"Diário de las Américas", Miami, 27 de novembro de 1975
O sorriso que fendeu a muralha
Pela segunda vez neste século, a Espanha se encontra numa encruzilhada. E desta vez as condições em que a gloriosa nação é chamada a optar são considerávelmente mais trágicas.
A afirmação pode chocar. Durante a Guerra Civil, o vento de todas as tragédias soprou implacávelmente sobre o território hispânico. E não foi senão à custa de sacrifícios incalculáveis, que a Espanha sadia e majoritária conseguiu impor-se à outra parte da população gangrenada pelo comunismo. Agora, pelo contrário, sobe tranquilamente ao trono um jovem Rei, sob cujo sorriso a nação parece iluminar-se. É bem verdade que há agitações no país. – Mas o que são elas em confronto com as convulsões da Guerra Civil?
Entretanto, para um observador ponderado, é bem certo que a atual conjuntura espanhola é mais trágica. E isto porque o trágico de uma opção consiste muito menos no vulto dos sacrifícios que possam ser necessários para se optar pelo bem; o mais trágico consiste na indecisão quanto à escolha do caminho verdadeiro.
De 1936 a 1939, a grande maioria dos espanhóis não hesitava. Através da luta heróica, pagava o tributo necessário para seguir o rumo que ela reconhecia como indubitavelmente verdadeiro. E a Espanha de 1975 hesita...
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Não queremos com isso dizer que a maioria dos espanhóis esteja indecisa sobre se deve, ou não, seguir os rumos apontados pelo comunismo. Ela rejeita claramente esse rumo. Mas a indecisão é outra.
Até o fim da II Guerra Mundial, o comunismo ostentava brutalmente sua mentalidade agressiva e obstinada. Sua escalada ao poder se definia sempre como uma luta. E sua vitória importava invariavelmente em uma hecatombe para os vencidos.
Aos poucos, esta atitude foi mudando. De aggiornamento em aggiornamento, de détente em détente, o mundo foi acreditando cada vez mais em um neocomunismo sorridente, afável, quase se diria liberal. E esse new-look comunista foi induzindo um número cada vez maior de pessoas não-comunistas a adotar perante o adversário uma tática também risonha. As ilusões americanas sobre o acerto de uma distensão com Cuba, alimentadas pela esperança de um acordo com um Fidel Castro adoçado, bem demonstram em que rumo a política do sorriso pode arrastar não-comunistas declarados. Na França, jamais o PC teria alcançado tão importante votação se não tivesse obtido, por razões circunstanciais, a adesão de não-comunistas iludidos. Na Itália, os progressos do comunismo se devem muito menos à expansão do PC do que às facilidades que os candidatos comunistas, habilíssimos na propaganda, encontraram em eleitores não-comunistas. Para não argumentar mais, lembremos o caso de Portugal. Esse nobre país não teria rolado pelo despenhadeiro se não fosse a ilusão dos centristas de que, aliados aos socialistas e aos comunistas, poderiam resolver os problemas lusos.
Ora, a Espanha centrista está dividida. Parte dela crê na eficácia das táticas conciliatórias, e até da colaboração com o comunismo. Há mais. Essas ilusões sobre o procedimento a assumir face ao comunismo penetraram até nos círculos outrora mais acentuadamente direitistas. O carlismo está dividido, e o príncipe Sixto de Borbón Parma lançou público protesto contra a política pró-esquerdista de seu irmão príncipe Hugo Carlos, pretendente carlista ao trono da Espanha.
Ninguém veja nessa profunda dissensão entre espanhóis não-comunistas um mero problema de tática. – Na realidade, existe uma questão de tática. Mas esta é meramente subsidiária do grande problema de fundo: o que é o comunismo em 1975? O mesmo urso das estepes, faminto, implacável, de há quarenta anos atrás? Ou um urso domesticado, que se pode fazer dançar à vontade dando-lhe um pouco de açúcar e tocando-lhe um pouco de música... ou seja, cativando-o pelas doçuras e pelas harmonias da distensão?
Diante desta pergunta, os não-comunistas se dividem por toda parte. São como uma muralha fendida.
E tanto mais grave é esta fissura, quanto para ela concorre a trágica polêmica na Igreja. Uns querem manter a política anticomunista seguida por todos os Papas até Pio XII. E outros optam pela Ostpolitik vaticana, inaugurada por João XXIII e levada por Paulo VI ao extremo que nossos olhos fitam estarrecidos.
Na Espanha, dois dos setores outrora mais dinâmicos durante o Alzamiento – católicos e requetés carlistas – hoje estão enfraquecidos pela divisão. Os católicos, em razão de um Pontífice détentista; e os carlistas por um pretendente do mesmo jaez.
A muralha se fendeu ... – Sim, e daí?
Não disponho de espaço para responder à pergunta: para onde caminhará a Espanha? Mas, pelo menos, posso dizer por onde tentará avançar a Rússia. Obviamente, pela brecha que seu sorriso abriu na muralha do adversário. Sorrindo, o Cremlin conseguiu vantagens maiores do que alcançara com as violências mais desabridas.
E já que isto é assim, quem pode duvidar da sinceridade de sorriso taticamente tão bem sucedido?
Por detrás da máscara risonha, a Rússia não mudou. – Terá mudado a Espanha?
Esta se encontra, no momento, sob a pressão da maior tentação de sua História. Um Papa, um pretendente carlista aconselham a abraçar o urso que vem em direção dela, risonho, e de garras encolhidas. O jovem rei concede anistia a alguns maus espanhóis, agentes da Rússia.
Rezemos pela Espanha, nesta grave encruzilhada, ou melhor, nesta suprema tentação.
Nossa Senhora do Pilar poderá atender nossas orações, e as de tantos espanhóis cautos, e cheios de fé vigorosa.