Reforma agrária Aniz Badra-Ivã Luz significa janguismo sem Jango
Estado de Minas, sábado, 11 de abril de 1964 |
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Dom Geraldo Proença Sigaud, arcebispo de Diamantina, dom Antônio de Castro Maier, bispo de Campos, e os escritores Plinio Corrêa de Oliveira e Luiz Mendonça de Freitas acabam de fazer o seguinte pronunciamento:
A Nação Brasileira tomou conhecimento, estarrecida, de que a Câmara dos Deputados acaba de aprovar, num enigmático congraçamento de bancadas janguistas e anti-janguistas o projeto de lei de reforma agrária de autoria do pedecista Aniz Badra, emendado pelo integralista Ivã Luz. Obedecendo ao imperioso ditame de nosso amor à Pátria e à Civilização cristã demos a lume, em novembro de 1960, o livro "Reforma Agrária — Questão de Consciência", escrito para alertar a opinião pública contra os riscos a que estava exposto o País em razão da demagogia desencadeada por certo agro-reformismo igualitário, socialista e anticristão. A excepcional acolhida que teve nosso brado de alarma mostrou quanto a opinião nacional é receptiva às vozes que se erguem, que se levantam contra os doutrinadores da subversão e do caos. Essa receptividade justifica a esperança de que um novo pronunciamento dos autores de "Reforma Agrária — Questão de Consciência" possa também contribuir para esclarecer a opinião ordeira e construtiva sobre as perspectivas ante as quais se encontra a questão agro-reformista no atual momento. E essa esperança nos impõe a indeclinável obrigação de sair a público para externar nosso pensamento sobre a matéria a toda a Nação Brasileira. Alheios, como é notório, às rivalidades partidárias e às ambições políticas, não tendo a defender na questão agrária qualquer interesse pessoal, nosso pronunciamento não visa agradar ou desagradar a quem quer que seja, mas apenas servir os princípios em prol dos quais publicamos há quase 3 anos "Reforma Agrária — Questão de Consciência". A grande maioria dos brasileiros — e mesmo dos agricultores — não conhecia senão muito vagamente o conteúdo do projeto Aniz Badra. Entre os próprios Srs. Deputados, provavelmente muitos não conheciam o substituto Ivã Luz que festivamente aprovaram. Convém esclarecer urgentemente a opinião brasileira sobre essa nova lei, que, nesta hora de magnífica e sadia reação nacional contra o comunismo, consola de seus dissabores o Sr. Luz Carlos Prestes, pois ela dá um grande passo no sentido de reduzir a lavoura brasileira a escrava do Estado, tal qual acontece na URSS, em Cuba, etc. I — MUTILAÇÃO DA PROPRIEDADE RURAL Quanto à propriedade rural, o projeto confere ao Executivo os poderes necessários para:
O substitutivo Ivã Luz não contém essas disposições confiscatórias, exceto no artigo 16, que fulmina com verdadeira pena de confisco sem indenização todo o "imóvel rural susceptível de aproveitamento econômico, mantido totalmente inexplorado e sem benfeitorias por mais de dez anos". Desta duríssima penalidade não são sequer excetuados os bens de órfãos, viúvas ou inválidos. Em nosso País, no qual o Poder Público dispõe de imensas glebas inexploradas, de modo geral nada há que torne ilícito para o proprietário particular manter inculta sua terra, o que até pode ocorrer por motivo razoável, como a falta de disponibilidade financeira, por exemplo. Quem considere em conjunto estas medidas não pode deixar de reconhecer que os 2,5 milhões de km2 que no Brasil pertencem a particulares ficam expostos, mercê do projeto Aniz Badra, à ação discricionária do Poder Público – tímido e trêmulo para a realização dos planos de mais extraordinária envergadura –, sem prejuízo de qualquer direito dos cerca de seis milhões de km2 de terras de sua propriedade, ou devolutas, de que tem sido até aqui senhor e possuidor indolente e ineficaz. II — TOTALITARISMO AGRÁRIO Entretanto, o substitutivo Ivã Luz contém em todos os seus elementos essenciais a parte talvez mais despótica e reprovável do projeto Aniz Badra. Como veremos, ele instaura no Brasil uma ditadura agrária cem vezes mais férrea do que todos os regimes autoritários por que tem passado o País. Ele confere ao Presidente da República um poder discricionário sobre todos os fazendeiros reduzidos a párias. Ele aumenta de tal maneira o poder da união que destrói na prática o regime federativo. É o que passaremos a expor. Uma das diferenças mais características entre um Estado cristão e um Estado socialista consiste na sua atitude em face do chamado princípio de subsidiariedade. A — A DOUTRINA CATÓLICA E O SOCIALISMO Esse princípio fundamental da doutrina católica foi ensinado pelos Pontífices dos últimos tempos com pastoral insistência, e cuja explanação atingiu sua mais inteira amplitude na Encíclica "Mater et Magistra". Estabelece ele que cada pessoa pode e deve ser, na esfera individual, o principal artífice de seu bem-estar e de sua ascensão espiritual e material. Acima desta esfera está a família, que proporciona a cada pessoa vantagens que ela não poderia — por mais bem dotada que fosse — alcançar só por si. A família deve pois fazer pelos seus membros tudo quanto estes normalmente não consigam por si. Mas não deve ir além, sob pena de ser até, não raras vezes, mais maléfica do que benéfica. O mesmo se pode dizer do Município em relação à família, da região em relação ao Município, e do País em relação à região. Isto normalmente. Se na esfera individual se verifica uma anomalia que reduz o poder de ação do indivíduo, a família pode e deve intervir em favor deste. Mas sempre com a preocupação de lhe respeitar tanto quanto possível a autonomia, e de preparar todas as condições para lha restituir inteira, tão cedo quanto possível. Análoga afirmação se deve fazer quanto aos organismos superiores à família: Município, região, nação. Tão sábio princípio, como o da subsidiariedade, a doutrina socialista não o admite. E nisto, está ela inteiramente de acordo com a doutrina comunista. Para, uma e outra, a iniciativa privada é em nossos dias anacrônica e ineficiente, pelo que deve ser inteiramente substituída pela ação do Poder Público. Se a este resultado final se deva chegar por etapas, ou por um só lance, é problema tático a ser resolvido em cada país à vista das circunstâncias de momento. Sobre a meta é que não há dúvidas entre socialistas e comunistas: é o totalitarismo dirigista, político, econômico e social. B — TIRANIA AGRÁRIA E BUROCRACIA Não há dúvida de que os Srs. Senadores e Deputados que derem seu voto ao projeto Aniz Badra imolarão em holocausto ao dirigismo socialista — com o íntimo regozijo dos comunistas — a lavoura brasileira. Com efeito, por força desse projeto, o Poder Público, por meio dos tentáculos de uma imensa burocracia, passará a intervir na direção do que cada propriedade rural tem de mais essencial, de sorte que, sem indenização de qualquer espécie, o Poder Público será mais dono de cada fazenda do que o proprietário. Pelo projeto em apreço seria a SUPRA, com sede em Brasília, incumbida da superintendência da política agrária em todo o país, sob a direção do Ministério da Agricultura (art. 49). Para o alojar e montar, haverá sem dúvida palácios, dotações orçamentárias polpudas, e funcionalismo sem conta. Tudo isto sem falar de um aluvião de despachantes «bem relacionados», para fazer andar, com um pouco menos de morosidade, nestas e em outras repartições que se criarem, os requerimentos dos infelizes fazendeiros. É nisto que consiste o estímulo dado à agricultura pelo Projeto. Todo este aparatoso edifício burocrático será construído sobre o pressuposto de que o fazendeiro, seja ele grande, médio ou pequeno, é o profissional mais inepto do Brasil. De sorte que, ao passo que os industriais, os comerciantes, os advogados, médicos e engenheiros, por exemplo, exercem suas profissões sob a responsabilidade pessoal, o fazendeiro, reduzido a menor idade, para quase tudo precisa da tutela do Poder Público. Não é mais o fazendeiro, que sabe plantar em suas terras. Por ele pensa e decide o Poder Público, a quem incumbe fazer os «planos de zoneamento agrícola e adotar as medidas para incrementar a sua produtividade» (arts. 18 e 19). Não é mais o proprietário que adapta as dimensões de sua propriedade às necessidades da produção. Pois como vimos, é em função do zoneamento feito pelo Poder Público, que o mesmo Poder Público fará a distribuição e redistribuição da terra. Para se ter idéia da amplitude da ação do Poder Público na matéria, basta ler o art. 19, itens a, b, c, do Projeto:
Como é bem de notar, essas disposições não se voltam somente contra a grande e a média propriedade, mas também contra a pequena propriedade. Por necessidade natural, o totalitarismo é draconiano. Com o preceito despótico, vem necessariamente a penalidade draconiana. Eis o que dispõe o art. 20 do projeto: "Não terá direito à assistência técnica creditícia e aos demais favores desta lei o proprietário que se recusar ao cumprimento das diretrizes emanadas do zoneamento agrícola". Reduzido assim, em suas terras, a mero gerente do Estado, o proprietário — não é demais insistir — a cada passo precisará de uma licença. Para obter cada licença precisará de um requerimento. E para o requerimento, talvez de um padrinho bem visto dos magnatas da política. O proprietário grandíssimo acabará talvez se arranjando nesta dispendiosa atividade. O grande lutará por fazê-lo. O médio soçobrará em breve. O pequeno ficará desde logo reduzido a servo da gleba desse Senhor indolente, caprichoso e implacável que é a burocracia. No ápice de tanta papelada, de tanta engrenagem, de tanta repartição, estará onipotente, tanto ou mais do que um déspota oriental, o Poder Público. Como é óbvio, no dia em que for aprovado o projeto, o cargo de Presidente do Brasil passou a ser institucional e inevitavelmente de ditador do Brasil, por força da reforma agrária que se pretende adotar, e por mais afável, liberal e condescendente que seja, por índole e convicção, quem exercer a suprema magistratura do País. E, supremo paradoxo, é para pôr nas mãos do Chefe de Estado tal soma de poderes, que, aprovando tal projeto, confluíram os partidos políticos que acabam de derrubar o Sr. João Goulart. Eles criaram uma ditadura econômico-social de sentido totalitário e janguista. Jango teria caído, e o janguismo teria triunfado. Como é curiosa a política brasileira... Sim, e muito curiosa. Pelo Cap. III do malfadado projeto de lei de reforma agrária, qualquer fazendeiro que não se submeta dócil e pacientemente à política dominante no cenário federal pode ser facilmente fulminado pela SUPRA. Estabelecer-se-á o zoneamento na região em que ele é fazendeiro, e sobre ele desabarão todas as calamidades da lei agrária. Cada fazendeiro será assim um escravo político, o poder do governo Federal em cada Estado será imenso. A autonomia política dos Estados e o regime federativo terão cessado de existir. C — A INEFICÁCIA DO DIRIGISMO Pois como explicar que se confie na eficácia do Poder Público, no Brasil, para a tarefa em que, ao que parece o agro-reformismo situacionista e o oposicionista o querem investir? Será por falta de meios que o Poder Público deixou até agora inaproveitável seu fabuloso latifúndio? Pelo contrário, estes meios não lhe faltam. Em recente discurso na Câmara Federal o deputado José Bonifácio Lafaiete de Andrade enumerou 72 instituições, de que dispõe o Poder Público, sem falar no I.B.C., relacionadas com a atividade rural. Eis as 72 instituições: Comissão Federal de Abastecimento e Preços; Instituto do Açúcar e do Álcool; Instituto do Pinho; Instituto do Sal; Comissão de Armazéns e Silos; Carteira Agrícola do Banco do Brasil; Banco de Crédito da Amazônia; Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico; Banco do Nordeste; Instituto de Biologia Animal; Caixa de Crédito e Pesca; Colônia Agrícola do Distrito Federal; Comissão Consultiva do Trigo; Serviço de Expansão do Trigo; Comissão Coordenadora do Cavalo Nacional — que nem está definida ainda — Comissão Executiva dos Produtos da Mandioca; Comissão de Financiamento da Produção; Comissão Nacional de Alimentação; Comissão Nacional da ONU para Alimentação e Agricultura; Comissão Nacional de Política Agrária; Serviço de Planejamento Cooperativo do Mate; Comissão do Vale do São Francisco; Comissão Nacional do Seguro Agrícola; Conselho Nacional de Administração dos Empréstimos Rurais; Departamento Nacional de Endemias Rurais; Serviço Especial de Saúde Pública – SESP (que presta serviços realmente como o Departamento Nacional de Obras Contra às Secas); Departamento Nacional de Obras e Saneamento; Instituto de Ecologia e Experimentação Agrícola; Superintendência Nacional de Abastecimento — a SUNAB; Instituto do Cacau; a SUPRA; SUDENE; Ministério da Agricultura com os seguintes órgãos: Departamento Nacional da Produção Animal; Superintendência do Ensino Agrícola e Universidade Rural do Quilômetro 47; Universidade de Viçosa, em Minas; 20 Secretarias de Agricultura dos Estados; Instituto de Fermentação; Frigoríficos Nacionais S/A; Usinas Nacionais S/A; Instituto Nacional de Imigração e Colonização — o INIC; Instituto de Zootécnica; Instituto de Química Agrícola; Jardim Botânico; Diretoria Geral de Remonta e Veterinária; Serviço Social rural; Sociedade Colonizadora Hanseática; Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia. Pois, para corrigir a ineficácia de tudo isto, — ineficácia que só encontra paralelo no Loyd ou na Estrada de Ferro Central do Brasil — o remédio que se encontra é criar mais uma imensa burocracia... e sujeitar a todo este ciclópico conglomerado de organismos semi-paralíticos, o único setor que funciona em matéria de agricultura, ou seja, a iniciativa particular! Como vimos, pela influência dos princípios socialistas, o Brasil ficará assim transformado no plano social e econômico, com funda repercussão no plano político, em nação totalitária e ditatorial. A agricultura nacional funcionará sob a férula da burocracia e nossas imensas reservas de terras incultas serão aproveitadas com a eficiência e celeridade que o poder Público mostra na direção do Loyd e da Central. Ter-se-á atentado contra o princípio de propriedade privada, ter-se-á praticado uma grande injustiça, sob a tão simpática alegação de estimular a produção e favorecer os trabalhadores. Não nos parece possível que de tudo isto o resultado para a Nação seja outro que diminuir espantosamente a produção, e reduzir os proprietários e os trabalhadores à triste sorte dos funcionários públicos, cujo clamor de pobreza e aflição ainda há pouco todo o Brasil ouviu. É do que não se pode duvidar em um país como o nosso, em que, ainda se fossem verdadeiros os funestos princípios do socialismo, seriam, no momento atual, pelo menos inteiramente inaplicáveis. Na presente exposição, feita com a franqueza que nos impõe o patriotismo inquieto e até alarmado, não tivemos em vista pessoas, mas apenas a defesa das máximas sagradas da civilização cristã e dos mais altos interesses da nacionalidade. Golpeada a propriedade agrícola, e agrilhoado pela burocracia o trabalho rural, definharia inevitavelmente a família no campo. E com ela pereceriam alguns dos melhores valores de tradição de nação cristã, mutilada segundo as utopias igualitárias do socialismo. É isto que, sem qualquer acepção de pessoa, desejamos evitar. É pois numa atitude de respeitosa e cordial expectativa que apelamos para os detentores do Poder Legislativo, na Câmara e no Senado, para que depois de madura reflexão, e no exercido de suas altas atribuições constitucionais, detenham o passo à reforma agrária socialista e confiscatória que ora parece na iminência de ser aprovada. A História registrará com gratidão e aplauso o beneficio que assim prestarão à tradição, à família, à propriedade e ao trabalho, que são valores básicos da grandeza cristã no Brasil. Dom Geraldo de Proença Sigaud, Arcebispo de Diamantina. Dom Antonio de Castro Mayer, Bispo de Campos. Plinio Corrêa de Oliveira. Luiz Mendonça de Freitas.
___________________________________ (Para aprofundar o assunto vide: Um homem, uma obra, uma gesta - Homenagem das TFPs a Plinio Corrêa de Oliveira, Parte I, Cap. 2, 1989) |