Giotto - Última Ceia - Capela Scrovegni - Pádua
Estamos
na perspectiva jubilosa da Semana Eucarística de Campos.
E, de outro lado, vivemos nos dias culminantes da
Quaresma, em que a Igreja rememora as ignomínias sem
nome a que voluntariamente Se sujeitou por amor a nós, o
Homem-Deus. Esta conjunção de perspectivas jubilosas, e
de dolorosas celebrações, nos leva a pensar nos triunfos
e nas humilhações de Nosso Senhor Jesus Cristo: tema
útil para meditarmos na Semana Santa e nos prepararmos
para a Semana Eucarística, tema fecundo em reflexões
oportunas nos dias que correm.
* * *
Examinada a vida de Nosso Senhor,
nela nada encontramos que não excite a mais razoável, a
mais alta, a mais firme admiração. Como Mestre, ensinou
a plenitude da Verdade. Como Modelo, praticou a
perfeição do Bem. Como Pastor, não poupou esforços, nem
misericórdia, nem severas admoestações para salvar suas
ovelhas, e terminou dando por elas o seu Sangue, até a
última gota. Atestou sua missão divina com milagres
estupendos, que cumulou as almas de incontáveis
benefícios espirituais e temporais. Estendendo sua
solicitude a todos os homens, em todos os tempos,
instituiu esta maravilha das maravilhas, que é a Santa
Igreja Católica. E dentro da Santa Igreja prolongou sua
presença por dois modos, realmente no Santíssimo
Sacramento, e pelo magistério na pessoa de seu Vigário.
Tão grande soma de graças e de benefícios, nenhuma mente
humana poderia excogitar.
Por isto mesmo, Nosso Senhor foi
amado. Há, em ser amado, uma forma particular de glória.
E esta, Nosso Senhor a teve em proporções únicas. Em
torno d’Ele o tropel do povo era tão grande, que os
Apóstolos tinham de protegê-Lo. Quando Ele falava, as
multidões O seguiam pelo deserto adentro sem cogitar de
agasalho nem alimento. E por ocasião de sua entrada em
Jerusalém prepararam-Lhe um triunfo verdadeiramente
real. Em matéria de amor, tudo isto é muito. E,
entretanto, houve mais do que isto. No momento em que o
aparente fracasso da Paixão e da Morte deitava um véu de
mistério sobre a missão de Nosso Senhor, e parecia
desmenti-Lo definitivamente, houve almas que continuaram
a crer e a amar. Houve uma Verônica, umas Santas
Mulheres, um Apóstolo-virgem que continuaram a amar.
Houve sobretudo, mais do que tudo, sem comparação, Maria
Santíssima que praticou então ininterruptamente atos de
amor, como jamais o Céu e a terra juntos os poderiam
praticar com igual intensidade e perfeição. Almas que
continuaram a amar quando, num momento de dor
inexprimível, o Sepulcro se selou, as sombras e o
silêncio da morte se abateram sobre o Corpo exangue, e
tudo parecia acabado, mil vezes acabado.
* * *
Como explicar entretanto que esse
mesmo Jesus tivesse suscitado tanto ódio? Porque,
inegavelmente, Ele o suscitou. Os judeus O odiaram com
um ódio envergonhado, devorador e infame, qual só o
inferno pode gerar. Por ódio, procuraram longamente
espioná-Lo, a fim de ver se encontravam n’Ele alguma
culpa, que lhes servisse de arma de guerra. Prova de que
não O odiavam por algum defeito que por engano n’Ele
imaginassem ver. Porque então O odiavam? Se não era pelo
mal, que n’Ele não havia, e que n’Ele em vão procuravam,
porque seria? Só poderia ser pelo bem... Mistério
profundo da iniqüidade humana! Este ódio era
envergonhado. Com efeito, ocultavam-no sob a aparência
de amabilidade, porque não tinham nenhuma razão limpa e
honesta para o declarar. À medida que a missão de Jesus
foi caminhando para a sua plena realização, o ódio dos
judeus foi crescendo de ponto, e tendendo para uma
estrondosa explosão. Desanimando de encontrar razões de
difamação, recorreram à calúnia. Dela usaram largamente.
Tinham tudo para vencer nesta forma de luta: dinheiro,
relações com os romanos, prestígio decorrente do
exercício das funções sagradas. Entretanto, a guerra
pela calúnia fracassou em grande parte. Conseguiram
convencer alguns despeitados, semear a dúvida em alguns
espíritos grosseiros, embotados, ou viciados em duvidar
de si, dos outros, de tudo, e de todos. Mas era
impossível afogar em calúnias o efeito maravilhoso da
presença, da palavra e da ação de Nosso Senhor. E então
veio o plano supremo: desmenti-Lo por uma derrota que O
desprestigiasse aos olhos de todos, e O cortasse do
número dos vivos. O resto se sabe. Satanás entrou no
mais repugnante dos homens, que O vendeu e depois O
entregou com um ósculo. Um procônsul depravado mais
ainda de alma que de corpo, hesitante, mole, vaidoso,
entregou-O a seus inimigos. E sobre Ele caiu a torrente
de todo o ódio da Sinagoga, com que afinal os fariseus
haviam conseguido contaminar a massa.
Que ódio, e que alívio. Ali estavam,
urrando de ódio, tantos cegos e paralíticos curados,
tantos possessos libertados, tantas almas aquietadas
outrora pelo Filho de Deus.
Mas também! Quando receberam
benefícios, sentiram uma secreta humilhação de se verem
tão inferiores. Quando receberam ensinamentos, sentiram
um fio de revolta a lhes minar quase imperceptivelmente
a admiração: porque era Ele tão austero, porque exigia
tantos sacrifícios? Vendo-O agora "derrotado", era o
desabafo, o triunfo de todos os recalques, todas as
vulgaridades, todas as invejas, o suco destilado de
todas as infâmias. A grande revolta dos fariseus ímpios
e entregues a Satanás, dos seus congêneres em todas as
classes do povo, em frente única com as antipatias
inconfessadas, e quiçá subconscientes, dos tíbios,
produziu este resultado supremo: o deicídio, o maior
crime de todos os tempos.
A EUCARISTIA E O PAPA
A Eucaristia é Jesus realmente
presente, mas que não fala. O Papa é Jesus que fala,
embora sem a presença real.
Em nossos dias, pode-se dizer que
Jesus e o Papa são igualmente objeto do amor e do ódio
do mundo inteiro. Do amor: as multidões se deslocam de
toda a terra, para adorar Nosso Senhor nos Congressos
Eucarísticos internacionais, para aplaudir o Vigário de
Cristo em Roma. Até no mais fundo de uma sociedade já
quase toda pagã, florescem almas que praticam uma
virtude ilibada, ardem de zelo pela ortodoxia, e amam de
todo o coração Nossa Senhora. São forçadas por vezes a
renunciar a carreira, situação, bem estar, a suportar a
hostilidade até de suas próprias famílias, mas continuam
impertérritas. Os homens não sabem apreciar o valor
dessa fidelidade, mas os Anjos louvam a Deus por ela, no
mais alto dos Céus. Quando passamos os olhos, da
civilização ocidental burguesa para o mundo gentílico,
vemos missionários que fazem por Nosso Senhor proezas de
atividade ou de heroísmo, só para lhe ganhar uma alma.
Se olhamos para o triste mundo que se estende por detrás
da "cortina de ferro", vemos almas heróicas que
consagram as Espécies clandestinamente e as distribuem a
corações devorados de fome eucarística.
Mas de outro lado, quanto ódio.
Odeia-se a Eucaristia e o Papa, quando se promulgam leis
contrárias à doutrina da Igreja, quando se difundem
costumes que levam as almas ao inferno, quando se dá à
heresia e ao mal a mesma liberdade que à ortodoxia e ao
bem. Odeia-se a Eucaristia e o Papa quando se cruzam os
braços diante do progresso do socialismo que nos conduz
ao comunismo, negação completa da Eucaristia e do Papa.
E abusa-se da Eucaristia e do nome do
Papa, quando se recebe a comunhão com tibieza, e depois
se usam trajes, se freqüentam ambientes, se apóiam
princípios implicitamente neopagãos, e condenados pelos
Papas. Imensa torrente de ódio militante e explícito, ou
de inconformismos velados e implícitos, que constitui a
força inimiga, a chocar-se contra o amor neste confuso e
revolto século XX.
QUARESMA E
SEMANA EUCARÍSTICA
Se a Paixão nos faz pensar em tudo
isto, a Semana Eucarística nos dará por certo uma
esplêndida ocasião para atestar nosso amor a Jesus e ao
Papa.
Amor e ódio, sempre os haverá em
torno de Nosso Senhor, que é na História o sinal de
contradição, o que foi posto para ruína, e para
ressurreição de muitos em Israel: "Ecce positus est
hic in ruinam, et in ressurrectionem multorum in Israel:
et in signum cui contradicetur" ( Luc. 2, 34 ).
Os povos são grandes e felizes, as
almas são virtuosas e se salvam quando o amor que votam
a Jesus Cristo e a seu Vigário sobrepujam o ódio que a
um e outro têm os maus.
Para que o amor se intensifique, se
converta em frutos de ortodoxia e castidade, devemos
rezar ardentemente ao Divino Rei nesta fase de
preparação da Semana Eucarística, apresentando nossas
súplicas pelas mãos puríssimas de Maria, sem cuja
intercessão nenhum pedido sobe até o Coração de Jesus.
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