Na Idade Média, os cruzados
derramaram seu sangue para libertar das mãos dos infiéis
o Sepulcro de N. S. Jesus Cristo, e instituir um Reino
Cristão na Terra Santa.
Hoje, corre de novo o sangue dos
filhos da Igreja, na Hungria, e na Polônia, como na
Checoslováquia e na China. Para que? Para libertar a
Cristandade do jugo do anticristo comunista, e restaurar
no mundo o Reino de Cristo. Mas o que é o Reino de
Cristo, ideal supremo dos católicos, e, pois, meta
constante desta folha?
É o que procuramos definir na
enumeração de princípios, marco luminar de nossa
atividade.
O Reino de Cristo
● A Igreja Católica foi fundada por
N. S. Jesus Cristo para perpetuar entre os homens os
benefícios da Redenção. Sua finalidade se identifica,
pois, com a da própria Redenção: expiar os pecados dos
homens pelos méritos infinitamente preciosos do
Homem-Deus; restituir assim a Deus a glória extrínseca
que o pecado Lhe havia roubado; e abrir aos homens as
portas do Céu. Esta finalidade se realiza toda no plano
sobrenatural, e com ordem à vida eterna. Ela transcende
absolutamente tudo quanto é meramente natural, terreno,
perecível. Foi o que N. S. Jesus Cristo afirmou, quando
disse a Pôncio Pilatos "meu Reino não é deste mundo" (João,
18-36).
● A vida terrena se diferencia,
assim, e profundamente, da vida eterna. Mas estas duas
vidas não constituem dois planos absolutamente isolados
um do outro. Há nos desígnios da Providência uma relação
íntima entre a vida terrena e a vida eterna. A vida
terrena é o caminho, a vida eterna é o fim. O Reino de
Cristo não é deste mundo, mas é neste mundo que está o
caminho pelo qual chegaremos até ele.
● Assim como a Escola Militar é o
caminho para a carreira das armas, ou o noviciado é o
caminho para o definitivo ingresso numa Ordem Religiosa,
assim a terra é o caminho para o Céu.
Temos uma alma imortal, criada à
imagem e semelhança de Deus. Esta alma é criada com um
tesouro de aptidões naturais para o bem, enriquecidas
pelo batismo com o dom inestimável da vida sobrenatural
da graça. Cumpre-nos, durante a vida, desenvolver até a
sua plenitude estas aptidões para o bem.
Com isto, nossa semelhança com Deus,
que era em algum sentido ainda incompleta e meramente
potencial, torna-se plena e atual.
A semelhança é a fonte do amor.
Tornando-nos plenamente semelhantes a Deus, somos
capazes de O amar plenamente, e de atrair sobre nós a
plenitude de Seu amor.
Ficamos, assim, preparados para a
contemplação de Deus face a face, e para aquele eterno
ato de amor, plenamente feliz, para o qual somos
chamados no Céu.
A vida terrena é, pois, um noviciado
em que preparamos nossa alma para seu verdadeiro
destino, que é ver a Deus face a face, e amá-Lo por toda
a eternidade.
● Apresentando a mesma verdade em
outros termos, podemos dizer que Deus é infinitamente
puro, infinitamente justo, infinitamente forte,
infinitamente bom. Para O amarmos, devemos amar a
pureza, a justiça, a fortaleza, a bondade. Se não amamos
a virtude, como podemos amar a Deus que é o Bem por
excelência? De outro lado, sendo Deus o Sumo Bem, como
pode amar o mal? Sendo a semelhança a fonte do amor,
como pode Ele amar a quem é totalmente dessemelhante
dEle, a quem é consciente e voluntariamente injusto,
covarde, impuro, mau?
Deus deve ser adorado e servido
sobretudo em espírito e em verdade (João 4,25). Assim,
cumpre que sejamos puros, justos, fortes, bons, no mais
íntimo de nossa alma. Mas se nossa alma é boa, todas as
nossas ações o devem ser necessariamente, pois que a
árvore boa não pode produzir senão bons frutos
(Mat.7,17-18). Assim, é absolutamente necessário, para
que conquistemos o Céu, não só que em nosso interior
amemos o bem e detestemos o mal, mas que por nossas
ações pratiquemos o bem e evitemos o mal.
● Mas a vida terrena é mais do que o
caminho da eterna bem-aventurança. O que faremos no Céu?
Contemplaremos Deus face a face, à luz da glória, que é
a perfeição da graça, e O amaremos inteiramente e sem
fim. Ora, o homem já goza da vida sobrenatural nesta
terra, pelo Batismo. A Fé é uma semente da visão
beatífica. O amor de Deus, que ele pratica crescendo na
virtude e evitando o mal, já é o próprio amor
sobrenatural com que ele adorará a Deus no Céu.
O Reino de Deus se realiza na sua
plenitude no outro mundo. Mas para todos nós ele começa
a se realizar em estado germinativo já neste mundo. Tal
como em um noviciado, já se pratica a vida religiosa,
embora em estado preparatório; e em uma escola militar
um jovem se prepara para o Exército... vivendo a própria
vida militar.
Sainte Chapelle - Vitrais após restauração
E a Santa Igreja Católica já é neste
mundo uma imagem, e mais do que isto, uma verdadeira
antecipação do Céu.
|
Cristo
ladeado por Anjos Músicos (detalhe)
Hans
Memling |
Por isto, tudo quanto os Santos
Evangelhos nos dizem do Reino dos Céus pode com toda a
propriedade e exatidão ser aplicado à Igreja Católica, à
Fé que ela nos ensina a cada uma das virtudes que ela
nos inculca.
● É este o sentido da festa de
Cristo Rei. Rei Celeste antes de tudo. Mas Rei cujo governo já
se exerce neste mundo. É Rei quem possui de direito a
autoridade suprema e plena. O Rei legisla, dirige e
julga. Sua realeza se torna efetiva quando os súditos
reconhecem seus direitos, e obedecem a suas leis. Ora,
Jesus Cristo possui sobre nós todos os direitos. Ele
promulgou leis, dirige o mundo e julgará os homens.
Cabe-nos tornar efetivo o Reino de Cristo obedecendo a
suas leis.
● Este reinado é um fato individual,
enquanto considerado na obediência que cada alma fiel
presta a N. S. Jesus Cristo. Com efeito, o Reinado de
Cristo se exerce sobre as almas; e, pois, a alma de cada
um de nós é uma parcela do campo de jurisdição de Cristo
Rei. O Reinado de Cristo será um fato social se as
sociedades humanas Lhe prestarem obediência.
Pode-se dizer, pois, que o Reino de
Cristo se torna efetivo na terra, em seu sentido
individual e social, quando os homens no íntimo de sua
alma como em suas ações, e as sociedades em suas
instituições, leis, costumes, manifestações culturais e
artísticas, se conformam com a Lei de Cristo.
● Por mais concreta, brilhante e
tangível que seja a realidade terrena do Reino de Cristo
— no século XIII, por exemplo — é preciso não esquecer
que este Reino não é senão preparação e proêmio. Na sua
plenitude, o Reino de Deus se realizará no Céu: "O
meu Reino não é deste mundo..." (João, 18-36).
Ordem, harmonia, paz,
perfeição
● A ordem, a paz, a harmonia, são
características essenciais de toda a alma bem formada,
de toda a sociedade humana bem constituída. Em certo
sentido, são valores que se confundem com a própria
noção de perfeição.
Todo o ser tem um fim próprio, e uma
natureza adequada à obtenção deste fim. Assim, uma peça
de relógio tem fim próprio, e, por sua forma e
composição, é adequada à realização deste fim.
● A ordem é a disposição das coisas,
segundo sua natureza. Assim, um relógio está em ordem
quando todas as suas peças estão ordenadas segundo a
natureza e o fim que lhes é próprio. Diz-se que há ordem
no universo sideral porque todos os corpos celestes
estão ordenados segundo sua natureza e fim.
● Existe harmonia quando as relações
entre dois seres são conformes à natureza e o fim de
cada qual. A harmonia é o operar das coisas umas em
relação às outras, segundo a ordem.
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"A ordem
engendra a tranqüilidade. A tranqüilidade da
ordem é a paz. Não é qualquer tranqüilidade
que merece ser chamada paz mas apenas a que
resulta da ordem"
Tres
Riches Heures du duc de Berry, Março |
● A ordem engendra a tranqüilidade. A
tranqüilidade da ordem é a paz. Não é qualquer
tranqüilidade que merece ser chamada paz mas apenas a
que resulta da ordem. A paz de consciência é a
tranqüilidade da consciência reta: não pode confundir-se
com o letargo da consciência embotada. O bem estar
orgânico produz uma sensação de paz que não pode ser
confundida com a inércia do estado de coma.
● Quando um ser está inteiramente
disposto segundo sua natureza, está em estado de
perfeição. Assim uma pessoa com grande capacidade de
estudo, grande desejo de estudar, posta em uma
Universidade em que haja todos os meios para fazer os
estudos que deseja, está posta, do ponto de vista dos
estudos, em condições perfeitas.
● Quando as atividades de um ser são
inteiramente conformes à sua natureza, e tendem
inteiramente para seu fim, estas atividades são, de
algum modo, perfeitas. Assim, a trajetória dos astros é
perfeita, porque corresponde inteiramente à natureza e
ao fim de cada qual.
● Quando as condições em que um ser
se encontra são perfeitas, suas operações o são também,
e ele tenderá necessariamente para o seu fim, com o
máximo da constância, do vigor e do acerto. Assim se um
homem está em condições perfeitas para andar, isto é,
sabe, quer e pode andar, andará de modo irrepreensível.
● O verdadeiro conhecimento do que
seja a perfeição do homem e das sociedades depende de
uma noção exata sobre a natureza e fim do homem.
● O acerto, a fecundidade, o
esplendor das ações humanas, quer individuais, quer
sociais, também está na dependência do conhecimento de
nossa natureza e fim.
● Em outros termos, a posse da
verdade religiosa é a condição essencial da ordem, da
harmonia, da paz e da perfeição.
A perfeição cristã
● O Evangelho nos aponta um ideal de
perfeição "sede perfeitos como vosso Pai celeste é
perfeito" (Mat. 5,48). Este conselho que nos foi
dado por N. S. Jesus Cristo, Ele mesmo no-lo ensina a
realizar. Com efeito, Jesus Cristo é a semelhança
absoluta da perfeição do Pai Celeste; o modelo supremo
que todos devemos imitar.
N. S. Jesus Cristo, suas virtudes,
seus ensinamentos, suas ações, são o ideal definido da
perfeição para o qual o homem deve tender.
● As regras desta perfeição se
encontram na Lei de Deus, que N. S. Jesus Cristo "não
veio abolir, mas completar" (Mat. 5,17), nos
preceitos e conselhos evangélicos. E para que o homem
não caísse em erro no interpretar os mandamentos e os
conselhos, N. S. Jesus Cristo instituiu uma Igreja
infalível, que tem o amparo divino para nunca errar em
matéria de Fé e moral. A fidelidade de pensamento e de
ações em relação ao magistério da Igreja é pois o modo
pelo qual todos os homens podem conhecer e praticar o
ideal de perfeição que é N.S. Jesus Cristo.
|
São Luis:
estátua da capela inferior da Sainte Chapelle.
Fundo: capela superior. Coroa de
Espinhos no relicário atual. |
● Foi o que fizeram os Santos, que,
praticando de modo heróico as virtudes que a Igreja
ensina, realizaram a imitação perfeita de N. S. Jesus
Cristo e do Pai Celeste. É tão verdadeiro que os Santos
chegaram à mais alta perfeição moral que os próprios
inimigos da Igreja quando não os cega o furor da
impiedade, o proclamam. De São Luís, Rei de França, por
exemplo, escreveu Voltaire: "Não é possível ao homem
levar mais longe a virtude". O mesmo se poderia
dizer de todos os Santos.
● Deus é o autor de nossa natureza,
e, pois, de todas as aptidões e excelências que nela se
encontram. Em nós, só o que não provém de Deus são os
defeitos, frutos do pecado original ou dos pecados
atuais.
O Decálogo não poderia ser contrário
à natureza que Ele próprio criou em nós: pois, sendo
Deus perfeito, não pode haver contradição em suas obras.
Por isto, o Decálogo nos impõe ações
que a nossa própria razão nos mostra serem conformes com
a natureza, como honrar pai e mãe, e nos proíbe ações
que pela simples razão vemos serem contrárias à ordem
natural, como a mentira.
● Nisto consiste, no plano natural, a
perfeição intrínseca da Lei, e a perfeição pessoal que
adquirimos praticando-a. É que todas as operações
conformes à natureza do agente são boas.
● Em conseqüência do pecado original,
ficou o homem com propensão de praticar ações contrárias
à sua natureza retamente entendida. Assim, ficou sujeito
ao erro no terreno da inteligência, e ao mal no campo da
vontade.
Tal propensão é tão acentuada, que,
sem o auxílio da graça, não seria possível aos homens
conhecer nem praticar, duravelmente e em sua totalidade,
os preceitos da ordem natural. Revelando-os, no alto do
Sinai, instituindo, na Nova Aliança, uma Igreja
destinada a protegê-los contra os sofismas e as
transgressões do homem, e os Sacramentos e outros meios
de piedade destinados a fortalecê-lo com a graça,
remediou esta insuficiência do homem.
A graça é um auxílio sobrenatural,
destinado a robustecer a inteligência e a vontade do
homem para lhe permitir a prática da perfeição. Deus não
recusa a graça a ninguém. A perfeição é, pois, acessível
a todos.
● Pode um infiel conhecer e praticar
a Lei de Deus? Recebe ele a graça de Deus? Cumpre
distinguir. Em princípio, todos os homens que têm
contato com a Igreja Católica recebem graça suficiente
para conhecer que ela é verdadeira, nela ingressar, e
praticar os Mandamentos. Se, pois, alguém se mantém
voluntariamente fora da Igreja, se é infiel porque
recusa a graça da conversão, que é o ponto de partida de
todas as outras graças, fecha para si as portas da
salvação. Mas se alguém não tem meios de conhecer a
Santa Igreja — um pagão, por exemplo, cujo país não
tenha recebido a visita de missionários — tem a graça
suficiente para conhecer, pelo menos os princípios mais
essenciais da Lei de Deus, e os praticar, pois Deus a
ninguém recusa a salvação.
● Cumpre entretanto observar que, se
a fidelidade à Lei exige sacrifícios por vezes heróicos
dos próprios católicos que vivem no seio da Igreja
banhados pela superabundância da graça e de todos os
meios de santificação, muito maior ainda é a dificuldade
que têm em praticá-la os que vivem longe da Igreja, e
fora desta superabundância. É o que explica serem tão
raros — verdadeiramente excepcionais — os gentios que
praticam a Lei.
O ideal cristão da perfeição
social
|
Relógio público na cidade de Rouen,
França |
● Se admitirmos que em determinada
população a generalidade dos indivíduos pratica a Lei de
Deus, que efeito se pode esperar daí para a sociedade?
Isto equivale a perguntar se, em um relógio, cada peça
trabalha segundo sua natureza e seu fim, que efeito se
pode esperar daí para o relógio? Ou, se cada parte de um
todo é perfeita, o que se deve dizer do todo?
● Há sempre algum risco em
exemplificar com coisas mecânicas, em assuntos humanos.
Atenhamo-nos à imagem de uma sociedade em que todos os
membros fossem bons católicos, traçada por Santo
Agostinho: imaginemos "um exército constituído de
soldados como os forma a doutrina de Jesus Cristo,
governadores, maridos, esposos, pais, filhos, mestres,
servos, reis, juízes, contribuintes, cobradores de
impostos como os quer a doutrina cristã! E ousem (os
pagãos) ainda dizer que essa doutrina é oposta aos
interesses do Estado! Pelo contrário, cumpre-lhes
reconhecer sem hesitação que ela é uma grande
salvaguarda para o Estado, quando fielmente observada"
(Epíst. CXXXVIII al. 5 ad Marcellinum, cap. II, n.
15).
E em outra obra o Santo Doutor,
apostrofando a Igreja Católica, exclama: "Conduzes e
instrues as crianças com ternura, os jovens com vigor,
os anciãos com calma, como comporta a idade não só do
corpo mas da alma. Submetes as esposas a seus maridos,
por uma casta e fiel obediência, não para saciar a
paixão, mas para propagar a espécie e constituir a
sociedade doméstica. Conferes autoridade aos maridos
sobre as esposas, não para que abusem da fragilidade do
seu sexo, mas para que sigam as leis de um sincero amor.
Subordinas os filhos aos pais por uma terna autoridade.
Unes não só em sociedade, mas em uma como que
fraternidade os cidadãos aos cidadãos, as nações às
nações, e os homens entre si, pela recordação de seus
primeiros pais. Ensinas aos reis a velar pelos povos, e
prescreves aos povos que obedeçam os reis. Ensinas com
solicitude a quem se deve a honra, a quem o afeto, a
quem o respeito, a quem o temor, a quem o consolo, a
quem a advertência, a quem o encorajamento, a quem a
correção, a quem a reprimenda, a quem o castigo; e fazes
saber de que modo, se nem todas as coisas a todos se
devem, a todos de deve a caridade e a ninguém a
injustiça" (De Moribus Ecclesiae, cap. XXX, n. 63).
● Seria impossível descrever melhor o
ideal de uma sociedade inteiramente cristã. Poderia em
uma sociedade a ordem, a paz, a harmonia, a perfeição
ser levada a limite mais alto? Uma rápida observação nos
baste para completar o assunto. Se hoje em dia todos os
homens praticassem a Lei de Deus, não se resolveriam
rapidamente todos os problemas políticos, econômicos,
sociais, que nos atormentam? E que solução se poderá
esperar para eles enquanto os homens viverem na
inobservância habitual da Lei de Deus?
● A sociedade humana realizou alguma
vez este ideal de perfeição? Sem dúvida. Di-lo o imortal
Leão XIII: operada a Redenção e fundada a Igreja,
"como que despertando de antiga, longa e mortal
letargia, o homem percebeu a luz da verdade, que tinha
procurado e desejado em vão durante tantos séculos;
reconheceu sobretudo que tinha nascido para bens muito
mais altos e muito mais magníficos do que os bens
frágeis e perecíveis que são atingidos pelos sentidos, e
em torno dos quais tinha até então circunscrito seus
pensamentos e suas preocupações. Compreendeu ele que
toda a constituição da vida humana, a lei suprema, o fim
a que tudo se deve sujeitar, é que, vindos de Deus, um
dia devamos retornar a Ele.
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"A
sociedade humana realizou alguma vez este
ideal de perfeição? Sem dúvida. Di-lo o
imortal Leão XIII: operada a Redenção e
fundada a Igreja, "como que despertando de
antiga, longa e mortal letargia, o homem
percebeu a luz da verdade, que tinha
procurado e desejado em vão durante tantos
séculos
Rothenburg
ob der Tauber - Alemanha |
"Desta fonte, sobre este fundamento,
viu-se renascer a consciência da dignidade humana; o
sentimento de que a fraternidade social é necessária fez
então pulsar os corações; em conseqüência, os direitos e
deveres atingiram sua perfeição, ou se fixaram
integralmente, e, ao mesmo tempo, em diversos pontos, se
expandiram virtudes tais, como a filosofia dos antigos
sequer pôde jamais imaginar. Por isto, os desígnios dos
homens, a conduta da vida, os costumes tomaram outro
rumo. E, quando o conhecimento do Redentor se espalhou
ao longe, quando sua virtude penetrou até os veios
íntimos da sociedade, dissipando as trevas e os vícios
da Antigüidade, então se operou aquela transformação
que, na era da Civilização Cristã, mudou inteiramente a
face da terra" (Leão XIII Encíclica "Tametsi futura
prospiscientibus", 1-XI-1900).
A Civilização Cristã – a
cultura cristã
● Foi esta luminosa realidade, feita
de uma ordem e uma perfeição antes sobrenatural e
celeste, do que natural e terrestre, que se chamou a
civilização cristã, produto da cultura cristã, a qual
por sua vez é filha da Igreja Católica.
● Por
cultura do espírito podemos
entender o fato de que determinada alma não se encontra
abandonada ao jogo desordenado e espontâneo das
operações de suas potências — inteligência, vontade,
sensibilidade — mas, pelo contrário, por um esforço
ordenado e conforme à reta razão adquiriu nestas três
potências algum enriquecimento: assim como o campo
cultivado não é aquele que faz frutificar todas as
sementes que o vento nele caoticamente deposita, mas o
que, por efeito do trabalho reto do homem, produz algo
de útil e bom.
● Neste sentido, a cultura católica é
o cultivo da inteligência, da vontade e da sensibilidade
segundo as normas da moral ensinada pela Igreja. Já
vimos que ela se identifica com a própria perfeição da
alma. Se ela existir na generalidade dos membros de uma
sociedade humana (embora em graus e modos acomodados à
condição social e à idade de cada qual), ela será um
fato social e coletivo. E constituirá um elemento — o
mais importante — da própria perfeição social.
● Civilização é o estado de uma
sociedade humana que possui uma cultura, e que criou,
segundo os princípios básicos desta cultura, todo um
conjunto de costumes, de leis, de instituições, de
sistemas literários e artísticos próprios.
|
"Uma civilização será católica,
se (...) o espírito da Igreja, for o próprio
princípio normativo e vital de seus
costumes...."
Toledo (Lagartera)
- Madre - (José Ortiz Echagüe) |
Uma civilização será católica, se for
a resultante fiel de uma cultura católica e se, pois, o
espírito da Igreja, for o próprio princípio normativo e
vital de seus costumes, leis instituições, e sistemas
literários e artísticos.
● Se Jesus Cristo é o verdadeiro
ideal de perfeição de todos os homens, uma sociedade que
aplique todas as Suas leis tem de ser uma sociedade
perfeita, a cultura e a civilização nascidas da Igreja
de Cristo tem de ser forçosamente, não só a melhor
civilização, mas, a única verdadeira. Di-lo o Santo
Pontífice Pio X: "Não há verdadeira civilização sem
civilização moral, e não há verdadeira civilização moral
senão com a Religião verdadeira" (Carta ao
Episcopado Francês, de 28-VIII-1910, sobre "Le Sillon").
De onde decorre com evidência cristalina que não há
verdadeira civilização senão como decorrência e fruto da
verdadeira Religião.
A Igreja e a Civilização
Cristã
● Engana-se singularmente quem
supuser que a ação da Igreja sobre os homens é meramente
individual, e que ela forma pessoas, não povos, nem
culturas, nem civilizações.
● Com efeito, Deus criou o homem
naturalmente sociável, e quis que os homens, em
sociedade, trabalhassem uns pela santificação dos
outros. Por isto, também, criou-nos influenciáveis.
Temos todos, pela própria pressão do instinto de
sociabilidade, a tendência a comunicar em certa medida
nossas idéias aos outros, e, em certa medida, em receber
a influência deles. Isto se pode afirmar nas relações de
indivíduo a indivíduo, e do indivíduo com a sociedade.
Os ambientes, as leis, as instituições em que vivemos
exercem efeito sobre nós, têm sobre nós uma ação
pedagógica.
● Resistir inteiramente a este
ambiente, cuja ação ideológica nos penetra até por
osmose e como que pela pele, é obra de alta e árdua
virtude. E por isto os primitivos cristãos não foram
mais admiráveis enfrentando as feras do Coliseu, do que
mantendo íntegro seu espírito católico embora vivessem
no seio de uma sociedade pagã.
Assim, a cultura e a civilização são
fortíssimos meios para agir sobre as almas. Agir para a
sua ruína, quando a cultura e a civilização são pagãs.
Para a sua edificação e sua salvação, quando são
católicas.
Como, pois, pode a Igreja
desinteressar-se em produzir uma cultura e uma
civilização, contentando-se em agir sobre cada alma a
título meramente individual?
● Aliás, toda a alma sobre a qual a
Igreja age, e que corresponde generosamente a tal ação,
é como que um foco ou uma semente desta civilização, que
ela expande ativa e energicamente em torno de si. A
virtude transparece e contagia. Contagiando, propaga-se.
Agindo e propagando-se tende a transformar-se em cultura
e civilização católica.
● Como vemos, o próprio da Igreja é
de produzir uma cultura e uma civilização cristã. É de
produzir todos os seus frutos numa atmosfera social
plenamente católica. O católico deve aspirar a uma
civilização católica como o homem encarcerado num
subterrâneo deseja o ar livre, e o pássaro aprisionado
anseia por recuperar os espaços infinitos do Céu.
E é esta nossa finalidade, nosso
grande ideal. Caminhamos para a civilização católica que
poderá nascer dos escombros do mundo de hoje, como dos
escombros do mundo romano nasceu a civilização medieval.
Caminhamos para a conquista deste ideal, com a coragem,
a perseverança, a resolução de enfrentar e vencer todos
os obstáculos, com que os Cruzados marcharam para
Jerusalém. Porque, se nossos maiores souberam morrer
para reconquistar o sepulcro de Cristo, como não
queremos nós – filhos da Igreja como eles – lutar e
morrer para restaurar algo que vale infinitamente mais
do que o preciosíssimo Sepulcro do Salvador, isto é, seu
reinado sobre as almas e as sociedades, que Ele criou e
salvou para O amarem eternamente?
Gustave Doré:
o
entusiasmo dos Cruzados ao avistarem Jerusalém pela
primeira vez
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