Catolicismo Nº 60 - Dezembro de 1955
CORRESPONDÊNCIA
De um leitor: "Li em Salve Maria, órgão da Federação das Pias Uniões de Filhas de Maria dessa Diocese, orientações para donzelas e fiéis em geral, concernentes a diversões no mundo de hoje. Naquele mensário fazem-se críticas também ao cinema. Não teria sido prudente ressalvar que os cinemas paroquiais, pelas garantias que oferecem, não merecem as censuras levantadas contra os cinemas em geral, e, mesmo, são dignos de todo aplauso? Um só cinema paroquial, que afasta centenas de pessoas do mau cinema, não faz muito mais bem do que toda uma campanha de jornal contra o mau cinema? Em lugar de atacar o que outros fazem de mau, façamos o bem por meio de uma obra que não inspira preocupação, nem pode fazer mal a ninguém. Construir não é sempre melhor do que destruir?"
R.: Certamente, construir é melhor que destruir. Mas, construir não dispensa a ingrata tarefa de destruir. A casa em ruínas deve primeiro ser demolida, para que em seu lugar se possa edificar algo de aproveitável. Ao Profeta Jeremias, a quem deu a missão de reformar o povo de Israel, mandou o Senhor que primeiro arrancasse e destruísse, para depois edificar e plantar ( Jerem. 1, 10 ). Estará a tarefa de destruir abolida hoje das cogitações apostólicas? Não parece. Ao menos, o Santo Padre gloriosamente reinante, ao introduzir na Sagrada Liturgia a Missa para o "Comum de um ou mais Sumos Pontífices", achou útil, conveniente, e portanto salutar lembrar que isso faz parte da missão do Papa. Constituído para governar os povos e os reinos, ele o foi, também, para que "arranque e destrua, e edifique e plante" ( Communio da Missa pro uno aut pl. Sum. Pont. ). Em geral, pois, é necessário destruir e arrancar o que há de mau, a fim de, purificado o espírito, nele edificar para a vida eterna, isto é, nele semear os germes das virtudes que vão florescer e dar frutos dignos de Deus Nosso Senhor.
Aliás, a idéia de que basta difundir a verdade e o bem, sem atacar o mal, sem alertar contra as heresias e os desvios morais, vem a ser precisamente o Liberalismo de Lamennais, Montalambert e Lacordaire, condenado pelo Santo Padre Gregório XVI na encíclica "Mirari vos". Realmente, outra coisa não pretendiam esses corifeus do Modernismo do século passado, senso plena liberdade para o bem e para o mal, pois que, acreditavam, nessa livre concorrência o bem naturalmente triunfaria,
De sorte que é necessário atacar o mal e destruí-lo, e esta é uma obra construtiva, visto que, sem ela, o bem não só corre sempre perigo, como também não se realiza com a amplitude e intensidade que seria para desejar.
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Tais princípios valem em qualquer campo. Têm, no entanto, especial aplicação quando se trata do cinema. De fato, o perigo que apresenta esta diversão, hoje generalizada - comenta o Santo Padre que, nas classes humildes, é freqüente não haver outra em que o povo espaireça - é imenso. Basta considerar a influência poderosíssima que exerce o film sobre os espectadores, acrescida, cada dia mais, pelo progresso dos estudos psicológicos utilizados pela técnica cinematográfica.
Ora, infelizmente, a influência do cinema, de modo geral, não é utilizada para o bem. Em alocução de 21 de junho deste ano, dirigida aos membros da indústria cinematográfica italiana, o Santo Padre salienta este fato. Como causas desse mal, aponta o Sumo Pontífice, primeiramente, a dificuldade de se conseguir o film ideal, uma vez que este exige artistas excelentes, que estejam acima do ordinário; e depois, porque "todo mundo sabe que não é, em absoluto, difícil fazer films atraentes tornando-os cúmplices dos instintos inferiores e das paixões que aliciam o homem e o afastam das normas de uma reta razão e de uma vontade bem ordenada". "A tentação dos caminhos fáceis - continua o Papa - é grande, e tanto maior quanto mais o film perverso se mostra eficiente para encher as salas e as caixas e para suscitar nos jornais críticas servis e benévolas".
Acrescente-se a estas considerações uma outra, sobre a qual também se externa o Papa: a condição atual da natureza humana faz com que "os espectadores - pelo menos nem todos eles - não tenham, ou não conservem sempre, a energia, a reserva interior, muitas vezes até a vontade de resistir à sugestão atraente, e com isso a capacidade de se dominarem e de se guiarem a si mesmos".
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Além do mais, o cinema apresenta ainda um perigo que lhe é próprio, e que o faz temer ainda mais do que o teatro. É a faculdade amplíssima de sugerir emoções e atos internos. Muito mais do que pela palavra, pelo gesto, ou pela ação, influencia o cinema pelo jogo de fisionomia realçado pela intensidade luminosa e pelos recursos cênicos. Quanta sensualidade, quanta maledicência, quanta falta de caridade, e quanta coisa mais pode ser sugerida por uma contração de rosto, um rictus, um nada na fisionomia! Na alocução que vimos citando, encarece o Papa esta peculiaridade do cinema. Os seus produtores tiram "igualmente proveito dos gestos hábeis, aparentemente insignificantes, como poderia ser, por exemplo, um movimento de mão, de ombros que se levantam, etc.".
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Por outro lado, ocorre responsabilidade gravíssima quando se trata de recomendar ou simplesmente permitir uma diversão deste gênero. Ouçamos o Emmo. Cardeal Siri, Arcebispo de Gênova: "A moral cristã, no que diz respeito a espetáculos, exige a absoluta honestidade do enredo em geral, e da representação no palco, e reputa que o espetáculo imoral é ocasião próxima ou remota de pecado para os assistentes. De maneira que um espetáculo que, sob qualquer ponto de vista, seja incentivo ao pecado, ainda que só de pensamento ou desejo realmente contrário aos Mandamentos da Lei de Deus, está proibido sob pecado mortal".
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Daí a grande perplexidade dos Pastores de almas, num mundo em que o cinema passou quase para a categoria de gênero de primeira necessidade. O venerável e apostólico Bispo de Salto, no Uruguai, Exmo. Revmo. Mons. Alfredo Viola, em sua Pastoral de Quaresma deste ano, manifesta às suas ovelhas as preocupações que lhe causa o cinema: "Não vos deixeis absorver pelo cinema, nem façais dele um hábito dominante, pois, do contrario, chegará a influir, sem que o percebais, na vossa vida, nas vossas idéias, na vossa mesma psicologia pessoal, e, o que é pior, atenuará e diminuirá, se não levar ao desaparecimento, a vida sobrenatural, que deveis viver".
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Parece, então, que a solução será precisamente o cinema paroquial, como sugere nosso amável missivista,
Transcrevemos aqui, a esse propósito, as palavras ponderadas da Carta Pastoral do Exmo. Sr. Bispo de Salto. "Cinemas paroquiais, solução do problema?" pergunta S. Excia. Revma., e responde: "É este um ponto muito discutido, mesmo em países que não estão, como o nosso, sujeitos ao monopólio das grandes empresas distribuidoras de películas, e com isto não queremos desconhecer ou subestimar o meritório esforço dos que se propõem remediar o mal". O ilustre Prelado transcreve então as seguintes palavras pronunciadas pelo Cardeal Schuster em 19 de janeiro de 1952: "Em vinte e cinco anos de episcopado, nada me proporcionou tantas mágoas e preocupações como os cinemas paroquiais... Condenamos novamente, em matéria cinematográfica, a doutrina do menor mal. A Igreja, que, por essência, é santa, nunca pode ensinar o mal menor".
"E - prossegue Mons. Alfredo Viola - compreende-se que seja assim, porque se um film com passagens más ou perigosas se exibe em uma sala pública, resta-nos o direito de reprovar tal exibição, e disso ninguém nos poderá culpar, nem a nós nem à Igreja.
"Mas, se em um cinema nosso acontece coisa semelhante, ainda que seja em muito menor escala, os culpados somos nós mesmos, como diz o Cardeal Siri, porque" - e S. Excia. passa a citar aquele Emmo. Purpurado - como "toda iniciativa proveniente direta ou indiretamente do Clero só se justifica como meio ordenado ao fim último da salvação das almas, sempre que o cinema, por qualquer razão, não logre esse fim, deve, sem mais, ser eliminado como inconciliável com as características do ministério sacerdotal".
"O cinema paroquial, portanto - continua o Bispo de Salto - se justifica para tirar os católicos das salas públicos, onde as películas são freqüentemente inconvenientes.
"Logra o cinema paroquial tal fim?
"Tememos muito que aconteça o contrário ( como às vezes temos ouvido que aconteceu ), e que o cinema paroquial se converta em ante-sala do cinema público, ao acostumar ao cinema aquele que antes não costumavam lá ir".
E a chave de ouro desta parte da Pastoral são estas palavras, com que julgamos poder encerrar esta resposta que já vai longa: "Temos repetido muitas vezes, e cremos que seja coisa fora de duvida: com cinema não tiraremos jamais os católicos do cinema. Ou os tiramos com piedade e vida sobrenatural, ou não os tiramos".