Plinio Corrêa de Oliveira
Sou Católico: posso ser contra a reforma agrária?
Ed. Vera Cruz - Fevereiro de 1981 |
Ao leitor
O título do presente volume define seu objetivo. Numerosos católicos são contra a Reforma Agrária. Os pronunciamentos episcopais favoráveis a esta última importam para eles na obrigação de renunciar às suas convicções anti-agro-reformistas, e de aceitar de bom grado a reforma que reputam contrária à Moral da Igreja, bem como aos mais graves interesses econômicos do País? A esta questão de consciência – que abrange tão larga e diversificada gama de assuntos – se dá resposta em dois estudos distintos. O primeiro desses estudos, de autoria do prof. Plinio Corrêa de Oliveira, Presidente do Conselho Nacional da TFP, responde: o católico deve ser fiel, acima de tudo, aos ensinamentos tradicionais do Supremo Magistério da Igreja (ou seja, às definições impostas a todos os católicos pelo Supremo Magistério, bem como ao ensinamento uniforme de seu Magistério ordinário e universal no decurso dos séculos). Ora, um exame detido do documento Igreja e problemas da terra, publicado pela CNBB, leva à conclusão que não há consonância entre aqueles ensinamentos e a Reforma Agrária preconizada no documento da CNBB. A mesma observação pode fazer-se em relação às declarações pessoais de vários Srs. Bispos solidários com esse documento, ou que se pronunciaram, em outras ocasiões, numa linha favorável à Reforma Agrária. Em conseqüência, o católico anti-agro-reformista tem não só o direito como o dever de continuar anti-agro-reformista. O segundo estudo, de autoria do economista Carlos Patricio del Campo (chileno há anos radicado no Brasil) põe em evidência outras razões pelas quais o católico anti-agro-reformista pode e deve conservar-se nesta posição. Ele analisa do ponto de vista econômico o documento Igreja e problemas da terra, provando que este último apresenta graves lacunas no panorama da situação econômica da lavoura brasileira e na Reforma Agrária que pleiteia. Assim, ainda que o documento da CNBB não fosse objetável do estrito ponto de vista da Doutrina Católica, seria inaceitável do ângulo econômico, como contraditório com a realidade nacional e incompatível com os interesses do País. Em Apêndice ao primeiro estudo, o presente volume contém a relação dos Bispos que se pronunciaram, em declarações pessoais ou em documentos coletivos, a favor de uma Reforma Agrária infensa ao direito de propriedade.
I – POSSO E DEVO SER CONTRA A REFORMA AGRÁRIA – Considerações doutrinárias O Episcopado do Brasil e a reforma agrária O presente estudo não tem por objeto os problemas do campo, vistos em sua globalidade. Restringe-se à controvérsia agro-reformista que - à maneira do ocorrido entre 1960 e 1964 – se vai generalizando agora pelo País. Nem é sequer toda essa controvérsia que vem aqui estudada. Mas especificamente um aspecto dela: a intervenção do Episcopado nacional em prol da reforma agrária. A ninguém escapa a importância de tal tema na controvérsia agro-reformista. Constitui expressivo sintoma disto a larga divulgação dada por nossos meios de comunicação social aos pronunciamentos episcopais sobre a matéria. A CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – constituída em 1952 com aprovação da Santa Sé, abrange todos os Bispos do Brasil, inclusive os Bispos resignatários residentes no País, os quais só não podem votar nas deliberações de que se origine obrigação jurídica [1].A entidade se tem manifestado sobre a reforma agrária: a) em suas Assembléias Gerais;b) por seu Conselho Permanente, por sua Presidência e pelo seu Secretariado-Geral;c) pelas Comissões Episcopais Regionais, constituídas pelos Bispos das várias regiões em que, no seio da CNBB, se divide o País;d) Pelas Comissões especiais, constituídas também habitualmente por Bispos.Além dos pronunciamentos da CNBB sobre a matéria, há que levar em conta os pronunciamentos, a título pessoal, de numerosos Bispos Diocesanos, feitos em Cartas Pastorais para suas respectivas circunscrições eclesiásticas, em declarações aos meios de comunicação social etc. Os pronunciamentos individuais dos Bispos não engajam a CNBB. Entretanto, quando favoráveis à reforma agrária, constituem valiosas manifestações de apoio de elementos de “base” da CNBB à orientação agro-reformista que o organismo vai tomando. 2 . Aspectos morais e religiosos da reforma agrária Explica-se a importância dos pronunciamentos provindos de todas essas fontes. O problema agrário comporta importantes aspectos morais. Ora, o católico professa que os princípios fundamentais da Moral foram ensinados por Deus nos Dez Mandamentos, os quais, mais tarde, Nosso Senhor Jesus Cristo confirmou e ensinou ainda mais amplamente, como consta dos Evangelhos e da Tradição apostólica. A esses sublimes e eternos princípios está sujeito o procedimento, não só dos indivíduos, como dos Estados. Assim, se normalmente não é lícito a uma pessoa subtrair bens de outra, também é ilícito ao Poder público confiscar, sem mais, haveres de particulares, seja com o fim de tê-los para si, seja para os distribuir a terceiros. A reforma agrária presentemente pleiteada no Brasil consiste, em última análise, em que o Poder público opere uma reforma fundiária. Isto é, que mediante indenização inferior a seu custo real, tire terras pertencentes a uns e as dê a outros. Tal procedimento importa em violação da Moral cristã? É este o mais delicado e espinhoso problema moral suscitado pela ofensiva agro-reformista. Por outro lado, o católico reconhece também que a missão de ensinar autenticamente a Moral cristã compete, na Igreja, à Sagrada Hierarquia, ou seja ao Sumo Pontífice, e aos Bispos em união e comunhão com ele. Em conseqüência, a voz dos Bispos deve ter normalmente uma influência determinante sobre a atitude dos católicos face aos aspectos morais implicados na controvérsia agro-reformista. 3 . Repercussão do ensinamento da Hierarquia eclesiástica no Brasil Vivem no Brasil cerca de 110 milhões de católicos, que constituem 90% de nossa população. Somos hoje o País de maior população católica da terra. Ainda que se levem em conta os efeitos negativos da ignorância religiosa, das contradições e do relaxamento de não poucos católicos face à doutrina da Igreja, é patente que a influência da Hierarquia pode ser decisiva para que a opinião pública aceite ou repudie a reforma agrária. Nesta perspectiva, a análise dos pronunciamentos do Episcopado sobre a matéria apresenta interesse capital para quem queira conhecer os rumos para os quais vai sendo encaminhado o País neste assunto de transcendente importância. 4 . Como ver cristãmente a reforma agrária? A Reforma Agrária [2], segundo o conteúdo o mais das vezes atribuído à expressão, comporta a divisão compulsória das grandes e médias propriedades em fragmentos dados pelo Estado a trabalhadores manuais. – Constitui essa divisão, e conseqüente redistribuição, ato cristão de justiça, pelo qual se reconhece ao trabalhador manual o direito à totalidade do produto da terra que ele trabalha com suas próprias mãos? Neste caso, tal redistribuição conduz os brasileiros à concórdia fraterna de uma sociedade sem classes?Se assim afirma a Hierarquia, a indignação reivindicatória dos agro-reformistas, amparada na autoridade moral da Igreja, poderá estender-se em breve a toda a massa dos trabalhadores rurais, ou quase tanto. É de se admitir que até mesmo numerosos proprietários sentirão, em tal caso, bruxulear em suas consciências a convicção de que, lutando contra a Reforma Agrária, defendem, além de seus interesses, também os seus direitos. Eles passarão a se perguntar, então, se não são apenas defensores de seus egoísmos: o que forçosamente lhes abalará, com a força da convicção, a energia da resistência. Em uma palavra, o Brasil fica exposto, desta maneira, ao gravíssimo risco de uma luta de classes candente – bem exatamente como a quer o comunismo – seguida, dia mais dia menos, pela capitulação dos proprietários. Pelo contrário, - se, segundo o ensinamento da Igreja, a partilha compulsória e a redistribuição da terra devem ser tidas como medidas anticristãs e injustas, e o direito de propriedade deve ser reconhecido como inviolável;- se a paz social não deve ser esperada da igualdade absoluta de uma sociedade sem classes, mas da cooperação fraternalmente cristã de classes social e economicamente escalonadas em uma hierarquia proporcionada e harmônica;- e o produto da terra não pertence só ao trabalhador, mas tem direito a parte dele o proprietário, nesse caso, o quadro muda, e o surto agro-reformista poderá ficar tolhido em seu próprio nascedouro.O Brasil caminhará então numa atmosfera de concórdia social, não para a destruição da presente ordem de coisas, mas para a conservação e o aprimoramento dela. No plano especificamente doutrinário, essa é a problemática que constitui o elemento de maior importância na controvérsia agro-reformista. Bem se vê quanta atualidade apresenta, portanto, o tema do presente estudo. 5 . Aspectos sociais da controvérsia agro-reformista Essas elevadas questões morais não abrangem – mesmo do ponto de vista meramente religioso – todos os aspectos da questão agrária. Foram considerados até aqui apenas os direitos do indivíduo, seja ele proprietário ou trabalhador. Cumpre atender também aos da sociedade. Todos os direitos individuais têm uma função social. É em virtude desse princípio, por exemplo, que até o direito à vida pode ser condicionado pelo bem comum. É o que torna legítima a convocação da população às armas, em caso de agressão estrangeira. Assim, os direitos do proprietário – como aliás também os do trabalhador – são condicionados ao bem comum. Importa pois perguntar se, no atual regime sócio-econômico, a agricultura concorre, na medida do necessário, para a prosperidade global da economia do País. O setor populacional constituído de trabalhadores rurais – visto como magna pars da comunidade nacional – tem meios para assegurar para si e para os seus, com operosidade e poupança, uma existência digna, saudável, dotada de reais possibilidades de ascensão? Respondida pela negativa qualquer das duas perguntas, a Doutrina Católica preceitua, se não a partilha compulsória e geral das terras, certamente as reformas e as divisões necessárias – feitas mediante as indenizações possíveis – para que os princípios da justiça cristã e o interesse social assim transgredidos sejam pronta e plenamente restaurados [3].Portanto, ainda neste plano - que já não é todo doutrinário como o anterior, e no qual se considera uma situação concreta para ajustá-la aos princípios da justiça e às exigências do bem comum – importa conhecer a opinião contida nos documentos de nosso Episcopado. Pronuncia-se ele segundo a doutrina social ensinada nos documentos tradicionais dos Papas? Baseia-se ele na realidade concreta dos fatos? É imparcial na apreciação doutrinária dessa realidade? A resposta a todas essas perguntas deve interessar aos brasileiros patrioticamente atentos ao curso que vai tomando entre nós a controvérsia agrária. E muito especialmente aos que, sendo católicos, ao mesmo tempo são parte na controvérsia, quer como proprietários, quer como trabalhadores. É para dar uma resposta a essas perguntas que o presente estudo foi pensado e escrito. 6 . Sem o apoio do Episcopado a Reforma Agrária seria inviável A índole e as tradições do povo brasileiro são de tal maneira infensas à Reforma Agrária, que a aplicação desta jamais contará com o aplauso e a colaboração animosa do País sem um apelo às consciências por parte do Episcopado. Com efeito, além da CNBB, quais são, no Brasil, as forças ou correntes de opinião favoráveis à Reforma Agrária? Bem entendido, em primeiro lugar o Partido Comunista Brasileiro, o qual, desde suas primeiras manifestações nos anos 20, a reivindicou. Esse partido é o verdadeiro pioneiro da Reforma Agrária no Brasil [4].Mas que contingentes populacionais leva atrás de si o PCB? Largamente presente em algumas redações de jornais, em estúdios de rádio e televisão, bem como no mundo do teatro, contando com intelectuais cujos livros têm mais propaganda que efetiva circulação, dispondo de minorias ruidosas mas irremediavelmente pouco numerosas em algumas universidades, aboletado aqui ou acolá em direções sindicais, ele constitui um quociente eleitoral muito minoritário [5].A Reforma Agrária conta também com adeptos entre socialistas de salão ou de porta de livraria, ouvidos ou lidos principalmente por pequenos setores que praticam o esnobismo intelectual ou social. Mais uma vez, quão pouco representa isto no plano eleitoral! Compare-se esse punhado de corpúsculos com a caudal de eleitores influenciáveis pela Hierarquia eclesiástica, e será fácil compreender que, se a Reforma Agrária tem possibilidades de alcançar adesão de grande parte do povo brasileiro, deve-o essencialmente à ponderável corrente agro-reformista no Episcopado nacional. * * * Cumpre acrescentar que não é esta a primeira vez que a CNBB e prestigiosas figuras do Episcopado intentam implantar no Brasil a Reforma Agrária. Já em 1950, D. Inocêncio Engelke, Bispo de Campanha (MG), publicava sua Carta Pastoral em que vaticinava: “Conosco, sem nós ou contra nós se fará a Reforma Rural”. A esse documento pioneiro se seguiu uma longa atuação de trinta anos por parte de prestigiosas figuras do Episcopado nacional e, pouco depois de constituída, também da própria CNBB. Essa atuação se orientou, em geral, no sentido da implantação, no País, de uma Reforma Agrária sempre mais socialista e confiscatória [6].Em 1960, a medida parecia a muitos ter-se tornado inevitável, quando veio a lume o livro Reforma Agrária – Questão de Consciência, de D. ANTÔNIO DE CASTRO MAYER, BISPO DE CAMPOS, D. GERALDO DE PRONENÇA SIGAUD, BISPO DE JACAREZINHO, PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA E LUIZ MENDONÇA DE FREITAS (Editora Vera Cruz, São Paulo, 516 pp.) [7].Travou-se então, dentro dos próprios arraiais católicos, acesa luta entre agro-reformistas e anti-agro-reformistas. Um elenco cronológico anexo ao presente estudo rememora os principais lances dessa luta. Foi no decurso de tal luta que emergiu no cenário nacional, levantando alto o estandarte do anti-agro-reformismo, a SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE – TFP – hoje conhecida no País inteiro [8].Essa entidade falharia a sua missão e fugiria a seu dever se, na atual emergência, não entrasse na liça empunhando mais uma vez o pendão que em lutas anteriores tanto se assinalou. A que título intervém no assunto o autor? Faz ele parte do laicato católico. Pertence à Igreja discente. Dir-se-ia, portanto, que lhe cabe, diante da matéria, uma atitude meramente passiva. Ou seja, aquiescer, sem direito a qualquer desacordo, aos ensinamentos e às atitudes do Episcopado. Com efeito, SÃO PIO X ensina que “a Igreja é o Corpo Místico de Cristo, Corpo dirigido por Pastores e Doutores – sociedade, portanto, de homens, na qual alguns presidem aos outros com pleno e perfeito poder de governar, ensinar e julgar. É, pois, esta sociedade, por sua natureza, desigual; isto é, compreende uma dupla ordem: os Pastores e a grei, ou seja, aqueles que estão colocados nos vários graus da Hierarquia, e a multidão dos fiéis. E estas duas ordens são de tal maneira distintas, que só na Hierarquia reside o direito e a autoridade de orientar e dirigir os associados ao fim da sociedade, ao passo que o dever da multidão é deixar-se governar e seguir com obediência a direção dos que regem” (Encíclica Vehementer de 11 de fevereiro de 1906, Actes de Pie X, Bonne Presse, Paris, tomo II, pp. 132-134). Na realidade, entretanto, dessas sábias palavras de nenhum modo se conclui a legitimidade da atitude passiva que alguns poderiam conceber como a única cabível para o leigo católico. Segundo a doutrina da Igreja, normalmente toca a cada fiel acatar com confiança os pronunciamentos do Episcopado. Porém quando, quer por algo de estranho na matéria, quer no modo de a expor, encontra o fiel prudente motivo para recear algum lapso em documento episcopal, cabe-lhe o direito e até o dever de conferir os documentos do ensino autorizado e legítimo dos Pastores locais, com o ensino supremo do Pastor universal. Católico militante que é desde os bancos universitários, o autor tem consagrado larga parte de seu tempo ao estudo da doutrina social ensinada nos documentos pontifícios. Analisando acuradamente o documento Igreja e problemas da terra, aprovado pela 18ª Assembléia Geral da CNBB, que se reuniu em Itaici de 5 a 14 de fevereiro de 1980, como também os numerosos pronunciamentos episcopais sobre o problema fundiário no Brasil, o autor se perguntou se toda essa massa de documentos está em conformidade com os ensinamentos emanados de Roma. Pergunta legítima, pois, como se viu, a autoridade magisterial suprema pertence ao sucessor de Pedro. E ela se exerce diretamente sobre cada fiel. Ora, procedendo a tal confrontação, chegou o autor a conseqüências preocupantes: antes de tudo, em vários de seus tópicos, o documento Igreja e problemas da terra favorece conclusões agro-reformistas que não encontram fundamento nos ensinamentos tradicionais do Magistério supremo [9]; b) ademais, o autor verificou discrepâncias da posição agro-reformista da CNBB e de numerosos Bispos brasileiros com relação aos ensinamentos dos documentos pontifícios;c) por fim, na apreciação das situações de fato, o documento se contenta com afirmações genéricas, apoiadas por vezes em documentação escassa, e o mais das vezes destituídas de documentação [10].Importa, aliás, observar, de passagem, que o documento não obteve aprovação unânime dos Prelados reunidos em Itaici. O documento recebeu 172 votos favoráveis e quatro contrários, tendo havido ainda quatro votos em branco [11]. Além disso, D. Antônio de Castro Mayer, que não esteve presente à votação, fez em plenário um pronunciamento contrário ao documento. Por outro lado, observa-se que, sendo então cerca de 330 os Prelados com direito a voz e voto no seio da CNBB, há uma considerável parcela de Bispos cuja posição em relação ao documento não se conhece [12].Cabe, por fim, ponderar que, tendo em vista o volume e a densidade do temário sobre o qual fora chamada a pronunciar-se a venerável Assembléia, o tempo era escasso. Essa circunstância pedia um sistema de estudo e de debate especialmente ágil, de maneira a proporcionar a cada Bispo meio de elaborar e expor com toda a profundidade a respectiva opinião. Segundo alguns Srs. Bispos, o processo adotado não preencheu cabalmente esse requisito. Em conseqüência, o autor se sente no direito, enquanto católico, de combater a Reforma Agrária proposta no documento Igreja e problemas da terra. Um direito que ele tem na conta de verdadeiro dever. Esse dever, ele o cumpre com tranqüilidade de consciência, ao apresentar ao público o presente livro, pois está seguro de agir, desse modo, segundo os ensinamentos e as praxes tradicionais da Santa Igreja. De outro lado, como as conclusões a que chegou podem interessar, a justo título, a incontáveis outros católicos cada vez mais desconcertados com o papel de máxima responsabilidade que a CNBB e também, a título pessoal, tantos Bispos, vão assumindo na luta em favor da Reforma Agrária, o autor está persuadido de agir conforme os interesses do País e da civilização cristã, dando divulgação ao presente estudo. Como Presidente do Conselho Nacional da SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE, cumpre o autor a grata, mas também imperiosa obrigação de assim proceder. Pois um dos valores que a entidade tem por fim defender e incrementar é o princípio da propriedade privada. Assim, diante do recrudescimento da ofensiva agro-reformista, a TFP não se manteria à altura de sua missão se se recolhesse a um cômodo silêncio. Bem pelo contrário, ela desmereceria das gloriosas tradições que tiveram origem no decurso da luta iniciada com a elaboração, e depois a difusão, por todo o território nacional, do best-seller Reforma Agrária - Questão de Consciência, no período 1960-1964. A TFP participou com galhardia na ampla polêmica que a obra então ocasionou [13].Assim, com a aprovação do Conselho Nacional da TFP, o presente estudo tem o caráter de publicação oficial da entidade. 8 . “Sou católico: posso ser contra a Reforma Agrária?”, “RA-QC” e “Declaração do Morro Alto” Diversas matérias tratadas no presente estudo comportariam citação de numerosos documentos do Magistério tradicional dos Papas, bem como explanações doutrinárias extensas. Pareceu entretanto preferível não inserir nele todos esses vários elementos, que sem dúvida o enriqueceriam, mas, de outro lado, lhe dariam um volume incompatível com a habitual carência de tempo do público. Assim as explanações doutrinárias se cingiram ao mínimo necessário, seguidas também de um número pequeno de textos pontifícios, o suficiente para indicar a linha geral da doutrina tradicional da Igreja sobre o assunto. O leitor desejoso de aprofundar a matéria poderá encontrar maior número de textos pontifícios, e ainda outros esclarecimentos nos livros Reforma Agrária – Questão de Consciência e Declaração do Morro Alto [14], os quais formam assim com Sou católico: posso ser contra a Reforma Agrária? uma tríade que contém o essencial do pensamento da TFP sobre o assunto.9 . Conteúdo do presente estudo O presente estudo contém, pois, uma análise, de caráter doutrinário, do documento Igreja e problemas da terra em função dos ensinamentos tradicionais do Supremo Magistério eclesiástico. Em Apêndice, é publicada a relação dos Bispos brasileiros favoráveis à Reforma Agrária, com a indicação dos documentos em que eles se pronunciam nesse sentido. Acompanham a relação mapas das Regionais da CNBB nos quais vêm assinaladas as Dioceses cujos Bispos se pronunciaram em Itaici, ou em outros ensejos, favoráveis à Reforma Agrária. O leitor fica assim em condições de medir a intensidade e a amplitude do impulso dado ao agro-reformismo por um setor numeroso e altamente colocado do Episcopado nacional. O que torna clara a assertiva de que esse setor constitui por excelência, entre as demais correntes agro-reformistas (comunistas, socialistas e outros), a força capaz de levar o agro-reformismo à vitória em nosso País [15].O documento Igreja e problemas da terra esboça uma argumentação em favor da Reforma Agrária. Por isto foi possível fazer dele um comentário articulado. Os demais pronunciamentos são, a um tempo, tão categóricos e tão sucintos – ter-se-ia antes vontade de dizer, esquivos – que não comportam argumentação. Circunstância que confere à sua relação apresentada em Apêndice, um interesse meramente documentário. Mas muito importante enquanto tal, pois põe de relevo o empenho, por assim dizer torrencial, de uma ponderável parcela do Episcopado, em implantar uma Reforma Agrária no Brasil. * * *
[1] Cfr. Estatutos da CNBB, arts. 2º e 10º. [2] No livro Reforma Agrária – Questão de Consciência lê-se o seguinte Aviso preliminar: “Reforma Agrária” e reforma agrária. – De pouco tempo a esta parte, vem sendo cada vez mais freqüente entre nós, não só em discursos e conferências, como em entrevistas, artigos, livros, relatórios oficiais e projetos de lei, a expressão reforma agrária. Não é difícil, entretanto, notar que esta designação genérica tem servido de rótulo a sugestões ou projetos muito diversos em seus objetivos e no espírito que os anima. Assim, pode-se falar de uma reforma agrária sadia, que constitua autêntico progresso, em harmonia com nossa tradição cristã. Mas também se pode falar de uma reforma agrária revolucionária, esquerdista e malsã, posta em desacordo com esta tradição. Este último tipo de reforma agrária importa em golpear a fundo ou até em eliminar a propriedade privada. Por isto mesmo ele deve ser tido como hostil também à família. Com efeito, como veremos, propriedade e família são instituições correlatas e fundadas nos mesmos princípios. Para evitar possíveis confusões, fica declarado que neste livro a reforma agrária revolucionária, esquerdista e malsã é sempre mencionada com iniciais maiúsculas e entre aspas: “Reforma Agrária”. As críticas feitas à “Reforma Agrária” não se referem, pois, de modo algum, a medidas que promovam um autêntico progresso da vida do campo ou da produção agropecuária; seria essa uma reforma agrária sadia” (op. cit., Editora Vera Cruz, São Paulo, 4ª ed., 1962, p. XIX). Convenção análoga será adotada neste livro. Apenas, para maior comodidade, a reforma agrária infensa ao direito de propriedade será designada com iniciais maiúsculas, sem aspas: Reforma Agrária. [3] Sempre que, bem entendido, a insuficiência da contribuição rural decorra de causas estruturais, e não de fatores extrínsecos à agricultura (cfr. Título II, Posso e devo ser contra a Reforma Agrária – Considerações econômicas, Cap. II, 2). [4] No documento Sobre a situação política atual, o autodenominado órgão “Coletivo de Dirigentes Comunistas”, que assumiu a direção do PCB após a demissão de Luís Carlos Prestes da secretaria-geral do Partido em maio de 1980, assim se exprime: “Ao longo de quase 60 anos de participação organizada na vida política brasileira, os comunistas têm lutado pela paz, contra o imperialismo, os monopólios e o latifúndio, pela democracia e pelo socialismo. Nessa trajetória, batendo-nos pelos interesses imediatos e futuros da classe operária, dos explorados e oprimidos, muito cedo ainda compreendemos o caminho nacional e democrático da revolução brasileira: a conquista de um poder revolucionário que conduza à liquidação da dominação imperialista, monopolista e latifundiária é uma etapa integrante e necessária da vitória do socialismo em nossa terra” (“Voz da Unidade”, no. 8, de 22 a 28 de maio de 1980, p. 9). E conclui: “O Coletivo de Dirigentes chama todos os comunistas a se empenharem com vigor e entusiasmo na realização das tarefas políticas acima expostas, nas lutas das massas por suas reivindicações econômicas e sociais, entre as quais se inclui uma reforma agrária democrática, no combate ao domínio econômico e político do país pelos monopólios estrangeiros e pela oligarquia financeira interna e na defesa da paz” (ibidem, p. 11). [5] Se o Partido Comunista Brasileiro (PCB) é pequeno, menor ainda é a fração dissidente desse partido, que se intitula Partido Comunista do Brasil (PC do B). Numericamente insignificante, o PC do B é, aliás, de uma autenticidade política duvidosa. Pois é impossível descartar a hipótese de que, solidário no fundo com o PCB, ele constitua mera “montagem” publicitária que proporcione a Moscou um duplo jogo político; ou seja, ideológico e mais ou menos legal no tocante ao PCB, violento e subversivo no que toca ao PC do B. Assim, é por mera simplificação de linguagem e para inteira fluidez da exposição que, neste livro, se fala do PCB como representando a globalidade do contingente comunista no Brasil. [6] No volume Pastoral da Terra (coleção Estudos da CNBB, no. 11, Paulinas, São Paulo, 1976), publicado sob a égide da Comissão Episcopal de Pastoral da CNBB, encontra-se (pp. 41-42) a seguinte “Cronologia dos principais documentos” emanados de Bispos ou organismos da CNBB sobre o problema agrário:
[7] D. Geraldo de Proença Sigaud, Bispo de Jacarezinho, foi elevado a Arcebispo de Diamantina em 31 de dezembro de 1960. A partir de 1969, o Prelado assumiu posição que contrastava de modo formal com a linha de pensamento de RA-QC, distanciando-se na matéria dos demais autores do livro. Quanto ao economista Luiz Mendonça de Freitas, apesar de não ser mais sócio da TFP, em recente comunicação ao autor informou que continua inteiramente solidário com as teses do livro. [8] Cfr. Documentação I – Em grave risco o instituto da propriedade rural: os livros RA-QC e Declaração do Morro Alto – A TFP intervém na controvérsia agro-reformista, no Brasil, nos anos 60. Cfr. também Meio século de epopéia anticomunista, Editora Vera Cruz, São Paulo, 1980, pp. 68 a 123. [9] Ou seja, as definições impostas a todos os católicos pelo Supremo Magistério, bem como o ensinamento uniforme de seu Magistério ordinário e universal no decurso dos séculos (cfr. HENRICUS DENZINGER, Enchiridion Symbolorum, Herder, Friburgi Brisgoviae, Editio 21-23, 1937, nos. 1683 e 1792). [10] Sobre estes e outros aspectos econômicos do recente documento da CNBB, cabem numerosas e graves objeções (cfr. neste mesmo volume, Título II, CARLOS PATRICIO DEL CAMPO, Posso e devo ser contra a Reforma Agrária – Considerações econômicas). [11] Nas deliberações da CNBB que acarretem conseqüências jurídicas, é necessária a aprovação de dois terços dos membros por direito comum, isto é, todos menos os resignatários (cfr. Estatutos da CNBB, art. 10, “a”). Seria de esperar que, num documento como este, o qual, embora não tenha conseqüências jurídicas, estava destinado a alcançar grande repercussão nacional, o número de votos favoráveis atingisse pelo menos esses dois terços, o que não aconteceu. [12] Cumpre notar que não foi objeto de votação, na reunião de Itaici, a questão de saber se a CNBB deseja em tese uma Reforma Agrária, mas se ela aprovava o documento Igreja e problemas da terra. Ou seja, o tipo de Reforma Agrária nele proposto, bem como a argumentação com que fundamentá-lo. O resultado da votação permite afirmar que cinco Bispos não aprovaram o documento. Se por serem contrários a qualquer Reforma Agrária in genere, ou por serem contrários in concreto à Reforma Agrária proposta em Itaici, ou simplesmente por serem contrários ao sentido marxistóide da argumentação, é pergunta para a qual o simples fato da votação contrária não proporciona resposta. [13] Cfr. Documentação I, em anexo ao Título I. [14] A Editora Vera Cruz possui em depósito certo número de exemplares de uma e outra obra, e está habilitada a vendê-las aos interessados (Rua Dr. Martinico Prado 246, CEP 01224, São Paulo). [15] E não só ao agro-reformismo, como à reforma urbana, segundo a promessa – ou antes, a ameaça – enunciada pelo documento (no. 4). Feitas essas duas reformas fundiárias – agrária e urbana – restará tão-só a reforma empresarial (participação obrigatória dos trabalhadores manuais na propriedade, na gestão e nos lucros da empresa) para que o Brasil tenha coletivizado todos os seus meios de produção, conforme as taxativas exigências do PCB. A posição reformista do documento da CNBB em matéria rural e urbana impõe o receio de que o mesmo grande setor episcopal, efetuadas essas duas reformas, assuma a propulsão de mais esta terceira, que delas é mero correlato. |