Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et vetera

"Romantismo católico"

 

 

 

 

Legionário, 23 de novembro de 1947, N. 798, pag. 5

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O efeito produzido pela revolução sobre a vida social francesa foi idêntico ao causado pela pseudo-reforma protestante na Alemanha e na Inglaterra. Tanto em um como em outro caso, o de mais importante que houve nesses tremendos acontecimentos não foi a agravação da miséria, mas o golpe tremendo desferido na unidade religiosa. Tanto em um como em outro caso, os males temporais acarretados foram consequência da luta desencadeada contra a Igreja e do fosso profundo cavado entre a sociedade religiosa e a sociedade civil. Ficara rasgada a túnica inconsútil de Cristo. Mais ainda. Crucificaram de novo ao Redentor do mundo, o que acontece todas as vezes em que a Santa Igreja é perseguida. E diz o Evangelista que no momento em que Nosso Senhor foi crucificado, as trevas caíram sobre a terra.

Não é de estranhar, portanto, que com o flagelo da pseudo-reforma, nos países que o sofreram, haja surgido ou se agravado o problema do pauperismo.

O mesmo se deu em França depois de 1789. A revolução escorraçou a obra social da Igreja, além de atentar contra o próprio culto e contra a pessoa de seus ministros.

Napoleão de novo pediu o auxílio das congregações religiosas para a assistência domiciliar, dos hospitais, dos asilos, etc. Mas, como todo régulo totalitário, sua intenção era fazer desse serviço da Igreja no campo social uma simples peça de sua máquina administrativa. Temos assim, no solitário da Ilha de Santa Helena um dos precursores do monopólio assistencial do Estado.

De modo que, aquilo que o Clero católico estava impedido de fazer sem comprometer a liberdade da Igreja, os leigos pouco a pouco foram tentando realizar.

Surge, assim, em terras de São Luís (IX), um belo e promissor movimento de ação social, concretizado em várias obras de apostolado leigo e na luta pelas reivindicações católicas dentro do setor político.

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François-René de Chateaubriand (1768-1848), escritor, político e diplomata francês. Considerado o fundador do romantismo literário francês

Tal movimento seria, porém, grandemente afastado de seus verdadeiros objetivos, e diminuída de modo ponderável a eficácia de seus meios de ação pela entrada em voga do ideal romântico dos discípulos de Chateaubriand.

Eis como se formulava o método apologético dessa escola romântica: o Cristianismo fez outrora prodígios de caridade, mas agora parece morto. Provemos que se acha vivo mostrando suas boas obras.

Comparemos este método apologético com o que se acha desenvolvido nas páginas do “Gênio do Cristianismo” (de autoria de Chateaubriand): os frutos da religião católica são bons, por isso o catolicismo é bom. Em vez de : a religião católica é boa, pois que a Igreja é de instituição divina, e por isso seus frutos são bons.

Não cessa, porém, aí a influência de Chateaubriand, com seu romantismo católico, no método de apostolado de seus discípulos.

Formulavam estes um dos aspectos de sua obra social por meio da seguinte frase: “Passemos aos bárbaros”. Os “bárbaros” eram os incrédulos, anarquistas, socialistas e toda a coorte de revolucionários e dinamiteiros do século dezenove.

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Ora, ao tratar do problema da assimilação dos bárbaros pelo Cristianismo, Mons. Benigni, em sua “Storia Sociale della Chiesa” se refere a esse “romantismo católico” que de Chateaubriand teria passado para certa corrente de pensamento católico.

As origens desse método de estratégia apostólica podem, portanto, ser encontradas na escola histórica que essa corrente católica seguia, sobretudo na França. Tal escola oferecia uma antítese impressionante entre a corrupção romana e o sangue virgem dos bárbaros, aqueles completamente decadentes e senis, estes ingênuos e bons no fundo de seu ser agreste e rude.

O “romantismo católico” a que se refere Mons. Benigni emprestaria assim aos bárbaros uma certa candura e receptividade que de certo modo os colocava no estado de inocência das crenças, o que não deixa de ser pelo menos um grande exagero. Ora, atentando-se bem para o que seja um bárbaro, veremos que “a barbárie não pode ser nem filha, nem mãe da civilização”.

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Esta verdade salta mais ainda aos olhos quando consideramos a extrapolação desse ponto de vista para a questão social de nossa época. Porque os novos bárbaros não são filhos de nações pagãs, mas de nações que repudiaram a Nosso Senhor Jesus Cristo e à Sua Igreja, isto é, os novos bárbaros não são filhos do paganismo, mas da apostasia.

Ainda hoje perdura esta tendência de isentar a massa de toda a culpa em seus desvarios, para apenas responsabilizar os seus dirigentes. Entretanto, vejamos os fatos como realmente se apresentam.

No episódio da escolha de Barrabás em lugar de Nosso Senhor é bem verdade que a maior responsabilidade por essa iniquidade coube aos fariseus, herodianos e saduceus que insuflaram o povo contra o Redentor do mundo. Mas será exato afirmar que esse mesmo povo estava isento de culpa na escolha que fez? Será que cada um desses judeus não possuía livre arbítrio, ou que a eles faltou a graça que Deus não nega a ninguém para praticar o bem e repudiar o mal? A questão é de gradação na divisão das responsabilidades, não de canonização de uma classe e de condenação de outra.

No caso desse “romantismo católico”, os bárbaros seriam os revoltados pelas injustiças sociais, e os romanos decadentes a burguesia capitalista. Ora, isto seria verdade se pudéssemos fazer abstração dos insufladores da questão social, daqueles que artificialmente criam a miséria social como meio propício ao advento da revolução que conduzirá o mundo ao totalitarismo socialista. Os deserdados da fortuna, os parias de toda a espécie, nunca deterão em suas mãos os frutos dessa revolução social, se por acaso os houver. Serão sempre vítimas dos agentes provocadores desse caos social, sejam eles os capitalistas liberais que conscientemente fazem da mão de obra uma mercadoria e do dinheiro mero instrumento de usura; sejam eles os revolucionários do naipe de um Louis Blanc ou de um Lenine, meros instrumentos das forças ocultas que neste mundo realizam o mistério de iniquidade a que fazia alusão o Apóstolo dos Santos.

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Considerados como homens chamados por Deus a participar de sua felicidade eterna, os inimigos da sociedade ou da pátria merecem nosso amor sobrenatural. Somos todos irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo, resgatados pelo Seu preciosíssimo Sangue. Mas entre os deveres da caridade está o da correção fraterna. Como perturbadores obstinados da paz social, devem ser combatidos e reprimidos mesmo pela força, do mesmo modo que é lícito repelir o injusto agressor.

Embora indispensável o apostolado de conquista das massas pela prática dos preceitos da caridade cristã, necessário se torna que façamos uma coisa sem omitir a outra, isto é, que por caridade cristã não entendamos a exclusão, na ação social, de uma aguerrida combatividade contra os inimigos de Deus e dessas mesmas classes humildes e espoliadas, embora a demagogia procure confundir os dois elementos, para se pôr a salvo de ataques, enfraquecendo-se a posição de seus adversários.

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Dir-se-ia que em sua compassividade extrema, essa corrente romântica do século dezenove com dificuldade admitia a má fé com que agiam os inimigos da Igreja. Queria vencê-los pela mansidão. Já naquela época, porém, os sectários adotavam a tática de derrotar os católicos pela hipocrisia.

Na campanha liberal da Itália, vemos a sedição se por de joelhos diante do Soberano Pontífice e lhe pedir, aos berros, que a abençoasse. Gritava-se: “Viva Pio IX!” ao mesmo tempo que: “Abaixo os jesuítas!” E segredava Mazzini aos seus íntimos que se devia asfixiar a Igreja debaixo de flores...

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Ainda hoje continua em ação esse mesmo romantismo em certos setores católicos. E o equívoco permanece inalterável: faz-se abstração do elemento político, que está no âmago da apregoada questão social. A verdade, porém, é que não podemos afastar de nosso caminho esse terceiro aspecto da luta, a revolução organizada, a guerra que a cidade do demônio move contra a Cidade de Deus.

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Como se nos afigura ingênua e distante a ilusão dos românticos pensadores do século dezenove, segundo os quais o progresso da ciência e da instrução faria o mundo se tornar cada vez mais sábio e livre dos males que oprimiam a humanidade! O que vemos, hoje, segundo a aguda e dolorosa observação de (Johan) Huizinga (1872-1945, histórico e linguista holandês, n.d.c.), é o fato humilhante de dois grandes fatores do progresso cultural, dos quais tanto se esperava:  a instrução obrigatória e a publicidade, em vez de concorrerem para a elevação do nível cultural, servirem de instrumento de degeneração e de enfraquecimento do raciocínio.

Cada vez mais o homem se torna menos dependente das próprias faculdades de pensamento e de expressão. Tudo lhe é sugerido, desde os mais triviais objetos de uso diários, aos ideais políticos, à filosofia de vida. As ideias lhe chegam prontas e mastigadas, as opiniões lhe são impostas pelo mesmo processo pelo qual é convencido de que deve usar um determinado sabonete. Por todos os lados o homem da rua se vê desse modo torpedeado, bombardeado pela propaganda. E essa artificialidade da propaganda dirigida é sentida por todas as pessoas que ainda conseguem manter-se livres desses grilhões publicitários.

O mesmo não se pode dizer dos modernos seguidores do “romantismo católico”. Estes falam da questão social e do problema do comunismo como se se tratasse de um fenômeno único, não do ponto de vista de que a questão social é explorada pelos agentes revolucionários, mas do ponto de vista de quem realmente acredita na “espontaneidade” do movimento socialista e comunista, negando-lhe o aspecto conspiratório.

Na aparência, porém, esses modernos românticos são vítimas da época do “slogan”. Parecem acreditar piamente nos sucessores de Mazzini e dos carbonários.

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Veremos oportunamente como se comportam em face do neoliberalismo e de seus avanços no sentido do totalitarismo.


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