Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Sete reflexões sobre a sentença de Nuremberg

 

 

 

 

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Legionário, Nº 739, 6 de outubro de 1946

O Julgamento de Nuremberg constituiu numa série de tribunais militares, realizado pelos Aliados depois da Segunda Guerra Mundial, conhecidos pelos processos contra os proeminentes membros da liderança política, militar e econômica da Alemanha Nazista. Os julgamentos ocorreram na cidade de Nuremberg, Alemanha, entre 20 de novembro de 1945 e 1º de outubro de 1946.

 

Acima, à frente, de cima para baixo: Hermann Göring, Rudolf Heß, Joachim von Ribbentrop, Wilhelm Keitel. Atrás, de cima para baixo: Karl Dönitz, Erich Raeder, Baldur von Schirach, Fritz Sauckel.

O LEGIONÁRIO guardou silêncio até aqui sobre o julgamento de Nuremberg. Pareceu-lhe preferível aguardar o relatório geral dos fatos apurados contra os nazistas, a qualificação dos crimes, a condenação dos criminosos, e as reações da opinião pública, para a seu turno opinar sobre o espinhoso assunto. Como de costume, seremos imparciais, e mostraremos que de ambos os lados houve erros e falhas muito graves a assinalar. Por isto mesmo, não esperamos o aplauso dos incondicionais, dos apaixonados que se irritam e se enfurecem, quando mais ou menos filo-nazistas porque não propomos a canonização das vítimas, quando ultrademocratas porque não aplaudimos sem restrições o procedimento do Tribunal. Isto não nos surpreende, e não nos pesa. Não foi jamais nas fileiras dos fanáticos de qualquer causa que o LEGIONÁRIO recrutou seus amigos. Desejamos tão somente os aplausos dos que colocam acima de tudo "o reino do Céu e sua justiça", e do alto deste ideal sabem considerar com imparcialidade as rivalidades dos homens. É para estes, pois, que escrevemos o presente estudo. 

I - Censuras injustas ao Tribunal de Nuremberg

Antes de tudo, cumpre assinalar que a absolvição de von Papen, Fritzsche e Schacht despertou contra o Tribunal censuras nem sempre muito justas. Foi justa a indignação produzida pelo veredictum do Tribunal quanto a esses leaders nazistas. Foram injustos os argumentos de que esta indignação se serviu para se manifestar de público.

Ao contrário do que se pensa, o Tribunal de Nuremberg não declarou que não havia culpa no ato de que von Papen, Schacht e Fritzsche auxiliaram a ascensão ou conservação do regime nazista na Alemanha. O Tribunal se considerou habilitado a julgar tão somente os crimes cometidos pela Alemanha contra as potências estrangeiras, deixando aos órgãos judiciários da própria nação alemã o encargo de julgar, de futuro, os crimes cometidos pelo nazismo em território alemão, contra súditos alemães. Dentro deste ângulo muito especial, o Tribunal não viu culpabilidade na atuação de von Papen, Fritzsche e Schacht. Mas também não cortou o caminho a que um tribunal germânico, apreciando não mais como em Nuremberg a atuação internacional da Alemanha nazista, mas a ação interior do Partido Nazista na Alemanha, submeta os três réus agora absolvidos, a novo julgamento, cujo desfecho pode ser a pena de morte.

Para resumir, nem é verdade que o Tribunal haja declarado o fato de alguém ter apoiado o nazismo não constitui crime, nem que haja garantido por sua absolvição, von Papen, Schacht e Fritzsche contra a aplicação de futuras penas por parte de tribunais germânicos.

O caso é outro. O tribunal declinou de julgar os crimes cometidos contra a Alemanha por alemães, chamando à sua barra tão somente os réus de crimes cometidos contra nações estrangeiras, ocupadas pelos nazistas durante a guerra, ou não. Foi de crimes desta natureza, isto é, de crimes internacionais, e só deles, que o Tribunal absolveu os três chefes pardos. 

II - Os crimes internacionais demonstrados no processo

Sem dúvida, considerada assim a atitude do Superior Tribunal de Nuremberg é passível de graves censuras. Não, porém, das censuras que habitualmente lhe estão sendo feitas.

Para que o leitor compreenda melhor o lado fraco da atitude do órgão judiciário inter-aliado, será conveniente capitular, antes de tudo, os crimes que ele reputou demonstrados ao longo do meticuloso e sereno processo a que presidiu. Extraímos este catálogo de crimes do próprio texto da sentença condenatória proferida pelos juizes aliados:

a) preparação de guerra mediante violação das obrigações internacionais contraídas em Versailles. Esta preparação começou com a chegada de Hitler ao poder;

b) enquanto a preparação prosseguia mais ou menos clandestinamente, o Reich subscrevia novos tratados de paz, amizade e não-agressão com diversos países que ulteriormente atacou;

c) anexação da Áustria e Checoslováquia, agressão à Polônia, Rússia, Dinamarca, Noruega, Bélgica, Holanda e Luxemburgo, e mais tarde à Iugoslávia e à Grécia;

d) crimes contra prisioneiros de guerra, demonstrados com "provas esmagadoras em número e clareza", diz a sentença. Estes crimes "resultam da concepção da guerra total", continua o documento, e chegaram a ser "fixados pormenorizadamente, muito tempo antes do ataque propriamente dito". Esses crimes são assassinato, trabalho forçado, os mais cruéis maus tratos contra prisioneiros de guerra de toda natureza. Contra a população não combatente, atrocidades levadas a efeito ou simplesmente planejadas, como as experiências executadas em prisioneiros de guerra russos, para obter um meio de propagar rapidamente epidemias na população civil da Rússia ocupada. Nos campos de concentração em que se recolhiam, tanto os prisioneiros de guerra quanto a população civil não combatente, dos países ocupados, funcionaram câmaras de gás e incineração de vítimas, e outros meios terríveis e modernos de extermínio. A sentença afirma que os seres humanos mortos ou atormentados nestes campos atingiram a vários milhões. Em um só setor da Rússia Meridional pereceram por estes processos noventa mil pessoas;

e) pilhagem metódica dos países ocupados, abrangendo não somente tesouros artísticos e científicos de renome internacional, mas grandes quantidades de objetos úteis à vida civil comum;

f) instituição do trabalho escravo na Alemanha, pela utilização de prisioneiros de guerra, ou simplesmente de habitantes de zonas ocupadas. Hitler chegou a se gabar de que 250 milhões de homens trabalhavam nestas condições para a vitória do nazismo, e mais 100 milhões trabalhavam indiretamente para o mesmo fim. Os trabalhadores desta categoria eram sujeitos a maus tratos e duras humilhações;

g) morticínio de grande quantidade de Israelitas. O relatório é, neste ponto, imensamente meticuloso. Menciona estatísticas alarmantes. Em um ano, só em um "depósito" especial de judeus, 90 mil deles foram exterminados. Na destruição do ghetto de Varsóvia foram mortos 56 mil judeus. Só no campo de Auschwitz foram executados entre 1º de maio de 1940 e 1º de dezembro de 1943 dois milhões e meio de judeus, sem falar em cerca de quinhentos mil que morreram de fome no mesmo lugar. Com os cadáveres - despojados das alianças, jóias e dentes de ouro eram levados ao Banco do Sr. Schacht. Nos campos de concentração, os prisioneiros eram imersos em água gelada, ou sujeitos a grandes altitudes (de temperatura, segundo parece, porque o telegrama é pouco claro), eram submetidos a experiências com balas envenenadas e com germes de moléstias contagiosas. Homens e mulheres foram esterilizados pelo Raio X e por outros processos. Com as cinzas das vítimas incineradas, ou com a gordura humana, fabricou-se sabão. Ao todo, calcula-se em 6 milhões o número de israelitas mortos. 

III - O gravíssimo erro do Tribunal

Não se compreende que, estando persuadido da realidade destes crimes, o Tribunal de Nuremberg inocente von Papen e Schacht. É absolutamente inadmissível que esses dois homens públicos, freqüentando diariamente os ambientes mais altos e reservados da administração nazista, gozando da confiança de chefes nazistas dos mais proeminentes, não tivessem conhecimento de todas, ou muitas das atrocidades que o nazismo estava praticando. Jamais a opinião mundial se convencerá de que von Papen e Schacht ignorassem tal. Há pelo mundo uns restos de bom senso ainda vivos, que impedem que o povo se engane até este ponto. Assim, pois, a solidariedade de ambos com os crimes imputados aos demais réus é tão evidente, que salta aos olhos.

E note-se que não se trata de uma solidariedade qualquer. Um e outro puseram ao serviço do regime nazista uma excepcional capacidade, e lhe prestaram benefícios que talvez só eles podiam prestar, e sem os quais o regime desabaria. Para evitar este desabamento, eles cooperaram com todo o seu talento e energia. Bastaria que em dado momento eles relaxassem um ou outro ponto, para por em risco toda a máquina nazista. Não o fizeram porém. É fato que eles não estavam matando gente nos campos de concentração. Mas fizeram mais em favor do regime do que todos os agentes secundários de Dachau. Foi em grande parte por obra deles, que o exercício continuado de tantas ignomínias foi possível. Sua absolvição é, pois, uma contradição berrante com as acusações formuladas pelo próprio Tribunal contra o governo germânico.

O mesmo se deve dizer das penas relativamente brandas a que foram sujeitos vários leaders nazistas. Quem acredita que estas penas sejam cumpridas até o fim? Quem não percebe que está latente um indulto dentro de alguns anos, para vários dos condenados? E quem pode não recear que eles saiam da cela para o nicho de pantheon de mártires nazistas? 

IV - O próprio critério adotado para a composição do Tribunal foi errado

É muito de notar que em todo o julgamento só vemos aparecerem erros e crimes depois da ascensão do nazismo ao poder. Isto implica no reconhecimento, pelo próprio Tribunal, de que o crime não é da Alemanha, é do nazismo.

Isto se comprova também de outra maneira. O Tribunal menciona de passagem, mas muito incisivamente, as violências praticadas pelos nazistas, para subirem ao poder, e para nele se conservarem.

Estas violências bem demonstram que havia resistência anti-nazista vivaz, em vários setores da opinião alemã. Isto é, aliás, geralmente conhecido.

Assim pois, a verdade a respeito desta guerra é que ela deveria representar não apenas uma legítima e honesta defesa de povos agredidos pela sanha nazista, mas uma verdadeira cruzada para libertar a Alemanha cristã do surto do neo-paganismo totalitário que nela havia pronunciado. A vitória não será, pois, alcançada propriamente contra a Alemanha, mas contra o nazismo. Tratar-se-ia, pois, agora de debelar o nazismo dentro da própria Alemanha, com o concurso de todas as correntes anti-nazistas que os aliados deveriam prestigiar e reanimar vigorosamente.

Longe de se desinteressar, pois, dos problemas internos alemães ou de dissociar o povo germânico do epílogo da guerra, os aliados deveriam submeter a Alemanha a um longo tratamento, em que todas as causas que provocaram o nazismo fossem pacientemente eliminadas. Uma política de descentralização vigorosa, com predomínio do sul católico sobre a Prússia luterana e militarista, e quiçá com o centro de gravidade do mundo germânico fixado em Viena, faria ao nazismo um mal irremediável. Esta política deveria ser reforçada por uma inteira liberdade de ação do Catolicismo, prestigiado pelas novas autoridades germânicas de todos os modos. De outro lado dever-se-ia evitar tudo que pudesse humilhar desnecessariamente os alemães, ou reduzi-los ao desespero pela fome. Era preciso demonstrar assim, e experimentalmente, que Hitler atirou o povo germânico contra um mundo que não lhe quer nenhum mal. A guerra pareceria inútil sacrifício aos alemães. E Hitler apareceria em sua verdadeira luz de malfeitor.

Dentro desta perspectiva, a composição do Tribunal deveria ter sido inteiramente outra. Não compreendemos porque, jamais, se cogitou de o retirar das mãos dos 4 grandes, para os entregar a um organismo composto de representantes de todos os beligerantes, e de potências neutras como a Suíça ou a Suécia. Este tribunal teria sua máxima garantia de imparcialidade se nele se admitissem alguns membros leigos da célebre e doutíssima Rota Vaticana, leaders alemães, italianos anti-fascistas, como Bruning, Sturzo ou Schuschnigg, etc.

Quem não percebe que com a participação do Vaticano e das potências neutras, como dos pequenos beligerantes, o Tribunal ganharia imensamente em prestígio?

O fato é que ele mesmo sentiu que o prestígio lhe faltava. É o que se pode depreender do imenso erro praticado por juristas abalizados, quando adotaram critério inteiramente falso para proceder ao julgamento. 

V - Foi falso o critério adotado pelo Tribunal na classificação dos crimes

Deixando ao povo alemão o encargo de julgar os crimes cometidos contra a Alemanha, o Tribunal tomou ares de quem diz que a Alemanha bem pouco lhe importa, e que ao mundo civilizado tanto se lhe dá o que uma malta de bandidos cometeu contra um dos maiores e mais gloriosos povos da terra. O que ao mundo civilizado importa é tão somente que estes bandidos ataquem os países vizinhos.

Se esta linguagem é insincera e encobre tão somente o propósito de assumir ares de insuspeição, não intervindo na política interna alemã, é ingênua e ineficaz. Não há um só homem sobre a face da terra que veja nos julgamentos de Nuremberg uma intervenção na política interna alemã, e os alemães serão naturalmente os primeiros a sentir isso assim. Neste caso, não seria muito melhor associar a Alemanha católica e anti-nazista ao julgamento de Nuremberg, e levar o processo até o fim, isto é, julgar também os crimes praticados pelos nazistas contra o próprio povo alemão?

Estes crimes são de um alcance internacional e não apenas interno. Se em casa do vizinho de A se cometerem crimes atrozes, a vida doméstica de A fica só por isso profundamente abalada, se bem que nenhuma das ações criminosas haja sido praticada fora do terreno de propriedade do criminoso. Este princípio vigora também em matéria internacional. É em virtude dele que os brancos têm proibido no Oriente e na África toda uma série de costumes desumanos. O mundo civilizado afirmar que não se importa que bandidos pratiquem contra a Alemanha as maiores atrocidades é em si mesmo uma atrocidade!

Assim, pois, o simples fato de que o Tribunal de Nuremberg haja feito abstração dos crimes internos do nazismo, é um golpe profundo na já tão abalada moral internacional de nossos dias.

Assim um erro atraiu o outro. A composição errada do Tribunal o levou a restringir erroneamente sua tarefa. E daí a desaprovação geral que cai sobre ele. 

VI - O tribunal firmou um princípio perigosísimo

Por sua conduta de oficial desinteresse em relação ao que ocorreu na Alemanha, o princípio firmado pelo Tribunal é de que só a Alemanha tem competência para se pronunciar sobre tal.

Quando o fará a Alemanha? Que Alemanha o fará? A Alemanha autêntica, católica na Fé ou ao menos nos costumes, a Alemanha de Bruning, de Faulhalber, de Bertram? O que será a Alemanha de amanhã? Em nossas notas, já temos assinalado que os aliados repetem um a um os erros de 1918. Daí não poderá ressurgir um novo nazismo, mil vezes mais terrível que o primeiro? Quem o pode prever? E é porque o mundo inteiro nota e sente isto, que todos estremecem ao ver que a punição de muitos condenados nazistas (os que ficaram sujeitos à reclusão) e a condenação dos absolvidos, será de futuro talvez uma mera “blague (brincadeira, piada, n.d.c.).

Uma coisa, porém, é absolutamente positiva: neste dia, quando um novo nazismo começar a se formar nas entranhas feridas da nação alemã a qual os aliados fizeram em 1945, todo o mal de 1918, os aliados não poderão protestar. Teremos afirmado pelo principio vitorioso de Nuremberg, que o que se dá dentro da Alemanha não é de nossa alçada. Teremos, pois, renunciado a qualquer intervenção dentro da Alemanha para evitar um novo nazismo.

Estas perspectivas são sombrias. Quem ousará dizer que são absurdas? 

VII - Epílogo

Mais uma vez as coisas acabam de se passar, inesperadamente de maneira tal, que se tivessem por objetivo conservar tanto quanto possível ainda vivo o nazismo, não seriam diversas do que tem sido.

A História consegue coisas fantásticas. Napoleão, um genuíno precursor de Hitler, salteador vulgar de povos, assassino, orgulhoso, interesseiro, mentiroso brutal e refinado, transformou-se em meados do século passado (XIX) no Napoleão da legenda, do pequeno Corso abnegado e patriótico, místico e afável, “sans peur et sans reproche” (sem medo e sem incriminação) como Bayard. De Marat, fez-se um grande homem, de Hitler se fará outro tanto. Saberão cercar do esplendor de uma grandeza troiana seu suicídio nos porões da chancelaria, com Eva Braum. A morte dos seus doze mártires (doze, número propicio a todas as comparações messiânicas) será celebrado aos acordes de Wagner. O que sucede na Itália com o cadáver de Mussolini prova como temos razão nestas previsões. Um pouco por toda a parte, os Degrelles poderão ressurgir. Nesta semana mesmo, o movimento de resistência nazista chamado "homens lobo" agiu mais energicamente do que nunca...

Para este desfecho, terá concorrido eficazmente a conduta do Tribunal de Nuremberg...

E para não omitir aspecto algum deste erro, mencionemos a facilidade com que serão considerados mártires os militares do supremo comando alemão, em má hora condenados pelo Tribunal.

O próprio Eisenhower se mostrou surpreso com tal condenação. É certo que estes generais cometeram crimes. Competia aos seus adversários julgá-los? Se depois de cada guerra o vencedor julgar o vencido como réu de injusta agressão (opinião que o vencedor tem sempre do vencido), onde iremos parar? Precisamente para julgar os militares do alto comando, só os neutros e o Vaticano poderiam ser juizes. Uma sentença justa vai ser maculada irremediavelmente por este fato clamoroso de haver sido pronunciada por países que evidentemente não têm imparcialidade nem autoridade para tal.


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