Catolicismo Nº 37 - Janeiro de 1954

 

EISENHOWER CONFIRMA NA ONU AS AMEAÇAS DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA

 

Temos a impressão de que a alegria das festas de Natal e Ano Bom apresentou muito de artificial. O homem contemporâneo semi-paganizado se sente de tal maneira sobrecarregado de trabalhos e acabrunhado por preocupações, que quase não há para ele disponibilidades temperamentais para sensações tão diversas das de sua vida quotidiana, como sejam as doces alegrias do fim de ano. Para nós católicos, que consideramos os fatos à luz da fé, as perspectivas do futuro se marcam por dois traços bem nítidos. Em 8 de dezembro último, deram-se no mundo dois fatos de natureza e significação muito diversa. De um lado, o orbe católico dedicava o dia santo ao início do ano mariano, com atos de particular devoção à Virgem Imaculada. De outro lado, a ONU profundamente laica, ignorando a Imaculada Conceição, e fazendo abstração do dia santo, estava em sessão: numa grave e terrível sessão, aliás, pois na assembléia política mais importante da terra, o supremo magistrado da potência mais rica e mais armada discorria sobre o mais grave perigo material a que a humanidade haja sido exposta até nossos dias.

Disse bem o General Eisenhower que "a era atômica se desenvolveu em tal ritmo, que cada cidadão do mundo deverá ter alguma compreensão, ao menos em termos relativos, do alcance desse desenvolvimento, do seu profundo significado para todos nós". Por isto, sobretudo para que o "significado profundo" ressalte aos olhos dos leitores esclarecidos por uma luz que no discurso do Presidente americano - como aliás na generalidade dos documentos diplomáticos de hoje - não brilha, isto é, a luz da Fé, pareceu-nos bem, atrair novamente a atenção dos leitores para algumas informações que o próprio discurso nos dá.

Em termos simples, mas muito graves, disse o General Eisenhower: "Sinto-me obrigado a falar hoje numa linguagem que, em certo sentido, é nova, uma linguagem que eu, que passei tantos anos de minha vida na carreira militar, teria preferido nunca usar. Essa nova linguagem é a da guerra atômica".

E prosseguiu:

"A 16 de julho de 1945, os Estados Unidos realizaram a primeira experiência da explosão atômica.

"Desde esse dia de 1945, os Estados Unidos realizaram quarenta e duas provas de explosões atômicas.

"As bombas atômicas de hoje são mais de vinte e cinco vezes mais poderosas do que as armas anteriores ao amanhecer da era atômica, ao passo que as armas de hidrogênio têm um poderio equivalente ao de milhões de toneladas de "TNT".

"Hoje o arsenal de armas atômicas dos Estados Unidos, que cresce dia a dia, excede de muitas vezes o total dos explosivos das bombas e projéteis que lançaram todos os aviões e todos os canhões empregados em todos os teatros de operações durante todos os anos da segunda guerra mundial.

"Em amplitude e variedade, o desenvolvimento das armas atômicas não foi menos notável. Esse desenvolvimento foi tal que elas tomaram praticamente o lugar das armas convencionais em nossas forças armadas".

As imensas forças armadas de um dos grandes beligerantes de uma eventual guerra estão, pois, a bem dizer, inteiramente dotadas da potência destruidora decorrente da desagregação do átomo.

O mesmo já há algum tempo começou a dar-se com o outro grande eventual beligerante, isto é, a Rússia. Afirma Eisenhower:

"O segredo é também conhecido pela União Soviética.

"A União Soviética informou-nos que nos últimos anos dedicou grandes recursos às armas atômicas. Durante esse período, fez explodir uma série de dispositivos atômicos, inclusive pelo menos um que continha reações termo-nucleares.

"Se em certa época possuíram os Estados Unidos o que se podia chamar de monopólio do poder atômico, esse monopólio deixou de existir há alguns anos".

Como é sabido, também a Inglaterra e a França possuem segredos atômicos. Refere-se sem dúvida a elas o Presidente, quando acrescenta que "os conhecimentos ora possuídos por quatro nações serão eventualmente compartilhados por outras".

Estes são os dados certos. No terreno das probabilidades, quem poderá contestar que a Alemanha e o Japão também possuem a este respeito progressos científicos que ignoramos? A conseqüência é clara. Uma nova guerra mundial será um dilúvio atômico. A perspectiva que assim se abre é terrível: "a probabilidade da destruição da civilização, do aniquilamento do patrimônio insubstituível da humanidade, que nos foi legado de geração em geração, e da condenação do gênero humano a ter que começar novamente a luta ancestral contra a selvageria, pela justiça e pelo direito".

Contra esta perspectiva apocalíptica que o General Eisenhower qualifica em outro tópico de seu discurso, de "câmara de horrores", qualquer proteção é pouco eficaz. Diz Eisenhower sobre o terror de uma represália, considerado como meio psicológico de defesa contra uma agressão atômica: "Mesmo uma superioridade numérica e a conseqüente capacidade para uma represália devastadora, não constituem por si mesmas uma garantia contra os espantosos danos materiais e a perda de vidas humanas que infligiria uma agressão de surpresa".

O radar e outros meios de defesa também não oferecem garantias suficientes: "O mundo livre tratou, naturalmente, de elaborar um grande programa de estabelecimento de sistemas de alarme e de defesas, grande pelo menos numericamente. Esse programa será acelerado e ampliado.

"Contudo, ninguém pense que a aplicação de enormes somas em armas e sistemas de defesa pode garantir uma segurança absoluta para as cidades e os cidadãos de qualquer nação. A horrenda matemática da bomba atômica não permite uma solução tão fácil. Ainda contra a mais poderosa defesa, qualquer agressor em posse de um número mínimo de bombas atômicas para um ataque de surpresa, poderia lançar, provavelmente, um número suficiente de suas bombas nos alvos escolhidos, causando espantosos danos".

A moral está moribunda no campo das relações internacionais. No que diz respeito à Rússia soviética há muito tempo já morreu, ou antes jamais existiu. Ninguém teria, pois, o direito de se surpreender com uma súbita agressão atômica, da parte dos russos: até no calor reconfortante da maior cordialidade diplomática, os soviéticos podem de um momento para outro decidir-se a deflagrar a guerra, começando pelo bombardeio atômico, ou de hidrogênio, de Londres, Paris, Nova York ou S. Francisco. Isto, que é uma terrível possibilidade, se torna uma probabilidade em qualquer das inúmeras tensões a que a política internacional está continuamente sujeita.

No início do século, o mais ousado autor de folhetins não teria podido imaginar nada de pior. A realidade tomou formas, cores, ares de folhetim. Concluamos pois esta parte do comentário - se quisermos ficar no diapasão da realidade - com uma frase folhetinesca: as aras da morte, o espectro da guerra e da catástrofe universal pairam sobre o mundo.

CATOLICISMO publica neste número uma extensa resenha dos acontecimentos do ano findo. Foram muitos, e dignos de nota. Mas todos eles só têm seu pleno significado quando considerados em função desta grande alternativa - paz e guerra - que, já o sabíamos e o discurso de Eisenhower o veio tornar ainda mais visível, se confunde para o mundo com esta outra alternativa: destruição apocalíptica, ou sobrevivência da atual civilização.

Considerando a política interna dos países europeus, nota-se no Ocidente uma tendência nitidamente conservadora, e uma gradual normalização das condições de vida.

Na Itália, cujo povo tem qualidades de recuperação e trabalho excepcionais, tudo parece indicar que o ano de 1953 foi muito fecundo no sentido da normalização. Politicamente, a queda de De Gasperi e a ascensão de Pella representaram um progresso da direita. Na grave crise de Trieste, Pella lucrou muito em prestígio, e a importância internacional da Itália se revelou em franco renascimento.

Se é verdade que o gabinete Laniel conseguiu dar por fim à França em 1953 uma estabilidade que ela esteve longe de ter em 1952 e em boa parte deste ano, a guerra da Indochina continuou a pesar gravemente sobre o país. As agitações no Marrocos, embora resolvidas com êxito por El Glaui, também perturbaram a vida da Metrópole, na qual se nota que a efervescência da África do Norte declinou, porém poderá renascer a qualquer momento. Infelizmente, pois, a recuperação francesa, que é indiscutível, entretanto é muito menor do que poderia ser se a situação nas colônias fosse normal. O ressurgimento espantoso da Alemanha cria para a França uma situação particularmente difícil. O patriotismo francês reage com toda a razão contra a dissolução do exército e do próprio Estado no pot-pourri de povos e de tropas que a C.E.D. tende a ser. A política norte-americana em relação à França se mostra terrivelmente inábil neste sentido. E Churchill agrava com sua conduta os erros americanos. Estas são para a França as perspectivas no Ocidente. No Oriente, apresenta-se-lhe como contrapeso o apoio da Rússia...

De Gaulle retirou-se ostensivamente do terreno da luta partidária. Sua ação contra a C.E.D. parece entretanto ter alcançado repercussão junto ao povo.

Para a Igreja o ano foi difícil na França, em razão do problema dos Padres-operários, e da invasão lamentável do espírito esquerdista em certos meios católicos influentes.

A Alemanha Ocidental viu seu prestigio internacional subir constantemente em 1953. Sua recuperação interna causa assombro. As eleições para o Bundestag foram uma consagração para o chanceler Adenauer. Na Alemanha Oriental, violentas desordens mostraram até que ponto a ocupação comunista é odiada. É difícil saber qual o grau de liberdade real de que goza o marechal von Paulus, e qual a repercussão que sua atuação no cenário político poderá ter na Alemanha. Russos e ocidentais cortejam, cada qual a seu modo, a Alemanha, cuja unificação será, dia mais dia menos, um fato consumado. Operada essa unificação, a Alemanha será, em boa medida, fiel da balança. Para onde penderá? Que surpresas dará ao mundo?

Fiel da balança, visa sê-lo muito nitidamente a Inglaterra. Mas não obstante os esforços que vem fazendo, sua situação interna, como nação e como cabeça do Império levanta obstáculos sérios para tal. É verdade que o gabinete conservador logrou um verdadeiro êxito equilibrando o orçamento. É verdade que a coroação da Rainha foi uma brilhante confirmação de tudo quanto há de grande na Inglaterra e na Commonwealth. Mas no Paquistão, no Sudão, em Suez, na África do Sul, a influência inglesa declina a olhos vistos. Apenas na Pérsia os acontecimentos favoreceram a Inglaterra. Se é verdade que uma tendência acentuadamente direitista se pronuncia, é certo também que o Partido Conservador está com sua unidade abalada, e parece duvidoso que, em caso de dissolução do Parlamento, mantenha o número de cadeiras de que agora dispõe. Ora, um eventual reforço do trabalhismo só pode favorecer a política vergonhosa de renúncias e recuos de Attlee, a que a ascensão de Churchill pôs fim.

A diplomacia espanhola alcançou êxitos reais em 1953. Em primeiro lugar com a assinatura da concordata com a Santa Sé. Depois, com os acordos hispano-norte-americanos que alteraram substancialmente a situação internacional da Espanha. A grande voz do Cardeal Segura ressoou em todo o mundo, como testemunho de admirável fortaleza cristã e espanhola. As relações da Espanha com o mundo árabe não cessam de melhorar.

Portugal, a Suíça, a Bélgica, a Holanda, as monarquias escandinavas, a Turquia, a própria Grécia, parecem ter tido um ano politicamente tranqüilo. Foram sem dúvida os povos mais felizes.

Na Ásia, o armistício da Coréia marcou o ano: armistício não menos carregado de apreensões, que o de 1945 com a queda de Hitler. O Japão se reergue muito silenciosamente. E o noticiário telegráfico não nos dá elementos para saber o que há por detrás deste silêncio. Todos os boatos de cisão entre a China e a Rússia não tiveram confirmação. Colaboram ambas para a bolchevização da Indochina e remotamente da Indonésia. A Índia, cujo prestígio internacional cresce a olhos vistos, é auxiliar incalculavelmente precioso da política soviética. O bloco maometano, que vai do Paquistão ao Marrocos, se afirma sempre mais coeso e influente. Nagib atenuou suas tendências socialistas, mas entretém relações cordiais com a Rússia, e hostiliza com êxito a Inglaterra. Alcançou ele no Sudão uma vitória marcante. A situação persa melhorou para o Ocidente e piorou para a Rússia, mas a estabilidade de Zahedi não inspira confiança. Os mau-mau mantiveram aceso durante todo o ano o fogo da revolta na África.

Quanto à Rússia, a morte de Stalin, a ascensão do triunvirato Malenkov-Molotov-Beria, a "depuração" deste último, os boatos de descontentamento no exército, criaram uma atmosfera de mistério, que continua impenetrável. Só o que se sabe é que a situação russa em caso de invasão dos satélites europeus será má pois as desordens ocorridas na Alemanha e Checoslováquia o provam.

Nos Estados Unidos, a situação interna é confusa. De um lado os democratas parecem estar ganhando popularidade. Mas no extremo oposto cresce a influência de Mc Carthy.

Na América Latina, agitações, revoltas. Na Argentina, modificações na situação interna e externa.

E nosso Brasil? Teríamos demais a dizer. Ficará para uma ocasião que nos pareça oportuna, pois o tema é candente: o próximo número, talvez.

Seria supérfluo lembrar aqui o longo e tedioso "dialogo" Oriente-Ocidente que a resenha da 5ª página rememora. Convém notar simplesmente que ao longo dessa troca de notas a divisão entre franceses, ingleses e norte-americanos não fez senão acentuar-se. Há sérios descontentamentos contra os Estados Unidos na América Latina e no mundo muçulmano, bem como na Coréia do Sul e em Formosa. Em uma palavra, o isolamento dos Estados Unidos cresce sem cessar.

PERSPECTIVA NA QUAL TUDO PARECE PEQUENO

Tudo isto é interessante, é até importante. Mas a que ficará reduzido qualquer destes fatos, ou todos eles em seu conjunto, se algum incidente inopinado exacerbar russos ou americanos e desencadear o dilúvio atômico que nos ameaça? A que ficará reduzido qualquer destes fatos, se os Estados Unidos, cada vez mais isolados no cenário internacional, quer da Inglaterra e da França, quer do bloco maometano, quer de certas nações da América Latina, forem em certo momento julgados alvo maduro de uma investida soviética?

Enfim, o noticiário que acabamos de condensar nos mostra um mundo agitado, confuso, em estado de geral e profunda transformação. De todos os lados saltam centelhas de guerra. A qualquer instante, uma delas poderá provocar o dilúvio da guerra atômica... o que tanto poderá ocorrer daqui a cinco anos ou mais, como poderá já ter sucedido quando esta folha sair a lume.

Contra esta eventualidade, Eisenhower propôs remédios diplomáticos. De que valem eles? Valerão mais, ou valerão menos: isto é discutível. Mas o certo é que por mais que valham, valerão muito pouco, pois são apenas diplomáticos, e o mal é outro.

Não sabemos se Eisenhower conhece as profecias de Fátima. Como protestante que é, se as conhece provavelmente não lhes terá dado importância. É precisamente o que torna mais impressionante a seguinte realidade: o discurso de Eisenhower, tão insuspeito no assunto, prova que as advertências terríveis de Nossa Senhora de Fátima se estão realizando. O mundo até agora não se emendou, e a Rússia está ameaçando difundir por toda a terra seus erros, espalhando guerras e desordens.

SÓ O PAPA APONTOU O VERDADEIRO REMÉDIO

O remédio onde está? Falamos em remédio, não em analgésico para minorar a dor sem lhe eliminar a causa, nem em paliativo que adia a morte, porém não a evita. O remédio só em Fátima pode ser encontrado. É na conversão das idéias e dos costumes, na piedade, na instauração no mundo de uma ordem cristã - o que equivale a dizer católica, pois só o que é católico é plenamente cristão.

E por isto - sorriam os cépticos - só acreditamos numa solução. Foi a que o Santo Padre Pio XII gloriosamente reinante apontou, proclamando 1954 ano marial.

Com efeito, se toda a solução do problema nos há de vir de Nosso Senhor Jesus Cristo, só poderá vir pelas mãos de Maria, a Medianeira Universal. Lançados a um baratro de desordens intelectuais, morais, materiais, carregados de pecados sem conta, como poderemos subtrair-nos à ira de Deus, senão apelando para Sua misericórdia? E como alcançar misericórdia, senão pela prece onipotente daquela que é a mais alta, a mais soberana, a mais larga, a mais delicada, a mais generosa e constante das expressões da misericórdia, daquela que é de algum modo a própria personificação da misericórdia, isto é, a Mãe de Jesus Cristo, nosso Salvador?

Onde todos os esforços humanos parecem estar conduzindo ao fracasso mais estrepitoso, Maria Santíssima pode salvar tudo por um milagre. É este milagre, que no ano de 1954 Lhe devemos pedir.

Seguindo pois jubilosos os desejos do Vigário de Cristo na terra, façamos de 1954 um ano de união filial particularíssima com Nossa Senhora, afim de dela alcançarmos aquilo que é o maior anelo de nossos corações, e a condição para a salvação da sociedade contemporânea: a exaltação da Santa Igreja, a humilhação e confusão de seus adversários.