Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Há mouros na costa

 

 

 

 

 

Legionário, 28 de abril de 1946, N. 716, pag. 5

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Benjamin Disraeli (1804-1871, Primeiro Ministro do Reino Unido e Chanceler do Tesouro

O muito bem informado Disraeli dizia, no século passado, pela boca de um personagem do seu romance “Coningsby”: - “Bem percebeis, meu caro Coningsby, que o mundo é governado por seres completamente diferentes daqueles que imaginam os que não se acham nos bastidores”.

Os governantes que se acham no palco se limitam, portanto, a repetir para a ingênua plateia o que lhes é ditado pelos misteriosos personagens que se ocultam nos bastidores. Chegamos, porém, a uma fase em que os verdadeiros atores começam a aparecer pessoalmente diante do respeitável público e dizendo coisas que até aqui eram guardadas no mais profundo segredo, exceção feita de alguns fracos balões de ensaio.

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Está neste caso o plano de um governo mundial. Clemenceau, Briand e outros iniciados já haviam medrosamente aventado a ideia dos “Estados Unidos da Europa”, precursora e preparadora desse organismo universal.

Einstein agora, entre outros, nos fala claramente não mais de uma federação de Estados, mas de um Estado que terminará com a soberania dos diversos países, quer deem ou não sua adesão a esse governo mundial, um Super-governo mundial.

O físico e matemático relativista propõe que se confie à União Soviética a elaboração da Constituição desse Super-Estado mundial. Como está em moda a democracia, era de se esperar que em torno desse relevantíssimo assunto fosse dado o direito de opinar a todo o mundo livre, não somente os Estados, mas as instituições culturais e científicas que se dedicam a tais estudos. E de acordo com os modernos cânones democráticos, o ideal e normal seria a formação de um parlamento internacional para elaborar essa Carta Magna das Nações e dos povos. Que propõe, porém, Einstein?

“Bem andaríamos se confiássemos a discussão dessa constituição a um só americano, a um só inglês e a sum só russo. Cada um deles seria assistido de conselheiros, mas estes só dariam parecer quando tal lhes fosse pedido. Estou convencido de que três homens podem elaborar com êxito uma constituição viável e aceitável para todos eles. Seis, sete ou mais homens não seriam provavelmente tão bem sucedidos”.

Eis como Einstein considera a eficácia do poder legislativo através do regime democrático-parlamentar... E que critérios presidirá a escolha desses três membros em cujos ombros recairão tamanhas responsabilidades? Serão eles os verdadeiros autores dessa constituição ou serão manobrados dos bastidores? Que lei universal será essa? No caso de ser uma lei justa e exequível, que garantia terão os povos de que os responsáveis pela sua aplicação não a deformarão para finalidades inconfessáveis? Eis várias perguntas que o mundo verdadeiramente livre desejaria ver respondidas.

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E para o católico a resposta em parte já estaria dada, se se visasse a implantação de uma ordem tendente a promover o bem comum dos povos.

Com efeito, a ideia de uma sociedade das nações pertence a uma das mais vivas tradições da doutrina católica. O direito das gentes seria regido pelas leis emanadas do cristianismo e quanto à autoridade moral a que estaria confiada sua guarda, a resposta nos é dada por Pio XI na Encíclica “Ubi arcano Dei”: “Há uma instituição capaz de custodiar a santidade do direito das gentes: um instituto que pertence a todas as nações e é a todas superior: está dotado de máxima autoridade e é venerado por sua plenitude de magistério: - a Igreja de Cristo”.

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Na sua essência, porém, essa união dos Estados em um só organismo é de natureza completamente diversa da concepção que de tal sociedade sustenta o cosmopolitismo político.

Este cosmopolitismo visa a realização de um abstrato e utópico “Estado mundial”, entendido como comunidade de todos os homens. Semelhante ideal é acariciado, na época moderna, pelo utopismo de certas ideologias proletárias, segundo as quais se acredita poder dar vida mediante a união de todos os trabalhadores, a um Estado em que cada homem pudesse ser considerado como cidadão do universo”.

“Nesta doutrina está latente um equivocado conceito de fraternidade que deveria ter como condição sine qua non de sua realização um fato contrário à natureza, isto é, a eliminação de todos os graus associativos intermediários entre o indivíduo e a humanidade”.

“A doutrina cristã do direito internacional, que admite entre o indivíduo e a humanidade várias formas associativas naturais e insuprimíveis (Domus Urbis, Orbis), pode ser considerada como uma refutação do citado erro”.

“Entre o nacionalismo isolacionista e o utopismo cosmopolita, há lugar para uma doutrina, segundo a qual a indeclinável e fecunda fraternidade dos homens se realiza não na utópica comunidade política de todos e cada um dos homens, organizados em Estado universal, mas na comunidade de todos e cada um dos povos, organizados cada um como Estado, segundo os princípios do direito natural” (Anotações às mensagens de SS. Pio XII sobre os princípios básicos para uma ordem internacional – G. Gonella).

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Era o que propunha o Santo Padre Bento XV na Encíclica “Pacem” de 28 de maio de 1920:

“Seria de desejar vivamente que todos os Estados, afastando mútuos receios, se unissem em uma única Sociedade, melhor ainda, família de povos, já para garantir a própria independência, já para tutelar a ordem do consórcio civil”.

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Em lugar de um organismo internacional fundamentado na lei cristã em tudo que se refere à justiça e à caridade, o que vemos, porém, é o lançamento das bases de um Super-Estado totalitário-socialista que escravizará todos os povos, usando do argumento da força material. (...)