"Catolicismo", n° 501, setembro de 1992 (www.catolicismo.com.br)

Reforma Agrária súbita, através de galerias subterrâneas

 

O tema da Reforma Agrária voltou à ordem do dia. A propósito dele,

pareceu-nos oportuno levar ao conhecimento de nossos leitores

excertos da clarividente conferência que o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira

proferiu no XII Encontro de Correspondentes e Esclarecedores da TFP,

realizado na capital paulista, em 11 e 12 de julho último

 

Caiu a cortina de ferro, houve uma certa hesitação, o comunismo recuou. Mas agora as idéias comunistas estão avançando, por assim dizer, em galerias subterrâneas. Em nosso país estão querendo implantar a Reforma Agrária sob vários pretextos. E dois projetos de lei foram aprovados na Câmara dos Deputados, encontrando-se agora no Senado. São projetos de lei regulamentadores da Constituição e que praticamente estabelecem a Reforma Agrária no Brasil.

0 que vêm a ser tais projetos?

Quando se elaborou a atual Constituição brasileira, promulgada em 1988, por inércia dos organismos que dirigem os produtores rurais do Brasil, isto é, as associações de fazendeiros e criadores dos mais variados gêneros, princípios socialistas que caracterizam a Reforma Agrária foram inseridos no texto de nossa Carta Magna.

Uma organização muito movediça, naquela ocasião, se revelou um perfeito bluff. Ela se apresentava como sendo uma União Democrática Rural, UDR. Mas, de fato, nada fez. Seu chefe pouco fez além de algumas viagens retumbantemente publicitadas pelos jornais, mas sem efeito prático nenhum. E a Reforma Agrária entrou folgadamente na Constituição.

Tendo sido promulgada a Constituição, é preciso que se elaborem leis complementares que a regulamentem, para que ela seja cumprida. E de dois pontos muito importantes a Carta Magna não tratou.

Inexplicavelmente, tal regulamentação foi se efetuando morosamente durante quase dois anos, na Câmara dos Deputados. 0 tema ia se arrastando de uma comissão para outra, sem que ninguém soubesse bem qual a razão de tanta demora.

Quando a primeira impressão terrível do que acontecera na Rússia foi se apagando um pouco da memória do público - não porque os males de lá se tenham atenuado, mas porque o povo foi se habituando à débâcle do regime comunista - deputados resolveram fazer passar rapidamente a matéria.

A TFP, inteirada disso, imediatamente tomou posição. E enviou cartas ao Presidente da Câmara dos Deputados e ao Presidente do Senado, pondo em evidência a anomalia de todo o processo legislativo e o caráter nocivo dos projetos, ao mesmo tempo que fazia uma proposta.

No Exterior, se faz uma propaganda enorme contra o Brasil, o qual é apresentado como uma imensa favela, em que existem algumas poucas e imensas fortunas, enquanto o resto da população vive na maior pobreza.

Para combater isso, a TFP solicitou ao Sr. Carlos del Campo - economista de grandes estudos, com curso na famosa Universidade da Califórnia, o qual tem colaborado ativamente em nossas campanhas contra a Reforma Agrária - para redigir um livro, no qual expusesse a verdadeira situação econômica do Brasil (*). Esse livro, difundido nos Estados Unidos, na Europa e também em nosso país, não foi contestado por ninguém. Fica comprovado, nessa obra, que o Brasil é um país muito rico - embora com alguns bolsões de pobreza em seu território - porém mal administrado. Então, é exatamente a essa má administração que iremos entregar toda a nossa riqueza? Por definição, o Estado socialista e hipertrofiado é lento, preguiçoso, atrasado. Embora seja assim a administração pública, é a ela que se pretende entregar todo o nosso campo?

Essa obra foi objeto de silêncio. Nenhum jornal a refutou, porque seus argumentos são irrespondíveis. Poderemos a qualquer momento dizer: há anos a TFP esclareceu essa questão da pretensa pobreza do País. Por que, então, certa mídia - e de modo especial a TV, propagadora da imoralidade - não deu difusão a isso? Por que esses órgãos da mídia não reivindicaram para o País o que ele merece aos olhos das outras nações: respeito por ser constituído por um povo que sabe aproveitar suas riquezas e que está em franco progresso?

TFP lança campanha nacional contra reformas

No dia 11 de agosto último, mais uma vez assistiu-se no centro da capital paulista a um espetáculo que atraiu possantemente a atenção do público: grande número de sócios e cooperadores da TFP, com suas capas ostentando o tradicional leão dourado, iniciou vigorosa campanha em prol de abaixo-assinado dirigido ao Presidente da República, bem como aos Presidentes do Senado e da Câmara Federal. Dois dias após, os correspondentes da entidade começaram a participar da campanha, que se estendeu para outras capitais como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador etc. e cidades do interior de vários Estados da Federação.

Nos quatro primeiros dias de campanha, ao se encerrar a presente edição, havia sido alcançado o expressivo total, em todo o Brasil, de 185.000 assinaturas.

A seguir apresentamos o texto da mensagem dirigida àquelas três autoridades, e que encabeça o referido abaixo-assinado.

Os brasileiros NÃO querem a Reforma Agrária

NEM a Reforma Urbana!

Interrogai-os por uma consulta plebiscitária

Senhores Presidente da República,

Presidente do Senado e Presidente da Câmara

[Nota da Redação de Catolicismo: Os subtítulos não fazem parte do texto enviado oficialmente aos seus destinatários. Foram eles inseridos apenas para maior facilidade dos leitores]

 

Excelentíssimo Senhor

Dr. Fernando Collor de Mello

DD. Presidente da República

Excelentíssimo Senhor Senador

Dr. Mauro Benevides

DD. Presidente do Senado

Excelentíssimo Senhor Deputado

Dr. Ibsen Pinheiro

DD. Presidente da Câmara dos Deputados

Senhor Presidente da República

Senhor Presidente do Senado

Senhor Presidente da Câmara dos Deputados

Ao nos dirigirmos a Vossas Excelências, temos em vista os projetos de lei que visam regulamentar os dispositivos do Título VII, Capítulo III, da Constituição Federal, sobre a Reforma Agrária, bem como os do Título VII, Capítulo II, que dispõe sobre a Reforma Urbana.

O Brasil caminhando sem perceber para o capitalismo de Estado

Grande número de brasileiros ainda ignora o verdadeiro alcance desses dramáticos projetos de lei, pois nossa mídia, fortemente absorvida por assuntos políticos de relevante atualidade, tem noticiado com realce sensivelmente inferior à natureza da gravíssima matéria, estarem tramitando no Senado e na Câmara dos Deputados os referidos projetos de lei, os quais, se aprovados, como se verá, terão feito PASSAR NOSSO PAÍS, DO REGIME DA LIVRE INICIATIVA E DA PROPRIEDADE PRIVADA, PARA O DE UM CAPITALISMO DE ESTADO QUASE COMPLETO.

Açodamento súbito e inexplicável

Tão imensa transformação, entretanto, está sendo feita com um AÇODAMENTO INEXPLICÁVEL.

Os projetos em questão se arrastavam por largo tempo, silenciosos e ignorados, pelos meandros da tramitação dos processos parlamentares.

De repente, sem que se saiba por que, foram eles arrancados à sua morosidade e submetidos (os de Reforma Agrária) ao regime de urgência. Quanto ao da Reforma Urbana, por sua vez, foi posto na pauta das matérias, objeto da convocação extraordinária de julho p.p.

A TFP reclama que se consulte a Nação desavisada

ASSIM, A QUALQUER MOMENTO, A OPINIÃO NACIONAL PODE SER SURPREENDIDA PELA APROVAÇÃO DE UM E OUTRO PROJETO, E ENCONTRAR-SE DIANTE DE UM FATO CONSUMADO.

Ora, medidas de tal envergadura abrangem necessariamente aspectos vastíssimos e complexos, a exigirem abundância de dados informativos, os quais, por sua vez requerem atenta e concatenada análise.

Sobre esses projetos, a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade – TFP, representada pelo Presidente de seu Conselho Nacional, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, enviou missivas: a S. Exa., o Sr. Presidente do Senado (ofício de 9-7-92, relativo à Reforma Agrária); a S. Exa. o Sr. Presidente da República (ofício de 10-8-92, ainda sobre a Reforma Agrária); e a S. Exa., o Sr. Presidente da Câmara dos Deputados (ofício de 11-8-92, referente a ambas as reformas). Pari passu, ou seja, a 6 de agosto, foi entregue ao Presidente do Senado um início de abaixo-assinado contendo 38.068 assinaturas, pedindo que a Reforma Agrária não seja aprovada sem uma consulta ao eleitorado (as assinaturas desse abaixo-assinado não se somam às do presente).

Golpes mortais contra a propriedade privada e a livre iniciativa

Cada uma das referidas missivas – que nos abstemos de reproduzir aqui por amor à brevidade, mas com as quais manifestamos nossa solidariedade – contém serena e exímia análise do projeto de que cuida. A leitura desses documentos não deixa margem a dúvida de que cada um dos citados projetos constitui, na matéria que lhe é própria, golpe fatal, ou quase tanto, desferido contra DOIS PRINCÍPIOS BÁSICOS DA LEGISLAÇÃO DE TODA NAÇÃO LIVRE: A PROPRIEDADE PRIVADA E A LIVRE INICIATIVA.

Ora, causa-nos a maior apreensão ver que tais projetos, se convertidos em lei, importarão em um assustador aumento do poder estatal sobre o solo brasileiro, o qual ficaria sujeito em larguíssima medida, ao arbítrio político, às delongas tristemente características da máquina burocrática em nosso País, e aos conseqüentes prejuízos decorrentes da ampliação praticamente incomensurável dessa máquina.

O mundo avança: o Brasil retrocede

Francamente não logramos compreender que, em um momento internacional como este em que vive hoje a humanidade, caracterizado pelo repúdio geral dos países livres e cultos à ampliação de todas as ditaduras político-burocráticas, e pelo desejo geral de resguardar a integridade da livre iniciativa e do direito de propriedade, o Estado brasileiro haja de ser 0 ÚNICO COMPULSORIAMENTE ENCAMINHADO, POR AQUELES FUNESTOS PROJETOS DE LEI, EM SENTIDO DIAMETRALMENTE OPOSTO.

Ou seja - quando até as populações durante tanto tempo sujeitas ao regime comunista anseiam hoje pelo restabelecimento da livre iniciativa e da propriedade privada - QUE NOSSO PAÍS SEJA PRECIPITADO EM UM ABISMO TÃO SEMELHANTE ÀQUELE NO QUAL SOÇOBROU HÁ POUCO A EXTINTA URSS. E, isto, logo no momento em que uma crise política interna mantém angustiado todo o Brasil e dificuldades econômicas inextricáveis se acumulam no horizonte nacional, tornando-o sombrio como nunca foi anteriormente em nossa História.

Os atuais projetos de Reforma Agrária e de Reforma Urbana já constituíam ideais de Lenin

Precisamente nas atuais condições, torna-se necessário ponderar que os projetos em apreço constituem, em muito larga medida, a realização dos sinistros anelos que LÊNIN manifestou AO POVO RUSSO: "OS OPERÁRIOS COMUNISTAS DIZEM QUE 0 ÚNICO MEIO DE ACABAR COM A MISÉRIA DO POVO É TRANSFORMAR DESDE OS ALICERCES ATÉ 0 TELHADO A ORDEM ATUAL DE COISAS, EM TODO 0 ESTADO, E INSTAURAR A ORDEM SOCIALISTA. 0 QUE QUER DIZER: TIRAR DOS LATIFUNDIÁRIOS SUAS FAZENDAS, DOS INDUSTRIAIS SUAS FÁBRICAS, DOS BANQUEIROS OS CAPITAIS EM DINHEIRO EFETIVO; SUPRIMIR A PROPRIEDADE PRIVADA E ENTREGÁ-LA AO POVO TRABALHADOR, EM TODO 0 ESTADO" (V. I. Lênin, A los pobres del campo / Los objetivos social demócratas explicados para los campesinos, Ediciones en Lenguas Extranjeras, Moscou, p. 16).

Livre-nos Deus de que seja este o caminho a que nos conduzam os acontecimentos, inconsulto nosso eleitorado.

O Brasil nunca passou por riscos iguais

Se, entretanto, os imprevistos inerentes a toda vida política conduzirem o Brasil, nos debates sobre a Reforma Agrária e/ou a Reforma Urbana, ao risco da aprovação de uma e de outra, desde já permitimo-nos lembrar a Vossas Excelências e aos demais membros de ambas as Casas que duas reformas tão graves, tão prenhes de riscos e prejuízos de toda ordem, não podem nem devem entrar em vigor - em sã conformidade com o espírito democrático de nossa Constituição - sem que sobre elas seja ouvida diretamente a Nação, nos termos dos arts. 1°, único e 14, I e II da Carta Magna.

Com efeito, DESDE A INDEPENDÊNCIA ATÉ NOSSOS DIAS, e exceção feita tão-só da Lei Áurea de 13 de maio de 1888, JAMAIS 0 BRASIL PASSOU POR REFORMAS DE GRAVIDADE COMPARÁVEL À REFORMA AGRÁRIA E À REFORMA URBANA PRESENTEMENTE EM FOCO.

A esmagadora maioria não quer a Reforma Agrária nem a Urbana

A ninguém é dado negar a importância da opção entre a forma monárquica e constitucional de governo e a forma republicana. Ou entre o sistema presidencial ou o parlamentar, da República. Ora, por pouco que se reflita, salta aos olhos que muito mais graves ainda são, para toda a estrutura social e a vida econômica do País, as reformas objeto do presente abaixo-assinado.

Isto posto, seria gravemente incongruente que a Nação fosse ouvida sobre a opção Monarquia/República, ou a opção República parlamentar/República presidencial, consoante manda o artigo 2° do Ato das Disposições Transitórias, da Constituição vigente, e não o fosse sobre a Reforma Agrária e a Reforma Urbana ora em curso.

E isto tanto mais quanto não é lícito duvidar de que 0 ELEITORADO NACIONAL, EM SUA ESMAGADORA MAIORIA, NÃO QUER A REFORMA AGRÁRIA NEM A REFORMA URBANA.

Quanto a esta última, vai tramitando silenciosamente no Congresso, sem que proceda das classes populares nenhum movimento autenticamente expressivo de que tal reforma seja desejada pelo povo. Basta consultar a esse respeito os diários, habitualmente atentos a todos os anseios da demagogia e não obstante quase mudos sobre a Reforma Urbana, que lhes daria tanto ensejo para agitar as massas.

Mais expressivo ainda é o tocante à Reforma Agrária. Se os trabalhadores manuais fossem os famintos e os revoltados cuja figura a campanha agro-reformista visa impingir ao público, seria de supor que eles se solidarizassem de todas as maneiras com os invasores das fazendas em que trabalham, saudando-os como seus verdadeiros libertadores. Pelo contrário, sua atitude ante as hordas invasoras é exatamente como a de seus patrões, isto é, de perplexidade ante as forças do caos que avançam. Com efeito, não se conhece nenhum caso, ou como que nenhum, em que aquele congraçamento de invasores "sem-terra" com os trabalhadores manuais - bóias-frias em geral, assalariados, parceiros ou meeiros - tenha ocorrido. Isto significa que, em face dos invasores, nada os une e tudo os separa. Em face dos patrões, tudo os une e nada os separa. A Reforma Agrária, que pretensamente tem como meta - entre outras utopias - resolver as tensões sociais no campo, parte de premissas completamente equivocadas.

Plebiscito ou Referendo para que seja ouvida a verdadeira voz da Nação

UM PLEBISCITO SOBRE A REFORMA AGRÁRIA E A REFORMA URBANA MANIFESTARIA A OPINIÃO NACIONAL AUTÊNTICA SOBRE TAIS MATÉRIAS.

Tudo isto posto, pedimos a Vossas Excelências, Senhores Presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, do modo mais entranhado e ardente, que empenhem seu prestígio pessoal e o das altas funções que exercem, no sentido de OBTER QUE TAIS PROJETOS SEJAM REJEITADOS PELO LEGISLATIVO FEDERAL. E, A VOSSA EXCELÊNCIA, SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA, QUE VETE QUALQUER DESSES PROJETOS QUE VENHA A SER APROVADO. E que, caso algum deles seja convertido em lei, QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS ALCANCEM QUE SOBRE ELE SEJA DIRETAMENTE OUVIDA A OPINIÃO DO CORPO ELEITORAL DO PAÍS, MEDIANTE CONVOCAÇÃO DE PLEBISCITO OU REFERENDO, o qual dê a cada eleitor o ensejo de exprimir sua opinião sobre o assunto.

* * *

Manifestamos pois nossa esperança de que Vossas Excelências consigam assim, de concerto com os ilustres membros do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, obviar de nosso País as gravíssimas perspectivas aqui apontadas. Com o que lhes caberá desempenhar uma atuação graças à qual ficarão escritos em caracteres áureos os nomes de Vossas Excelências, nos anais de nossa História.

Agradecendo antecipadamente o interesse que por esse magno assunto manifestarem Vossas Excelências, subscrevemo-nos com alta consideração.