"Carta Pastoral sobre Problemas

 

do Apostolado Moderno"

 

 

 

 

Catolicismo Nº 31 - Julho de 1953

  Bookmark and Share

Uma faceta psicológica do brasileiro, que mereceria ser mais analisada, e que verdadeiramente nos distingue de outros povos, é nosso profundo interesse por tudo quanto se passa no mundo.

Não seria difícil apontar em nossa literatura colonial, na do Império, e depois no período republicano, as diversas manifestações dessa disposição de espírito. Para não aludir senão a fatos contemporâneos, basta comparar a amplitude do noticiário internacional nos grandes jornais do Rio de Janeiro ou de São Paulo, com a que ocupa nos principais órgãos da imprensa do continente europeu. A desproporção é flagrante. Enquanto qualquer ocorrência de certo alcance político, econômico, social, cultural ou esportivo verificada em qualquer parte do mundo é noticiada imediatamente no Brasil com todos os pormenores, na Europa, pelo contrário, consagra-se apenas uma referência lacônica, e muitas vezes nem isto, a tudo quanto no cenário internacional não for absolutamente básico. Poucas são as cidades européias do tamanho de Campos, cuja população seja servida por tantos diários tão noticiosos quanto os nossos.

A nossa elite intelectual está em contato assíduo com os principais mercados de livros do mundo. Em quase todas as casas não só ricas, mas apenas abastadas, considera-se objeto indispensável o aparelho de radio de ondas curtas, que capta notícias do mundo inteiro. Tudo quanto se passe no Exterior é ouvido, analisado, comentado não só pelos especialistas, mas nos mais variados círculos. A alma do brasileiro se abre avidamente para receber os ventos que sopram de todos os quadrantes do mundo.

* * *

Escudo episcopal de Dom Antonio de Castro Mayer

Isto explica a ressonância profunda dos acontecimentos exteriores, em nossa vida interna. Para não nos atermos senão ao terreno religioso, que é o desta folha, é bem sabido que da Europa recebemos sempre os melhores como também os piores influxos. Uma das páginas mais gloriosas de nossa vida religiosa foi sem dúvida a resistência de Dom Vital ao maçonismo dominante em seu tempo. Infelizmente, esta atitude de intransigência do grande Bispo de Olinda não era então comum no Clero. Ela veio para Dom Vital da formação religiosa esplêndida que lhe deu o Seminário de Saint Sulpice de Paris.

Paralelamente, tivemos no Brasil importantes sintomas de jansenismo, que se manifestaram até em pleno século XIX. O liberalismo católico que grassou na Europa durante tanto tempo, também aqui causou terríveis devastações. Depois da Encíclica "Pascendi", de Pio X, ele declinou tanto na Europa quanto no Brasil. E, por fim, quando, após a primeira guerra mundial, começaram a efervescer entre os católicos novas questões teológicas, filosóficas, sociais, econômicas, a repercussão deste fato entre nós foi imediata.

* * *

Desta efervescência, são testemunho alguns documentos muito sintomáticos, em boa hora publicados por autoridades de realce na Hierarquia Eclesiástica do Brasil, como o famoso edital que o então Vigário Capitular do Rio de Janeiro, hoje Arcebispo Auxiliar, Dom Rosalvo da Costa Rego, publicou a respeito de piedade privada e piedade litúrgica, no qual afirmava que problemas como este já haviam amargurado os últimos dias do inesquecível Cardeal D. Sebastião Leme; e a conhecida Circular dos Exmos. Srs. Arcebispo e Bispos da Província Eclesiástica de São Paulo, sobre a questão litúrgica. Esta efervescência se manifestou também por polêmicas em vários órgãos da imprensa católica. Muito característico de tal situação foi que em 1943 o então Presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica de São Paulo, Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, tivesse publicado todo um livro sobre numerosos pontos controvertidos em matéria de A. C., livro este que deu ocasião aos pronunciamentos mais díspares, sendo de um lado elogiado pelo Emmo. Revmo. Sr. Cardeal Aloisi-Masella, na ocasião Núncio Apostólico, e aprovado por numerosos Srs. Arcebispos e Bispos, e de outro lado vigorosamente atacado por numerosos elementos católicos de realce. E ainda mesmo depois da carta de louvor que, em nome de Sua Santidade, o Exmo. Revmo. Mons. J. B. Montini, então Substituto da Secretaria de Estado, escreveu ao autor, a discussão a propósito do livro não cessou inteiramente.

* * *

Como é natural, todos estes problemas ecoaram também em Campos, a tal ponto que o saudoso Arcebispo-Bispo D. Octaviano Pereira de Albuquerque, que a esse tempo regia a Diocese, escreveu sobre eles uma circular que figurará com honra nos fastos da Igreja do Brasil, e julgou oportuno recomendar a todo o Revmo. Clero a leitura do livro "Em Defesa da Ação Católica", do Dr. Plinio Corrêa de Oliveira.

* * *

Estes problemas, tão debatidos entre nós brasileiros, de fato não tinham nascido entre nós. Eram problemas internacionais. E prova curiosa disto é que quando terminada a Segunda Guerra Mundial, o Santo Padre Pio XII, gloriosamente reinante, julgou oportuno dirigir-se ao mundo inteiro para condenar os erros que serpeiam entre os fiéis, por uma série de luminosos e providenciais documentos - Mystici Corporis, Mediator Dei, Bis Saeculari, Humani Generis - verificou-se que os temas debatidos aqui eram quase todos, os que os pronunciamentos pontifícios vieram elucidando. Ora, quando o Papa fala ao mundo inteiro, sua intenção não é tanto de corrigir os erros existentes ou capazes de se irradiar em um só país, mas erros que ameaçam todos os povos. Eram pois universais os problemas que tão intenso interesse provocavam entre nós. Especificamente para estes erros, enquanto existentes apenas no Brasil, o único documento pontifício que se publicou foi a admirável carta da Sagrada Congregação dos Seminários ao Episcopado Brasileiro.

De outro lado, os trabalhos estampados aqui sobre tais erros tiveram repercussão internacional. Dois documentos sobre a Constituição "Bis Saeculari", feitos com olhos postos apenas no Brasil, o discurso do ilustre Bispo de Jacarezinho D. Geraldo de Proença Sigaud, S.V.D., na concentração mariana de Porto Alegre em 1948, e o discurso pronunciado por nosso eminente Bispo Diocesano D. Antônio de Castro Mayer em 1949, em Piracicaba, foram transcritos por vários órgãos da imprensa estrangeira, por sua oportunidade para outros países. A tal ponto são mundiais os nossos problemas.

* * *

A polêmica entre católicos é um bem? É um mal? Há que distinguir. Um grande mal que a polêmica seja necessária. Pois o ideal é que não haja erros entre os fiéis, e que todos estejam unidos em torno da Cátedra infalível de São Pedro. Mas, uma vez que entre eles circulam erros, é bom que alguém os combata.

Que a polêmica entre fiéis indica uma ordem de coisas anormal, não há dúvida. Que se deve desejar sua cessação, igualmente não há dúvida. Mas para este efeito há dois meios. Alguns desejam pura e simplesmente que cessem as discussões. Outros vão mais fundo, e preferem que cessem os erros contra os quais as discussões são remédios indispensáveis. Uns acham que se deve contemporizar com o erro, até que ele se apague por si mesmo. Outros julgam que é preciso agir com urgência, e até agir preventivamente no campo em que o erro não haja aparecido, para impedir que deite sementes.

O Exmo. Revmo. Sr. D. Antônio de Castro Mayer, com a argúcia e a prudência que lhe é própria, considera indispensável resolver o problema em sua raiz, matando as discussões, as dissensões, as polêmicas em suas causas profundas, que são os erros, e considerando que não basta extirpar o mal onde já apareceu, mas cumpre ainda evitar sua entrada nos lugares onde ainda não tenha feito adeptos. Este ponto de vista valeu-nos, a nós que temos a ventura de ser seus diocesanos, um documento luminoso, providencial, que é a recente "Pastoral sobre problemas do apostolado moderno", que a Boa Imprensa Ltda., desta cidade, apresenta em bem cuidada e elegante edição.

* * *

Esse documento trata com extraordinária precisão e profundeza de vistas todos os problemas que têm ocasionado discussões e polêmicas em nossos dias: liturgicismo, erros sobre A.C., métodos de apostolado, necessidade da vida espiritual, moral nova, racionalismo, evolucionismo, laicismo, relações entre a Igreja e o Estado, o "socialismo cristão".

Compõe-se a Pastoral de três partes distintas: uma substanciosa introdução, em que se ressalta a atualidade e importância dos problemas tratados, um elenco de teses verdadeiras e das proposições erradas ou perigosas que se lhes opõem, e um conjunto de diretrizes práticas para o Revmo. Clero.

Parece-nos que, das três partes, a que mais atrairá a atenção, e será lida com maior proveito, é o elenco ou Catecismo das proposições certas e erradas, e as excelentes e documentadíssimas explanações que as acompanham.

Para bem compreender o Catecismo, é preciso tomar em consideração que o mais das vezes os erros que serpeiam hoje entre os fiéis não se apresentam às claras, sob forma de proposições nítida e inteiramente falsas. Pelo contrário, misturando o bem com o mal, para melhor iludir, contêm velada sob aparências legítimas, e não raro até excelentes, a tese errada. Por isto, a Carta Pastoral ora formula o erro abertamente, em sua oposição frontal à sentença certa; ora apresenta a sentença errada com o que ela pode ter de verdadeiro e belo, e na sentença verdadeira enuncia apenas a tese oposta ao erro. Com este hábil sistema, fica facílimo ao leitor perceber o ponto preciso em que o erro está, ressalvadas e respeitadas, por vezes até explicitamente, as parcelas de verdade em que se encobre. E o artifício do mal se destrói inteiramente.

A forma de catecismo apresenta por sua vez a incontestável vantagem da concisão, pois permite tratar de forma breve assuntos que de outro modo exigiriam explanação interminável.

* * *

Lemos sofregamente a Pastoral, e devemos declarar que nela encontramos as principais qualidades de seu eminente autor: um amor a toda a prova, e um conhecimento profundo da doutrina ensinada pela Santa Sé, uma clarividência marcante, uma lealdade admirável no exprimir seu próprio pensamento, e um zelo apostólico ardente.

Estamos certos de que Campos, que tanto admira as virtudes e a cultura de seu egrégio Prelado, receberá a Pastoral com a submissão, o respeito, a admiração que merece.

Conhecido como é em todo o Brasil por suas qualidades de teólogo e homem de ação o Exmo. Revmo. Sr. D. Antônio de Castro Mayer, estamos persuadidos além disto, de que sua Pastoral despertará interesse em todos os pontos do território nacional.

Notas: A fim de se ter uma breve noção a respeito do relacionamento do então Bispo de Campos com a TFP, leia-se a propósito da sagração episcopal realizada em Ecône (Suíça), em 30 de junho de 1988, pelo Arcebispo Marcel Lefèbvre, a nota que o Serviço de Imprensa da TFP distribuiu, nessa ocasião, aos órgãos de comunicação social. Igualmente, veja-se o comunicado de imprensa da TFP por ocasião do falecimento de Dom Antonio de Castro Mayer, a 25 de abril de 1991. Os negritos são deste site.


ROI campagne pubblicitarie