Plinio Corrêa de Oliveira Artigos em "Catolicismo" HÁ MÉTODO NA LOUCURA DA SITUAÇÃO INTERNACIONAL "Catolicismo" Nº 49 – Janeiro de 1955 |
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A D V E R T Ê N C I
A As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui
empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em
seu livro "Revolução
e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº
100 de
"Catolicismo", em abril de 1959.
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ara nós, católicos, mais do que um ano de lutas e apreensões em quase todos os campos - internacional, nacional, econômico, social, ideológico - 1954 foi o Ano Mariano. Iluminaram-no duas grandes luzes: os clarões recentes da promulgação do Dogma da Assunção, e os fogos de júbilo do Centenário da definição da Imaculada Conceição. No correr dele, algumas alegrias particularmente intensas, como a canonização de São Pio X, o Congresso Mariano de Roma, e sobretudo a coroação de Nossa Senhora como Rainha do Universo, dilataram e encheram de esperança os corações católicos. No Brasil, constituiu uma fonte de santo júbilo mariano o Congresso Nacional da Padroeira, que foi realizado em São Paulo, e deu ao nosso país a honra de ser visitado por um Legado a latere do Santo Padre Pio XII, bem como de ouvir a voz augusta do Vigário de Jesus Cristo, o qual se dirigiu a nós numa carinhosa mensagem, nessa ocasião. É verdade que angústias e preocupações também não faltaram. O doloroso caso dos Padres-operários continua cheio de incertezas, de tristeza e de confusão. A igreja do silêncio continua a gemer e a sangrar nas sombras do cativeiro e da perseguição. O perigo comunista cresce no mundo inteiro dia a dia. Bem perto de nós, na Argentina, uma estranha perseguição religiosa abre perspectivas sombrias. Quase ao fim do ano Nossa Senhora visitou com uma cruz o Santo Padre Pio XII, que tão admiráveis atos de piedade marial tem praticado em seu pontificado. Uma dolorosa enfermidade o prostrou no leito nestes dias, e, se bem que, no momento em que escrevemos, as notícias sobre seu estado de saúde sejam relativamente tranqüilizadoras, a respiração do orbe católico está suspensa, todos os olhos e todos os corações se voltam para o leito de sofrimento do Pontífice, e mais do que nunca todos sentem quanto amam o Papa. Não há chefe de Estado capaz de suscitar uma corrente de amor tão intensa no mundo inteiro, quanto esta que nasce em todos os quadrantes da terra, de cárceres como de palácios, de rincões afastados e solidões ignotas como das grandes metrópoles, e circunda neste momento como se fora um santuário o quarto modesto em que os cientistas, à cabeceira do Papa, lutam contra a morte. Enquanto a ciência luta na terra com as armas da natureza, a fé sobe ao Céu. Não há nesta hora em que ainda perduram incertezas, peito de católico de onde não chegue até o trono de Maria, uma suplica férvida pelo Santo Padre Pio XII, para que Ela a apresente a Jesus.
E assim como não há na terra amor que o católico compare ao que tem ao Papa assim também não há neste mudar de ano fato que se iguale em sua mente e em seu coração, ao da enfermidade do Pontífice gloriosamente reinante. Volvamos agora nossas vistas, deste ponto altíssimo e central, para a vastidão variegada e convulsa da terra.
ma mudança de ano convida a um retrospecto e a um prognóstico. Retrospecto que ordene numa visão de conjunto os acontecimentos passados. E, com base nesta visão de conjunto, prognóstico que permita discernir os rumos que os fatos vindouros provavelmente seguirão. Ora, relativamente a 1954, esta tarefa parece inexeqüível. No plano internacional, o ano findo nos apresentou uma série de acontecimentos excitantes e incongruentes. De um lado, o esforço diplomático pela paz jamais foi tão contínuo e tão trepidante: as conferências de Genebra e Londres, o tratado de Paris não foram senão os pontos altos de um trabalho de chancelarias intensíssimo, complexo, pontilhado de dificuldades e de decepções, sujeito ora a contemporizações enervantes, ora a períodos de ação febricitante. Quantas vezes pareceu definitivamente assegurado o convívio pacífico entre Oriente e Ocidente! Quantas vezes pareceu irremediavelmente comprometida a paz mundial! Do extremo otimismo para o extremo pessimismo, a marcha da diplomacia se fez sempre num zig-zag irregular, caprichoso, que ora dilatava de esperança, ora contraía de angústia, sempre inesperadamente, este grande coração que é sob certos aspectos a opinião mundial. No momento presente, a linha do gráfico está quase no extremo do pessimismo. A situação em Formosa toma, depois do pacto entre os EUA e o governo de Taipé, um colorido carregado. E a hostilidade entre Oriente e Ocidente parece cristalizar-se definitivamente com a oposição manifestada pelas nações do bloco soviético, reunidas em conferência, contra o rearmamento da Alemanha Ocidental. Mas bastará um sorriso de Malenkov, uma meia palavra de Molotov, uma festa algum tanto cordial em qualquer das embaixadas que a Rússia tem pelo mundo, para que imediatamente reverdeçam esperanças, e a linha do gráfico comece a mudar de rumo.
ssim visto o curso caprichoso dos acontecimentos, pergunta-se: para onde caminhará ele? Quem o pode dizer! Este zig-zag satânico, imprevisível em todos os seus movimentos, só tem um efeito certo e indiscutível. É o completo embrutecimento da opinião ocidental ( pois no bloco soviético ninguém sabe como se apresentam as coisas ), que ele produz. Ninguém contesta que uma nova guerra seria não só a subversão de toda a vida pública, mas de todas as existências particulares. Esta hipótese que influi em tudo, condiciona tudo, mantém tudo mais ou menos em suspenso, ora vai, ora vem, ora se distancia, ora se aproxima, e ninguém sabe ao certo se daqui a um ano, daqui a alguns meses quiçá, estará distendendo os nervos na delectação de uma larga normalidade internacional por fim alcançada, ou estará envolto com seus negócios, seus bens, sua família, no torvelinho apocalíptico da guerra atômica. Se cada pessoa quisesse se colocar bem nitidamente diante deste quadro de uma insofismável realidade, sentir-se-ia numa situação não muito diversa da de um moderno Dâmocles, tendo suspensas sobre a cabeça uma bomba de hidrogênio e um buquê de rosas, cada um preso a um fio prestes a partir-se a todo momento. O que sucederia a um homem exposto prolongadamente a tão brutal alternativa? Evidentemente, embotar-se-iam nele o medo, a esperança, e o próprio instinto de conservação. Tal estado de alma tornaria toda a sua sensibilidade incapaz de vibrar retamente. Num primeiro período, tudo o excitaria exageradamente. Viria depois uma atonia profunda, que passaria dos nervos à própria inteligência. Vida ou morte, verdade ou erro, bem ou mal, beleza ou feiúra... que importa? O essencial é vegetar sossegadamente, gozando o modesto prazer de respirar no minuto presente, sentir a normalidade da circulação e da digestão, e deixar aparvalhadamente que o mais siga seu rumo. Seu rumo, sim; isto é, todo e qualquer rumo, por louco, vulgar ou eventualmente até razoável que seja, contanto que não se perturbe a quietude estritamente vegetativa do instante que passa. Outrora o verbo “viver” era intransitivo. As extravagâncias de certa filosofia infringiram uma torção à gramática, e o verbo tornou-se transitivo. Passou-se a dizer que as pessoas vivem um dia, uma hora, um minuto feliz, ou infeliz, etc. Será necessário, para atender às atuais condições de existência, tornar transitivo o verbo “vegetar”. Dir-se-á então que fulano ou sicrano está “vegetando” dias tranqüilos, ou insípidos, ou incertos. E com quanta verdade! Ora, decair da vida humana para a vida vegetativa o que é, senão passar de ser humano, para ente bruto? Bruto não tanto num sentido exclusivamente derivado do conceito corrente de brutalidade, mas no de embrutecimento. Nem todo homem embrutecido é brutal. Mas certamente é um semi-bruto.
e passarmos das generalidades desta primeira e amplíssima visão de conjunto, para a análise deste jogo de tensão e distensão conforme se produziu concretamente nos vários países, teremos uma impressão mais nítida de quanto ficou dito. Aqui, uma revolta depõe um governo, lá um governo desarticula uma conjuração, acolá uma greve assola uma cidade ou uma província, ou alguma crise econômica põe abaixo a prosperidade de uma região. Por toda a parte, esta atmosfera de dificuldades interiores é agravada quase até ao paroxismo pela pressão interna das forças comunistas ou pela perspectiva de uma agressão soviética. Vejamos um pouco ao léu, sem preocupações cronológicas, e a título exemplificativo, o que se deu neste sentido no mundo em 1954. Deixemos de lado os fatos naturais, como a misteriosa catástrofe de Orléansville, ocorrida pouco depois de haver pairado sobre a cidade uma bola de fogo, para tratar apenas dos acontecimentos políticos. No Japão, as emanações da bomba de hidrogênio deflagrada no Pacífico produziram vitimas, atacaram o pescado, e perturbaram por bastante tempo o equilíbrio da radioatividade da atmosfera, acentuando o terror de uma hecatombe. A vida política foi agitada. O premier Yoshida acusou os socialistas de tramarem a bolchevização do país. Fala-se muito de escândalos de espionagem. O aumento de poder da China vermelha, a insegurança da situação na Coréia e em Formosa, a catástrofe do Vietnã preocupam profundamente. O Japão se rearma com toda a intensidade possível. Em todos os pontos geográficos de fricção entre Oriente e Ocidente, pequenas fagulhas caem constantemente, ameaçando fazer saltar o paiol. Na Alemanha Ocidental, raptos misteriosos de pessoas que interessam aos soviéticos. Na Áustria, violenta investida da propaganda russa contra as autoridades. Teme-se um golpe comunista em Viena. Na Coréia, incidentes de fronteira irritantes. Em Formosa, tiroteio crônico para preservar as ilhas de proteção de que Mao-Tsé-Tung quer se apoderar com fins bem evidentes. Na Indochina, uma catástrofe sem nome, que agravou o perigo vermelho na Indonésia, e o levou até as portas da Austrália. Neste domínio, violentíssimo incidente com a Rússia por ter sido descoberta uma trama de espionagem dirigida pelo embaixador Petrov: ruptura de relações; teme-se coisa pior. As experiências de bombas de hidrogênio na Rússia e no Pacífico apavoram a opinião mundial. Certos fenômenos estranhos, como o “câncer dos pára-brisas”, causam inquietação. Na Índia, as agitações internas continuam. A tensão com Portugal por motivo da posse de Goa, Gamão e Diu, chega a um perigoso clímax. O mesmo se pode dizer da polêmica entre Nehru e Malan em razão dos interesses de fortes minorias hindus na África do Sul. Por exceção, a Pérsia está tranqüila. Preso o talentoso palhaço que é Mossadegh, as relações com a Inglaterra se normalizam. O ex-chanceler Hussein Fatemi é executado. Há incidentes de fronteira inquietantes com a URSS. A imensa mole do mundo árabe se movimenta e não é difícil vislumbrar a ação de Moscou nesta violenta fermentação. No Egito, agitações durante todo o ano por motivo do caso de Suez, e da independência do Sudão. A Inglaterra recua visivelmente. Luta interna intensa entre os republicanos. Atentado contra Nasser. Deposição dramática de Naguib. Em conseqüência de agitações na Tunísia, a França lhe concede autonomia. A Argélia começa a ser infectada pela onda revolucionária. O Marrocos está novamente em incandescência e o governo francês age com firmeza sempre menor. A situação no Marrocos leva a Espanha a intervir contra a França. Tensão violenta entre estes dois países. A Rainha Elizabeth II visita Gibraltar. Graves incidentes entre a polícia espanhola e elementos que manifestam contra a Inglaterra. Teme-se um atentado contra a Rainha. Na França, os insucessos da Indochina, as agitações da África do Norte, as polêmicas concernentes ao rearmamento alemão e à CED ocasionam um ambiente de agitação que o novo governo de Mendés-France não logra aquietar senão parcialmente. A questão da espionagem comunista preocupa vivamente. Na Inglaterra, o governo conservador obtém êxitos econômicos indiscutíveis. O racionamento se afrouxa. Mas a divisão dos espíritos continua funda. Os trabalhistas insistem por uma política de aproximação com a Rússia e a China, que enfraqueceria singularmente o Ocidente e beneficiaria Moscou. A visita dos parlamentares trabalhistas à China é neste sentido um escândalo. No próprio seio do trabalhismo, o câncer “bevanista” se acentua mais e mais: é cada vez menos nítida a linha que o separa do comunismo. Na Itália, a morte de De Gasperi, a persistência ameaçadora do perigo comunista, a questão de Trieste, o “affaire” Montesi, mantém uma atmosfera de efervescência que a feliz solução do problema triestino aquietou, mas de outro lado o reatamento de relações cordiais entre Tito e Moscou agravou. Nos Estados Unidos, o ano foi agitado. O “caso Mc Carthy” preocupou a fundo gregos e troianos. Pois se uns temem que o borbulhante senador acabe por destruir as instituições, outros temem que, inutilizado ele, as instituições e o próprio país soçobrem nas garras da espionagem e da agressão soviética. A luta entre republicanos e democráticos versou quase sempre sobre questões gravíssimas de interesse público, que fizeram sentir a todos como são grandes as incertezas da hora atual. A vitória dos democratas nas recentes eleições dá a entender que a opinião pública, exausta, pede uma política exterior mais macia: o que evidentemente está longe de prejudicar os planos de Moscou. Na Guatemala, em Cuba, na Bolívia, na Colômbia, no Paraguai, os golpes de Estado estão na memória de todos. A situação argentina caminha para uma crise religiosa que patenteia as tendências comunistas de Perón. E o Brasil? Poderia o ano ter sido mais cheio de apreensões e de esperanças? E poderia terminar mais cinzento?
í está uma relação dos mil modos por que a tensão internacional se concretizou no mundo inteiro. Recapitulando-os, vendo-os no seu conjunto, tem-se a impressão de que um mesmo fogo subterrâneo sacode por toda a parte a crosta terrestre, e que por detrás de tantas desordens há uma só e mesma Desordem que convulsiona tudo. Desçamos mais. A própria vida privada também se encontra em situação caótica. No Brasil, por exemplo, a crise da família, a crise do ensino, a carestia, a inflação, o problema das domésticas, a dificuldade de transportes, tudo enfim satura de pequenas e irritantes dificuldades quotidianas uma existência já de si entristecida por horizontes plúmbeos e cortados de relâmpagos. O Dâmocles clássico estava sentado em um trono, gozando das honras e delícias do poder. O homem moderno é um Dâmocles prosaico, sentado sobre uma cadeira de três pés, comido pelos insetos das mais enervantes pequenas preocupações pessoais, e que tem por único lenitivo humano esperar que lhe caia sobre a cabeça o bouquet de rosas em lugar da bomba de hidrogênio. Em matéria de técnica de embotamento, de embrutecimento, de aviltamento a fogo lento, não se poderia excogitar meio melhor. Dirá talvez alguém que este quadro é unilateral. Que estes aspectos não são os únicos. É certo. Nem tivemos a intenção de descrever toda a situação presente. Ativemo-nos aos traços dominantes. E quem poderá negar que são estes?
continuação deste pandemônio por mais alguns anos não poderá deixar de levar a um grau imprevisível o embrutecimento geral, a decadência do padrão humano, o declínio da capacidade de resistir, de lutar, de vencer, de todo o Ocidente, quer no plano ideológico, quer no plano militar. Como sob um vento pestífero, vão minguando todas as nossas energias vitais. Dentro de mais alguns anos, estaremos talvez maduros para aceitar sem resistência, alguma imensa surpresa, alguma defecção vergonhosa, súbita, completa. Ora, tudo isto é assim porque a Rússia o quer. Bastariam de sua parte três ou quatro meses de política pacífica, para que este vento de pânico e tumulto cessasse. Continuaria a haver sérios problemas técnicos de caráter social e financeiro, é certo. Mas seriam susceptíveis de solução num clima normal. Se tudo isto se passa só porque a Rússia o quer, e lhe traz todo o proveito, parece bem claro que “há método na loucura” da nossa situação política. É o que nos parece dominar, coordenar e explicar tudo que se passou de mais importante em 1954, e autorizar para 1955 esta pergunta: até quando durará tal situação? |