mesmos não desejam. Como é ainda possível deixar de ver que este é o fim de todo aquele insincero agitar-se que se oculta sob o nome de conversações e de encontros? Que objetivo tem o encontrar-se para conversar, se não se tem uma linguagem comum, ou como é possível encontrar-se, se os caminhos são divergentes e se uma das partes rejeita obstinadamente e nega os valores absolutos comuns, tornando assim praticamente inoperante qualquer coexistência na verdade?". E sobre as chamadas "tomadas de contato" com o adversário, diz Pio XII: "Não cortar as pontes, mas sim manter relações mútuas. Mas para tanto é plenamente suficiente que os homens responsáveis pelos Estados e pela política acreditem dever manter contatos e relações tendo em vista a paz da humanidade, e não interesses particulares. Para tanto basta que as Autoridades Eclesiásticas competentes considerem assim dever agir para obter o reconhecimento dos direitos e das liberdades da Igreja". O guarda-chuva de Chamberlain As pessoas que acompanharam o desenrolar dos pródromos da segunda guerra mundial lembram-se de que, no campo antinazista, se haviam delineado duas tendências diversas. Uns queriam contemporizar, outros consideravam necessário deflagrar a guerra quanto antes, a fim de evitar que as conquistas de Hitler se tornassem ainda maiores, e a força de resistência do ditador germânico com isto acrescesse ainda mais. Chamberlain, com seu emblemático guarda-chuva, representava a primeira tendência. Levado por ambições, por ingenuidades, por fraquezas de toda ordem, foi ele cedendo até o momento em que o poderio nazista se estendeu como uma sombra sobre toda a Europa central. E o resto todos conhecem. É a repetição deste exemplo de lamentável imprevidência, de funesto e errôneo utilitarismo, que se trata de evitar: "Estamos persuadidos de que mesmo hoje, em face de um inimigo decidido a impor de qualquer maneira e a todos os povos uma forma de vida particular e intolerável, só uma atitude forte e unânime de todos os que amam a verdade e o bem comum pode preservar a paz, e a preservará. Seria um erro fatal repetir o que se passou, em circunstâncias análogas, nos anos que precederam o segundo conflito mundial, quando cada uma das nações ameaçadas, e não apenas as menores, procurou garantir sua salvação em detrimento da salvação das outras, esforçando-se por tirar discutíveis proveitos econômicos e políticos das dificuldades de outrem. A conseqüência disso foi que todas as nações foram arrastadas juntas para a guerra". Liceidade da guerra preventiva Passemos agora àquele que é talvez o texto política e doutrinariamente mais importante de toda a alocução. Até aqui, todos os doutrinadores têm admitido a legítima defesa. Mas é também lícita uma agressão feita para prevenir outra? É a respeito deste ponto muito sensível que o Vigário de Jesus Cristo se exprime com uma sabedoria e uma clareza que dispensam comentários: "A situação de hoje, que não encontra paralelo no passado, deveria ser claramente conhecida por todos. Já não é possível duvidar dos objetivos e dos métodos que se escondem atrás das armas, quando estas se lançam fragorosamente, semeando a morte além de suas fronteiras para obrigar as populações civis a aceitar uma forma de vida que repelem abertamente; quando, impedindo a realização de possíveis acordos e mediações, empregam-se as armas atômicas para realizar determinadas aspirações, justificadas ou não. É claro que nas atuais circunstâncias pode dar-se o caso de uma nação, esgotados todos os esforços para evitar a guerra, ser obrigada a deflagrá-la para defender-se. Nessas circunstâncias, a guerra não poderia ser considerada ilícita e os católicos não poderiam opor-se às medidas de legítima defesa adotadas por um governo livremente eleito". Pio XII e a ONU Infelizmente, no que diz respeito às medidas concernentes ao desarmamento e à paz, os trechos fornecidos pelas agências telegráficas são insuficientes para se estabelecer uma vista de conjunto do pensamento pontifício. Vê-se que Pio XII está propenso a dar seu apoio a medidas tendentes a estabelecer um equilíbrio entre os povos dentro do quadro da ONU, e a favorecer o acréscimo de prestígio dessa organização, por meio de tribunais internacionais, e mesmo tropas colocadas ao seu serviço. Contudo, também aí o erro do falso realismo pode penetrar. Consistiria ele em despir a ONU de seu conteúdo moral, fazendo dela uma instituição destinada a resolver mecanicamente os problemas internacionais. A este propósito, afirmou o Santo Padre que um "falso realismo" se manifestou recentemente entre vários membros daquela organização, no momento em que se discutia o restabelecimento do respeito aos valores humanos oprimidos, o que levou à adoção de dois pesos e duas medidas. "Ninguém - disse o Papa - espera ou reclama o impossível, nem mesmo das Nações Unidas, mas se poderia esperar que a autoridade dessa organização se fizesse sentir, pelo menos por intermédio de observadores nos locais onde os valores essenciais do homem estão em perigo extremo. "Por digna de reconhecimento que seja a condenação, pela ONU, de violações graves dos direitos dos homens e de povos inteiros, poder-se-ia desejar, todavia, que fosse interditado aos países que se recusam a admitir observadores em seus territórios, assim demonstrando que têm da soberania do Estado uma concepção que solapa os próprios fundamentos da ONU - que fosse interditado, dizíamos, a esses países exercer seus direitos de membros da organização. Esta deveria ter, outrossim, o direito e o poder de prevenir qualquer intervenção militar por parte de uma nação contra outra, sob qualquer pretexto que seja, bem como de assumir a proteção da ordem do Estado ameaçado, com forças policiais suficientes". * * * Assim, pois, o mundo contemporâneo ouviu dos lábios do "doce Cristo na terra" as palavras de conforto e de direção de que precisa nesta quadra difícil. Particularmente, dirigiram-se elas ao nobre povo magiar martirizado. Estamos certos de que farão um grande bem a nossos leitores, e ao ambiente brasileiro tão profundamente necessitado de tais ensinamentos. N.R.: Já se achava composto o presente artigo quando nos chegou às mãos o "Osservatore Romano" de 28 de dezembro p.p., edição hebdomadária em francês, com a mensagem de Natal do Soberano Pontífice. Pudemos então verificar que, salvas pequenas incorreções de pormenor, o texto que reproduzimos é conforme ao oficial. Nota: Os negritos são deste site. |