Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Um modelo de atividade

 

 

 

A Cruz, Rio de Janeiro, 19 de maio de 1935, pags. 4 e 6

  Bookmark and Share

É um dos grandes erros de mossa época só atribuir eficiência aos esforços desenvolvidos com grande publicidade, de resultados imediatos e fácil verificação.

Não vem ao caso examinar os motivos desta péssima tendência do espírito moderno. Basta-nos denunciá-lo no momento, aos nossos leitores, para lhes mostrar até que ponto ela desvia a atenção da opinião pública de um dos mais admiráveis modelos de atividade que o século XX tenha conhecido: Pio XI. Já que há dias se festejou mais um aniversario de sua coroação, é oportuno que relembremos em rápida síntese as responsabilidades que lhe pesam sobre seus ombros, e a atividade infatigável que as augustas funções do supremo pontificado exigem de seus 78 anos.

Quem é o Papa? O que faz o Papa? Qual sua vida, dentro do velho Vaticano, que parece absorto numa serena e constante meditação de sua grandeza, num invariável silêncio, propício para o lento desenrolar das pompas litúrgicas?

Trabalha-se naquele Vaticano de aspecto eternamente tranquilo?

Papa Pio XI

São perguntas a que dificilmente o grande público saberia responder.

Em todo o caso, não é raro encontrar-se quem suponha que o Santo Padre nada tem a fazer, além de pontificar em cerimônias solenes, e receber embaixadores estrangeiros em visita de mera cortesia.

Atendidos estes afazeres, o tempo lhe sobra para contemplar as maravilhas do Vaticano, e para gozar em paz, do fausto de que está cercado.

Muito espantados ficariam, se se lhes contasse que o Papa vive no Vaticano em apartamentos modestíssimos, enquanto de há muito abandonados os apartamentos oficiais de grande gala, e que sua mesa é de uma sobriedade que revoltaria qualquer burguês bem sucedido em seus negócios.

Mais espantados ainda, porém, ficariam se se lhes fizesse um relato dos problemas a que a Santa Sé tem de atender, todos eles da maior gravidade para a vida da Igreja.

Na impossibilidade de fazer uma enumeração completa, examinemos tão somente as questões internacionais, postos de lado os inúmeros problemas que se relacionam com a disciplina, a doutrina da Igreja.

De antemão, porém, devemos recordar que, para um observador brasileiro, que se encontra à grande distância de Roma, qualquer enumeração tem um valor meramente exemplificativo, pois que um espectador americano que procure adivinhar, simplesmente através das notícias telegráficas e da leitura dos livros, os problemas com que se defrontam as chancelarias européias — sejam elas o Foreing Office, o Quai d'Orsay, o Ballplatz, ou a “Secretaria di Stato” do Vaticano — fará o papel do astrônomo que tentar enumerar, a olho nu, as estrelas do céu.

Comecemos a enumeração em ordem geográfica, pelos principais países europeus:

Rússia: 1) Acha-se inteiramente desorganizada a igreja russa cismática. É necessário promover, entre todos os exilados russos esparsos pelo mundo, um forte trabalho de apostolado, para a volta dos asiáticos à Igreja Católica. Este trabalho é delicadíssimo, pois que tem de ser desenvolvido no mundo inteiro, pois que os russos não têm uma autoridade religiosa central, cuja atitude possa arrastar a unanimidade dos seus fiéis; 2) é mister levar socorros materiais e espirituais às populações católicas e não católicas da Rússia, que estão sendo física e moralmente devastadas pelo bolchevismo. Também é um trabalho dificílimo, porque deve ser feito apesar da inexorável severidade com que se exerce a repressão soviética e exige dos que o executam, uma resolução de caminhar para um martírio muito provável; 3) convém, além disto, manter a opinião publica sempre informada das atrocidades que lá se cometem, especialmente no que diz respeito ao combate a todas as religiões, desencadeado pelos sovietes; 4) para este efeito, também é necessário estabelecer e manter contactos com todas as forças morais e espirituais que combatem o comunismo.

Alemanha: O hitlerismo empolga o país. É necessário manter sempre bem firme a atitude dos católicos, na posição doutrinária que lhes compete: aprovar no hitlerismo o que ele tem de bom, e combater o que tem de mau, sem consentir que a Igreja seja utilizada pela paixão partidária como mero instrumento de defesa ou de ataque às instituições, pois que a Igreja é superior à mutabilidade das organizações temporais. Além de uma tendência excessivamente absorvente que chega a pôr em risco as liberdades da Igreja, o nazismo procura dar novo vigor às igrejas protestantes. Por outro lado, a campanha de neo-paganismo desencadeada por certa ala nazista merece a mais severa oposição. Em tudo isto o Fuherer se cala. Que rumo tomará?

Áustria: O problema da independência da Áustria afeta gravemente os interesses espirituais das populações de raça germânica. A incorporação da Áustria à Alemanha poderia vir deslocar futuramente o centro de gravidade do Reich, da Berlim protestante para a Viena católica? Ou pelo contrário representaria a absorção de mais uma potência católica pela Prússia protestante? O único meio para manter a independência da Áustria parece ser a restauração da monarquia. Até que ponto pode permitir-se que os católicos intervenham neste sentido? Convirá intervir? Quem será este Arquiduque Otto, que a diplomacia quer agora arrancar ao exílio? Sua formação religiosa será bastante forte para o peso da herança política de Dolffuss?

Hungria: A questão prende-se à da Áustria. A Hungria é uma monarquia sem Rei, governada, ela que é um país sem portos de mar, por um almirante. E este almirante é protestante, em um país de maioria católica.

Itália: A solução da questão romana foi uma garantia das boas intenções de Mussolini. Mas o fascismo conta com numerosos elementos sempre desejosos de provocar incidentes com a Santa Sé, conduzindo Mussolini a uma política de estatismo hipertrofiado que terá como consequência o cerceamento das inalienáveis liberdades da Igreja. O menor incidente é suscetível de ser envenenado. É preciso guiar e orientar tudo, desde as cerimônias públicas de que participam autoridades civis e eclesiásticas, até as negociações diplomáticas sempre existentes entre o Vaticano e o Quirinal, para prevenir conflitos.

França: O regime cai de podre. Receosos de contrariar exageradamente a direita, os membros do Governo tornaram mais flexível a rígida linha de separação da política de Gambetta. Mas o estado continua leigo, o divórcio produz devastações morais incalculáveis, o ensino continua leigo, e grande número de congregações religiosas ainda continua no exílio. A questão da “Action Française” ainda é um problema melindroso. Sempre imparcial, a Igreja se vê atacada pelos excessos da direita e pela esquerda. Os bons elementos reagem para derrubar uma república que foi para a Igreja uma verduga. Qual a atitude dos católicos?

Inglaterra: A questão da Irlanda está em calmaria. Mas continua delicada, porque a prevenção mútua entre a população católica irlandesa e a Inglaterra herética, está sempre acesa. É preciso animar o movimento que se fez em massa da volta dos anglicanos ao seio da Igreja. Mas é preciso não sacrificar os princípios. Já uma vez as negociações fracassaram. É preciso não hesitar: nem intolerância, nem transigência.

Espanha: É preciso unir os católicos, e orientá-los. Gil Robles é a maior esperança da Igreja, na Espanha, como o é Salazar em Portugal. Mas um e outro tem despertado desconfianças em meios extremamente devotados à Igreja, enquanto, em meios equívocos, suscitam certa simpatia. Como agir ?

Eis, em suma, as grandes preocupações da Igreja no grave momento que passa. Além destas, porém, quantas outras, decorrentes da gravidade das questões internas da Igreja, assoberbam o Santo Padre, desde o desenvolvimento da obra da Propaganda Fides, até a organização da Ação Católica no mundo inteiro, o incremento a ser dado aos estudos católicos, a orientação a todos os bispos do mundo, que escrevem a Roma, pedindo conselho, pedindo aprovação, pedindo luz?

Não é em vão, pois, que Bryce, na sua "Republique Américaine" diz que, depois do Papa e do Rei de Inglaterra, não conhece ninguém que tenha mais autoridade no mundo do que o Presidente dos Estados Unidos. O grande escritor socialista inglês, nesta frase, reconhece implicitamente que ninguém tem mais responsabilidades, e portanto que ninguém tem maiores atividades a exercer, do que o Santo Padre, atividades estas ainda maiores do que as da figura quase ditatorial de Roosevelt.

E foi justamente esta atividade sem par de Pio XI que conseguiu manter a Igreja no estado florescente em que atualmente se encontra, a ponto de merecer de Edison, no seu testamento, esta afirmação: as duas mais perfeitas organizações do mundo são a Igreja Católica e a Cidade de Petroleos.


ROI campagne pubblicitarie